INTRODUÇÃO
A lipoaspiração tem seu esboço iniciado por Charles Dujarrier na década de 20 do
século passado com a curetagem do tecido adiposo1. Apresentou, à época, grande número de complicações.
Em 1982, Illouz2 revoluciona o procedimento ao
utilizar um instrumento rombo conectado a um dispositivo de sucção. Técnica que
ganhou grande popularidade pela redução drástica das complicações. Hoje, consiste
no
melhor tratamento do tecido adiposo. Nos anos 90, Klein3 introduz o método da lipoaspiração tumescente e Zocchi4 a lipoaspiração assistida por ultrassom.
Em 2015 foi a segunda cirurgia plástica mais realizada no mundo, segundo a
International Society for Aesthetic Plastic Surgery (ISAPS),
com 1.394.588 casos. No Brasil foi a cirurgia plástica mais realizada, com 182.765
casos5.
A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica mostra números semelhantes, com a
lipoaspiração ocupando quase um terço (32%) de todos os procedimentos realizados
pela especialidade no país6. Cerca de 16,07%
dos processos judiciais na Cirurgia Plástica são devido à lipoaspiração6.
Apesar de sua importância, ainda não existe um padrão para realizar o
procedimento7 e muito menos uma
uniformidade no ensino de cirurgiões em treinamento.
A lipoaspiração possui complicações potencialmente letais. Grazer & Jong8 relatam que em 23% dos óbitos a causa foi o
tromboembolismo pulmonar, seguido da perfuração abdominal, com 14,6%.
Um estudo de padronização pode impactar na redução dessas complicações e no aumento
da segurança do paciente.
OBJETIVO
Relatar uma amostra da prática da lipoaspiração por diferentes cirurgiões plásticos
do Brasil.
MÉTODOS
Aplicou-se questionário (Anexo 1) para cirurgiões de diferentes faixas etárias e
regiões do Brasil inscritos e presentes no 52º Congresso Brasileiro de Cirurgia
Plástica, ocorrido dos dias 12 a 15 de novembro de 2015, em Belo Horizonte, MG.
O
trabalho seguiu os princípios de Helsinque durante sua elaboração e a publicação
dos
resultados foi autorizada pelos participantes.
RESULTADOS
Obteve-se um total de duzentos e quarenta e três (n = 243) questionários
preenchidos.
Foi proposto para cada entrevistado a realização de uma lipoaspiração de tronco
anterior e posterior (Figura 1). O número de
incisões variou de 2 a 16, com média de 9 incisões por cirurgia (Figura 2). Duzentos e vinte e oito (94%)
cirurgiões preferem posicioná-las em locais cobertos pela roupa íntima ou biquíni.
Cento e oitenta e cinco (76%) realizam incisões na cicatriz umbilical. Cento e
noventa e quatro (80%) posicionam a cicatriz na linha mediana/paramediana e 18
(7,5%) incisam na região lateral entre as linhas axilares anterior e posterior.
Figura 1 - Verso do questionário com desenho esquemático para posicionamento das
incisões.
Figura 1 - Verso do questionário com desenho esquemático para posicionamento das
incisões.
Figura 2 - Gráfico mostrando o número de incisões realizadas por cada
cirurgião.
Figura 2 - Gráfico mostrando o número de incisões realizadas por cada
cirurgião.
Com relação aos vetores do movimento, a maioria dos cirurgiões realizam movimentos
da
região mediana para a lateral tanto na região anterior quanto na posterior (99%
e
97%, respectivamente). Movimentos das áreas laterais para a mediana são realizados
por 5% e 11% dos cirurgiões, respectivamente.
Sob a justificativa de aspiração de um maior volume de gordura, duzentos e dezenove
(90%) cirurgiões afirmaram realizar lipoaspiração profunda, abaixo da fáscia de
Scarpa. Enquanto isso, cento e quarenta e três (59%) cirurgiões justificam a
lipoaspiração superficial a fim de obter um melhor resultado do contorno corporal
(Figura 3).
Figura 3 - Gráfico mostrando a profundidade da lipoaspiração realizada pelos
cirurgiões.
Figura 3 - Gráfico mostrando a profundidade da lipoaspiração realizada pelos
cirurgiões.
Cerca de metade dos entrevistados utiliza a anestesia geral para a realização do
procedimento. Cento e sete (44%) utilizam a anestesia peridural e 15 (6%) a
raquianestesia.
Duzentos e nove (86%) cirurgiões realizam mudança de decúbito durante a cirurgia,
utilizando-se tanto do decúbito ventral quanto dorsal. Apenas 34 (14%) realizam
a
lipoaspiração somente em decúbito dorsal (Figura 4).
Figura 4 - Gráfico mostrando o posicionamento do paciente durante a
lipoaspiração.
Figura 4 - Gráfico mostrando o posicionamento do paciente durante a
lipoaspiração.
Cento e vinte e seis (52%) observam a pressão do aparelho de lipoaspiração, oitenta
e
sete (36%) realizam o procedimento sob pressão controlada.
DISCUSSÃO
Constatou-se uma grande variação quantitativa e qualitativa quanto as incisões. O
número variou cerca de 800%. A literatura defende a realização de uma menor
quantidade possível de incisões, que permita a lipoaspiração adequada da área
desejada e túneis subcutâneos, cruzados entre si de maneira perpendicular9. O posicionamento correto das incisões também
visa reduzir a exposição das cicatrizes resultantes9, o que já é observado em 94% dos casos.
A grande maioria dos cirurgiões realiza via de acesso para lipoaspiração a partir
da
linha mediana/paramediana, tanto na porção anterior quanto na posterior (99% e
97%
respectivamente). Esse acesso mediano/paramediano pode ser a explicação para que
grande parcela dos profissionais (86%) necessite da mudança de decúbito para a
lipoaspiração do dorso.
A lipoaspiração com o paciente em decúbito ventral deve ser realizada com ênfase na
monitorização adequada do paciente, a fim de evitar possíveis complicações como:
lesões cervicais, lesões oculares, embolia gasosa, tromboembolismo venoso10, bradicardia e parada
cardiorrespiratória10,11. Neste questionário, complicações
relacionadas à mudança de decúbito foram de 5%, porém todas sistêmicas e de
potencial gravidade.
A maioria dos entrevistados (90%) realiza lipoaspiração profunda, ou seja, abaixo
da
fáscia de Scarpa. Contudo, apesar da literatura defender que a lipoaspiração
superficial aumenta a chance de complicações locais como retrações cicatriciais,
discromia da pele e abrasões12, cerca de 60%
dos especialistas ainda usam essa técnica. Uma pequena parcela (9%) defende apenas
a
lipoaspiração superficial por receio de perfuração de cavidades.
Não houve um predomínio absoluto de técnica anestésica. A anestesia empregada é de
preferência do cirurgião ou do centro em que o procedimento é realizado. Contudo,
em
lipoaspirações de grandes volumes, aconselha-se a utilização da anestesia geral
devido ao risco de vasodilatação e hipotensão importantes11. A anestesia geral permite um maior controle da utilização
de drogas, movimentação do paciente e manejo das vias aéreas13. No Brasil verificamos que a maioria dos procedimentos é
realizada com anestesia geral. Em segundo lugar, com uma grande parcela dos
procedimentos, ficou a peridural.
Constatou-se pouca preocupação dos cirurgiões (35%) em observar e/ou controlar a
pressão do aparelho de lipoaspiração. A indefinição de uma pressão ideal até hoje
na
literatura deixa uma importante variável em aberto. Já existem autores que defendem
a lipoaspiração sob baixa pressão, o que reduziria a perda sanguínea e o trauma
local14. Esse fato foi corroborado
recentemente em trabalhos sobre lipoenxertia que demonstram dano celular em pressões
negativas elevadas (≥13,5 PSI)15. Se
existe correlação entre a pressão negativa, dano tecidual e resposta inflamatória
sistêmica no pós-operatório, o controle dessa pressão deveria ser considerado
uma
rotina na prática do cirurgião.
CONCLUSÃO
Conclui se que a prática da lipoaspiração no Brasil apresenta grande diversidade de
técnicas e pouca padronização.
Observa se a necessidade de maiores estudos sobre o procedimento de cirurgia plástica
mais realizado no Brasil, na busca de conhecimento e uniformização de sua prática
e
de seu ensino ideal com o objetivo de reduzir o número de intercorrências e aumentar
a segurança do paciente.
COLABORAÇÕES
GMCS
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Análise e/ou interpretação dos dados; análise estatística; concepção e
desenho do estudo; realização das operações e/ou experimentos; redação
do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.
|
SMC
|
Aprovação final do manuscrito; concepção e desenho do estudo.
|
MHLR
|
Análise e/ou interpretação dos dados; análise estatística; realização das
operações e/ou experimentos; redação do manuscrito ou revisão crítica de
seu conteúdo.
|
CSS
|
Análise e/ou interpretação dos dados; aprovação final do manuscrito.
|
LMF
|
Análise e/ou interpretação dos dados; aprovação final do manuscrito.
|
REFERÊNCIAS
1. Fodor PB. Reflections on lipoplasty: history and personal
experience. Aesthet Surg J. 2009;29(3):226-31. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.asj.2009.02.007
2. Illouz YG. Body contouring by lipolysis: a 5-year experience with
over 3000 cases. Plast Reconstr Surg. 1983;72(5):591-7. PMID: 6622564 DOI:
http://dx.doi.org/10.1097/00006534-198311000-00001
3. Klein JA. The tumescent technique. Anesthesia and modified
liposuction technique. Dermatol Clin. 1990;8(3):425-37.
4. Zocchi M. Ultrasonic-assisted lipoplasty. Adv Plast Reconstr Surg.
1998;11:197-221.
5. International Society for Aesthetic Plastic Surgery (ISAPS). ISAPS
International Survey on Aesthetic/Cosmetic. Hanover (NH): ISAPS; 2015 [acesso
2018 Maio 29]. Disponível em: https://www.isaps.org/wp-content/uploads/2017/10/2016-ISAPS-Results-1.pdf
6. Cirurgia Plástica Segura. Revista Brasileira de Cirurgia Plástica -
Edição Especial 2016.
7. Khanna A, Filobbos G. Avoiding unfavorable outcomes in liposuction.
Indian J Plast Surg. 2013;46(2):393-400. DOI: http://dx.doi.org/10.4103/0970-0358.118618
8. Grazer FM, Jong RH. Fatal outcomes from liposuction: census survey
of cosmetic surgeons. Plast Reconstr Surg. 2000;105(1):436-46. DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00006534-200001000-00072
9. Shiffman MA. Prevention and treatment of liposuction complications.
In: Shiffman MA, Di Giuseppe A, eds. Liposuction - Principles and Practice. 1st
ed. New York: Springer; 2006. p. 333-41.
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Br J Anaesth. 2008;100(2):165-83. DOI: http://dx.doi.org/10.1093/bja/aem380
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Resuscitation. 2001;50(2):233-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/S0300-9572(01)00362-8
12. Kim YH, Cha SM, Naidu S, Hwang WJ. Analysis of postoperative
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Reconstr Surg. 2011;127(2):863-71. PMID: 21285789 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/PRS.0b013e318200afbf
13. American Society of Plastic Surgeons (ASAPS). Practice Advisory on
Liposuction: Executive Summary; Arlington Heights: ASAPS; 2003 [acesso 2018 Maio
29]. Disponível em: https://www.plasticsurgery.org/documents/medical-professionals/health-policy/key-issues/Executive-Summary-on-Liposuction.pdf
14. Elam MV, Packer D, Schwab J. Reduced negative pressure liposuction
(RNPL): Could less be more? Int J Aesth Restor Surg.
1997;5:101-4.
15. Shiffman MA, Mirrafati S. Fat transfer techniques: the effect of
harvest and transfer methods on adipocyte viability and review of the
literature. Dermatol Surg. 2001;27(9):819-26.
Questionário.
Nome:
___________________________________________________________________________________________________________ E
mail:
___________________________________________________ Aspirante:
_____ Especialista: _____ Titular:_____
1 - Você
trabalha com lipoaspiração? ( ) SIM ( )
NÃO
2 - Você já teve caso de óbito relacionado à
lipoaspiração? ( ) SIM ( ) NÃO
3 - Se sim,
qual foi o problema primário?
4 - Você já teve
complicação sistêmica em lipoaspiração? ( ) SIM ( )
NÃO
5 - Se sim, qual foi?
6 - Qual
foi o desfecho/sequela?
7 - Qual tipo de
anestesia você prefere para lipoaspiração?
8 -
Você vira doente de decúbito ventral para aspirar o
dorso? ( ) SIM ( ) NÃO
9 - Já teve
complicação específica desse momento? Qual?
10 -
Qual incisão você utiliza para aspirar dorso
torácico?
11 - Qual incisão você utiliza para
aspirar região lombo sacral?
12 - Qual incisão
você utiliza para aspirar abdômen?
13 - Qual
incisão você utiliza para aspirar flanco?
14 - Se
você já teve algum caso de perfuração, qual foi o local? Qual
foi a incisão?
15 - Você faz lipoaspiração
profunda? Por quê?
16 - Você faz lipoaspiração
superficial? Por quê?
17 - Você já teve
complicação local em lipoaspiração? Qual?
18 -
Você sabe o valor da pressão negativa do seu
lipoaspirador? ( ) SIM ( ) NÃO
19 - Você
regula ou controla a pressão do aparelho durante o
procedimento? ( ) SIM ( ) NÃO
20 - Se
afirmativo, qual pressão do lipoaspirador você considera
ideal?
|
1. Hospital Felício Rocho, Belo Horizonte, MG,
Brasil.
2. Universidade Federal de São Paulo, São Paulo,
SP, Brasil.
Autor correspondente: Gustavo Moreira Costa
de Souza
Rua Timbiras, 3642/504 - Barro Preto
Belo Horizonte, MG,
Brasil CEP 30140-062
E-mail: gustavomcsouza@gmail.com
Artigo submetido: 27/06/2017.
Artigo aceito: 17/05/2018.
Conflitos de interesse: não há.