INTRODUÇÃO
Os primeiros casos relatados de abdominoplastia datam de 1899, quando Kelly realizou
uma ampla ressecção transversa em um abdome em pêndulo1. Atualmente, a cirurgia plástica abdominal evoluiu com uma incisão
transversal baixa e com descolamento do retalho até a exposição do rebordo costal
e
da região subxifoídea. A plicatura da aponeurose dos músculos reto abdominais
é
feita para a correção da diástase dos mesmos e em seguida é realizada a ressecção
do
excesso de pele e lipectomia2.
A abdominoplastia é responsável pela restauração do contorno corporal por meio da
retirada do excesso de pele e gordura associada à tonificação da parede abdominal
em
decorrência da plicatura dos músculos reto abdominais. As complicações cirúrgicas
podem ser locais ou sistêmicas. As locais são: epiteliólise, deiscência de sutura,
hematoma, seroma, infecção, cicatrizes hipertróficas, queloides e necrose. Já
as
sistêmicas são trombose venosa profunda e trombo embolia pulmonar. O seroma está
entre as complicações mais comuns da abdominoplastia; dessa forma, é importante
saber os fatores de risco para sua formação a fim de preveni-los.
O índice de massa corporal (IMC) é uma medida internacional usada para calcular se
um
indivíduo está no peso ideal. Foi desenvolvido por Lambert Quételet no fim do
século
XIX. Trata-se de um método fácil e rápido para a avaliação do nível de gordura
corporal, sendo o preditor internacional de obesidade adotado pela Organização
Mundial da Saúde (OMS).
Por apresentar algumas desvantagens como a não diferenciação entre sexo feminino e
masculino e não fornecer a porcentagem relativa de gordura em relação à massa
magra
(livre de gordura) o IMC, deve ser usado idealmente em conjunto com outros métodos
de avaliação de composição corporal (antropometria, bioimpedância). Apesar dessas
desvantagens, devido a sua fácil aplicabilidade, o IMC ainda é umas das medidas
mais
utilizadas mundialmente.
OBJETIVO
A finalidade desse estudo é associar o excesso de peso como fator de risco para a
formação do seroma. Fatores de risco como doenças pré-existentes, hábitos, idade
e
tempo de permanência do dreno também serão analisados.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo retrospectivo com revisão de 94 prontuários de pacientes
submetidos à abdominoplastia clássica no Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados
da
Santa Casa de Misericórdia de São José do Rio Preto, SP, realizadas no período
de
novembro de 2010 a novembro de 2013.
No estudo, foram excluídas as abdominoplastias em âncora, higiênicas, secundárias,
pacientes que fizeram seguimento pós-operatório nas clínicas privadas e
abdominoplastias combinadas à cirurgia intracavitária. Pacientes tabagistas, com
cicatrizes prévias em abdome como colecistectomia aberta (Kocher) ou
videolaparoscópica, ginecológica (Pfannenstiel) e mediana infraumbilical não foram
excluídas. Os pacientes deste estudo eram todos do sexo feminino, classificadas
em
ASA 1 ou 2 seguindo a tabela da American Society of
Anestesiologists.
A abdominoplastia foi indicada para pacientes que apresentavam excesso de pele, e
nos
quais havia possibilidade de ressecção total do retalho infraumbilical ou parcial,
proporcionando cicatriz em “T” invertido (cicatriz mediana perpendicular à cicatriz
arciforme resultante da abdominoplastia clássica).
Na revisão dos prontuários, foram obtidos dados como: idade, sexo, IMC, doenças
pré-existentes, hábitos e tempo de permanência de dreno a vácuo, o qual era retirado
quando o débito era igual ou inferior a 50 ml em um período de 24h. As pacientes
tabagistas ou que faziam uso de anticoncepcional suspenderam os mesmos no mínimo
30
dias antes da cirurgia.
A técnica cirúrgica era realizada com a paciente em decúbito dorsal horizontal sob
anestesia geral ou peridural, incisão abdominal suprapúbica transversal baixa
de uma
crista ilíaca a outra. Faz-se o descolamento do retalho abdominal no plano
supra-aponeurótico, com a desinserção da cicatriz umbilical do mesmo, estendendo
o
descolamento até a exposição dos arcos costais e da região subxifoídea.
A plicatura da aponeurose dos músculos reto abdominais foi realizada para a correção
da diástase e posteriormente feita a dermolipectomia. A nova cicatriz umbilical
foi
reposicionada e a fixação do retalho abdominal à aponeurose do músculo reto
abdominal feito com pontos de adesão. O dreno de sucção a vácuo foi colocado através
de orifício em região púbica.
O diagnóstico do seroma foi realizado pelo exame físico das pacientes pela
visualização de abaulamentos à palpação abdominal. No primeiro retorno ambulatorial
(entre o terceiro ou quarto pós-operatório) foi colocado o modelador corporal.
RESULTADOS
O seroma foi diagnosticado em 16 pacientes (17,02%) e o IMC variou de 26,87 a 36
Kg/m2 (média de 26,87). A Tabela 1 demonstra a distribuição do seroma de acordo com o IMC.
Tabela 1 - Distribuição do seroma de acordo com o índice de massa corporal
(IMC).
IMC |
No total de pacientes por categoria de
IMC
|
No de pacientes com seroma
|
Porcentagem de pacientes por categoria de IMC que
desenvolveram seroma
|
< 25 Kg/m2 |
21 |
2 |
9,52% |
25-29.9 Kg/m2 |
58 |
12 |
20,68% |
30-34.9 Kg/m2 |
14 |
2 |
14,28% |
35-39.9 Kg/m2 |
1 |
0 |
0% |
≥40 Kg/m2 |
0 |
0 |
0% |
Total |
94 |
16 |
17,02% |
Todos os Pacientesacima do Peso (IMC ≥25)* |
73 |
14 |
19,17% |
Tabela 1 - Distribuição do seroma de acordo com o índice de massa corporal
(IMC).
Quando somadas todas as pacientes acima do peso considerado normal (n = 73),
observou-se que 14 apresentaram seroma (19,17%). Em contrapartida, as pacientes
com
IMC considerado normal (n = 21) cursaram com apenas 2 casos de seroma (9,52%).
Todavia, esta análise não teve diferença estatística relevante.
A idade das pacientes variou de 17 a 62 anos (média de 40,32 anos). Na Tabela 2, as pacientes com seroma foram
estratificadas conforme a faixa etária. Ao correlacionar a idade como fator de
risco, observou-se que 10 pacientes acima de 40 anos apresentaram seroma comparado
a
6 pacientes abaixo de 40 anos (p < 0,465).
Tabela 2 - Pacientes com seroma distribuídas por faixa etária.
Faixa Etária |
Nº de pacientes com seroma |
% |
20-29 |
2 |
12,50 |
30-39 |
4 |
25,00 |
40-49 |
5 |
31,25 |
50-59 |
3 |
18,75 |
≥60 |
2 |
12,50 |
Total |
16 |
100 |
Tabela 2 - Pacientes com seroma distribuídas por faixa etária.
As doenças pré-existentes acometiam 19 pacientes e, dentre eles, quatro possuíam duas
comorbidades associadas. A hipertensão arterial sistêmica teve a maior prevalência
(n = 10), seguida pelo tabagismo (n = 4) conforme demonstra a Tabela 3.
Tabela 3 - Prevalência de comorbidades e hábitos.
Comorbidades |
Nº de pacientes |
% |
HAS |
7 |
7,44 |
Tabagismo |
3 |
3,19 |
Hipotireoidismo |
2 |
2,12 |
Artrite |
2 |
2,12 |
Traço Falciforme |
1 |
1,06 |
Câncer de Mama Tratado + HAS |
1 |
1,06 |
HAS + Diabetes Mellitus |
1 |
1,06 |
Tabagismo + Diabetes Mellitus |
1 |
1,06 |
HAS + Hipotireoidismo |
1 |
1,06 |
Total |
19 |
20.21 |
Tabela 3 - Prevalência de comorbidades e hábitos.
A permanência de uso do dreno de sucção variou de 1 a 12 dias (média de 2,93 dias).
As pacientes que mantinham débito alto (>50 ml em período de 24h) ficaram com
o
dreno até atingir os valores preconizados para sua retirada.
Ao comparar o tempo de permanência de dreno, obteve-se o seguinte resultado: 56
pacientes ficaram apenas um dia com o dreno, dos quais 13 apresentaram seroma.
Por
seu lado, dos 38 pacientes que permaneceram com dreno por mais de um dia, apenas
3
apresentaram seroma (p < 0,0554).
DISCUSSÃO
O seroma é uma das complicação mais frequentes em abdominoplastias3, devendo o cirurgião estar atento às suas
causas para preveni-las. O mecanismo proposto para a formação de fluido seroso
é: a
interrupção das estruturas vasculares e linfáticas, o desenvolvimento do espaço
morto durante o extenso descolamento subcutâneo do retalho abdominal, as forças
de
cisalhamento do deslocamento entre o retalho e a parede abdominal e a liberação
de
mediadores inflamatórios4.
Para a formação do seroma, os principais fatores predisponentes são: obesidade,
grandes perdas ponderais (resultam em um sistema linfático hipertrófico), a extensão
da área de descolamento do retalho dermogorduroso, cicatriz supraumbilical prévia
(por funcionar como uma barreira à drenagem linfática) e a associação de
lipoaspiração2,5.
Kim & Stevenson6 analisaram a formação de
seroma em pacientes submetidos à abdominoplastia e observaram que pacientes com
sobrepeso ou obesidade apresentaram incidência maior de seroma (38%) em relação
aos
pacientes com peso normal (19%). Do mesmo modo, Najera et al.7 descrevem que pacientes acima do peso têm risco aumentado para
formação de seroma quando comparados aos que possuem IMC normal.
Neste estudo, quando somadas todas as pacientes acima do peso normal (n = 73),
observou-se que 14 destas pacientes apresentaram seroma (19,17%). Em contrapartida,
as pacientes com IMC normal (n = 21) cursaram com apenas 2 casos de seroma (9,52%).
Estes dados, porém, não permitem afirmar que o aumento do IMC acarretou em aumento
na incidência do seroma (p < 325).
Quanto ao tempo de permanência de dreno, dos 56 pacientes que ficaram com um dia de
dreno, 13 cursaram com seroma; já dos 38 pacientes que permaneceram com mais de
um
dia de dreno, apenas 3 apresentaram seroma. Esses dados não obtiveram relevância
estatística (p < 0,0554), porém, o resultado apresenta
relevância clínica, sugerindo que pacientes que mantiveram o dreno em um período
maior que um dia obtiveram incidência menor de seroma. Nurkim et al.2 acreditam que os drenos de sucção com drenagem
ativa prolongada são eficazes na prevenção de seroma e hematoma.
Neste estudo tanto a idade quanto a presença de doenças pré-existentes e o tabagismo
não implicaram em um índice maior de seroma quando analisadas pelos testes de
Fisher
e Qui-quadrado quando comparados isoladamente. Matarasso5 descreve que idade, por si, não é considerada variável de
risco.
Novas técnicas cirúrgicas demonstram resultados promissores com relação às
complicações em abdominoplastia. Com o advento da lipoabdominoplastia, Saldanha
et
al.8,9 descrevem os benefícios da preservação vascular e linfática
por meio de uma padronização de um descolamento seletivo entre as bordas internas
dos músculos reto abdominal, dessa forma reduzindo significativamente os índices
de
complicações, assim como Di Martino et al.3,
que apontam uma redução na incidência de seroma em lipoabdominoplastia quando
comparada à abdominoplastia clássica.
CONCLUSÃO
A formação do seroma de ser considerada como uma causa multifatorial. Grandes
descolamentos do retalho abdominal devem ser evitados, outras medidas como redução
no tempo operatório, pontos de adesão, uso de modelador compressivo e repouso
adequado do paciente devem ser consideradas. Neste estudo os fatores de risco
analisados não demonstraram estaticamente aumento na incidência de seroma. Todavia,
a permanência do dreno de sucção por um período maior que um dia demonstrou ser
eficaz na prevenção do seroma.
COLABORAÇÕES
TMN
|
Análise e/ou interpretação dos dados.
|
FGLS
|
Análise estatística.
|
LFA
|
Concepção e desenho do estudo.
|
ERBRG
|
Aprovação final do manuscrito.
|
VMS
|
Redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.
|
REFERÊNCIAS
1. Kelly HA. Report of gynaecological cases (excessive growth of fat).
John Hopkins Med J. 1899;10:197-201.
2. Nurkim MV, Mendonça LB, Martins PAM, Silva JLB, Martins PDE.
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3. Di Martino M, Nahas FX, Novo NF, Kimura AK, Ferreira LM. Seroma em
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4. Arantes HL, Rosique RG, Rosique MJF, Mélega JMA. Há necessidade de
drenos para prevenir seroma em abdominoplastias com pontos de adesão? Rev Bras
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7. Najera RM, Asheld W, Sayeed SM, Glickman LT. Comparison of seroma
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9. Saldanha OR, Federico R, Daher PF, Malheiros AA, Carneiro PR,
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1. Santa Casa de Misericórdia de São José do
Rio Preto, São José do Rio Preto, SP, Brasil.
Autor correspondente: Tarik Michel
Nassif
Rua Vergueiro, 1950
São Paulo, SP, Brasil CEP 04102-000
E-mail: tariknassif@yahoo.com.br
Artigo submetido: 15/12/2013.
Artigo aceito: 17/05/2018.
Conflitos de interesse: não há.