ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Case Report - Year2018 - Volume33 - Issue 1

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2018RBCP0021

RESUMO

INTRODUÇÃO: No presente trabalho, relatamos um caso de reconstrução do terço proximal do émero direito e reanimação do cotovelo de um paciente masculino, de 20 anos, vítima de acidente automobilístico, com necrose óssea de 5 cm no terço proximal do úmero e avulsão do bíceps braquial.
MÉTODOS: Utilizamos o retalho ósseo da escápula, associado ao retalho miocutâneo do grande dorsal, tendo como pedículo os vasos subescapulares.
RESULTADOS: O paciente teve excelente evolução no pós-operatório, apresentando-se, no pós-operatório de 2 meses, com consolidação óssea e iniciando a flexão do cotovelo.
CONCLUSÕES: Perante a utilização do retalho descrito, concluímos que esta modalidade de retalho se insere no arsenal dos retalhos ósseos de maior segurança nas reconstruções ósseas em geral.

Palavras-chave: Cotovelo; Úmero; Retalho miocutâneo; Mésculos superficiais do dorso; Oesteonecrose.

ABSTRACT

INTRODUCTION: We report a case of reconstruction of the proximal third of the right humerus and rehabilitation of the elbow in a 20-year-old male patient who was injured in an automobile accident and developed bone necrosis of 5 cm at the proximal third of the humerus and avulsion of the brachial biceps.
METHODS: A scapular bone flap was used, together with a latissimus dorsi myocutaneous flap, using subscapular vessels for the pedicle.
RESULTS: The patient had excellent postoperative course, presenting in the 2-month postoperative period with bone consolidation and initiation of elbow flexion.
CONCLUSIONS: This flap modality is a safe and useful option for bone reconstruction.

Keywords: Elbow; Humerus; Myocutaneous flap; Superficial muscles of the back; Osteonecrosis.


INTRODUÇÃO

O retalho ósseo da margem lateral da escápula vem sendo bastante estudado e utilizado nas éltimas três décadas, principalmente após os primeiros trabalhos anatômicos a se interessarem em estudar esta área doadora óssea, descrevendo pela primeira vez a técnica de elevação do retalho e sua vascularização proveniente de ramos dos vasos circunflexos da escápula1.

Estes trabalhos iniciais foram posteriormente confirmados por outro autor que também estudou amplamente a anatomia da escápula, contribuindo para o conhecimento anatômico desta região2. Em 1986, foi apresentada a maior série de casos clínicos, utilizando o retalho ósseo da escápula em 26 pacientes com sucesso, confirmando a segurança deste retalho3.

Em 1988 pesquisadores introduziram e descreveram um segundo pedículo vascular para a margem lateral da escápula, proveniente não só da artéria circunflexa da escápula, mas também da artéria toracodorsal e seus ramos angulares4.

Na década de 1990 foi publicada uma série de 36 dissecções anatômicas confirmando os trabalhos precedentes e suas aplicações em 8 pacientes, que foram submetidos à transferência pediculada de retalho escapular utilizando os dois pedículos separadamente5. Após estes estudos, as aplicações do retalho da margem lateral da escápula não param de evoluir, sendo utilizado com sucesso na reconstrução óssea de membros e da face6,7.


Considerações anatômicas

1. Sistema circunflexo escapular: a margem lateral da escápula é vascularizada principalmente por dois sistemas ou pedículos. O mais importante é representado pela artéria circunflexa escapular, ramo da artéria subescapular que, ao longo de seu trajeto no interior do triângulo omotricipital, emite colaterais aos mésculos vizinhos e ramos ósseos periosteais e medulares destinados à margem lateral da escápula.

2. O sistema toracodorsal: Os ramos angulares da artéria toracodorsal foram descritos como fonte vascular para a ponta da escápula, mas também para a margem lateral via uma rede anastomótica entre os vasos angulares e os ramos ósseos do sistema circunflexo da escápula4.

Baseados nestes estudos, relatamos a seguir um caso clínico no qual utilizamos o retalho ósseo da margem livre da escápula para a reconstrução óssea do terço superior do émero, associado ao retalho musculocutâneo do grande dorsal para a reanimação da flexão do cotovelo, utilizando o pedículo subescapular com as artérias circunflexa da escápula e toracodorsal.


OBJETIVO

O objetivo do trabalho é o de relatar um caso de reconstrução do terço proximal do émero e reanimação do cotovelo utilizando o retalho ósseo da escápula associado com o retalho miocutâneo do grande dorsal com pedículo énico nos vasos subescapulares.


MÉTODOS

Este trabalho é um relato de caso no qual o paciente foi atendido no Hospital das Clínicas de Fernandópolis, em Fernandópolis, SP, no ano de 2001. Foi realizada uma revisão bibliográfica a partir de livros, publicações nacionais e internacionais que foram obtidos por meio de consulta a quatro bases de dados, sendo elas Medline (compilada da National Library of Medicine, dos EUA), Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe de Informação em Ciências da Saéde), Bireme e da Organização Pan-Americana da Saéde (OPAS)/OMS) e consultas ao portal PubMed.

Nas bases de dados identificamos os resumos pertinentes ao tema e selecionamos os artigos que foram lidos na íntegra para podermos identificar os diferentes métodos de tratamento utilizados para a reconstrução osteomuscular e discutir a aplicabilidade do retalho osteomiocutâneo da escápula, um procedimento complexo e de extrema dificuldade técnica.

Este relato de caso foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - FAMERP.


RELATO DO CASO

A.J.O., 20 anos, masculino, vítima de acidente automobilístico há um ano, com avulsão do bíceps braquial e fratura exposta do terço proximal do émero direito. O paciente apresentava no pré-operatório exposição e necrose óssea de 5 cm no terço proximal do émero, além da incapacidade de fletir o cotovelo. Fora submetido a três curetagens ósseas prévias e apresentava-se há um ano em uso contínuo de antibioticoterapia (Figura 1).


Figura 1. Pré-operatório mostrando exposição e necrose óssea do terço proximal do émero, além da destruição da musculatura flexora do antebraço.



Decidimos pela indicação do retalho osteomiocutâneo da escápula e grande dorsal para a reconstrução óssea do émero e reanimação do cotovelo. O retalho foi transferido de maneira pediculada na artéria subescapular, utilizando um duplo pedículo (artéria circunflexa da escápula e artéria toracodorsal), tomando-se o cuidado de não desvascularizar o mésculo redondo maior e não desnervar o mésculo serrátil anterior para evitar a ocorrência de escápula alada (Figuras 2 e 3).


Figura 2. Desenho mostrando o esquema de elevação do retalho e sua vascularização. A: Escápula; B: Úmero; C: Cabeça Longa do tríceps; D: Redondo maior; E: Redondo menor; 1: Artéria axilar; 2: Artéria subescapular; 3: Artéria circunflexa da escápula; 4: Artéria toracodorsal.


Figura 3. Intraoperatório, paciente em decébito lateral esquerdo. Observa-se a borda lateral da escápula direita já elevada, juntamente com o mésculo grande dorsal e sua pela suprajacente.



O paciente teve excelente evolução no pós-operatório, apresentando-se, no pós-operatório de 2 meses, com consolidação óssea e iniciando a flexão do cotovelo (Figura 4).


Figura 4. Pós-operatório de 2 meses mostrando a área reconstruída e o paciente iniciando a flexão do cotovelo.



DISCUSSÃO

O retalho ósseo da margem lateral da escápula apresenta grandes vantagens na reconstrução do émero em relação a outros retalhos ósseos mais utilizados para este fim, como o retalho de crista ilíaca e o retalho de fíbula:


- Proximidade da área receptora: o retalho pode ser transposto de maneira pediculada, sem a necessidade da utilização de técnica microcirúrgica;

- Segurança: o sistema subescapular é, sem contestação, o mais utilizado no mundo na confecção e transposição de retalho, havendo grandes séries de trabalhos publicados demonstrando sua segurança e pouca variação anatômica;

- Diversidade de elevações possíveis: não existe outra área doadora de retalhos onde se pode associar a maior diversidade de retalhos possíveis, partindo desde um retalho cutâneo escapular e paraescapular, passando pelo retalho muscular do serrátil anterior e o retalho muscular, musculocutâneo e osteomiocutâneo (com a décima costela) do grande dorsal, até a associação destes retalhos com o retalho da margem lateral da escápula;

- Qualidade do osso transferido: a margem lateral da escápula é um excelente osso corticoesponjoso ricamente vascularizado, tornando sua reconstrução de qualidade superior à da costela, por exemplo;

- Presença de pedículo longo: proporcionando um grande arco de rotação a este retalho e maior segurança e facilidade em casos de transferências livres.



CONCLUSÃO

Perante a utilização do retalho da margem lateral da escápula descrito neste trabalho e juntamente com inémeros trabalhos anatômicos e clínicos já publicados, concluímos que o retalho osteomiocutâneo da escápula é uma excelente opção em casos de grandes perdas teciduais no membro superior. Pode ser elevado de maneira pediculada com segurança, como demonstrado, também pode ser associado à transposição do mésculo grande dorsal e sua pele suprajacente. Seu pedículo é de fácil dissecção e visualização e, além da escápula, podemos utilizar a costela como fonte doadora óssea. Como retalho ósseo, este retalho, ao lado do retalho da crista ilíaca e da fíbula, insere-se no arsenal dos retalhos de maior utilização e segurança nas reconstruções ósseas em geral e, principalmente, no membro superior.


COLABORAÇÕES

HRPF Análise e/ou interpretação dos dados; análise estatística; aprovação final do manuscrito; concepção e desenho do estudo; realização das operações e/ou experimentos; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.

JAF Redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo; realização das operações e/ou experimentos.

JAF Realização das operações e/ou experimentos.

GM Realização das operações e/ou experimentos.


REFERÊNCIAS

1. Téot L, Bosse JP, Moufarrege R, Papillon J, Beauregard G. The scapular crest pedicled bone graft. Int J Microsurg. 1981;3:257-62.

2. dos Santos LF. The vascular anatomy and dissection of the free scapular flap. Plast Reconstr Surg. 1984;73(4):599-604. PMID: 6709742 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00006534-198404000-00014

3. Swartz WM, Banis JC, Newton ED, Ramasastry SS, Jones NF, Acland R. The osteocutaneous scapular flap for mandibular and maxillary reconstruction. Plast Reconstr Surg. 1986;77(4):530-45. PMID: 3952209 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00006534-198604000-00003

4. Deraemaecker R, Thienen CV, Lejour M, Dor P. The serratus anterior scapular free flap: a new osteomuscular unit for reconstruction after radical head and neck surgery. In Proceedings of the Second International Conference on Head and Neck Cancer; 1988 Jul 31-Aug 5; Boston, MA, USA.

5. Coleman JJ 3rd, Sultan MR. The bipedicled osteocutaneous scapula flap: a new subscapular system free flap. Plast Reconstr Surg. 1991;87(4):682-92. PMID: 2008466 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00006534-199104000-00013

6. Frodel JL Jr, Funk GF, Capper DT, Fridrich KL, Blumer JR, Haller JR, et al. Osseointegrated implants: a comparative study of bone thickness in four vascularized bone flaps. Plast Reconstr Surg. 1993;92(3):449-55. DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00006534-199309000-00010

7. Funk GF. Scapular and parascapular free flaps. Facial Plast Surg. 1996;12(1):57-63. DOI: http://dx.doi.org/10.1055/s-2008-1064494










1. Universidade Estadual Paulista Campus de Botucatu, Botucatu, SP, Brasil
2. Faculdade de Medicina de Fernandópolis, Unicastelo, Fernandópolis, SP, Brasil
3. Colégio Brasileiro de Cirurgiões, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
4. Hospital das Clínicas de Fernandópolis, Fernandópolis, SP, Brasil
5. Sociedade Brasileira de Ortopedia, São Paulo, SP, Brasil

Instituição: Hospital das Clínicas de Fernandópolis, Fernandópolis, SP, Brasil.

*Autor correspondente:
Humberto Regis de Paula Faleiros
Avenida Amadeu Bizelli, 979
Centro - Fernandópolis, SP, Brasil - CEP 15600-000
E-mail: betofaleiros@yahoo.com

Artigo submetido: 13/2/2012.
Artigo aceito: 26/1/2018.

Conflitos de interesse: não há.

 

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