INTRODUÇÃO
Síndrome do choro assimétrico (assymetric crying face) foi descrita
pela primeira vez em 1931 por Parmelee ao observar o choro de um recém-nascido1. Trata-se de uma alteração congênita
secundária à hipoplasia ou ausência do músculo depressor do ângulo da boca. Pode
ocorrer em até 0,6% dos nascimentos2 e a
apresentação se dá com assimetria facial ao chorar e perda de saliva pela comissura
oral do lado afetado. Outros músculos da mímica facial não estão afetados3.
O diagnóstico pode ser clínico ou auxiliado por eletroneuromiografia. Associação com
outras malformações congênitas é possível, podendo ser do sistema gastrointestinal,
cardiovascular, esquelético, genitourinário e até sistema nervoso central. A
hipoplasia congênita do músculo depressor do ângulo da boca, no entanto, ocorre
isoladamente na maior parte dos casos4, sendo
discutível a investigação de outras anomalias congênitas2. Sua etiologia ainda não é bem definida, mas acredita-se que
seja multifatorial.
O diagnóstico clínico é mais difícil com o crescimento da criança, uma vez que com
o
passar dos anos o músculo risório e outros passam a dominar a expressão facial4. O principal diagnóstico diferencial dessa
condição é com traumas obstétricos e paralisia facial congênita, na qual existiriam
outras alterações da expressão facial como fechamento ocular deficitário, ausência
de rugas frontal e apagamento do sulco nasolabial.
O diagnóstico e o seguimento dessa síndrome é bem discutido e estabelecido na
literatura, no entanto, o tratamento da assimetria facial é pouco estudado,
existindo divergências quanto à conduta inicial para esses casos. Dessa forma,
apresentamos aqui um caso de uma criança com síndrome do Choro Assimétrico tratada
com sucesso com toxina botulínica no lado não afetado.
RELATO DO CASO
Paciente do sexo feminino, 9 anos, com queixa de assimetria da boca desde o
nascimento, atualmente sofrendo bullying na escola. Assimetria
estável durante todo o crescimento, com destaque maior da deformidade ao chorar
e
sorrir.
Segundo progenitora, gestação decorreu sem intercorrências. Antecedente pessoal
somente asma brônquica com uso eventual de corticoide inalatório.
Paciente foi avaliada por pediatra, que descartou malformações congênitas associadas.
Ao exame, apresentava-se sem alterações significativas no repouso (Figura 1), porém, o sorriso era assimétrico
devido à ausência da ação do músculo depressor do ângulo da boca do lado esquerdo
(Figura 2). Restante da musculatura facial
não tinha alterações clinicamente detectáveis (Figura 3).
Figura 1 - Repouso - Sem assimetria significativa.
Figura 1 - Repouso - Sem assimetria significativa.
Figura 2 - Assimetria da boca ao sorrir - Ausência de ação do depressor do
ângulo da boca do lado esquerdo.
Figura 2 - Assimetria da boca ao sorrir - Ausência de ação do depressor do
ângulo da boca do lado esquerdo.
Figura 3 - Exame físico dinâmico restante normal - Boa função do músculo
orbicular da boca.
Figura 3 - Exame físico dinâmico restante normal - Boa função do músculo
orbicular da boca.
Foram propostas para a paciente e progenitora as possibilidades terapêuticas.
Realizada, então, após consentimento da paciente e seu responsável, a aplicação
de 5
UI (unidades internacionais) de toxina botulínica do tipo A (Botox
®; Allergan) diretamente no músculo depressor do ângulo da boca do
lado direito (não afetado). Após 14 dias, foi verificado resultado insuficiente
(Figura 4) e reaplicados mais 5 UI (total
de 10 UI).
Figura 4 - Resultado após primeira aplicação - Aplicação de 5UI (unidades
internacionais) de Toxina Botulínica tipo A (Botox®;
Allergan).
Figura 4 - Resultado após primeira aplicação - Aplicação de 5UI (unidades
internacionais) de Toxina Botulínica tipo A (Botox®;
Allergan).
Paciente retornou satisfeita com o resultado, demonstrando simetria ao sorrir,
conforme verificado nas Figuras 5 e 6.
Figura 5 - Resultado final após segunda aplicação. Repouso - dose total de 10 UI
de toxina botulínica tipo A (Botox®;
Allergan).
Figura 5 - Resultado final após segunda aplicação. Repouso - dose total de 10 UI
de toxina botulínica tipo A (Botox®;
Allergan).
Figura 6 - Resultado final após segunda aplicação. Sorriso - dose total de 10 UI
de toxina botulínica tipo A (Botox®;
Allergan).
Figura 6 - Resultado final após segunda aplicação. Sorriso - dose total de 10 UI
de toxina botulínica tipo A (Botox®;
Allergan).
DISCUSSÃO
A síndrome do Choro Assimétrico já foi estudada extensamente em publicações na área
de pediatria, com enfoque sobre diagnóstico, seguimento necessário para essas
crianças, diagnósticos diferenciais e associações com outras malformações
congênitas, no entanto, pouco se discute sobre o tratamento da característica
central dessa condição: a assimetria facial secundária à hipoplasia do músculo
depressor do ângulo da boca.
O tratamento mais estudado e descrito na literatura mundial é o enfraquecimento do
lado sadio por meio de neurectomia seletiva de um ramo do nervo marginal da
mandíbula ou da miectomia do músculo depressor ângulo da boca5. Udagawa et al.6
descreveram uma intervenção cirúrgica no lado afetado, na qual foi realizado enxerto
de fáscia lata em 7 crianças com assimetria facial ao chorar, demonstrando bons
resultados. Outras inúmeras formas invasivas também já foram publicadas como:
transferência microcirúrgica funcional, enxerto de fáscia e até transposição do
músculo digástrico.
As modalidades de tratamento propostas em outros estudos têm como desvantagem a
necessidade de uma intervenção cirúrgica, expondo, dessa forma, as crianças ao
risco
anestésico. Por isso, alternativas menos invasivas foram também estudadas como
o
bloqueio seletivo de ramo do nervo marginal da mandíbula e a aplicação de toxina
botulínica.
Tulley et al.7 demonstraram em 2000 a aplicação
de toxina botulínica em 5 pacientes adultos que apresentavam paralisia facial
isolada do ramo marginal da mandíbula, com ótimos resultados. Isken et al.8 publicaram, em 2009, dois casos de crianças,
uma com 4 anos e outro com 16 meses, com assimetria facial ao chorar tratadas
com
sucesso com toxina botulínica no lado não afetado, discutindo, nesse trabalho,
os
benefícios de uma abordagem terapêutica simples para crianças com deformidade
facial
que podem eventualmente apresentar dificuldades psicossociais e introversão.
A toxina botulínica já é utilizada com segurança em diversas afecções infantis como
espasticidade na paralisia cerebral, estrabismo, distonias e hiperidrose, por
isso,
há evidências suficientes que demonstram segurança no seu uso em crianças8.
Apresentamos aqui o caso de uma criança de 9 anos com assimetria facial da boca ao
sorrir e chorar, extremamente incomodada com sua condição física. Foi realizado
um
tratamento seguro, rápido e fácil com o uso da toxina botulínica, demonstrando
um
bom resultado e com satisfação total da paciente.
COLABORAÇÕES
LGMPM
|
Análise e/ou interpretação dos dados; concepção e desenho do estudo;
metodologia; redação - preparação do original; redação - revisão e
edição.
|
HAN
|
Análise e/ou interpretação dos dados; conceitualização; investigação;
realização das operações e/ou experimentos; redação - revisão e edição;
supervisão.
|
REFERÊNCIAS
1. Parmelee AH. Molding due to intra-uterine posture. Facial paralysis
probably due to such molding. Am J Dis Child. 1931;42(5):1155-9. DOI: http://dx.doi.org/10.1001/archpedi.1931.01940180105017
2. Sapin SO, Miller AA, Bass HN. Neonatal assymetric crying facies: a
new look at an old problem. Clin Pediatr (Phila). 2005;44(2):109-19. DOI:
http://dx.doi.org/10.1177/000992280504400202
3. Ulualp SO, Deskin R. Congenital unilateral hypoplasia of depressor
anguli oris. Case Rep Pediatr. 2012;2012:507248.
4. Lahat E, Heyman E, Barkay A, Goldberg M. Asymmetric crying facies
and associated congenital anomalies: prospective study and review of the
literature. J Child Neurol. 2000;15(12):808-10. DOI: http://dx.doi.org/10.1177/088307380001501208
5. Baker DC. Facial paralysis. In: McCarthy JG, ed. Plastic Surgery.
Volume 3. Philadelphia: Saunders; 1990. p. 2237-319.
6. Udagawa A, Arikawa K, Shimizu S, Suzuki H, Matsumoto H, Yoshimoto S,
et al. A simple reconstruction for congenital unilateral lower lip palsy. Plast
Reconstr Surg. 2007;120(1):238-44. DOI: http://dx.doi.org/10.1097/01.prs.0000264062.64251.10
7. Tulley P, Webb A, Chana JS, Tan ST, Hudson D, Grobbelaar AO, et al.
Paralysis of the marginal mandibular branch of the facial nerve: treatment
options. Br J Plast Surg. 2000;53(5):378-85. DOI: http://dx.doi.org/10.1054/bjps.2000.3318
8. Isken T, Gunlemez A, Kara B, Izmirli H, Gercek H. Botulinum toxin
for the correction of assymetric crying facies. Aesthet Surg J.
2009;29(6):524-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.asj.2009.08.017
1. Clínica Essere, São Paulo, SP,
Brasil.
Autor correspondente: Luiz Guilherme de
Moraes Prado Mazuca
Rua Maranhão - 192
São Paulo, SP, Brasil CEP
01240-000
E-mail: luiz.mazuca@gmail.com/
lgmazuca@uol.com.br
Artigo submetido: 01/05/2018.
Artigo aceito: 04/06/2018.
Conflitos de interesse: não há.