INTRODUÇÃO
A importância estético-funcional tornou a reconstrução do nariz uma prioridade desde
a antiguidade, sendo que os primeiros registros são datados em 3000 a.C., no Papiro
Cirúrgico de Edwin Smith, no antigo Egito1. Em
600 a.C., Sushruta descreveu no livro Aruyeda a reconstrução do nariz com retalho
médio-frontal e geniano2,3. No século XIX, Johann Friedrich Dieffenbach
popularizou o uso do retalho nasogeniano4.
Herbert, em 1975, constatou que a pele da região nasogeniana é ideal na cor e
textura para reconstrução nasal5.
Alguns aspectos da reconstrução nasal estão estabelecidos na literatura, como
proposto por Burget e Menick6. Assim, a
reconstrução do nariz deve respeitar as subunidades estéticas nasais,
individualizando dorso, ponta, columela, asas, paredes laterais e triângulos moles.
Estes autores propõem que toda a subunidade deva ser reconstruída quando estiver
comprometida em mais de 50% e que as incisões sejam feitas de forma a deixar as
cicatrizes camufladas nos limites destas subunidades.
Outros dois importantes aspectos recomendados são a reposição da cobertura de pele
com a maior semelhança possível da original em espessura, dimensão, cor e textura,
e
a restauração de sua intrincada estrutura tridimensional7,8.
Idealmente, a cirurgia deve restaurar a estética nasal para não ser notada a
distância de conversação normal.
Nestes termos, uma grande variedade de retalhos locais é descrita na literatura. Na
escolha de um retalho local para a reconstrução de defeitos parciais do nariz
o
cirurgião se guia pelas características do paciente, pelas condições técnicas
e
locais oferecidas em cada circunstância e pela própria experiência, considerando
que
a confecção de um retalho requer o conhecimento da anatomia e do movimento dos
tecidos9.
O câncer de pele localiza-se comumente na face, em especial na região nasal10. Por óbvio, o tratamento envolve tanto
questões reparadoras quanto estéticas, tendo como objetivo a cura e a menor
deformidade possível.
A incidência do câncer de pele não melanoma na região de cabeça e pescoço é de 75%,
sendo 30-35% no nariz. A distribuição desses tumores no nariz segue um padrão
homogêneo, sendo, na maioria da literatura, a asa nasal a subunidade mais acometida
(21-30%), seguida do dorso e da ponta11.
Respeitando os preceitos da reconstrução nasal, a reconstrução da asa é um desafio,
principalmente visando a manutenção do sulco alar, da prega supra-alar, da simetria
da narina e da borda narinária, com cicatrizes reduzidas.
OBJETIVO
Assim, o objetivo deste trabalho é descrever o retalho nasogeniano de interpolação
na
reconstrução de defeitos da asa nasal decorrentes da ressecção de tumores
cutâneos.
MÉTODOS
Avaliação
O sucesso da exérese da neoplasia cutânea e da reconstrução da asa nasal
inicia-se com avaliação meticulosa da lesão, bem como da definição de suas
margens. Realiza-se a demarcação da área que seria ressecada, por inspeção, e
planeja-se a reconstrução do defeito. Geralmente, para defeitos cutâneos da asa
nasal, é necessário suporte estrutural com cartilagem para evitar estenose
narinária ou insuficiência da válvula nasal externa.
Indicação
O retalho nasogeniano de interpolação é indicado para defeitos da asa nasal em
que não há indicação de síntese primária ou de retalho de avanço em VY da
própria asa, em que não há comprometimento dos sulcos alar e supra-alar. A pele
da região nasogeniana, com seus poros e glândulas sebáceas, assemelha-se à do
terço distal do nariz.
Marcação
O retalho nasogeniano de interpolação consiste em um retalho desenhado sobre o
sulco nasogeniano, com pedículo superior, baseado nos ramos subcutâneos das
artérias facial, labial e angular.
Assim, desenhou-se o retalho com a borda inferior sobre o sulco melolabial
ipsilateral, com largura igual ao comprimento vertical da asa, com base superior
ao nível da prega supra-alar, e com extensão um pouco maior que o comprimento
horizontal da asa e que se permita um fechamento uniforme e sem tensão da área
doadora. Este retalho pode ser peninsular, baseado em um pedículo cutâneo, ou
em
ilha, baseado no subcutâneo, devendo manter um ângulo de pivotagem de 90 graus
em direção medial.
Marcou-se, também, o enxerto de cartilagem da concha do pavilhão auricular, em
extensão pouco maior que o comprimento horizontal da asa nasal.
Cirurgia
Os tumores foram ressecados com margens de segurança e confirmaram-se as margens
livres após avaliação pelo método de congelação. Confeccionou-se o retalho,
mantendo a dissecção distal fina e aprofundando, proximalmente, até o plano do
músculo zigomático-maior. Coletou-se a cartilagem da concha, com acesso
posterior, mantendo-o com formato de lua crescente, com as faces
côncavo-convexo.
Prosseguiu com a colocação do enxerto de cartilagem sobre o defeito, com as
extremidades inseridas sob a pele da ponta nasal e do sulco alar, e fixou na
pele/cartilagem alar subjacente com fios absorvíveis.
Realizou-se a rotação do retalho em direção a linha média, com a borda medial do
retalho suturada na topografia do sulco supra-alar, e a borda lateral suturada
ao limite inferior do defeito. Na maioria da vezes, desprezou-se a porção distal
do retalho. O pedículo do retalho de interpolação cruzou por cima do sulco alar,
poupando-o. Este pedículo exposto pode ser de pele e subcutâneo ou apenas de
subcutâneo.
Procedeu-se à síntese primária da área doadora em 2 planos, com a sutura sobre o
sulco nasogeniano, promovendo uma boa camuflagem do sítio doador do retalho.
Envolveu o pedículo exposto com rayon, para evitar aderências, com o cuidado
de
evitar a compressão do mesmo.
Num período de 21 a 28 dias, seccionou-se o pedículo e desprezou o tecido
redundante. Neste tempo, pode-se levantar cautelosamente até 0,5 a 1 cm do
retalho em sua porção lateral, retirando o excesso e esculpindo o subcutâneo.
Na
separação do retalho, o sulco alar permanece completamente natural, visto que
não houve incisão ou dissecção nesta região.
Dependendo das queixas estéticas, após 2 a 3 meses, realizou-se um terceiro tempo
cirúrgico, com novos refinos.
RESULTADOS
Foram operados 5 pacientes com tumores de pele não melanoma de asa nasal em que se
realizou o retalho nasogeniano de interpolação para reconstrução. Relatamos 2
casos,
um com pedículo cutâneo e subcutâneo e outro com pedículo somente subcutâneo.
Caso 1
Paciente, sexo feminino, 66 anos, Fitzpatrick II. Apresentava 3 lesões em nariz
(asa direita, asa esquerda e ponta). Realizada exérese das lesões, com sutura
primária em asa direita, enxerto em ponta e retalho nasogeniano de interpolação
em asa esquerda, com pedículo subcutâneo, associado a enxerto de cartilagem
auricular conchal direita. Confirmado histopatologicamente o diagnóstico de
carcinoma basocelular nodular e micronodular, com margens livres, em asa direita
e ponta. Na asa esquerda, confirmou-se carcinoma basocelular nodular,
micronodular e esclerodermiforme, com todas as margens cirúrgicas livres de
comprometimento neoplásico (Figuras 1,
2 e 3).
Figura 1 - Paciente com marcações cirúrgicas: área de ressecção de asa nasal
E + retalho nasogeniano de interpolação.
Figura 1 - Paciente com marcações cirúrgicas: área de ressecção de asa nasal
E + retalho nasogeniano de interpolação.
Figura 2 - A: Defeito pós ressecção da lesão; B:
Enxerto de cartilagem de concha auricular; C: Síntese
do retalho nasogeniano de interpolação com pedículo subcutâneo e da
área doadora.
Figura 2 - A: Defeito pós ressecção da lesão; B:
Enxerto de cartilagem de concha auricular; C: Síntese
do retalho nasogeniano de interpolação com pedículo subcutâneo e da
área doadora.
Figura 3 - Pós-operatório 3 meses. A: Preservação dos sulcos
alar e supra-alar; B: Boa semelhança cutânea do
retalho; C: Simetria dos orifícios narinários.
Figura 3 - Pós-operatório 3 meses. A: Preservação dos sulcos
alar e supra-alar; B: Boa semelhança cutânea do
retalho; C: Simetria dos orifícios narinários.
Caso 2
Paciente, sexo feminino, 70 anos, Fitzpatrick III. Apresentava lesão em nariz
(asa esquerda). Realizada exérese da lesão, com retalho nasogeniano de
interpolação, com pedículo cutâneo + subcutâneo, associado a enxerto de
cartilagem auricular conchal esquerda. Confirmado histopatologicamente o
diagnóstico de carcinoma basocelular nodular e micronodular, com margens livres
de comprometimento neoplásico (Figuras 4,
5 e 6).
Figura 4 - Paciente com tumor em asa asal esquerda.
Figura 4 - Paciente com tumor em asa asal esquerda.
Figura 5 - A: Defeito pós-ressecção da lesão; B:
Enxerto de cartilagem de concha auricular; C: Síntese
do retalho nasogeniano de interpolação com pedículo cutâneo e da
área doadora.
Figura 5 - A: Defeito pós-ressecção da lesão; B:
Enxerto de cartilagem de concha auricular; C: Síntese
do retalho nasogeniano de interpolação com pedículo cutâneo e da
área doadora.
Figura 6 - Pós-operatório 3 meses. A: Preservação dos sulcos
alar e supra-alar; B: Boa semelhança cutânea do
retalho; C: Simetria dos orifícios narinários.
Figura 6 - Pós-operatório 3 meses. A: Preservação dos sulcos
alar e supra-alar; B: Boa semelhança cutânea do
retalho; C: Simetria dos orifícios narinários.
DISCUSSÃO
Com o aumento da expectativa de vida e também da incidência do câncer de pele,
torna-se de grande relevância a avaliação dos resultados cirúrgicos sob o ponto
de
vista oncológico e estético. Assim, a reconstrução de asa nasal após exérese de
tumores de pele não melanoma constitui-se em um desafio cada vez mais frequente.
A reconstrução da asa nasal deve respeitar seus limites, de acordo com o conceito
de
subunidades proposto por Burget e Menick. Deve-se, portanto, planejar a reconstrução
para que as cicatrizes fiquem camufladas nos limites da subunidade, e que a
cobertura de pele apresente a maior semelhança possível com a original.
A versatilidade do retalho nasogeniano é bem reconhecida na reconstrução do nariz,
sendo utilizado na forma de avanço, transposição ou interpolação. A razão
predominante para o uso do retalho nasogeniano de interpolação na reconstrução
da
asa nasal, ao invés das modalidades transposição e avanço, é que estes deformam
o
sulco alar, o qual representa uma importante junção topográfica entre o nariz,
região malar e lábio superior. Sempre que possível, deve-se evitar retalhos que
cruzem regiões estéticas distintas, especialmente quando o relevo das margens
é
côncavo. Assim, o retalho nasogeniano de transposição viola o sulco alar,
obliterando o vale entre a região alar e a geniana (Figura 7).
Figura 7 - Retalho Nasogeniano de Transposição, com obliteração do sulco
alar.
Figura 7 - Retalho Nasogeniano de Transposição, com obliteração do sulco
alar.
A asa nasal é uma unidade estética importante, com uma margem livre e função de
válvula nasal externa. Para restauração da função na reconstrução da asa nasal,
é
necessário um suporte de cartilagem para resistir as forças de contração, promovendo
uma válvula externa estável, mesmo que nesta subunidade não exista arcabouço
cartilaginoso. Assim, deve-se realizar um enxerto de cartilagem, usualmente
auricular conchal, sob o retalho.
Outra vantagem do retalho nasogeniano é a cobertura cutânea de ótima qualidade, visto
que os poros e a natureza sebácea da porção medial da região geniana assemelha-se
ao
terço caudal do nariz.
Uma desvantagem do retalho de interpolação nasogeniano é a necessidade de dois ou
três tempos cirúrgicos, sendo o primeiro tempo para exérese da lesão e confecção
do
retalho, o segundo tempo para secção do pedículo e um possível terceiro tempo
para
ajustes finos do retalho. Outra desvantagem do retalho nasogeniano em homens é
a
possível transferência de folículos pilosos, os quais podem ser removidos também
no
terceiro tempo cirúrgico.
CONCLUSÃO
O retalho nasogeniano de interpolação é uma excelente opção na reconstrução da asa
nasal após exérese de tumores cutâneos. Apesar da necessidade de dois ou três
tempos
operatórios, o resultado estético final é recompensador, gerando satisfação estética
e funcional.
COLABORAÇÕES
RLS
|
Análise dos dados; concepção e desenho do estudo; realização das
operações; redação do manuscrito; aprovação final do manuscrito.
|
LCVTJ
|
Realização das operações; redação do manuscrito.
|
CAK
|
Aprovação final do manuscrito.
|
LF
|
Aprovação final do manuscrito.
|
REFERÊNCIAS
1. González-Ulloa M. The Creation of Aesthetic Plastic Surgery. New
York: Springer-Verlag; 1985.
2. Whitaker IS, Karoo RO, Spyrou G, Fenton OM. The birth of plastic
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twenty-first century. Plast Reconstr Surg. 2007;120(1):327-36.
3. Destro MWB. Reconstrução do Nariz. In: Mélega JM, ed. Cirurgia
Plástica Fundamentos e Arte - Princípios Gerais. Rio de Janeiro: Medsi; 2002.
p.
912-29.
4. Dieffenbach JF. Die Nasenbehandlung. In: Dieffenbach JF. Die
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5. Herbert DC, Harrison RG. Nasolabial subcutaneous pedicle flaps. Br J
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10. Santos ABO, Loureiro V, Araújo Filho VJF, Ferraz AR. Estudo
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pescoço. Rev Bras Cir Cabeça Pescoço. 2007;36(4):230-3.
11. Netscher DT, Spira M. Basal Cell Carcinoma: An Overview of Tumor
Biology and Treatment. Plast Reconstr Surg.
2004;113(5):74e-94e.
1. Hospital do Servidor Público Estadual de
São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
Autor correspondente: Rafael Luis
Sakai
Av. Ibirapuera, 981 - 5º andar - Vila Clementino
São Paulo,
SP, Brasil CEP 04029-000
E-mail: rafa_sakai@yahoo.com
Artigo submetido: 01/06/2013.
Artigo aceito: 17/05/2018.
Conflitos de interesse: não há.