ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Articles - Year2000 - Volume15 - Issue 1

RESUMO

O nevo comedônico é uma anomalia cutânea rara, caracterizada clinicamente por pápulas agrupadas, levemente elevadas, com tampão ceratótico escuro e firme. Trata-se de lesão de conformação linear ou zosteriforme, que tem sido tratada por meio de métodos conservadores ou cirúrgicos.
A presente publicação refere-se a uma paciente jovem com extenso nevo comedônico em região inframamária esquerda, submetida a exérese cirúrgica da lesão, com a utilização de técnica de retalho por deslizamento.

Palavras-chave: Nevo comedônico; tratamento cirúrgico; retalho por deslizamento

ABSTRACT

Nevus comedonicus is a rare cutaneous abnormality clinically characterized by slightly prominent grouped papules with dark and firm keratotic pad. It consists in a linear or zosteroid lesion that has been treated by means of conservative or surgical methods. The present paper refers to a young female patient with extensive nevus comedonicus at left inframammary region submitted to lesion surgical exeresis using sliding flap technique.

Keywords: Nevus comedonicus; surgical treatment; sliding-flap


INTRODUÇÃO

O nevo comedônico é uma anormalidade cutânea rara, descrita pela primeira vez por Kofmann(1) em 1895, na Alemanha. Selhorst(2) descreveu, em 1896, o primeiro caso na literatura britânica e Cohite(3), em 1914, na literatura americana. Desde então, poucos relatos foram feitos(4,5,6). Trata-se de um desenvolvimento anormal do aparato pilosebáceo, resultando em uma estrutura incapaz de produzir pêlos, mas capaz de formar queratina(4,7). Essa entidade já recebeu mais de 16 nomes na literatura, mas o termo "nevo comedônico" é o mais aceito(4).

Caracteriza-se clinicamente por pápulas agrupadas, levemente elevadas, com um tampão ceratótico escuro e firme, semelhantes a comedões(8). As lesões usualmente apresentam uma distribuição linear ou zosteriforme; no entanto, têm sido descritos casos com extenso envolvimento bilateral(9,10). O local mais freqüentemente atingido é a face, seguida pela região cervical, tronco e extremidades superiores(1), mas já foram descritas lesões palmares, plantares e do escalpo (9,12). O nevo comedônico está, na maioria dos casos, presente ao nascimento, mas pode se tornar visível em qualquer período da vida(10). Não há evidência de predileção por sexo, e a raça branca parece ser a mais freqüentemente atingida(4). Essa entidade pode estar associada a outras lesões de pele ou anormalidades do sistema nervoso central, sistema musculoesquelético e olhos(13).

As abordagens terapêuticas do nevo comedônico têm incluído o uso de agentes ceratolíticos tópicos, a extração manual dos comedões, a dermoabrasão e a excisão cirúrgica das lesões(1,4,8).

A presente publicação refere-se ao caso de uma paciente jovem, com extenso nevo comedônico na região inframamária esquerda.


RELATO DO CASO

Paciente de 15 anos, branca, feminina, foi-nos encaminhada para avaliação e tratamento de lesão de pele, compatível com nevo comedônico. A lesão, de localização inframamária esquerda, surgiu aos 6 anos de idade, sob a forma de pequenas pápulas agrupadas, semelhantes a comedões, que começaram na região esternal e se estenderam até a linha axilar anterior, formando uma extensa lesão de distribuição zosteriforme. A paciente referiu episódios intermitentes de infecção, com formação de cistos e pústulas, tratados com antibioticoterapia sistêmica e tópica, além de drenagem. Houve formação de cicatrizes atróficas após esses episódios. A paciente negou outras patologias sistêmicas e não apresentou outras alterações cutâneas. Devido à recorrência das infecções, apesar dos tratamentos conservadores realizados, optou-se pela ablação cirúrgica da lesão.


Fig. 1 - Aspecto pré-operatório: lesão na região inframamária esquerda, estendendo-se da linha axilar anterior à região pré-esternal.


Fig. 2 - Lesão em placa, com folículos dilatados e preenchidos por rolhas córneas. Presença de áreas atrofico-cicatriciais e áreas abscedadas.



Foi realizado planejamento cirúrgico de ressecção completa da lesão em forma de elipse horizontal, abrangendo a pele e o tecido celular subcutâneo. Como a lesão acometia também a base do pólo inferior da mama, foram tomados cuidados visando à preservação da sua forma. Realizou-se amplo retalho por deslizamento na região epigástrica à esquerda que permitisse a oclusão da área cruenta de ressecção. A borda do retalho epigástrico foi ancorada na aponeurose muscular antes de ser suturada à mama, para reduzir a tensão e, conseqüentemente, a distorção do cone mamário. Foi realizada sutura em dois planos, subcutâneo e pele. No pós-operatório, foi continuada a antibioticoterapia com cefalexina, iniciada 24 horas antes da cirurgia. Os drenos foram retirados no terceiro dia de pós-operatório, com pequenas coleções nos seus pertuitos.

O processo de cicatrização foi normal, apresentando, no entanto, moderado alargamento cicatricial nos pontos de maior mobilidade e nos locais dos drenos.

O estudo anatomopatológico confirmou o diagnóstico clínico de nevo comedônico, demonstrando a presença de porosidades pardacentas difusamente distribuídas na superfície da lesão. Ao corte, foram observadas pequenas cavidades císticas preenchidas por material pardacento e pastoso.


DISCUSSÃO

O nevo comedônico é uma patologia rara. Um estudo retrospectivo realizado nos Hospitais St. George e St. Johns, em Londres, ao longo de 20 anos revelou uma incidência de 1:45.000(14). Outro estudo, publicado por Marcus e col.(4), revelou uma incidência de 12 casos em uma revisão de 100.000 biópsias de pele.

As lesões, em geral, estão presentes ao nascimento ou se desenvolvem na puberdade. É provável que o surgimento da lesão em fase puberal se deva à maior atividade das estruturas pilosebáceas induzida por hormônios que ocorre nessa fase(10). Têm sido descritos casos de aparecimento mais tardio, com pacientes de até 67 anos de idade(4).

Tipicamente, o nevo comedônico aparece como uma agregação de folículos pilosos dilatados, preenchidos por material queratinoso pigmentado. Podem ser encontradas lesões unilaterais ou bilaterais, com distribuição linear ou zosteriforme(9,10). Pode haver envolvimento de qualquer parte do corpo, incluindo face, escalpo, região cervical, tronco, membros e região palmar e plantar. No presente caso, a lesão tinha conformação zosteriforme, unilateral, localizada na região inframamária esquerda. Clinicamente, o nevo comedônico pode ser dividido em dois grupos: um, no qual a formação de comedões ocorre sem predomínio supurativo, e outro, no qual as formações císticas, infecções recorrentes, fistulas, abscessos e cicatrizes são os achados predominantes. O caso relatado enquadra-se neste último grupo.

A anamnese e o exame físico da paciente não demonstraram nenhuma patologia associada, embora na literatura existam vários relatos de outras anormalidades acompanhando o nevo comedônico(8,9,13). As patologias associadas descritas incluem catarata, ictiose, nevo linear de células basais, cisto triquelêmico, elastoma intrapapilar, anormalidades vasculares, ausência do quinto dedo, além de outras alterações do sistema nervoso central e sistema musculoesquelético(8,9,11,13,15).

O nevo comedônico, em geral, surge espontaneamente, mas têm sido descritos casos de aparecimento dessa lesão após episódios de herpes zoster, líquen plano, vacinação, furúnculo ou traumatismo local(10). No caso em questão, a paciente negou a presença de lesões ou traumatismos prévios.

As principais características histológicas do nevo comedônico incluem invaginações amplas e profundas da epiderme, preenchidas por material córneo(16), como no caso em questão. Podem ser encontrados bulbos capilares, pêlos finos ou pequenos lóbulos de glândulas sebáceas na porção inferior das invaginações(8,9,12).


Fig. 3 - Retalho por deslizamento com ampla dissecção de abdome superior.


Fig. 4 - Tração do retalho de abdome superior para reparação de área cruenta pós-ressecção.


Fig. 5 - Sutura subcutânea, subdérmica e intradérmica no sulco submamário, preservando o cone mamário.



O nevo comedônico deve ser tratado não apenas por questões cosméticas, mas também para prevenir complicações (infecções com supuração e cicatrizes residuais)(5). As diferentes abordagens terapêuticas incluem retinóides tópicos, agentes ceratolíticos, retinóides orais, antibioticoterapia, extração manual de comedões, dermoabrasão e ressecção cirúrgica da lesão(4,8,11). A excisão completa da lesão parece ser o tratamento mais adequado(1,4,5). No entanto, sua extensão e sua localização muitas vezes limitam o procedimento, o que faz com que o nevo comedônico se torne um problema terapêutico(5,6). No presente caso, a paciente foi submetida a diversos tratamentos conservadores, sem obter melhoras significativas. A abordagem cirúrgica com excisão completa foi o tratamento de escolha. Além da preocupação em ressecar completamente a lesão, foram tomados cuidados com os aspectos estéticos. No ato da ressecção, preservou-se a forma do cone mamário. Foi realizada ancoragem do retalho epigástrico na aponeurose do músculo grande peitoral, quando do fechamento da área de ressecção, para evitar a tração sobre o cone mamário.


Fig. 6 - Anatomopatológico da lesão.


Fig. 7 - Aspecto pós-operatório (2 meses) .



BIBLIOGRAFIA

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I. Prof. Titular da Disciplina de Cirurgia Plástica da Faculdade de Medicina da Universidade de Caxias. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.
II. Médico Residente em Dermatologia na ISCMPA.
III. Acadêmicos do 6º ano de Medicina da FFFCMPA/ISCMPA.

Endereço para correspondência:
Luiz Carlos Celi Garcia
R. Ernesto Alves, 581
Caxias do Sul - RS - 95020-360

 

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