ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Articles - Year2003 - Volume18 - Issue 2

RESUMO

Foi adotado um modelo experimental para avaliar o emprego de um novo biomaterial - uma resina poliuretana vegetal, extraída do óleo de mamona - na reparação de perdas ósseas da calota craniana. Em 31 coelhos adultos, foram criadas duas falhas ósseas cranianas de 15x10 mm de diâmetro, de espessura total e livres de periósteo, em ambos os lados na região parietal. As falhas foram deixadas sem reparação em 13 animais, correspondendo ao grupo controle, e 18 animais tiveram os defeitos reparados com implante de resina poliuretana vegetal. Avaliações macroscópicas, radiológicas e histológicas foram realizadas nos pós-operatórios de 2,6,12,18 e 24 semanas. O grupo controle, por todos os métodos de avaliação, não mostrou reparação dos defeitos por neoformação óssea, com as falhas ósseas ocupadas por tecido cicatricial. No grupo implantado, a partir de 6 semanas, observou-se reparação dos defeitos por neo-osso em suas porções periféricas, evoluindo progressivamente de maneira favorável nas amostras tardias (18 e 24 semanas), podendo-se observar a ocorrência de osteogênese, osteocondução e osteopromoção. As análises estatísticas confirmam que a cicatrização óssea nos defeitos implantados foi mais efetiva de forma significante (p< 0,05). Não foram observados fenômenos tóxicos ou reacionais secundários à presença dos implantes, que não sofreram incorporação no período observado. Não foram evidenciadas propriedades osteoindutivas nos implantes.

Palavras-chave: Cranioplastia; poliuretana vegetal; osteocondução; osteopromoção

ABSTRACT

An experimental model was used to evaluate a new biomaterial - a vegetable polyurethane resin, extracted from castor plant oil- for repairing cranial vault bone loss. Two cranial, 15 x 10 mm in total width diameter and periosteum-free, bone failures were performed in 31 adult rabbits on both sides of the parietal region. Failures were not repaired in the 13 animals that comprised the control group and 18 animals had deficts repaired using a vegetable polyurethane resin implant. Macroscopic, radiological and histological assessments were peiformed at 2, 6, 12, 18 and 24 post-operative weeks. Regardless of the method of evaluation, no tissue repair by bone neo-formation could be observed in the control group in which bone failures were replaced by scar tissue. In the group with implants, as of 6 weeks, repair of deficts by bone neogenesis in peripheral areas was observed with a progressive favorable development in late samples (18 and 24 weeks) along with osteogenesis, osteoconduction and osteopromotion. Statistical analyses confirmed that bone healing in the implanted deficts was more significantly effictive (p< 0.05). No toxic or reactional phenomena secondary to the presence of the implants that were not incorporated in the observational period were detected. No osteoinductive proprieties of implants became evident.

Keywords: Cranioplasty; vegetable polyurethane; osteoconduction; osteopromotion


INTRODUÇÃO

A busca da substituição tecidual por material não-vivo, que originou o surgimento dos aloplásticos ou biomateriais, tem sido uma constante há mais de um século(1), com diferentes materiais tendo sido experimentados. Incentivando essa busca, existem todos os problemas observados no emprego de enxertos ósseos, principalmente em grandes deformidades(2-4).

Inúmeras resinas sintéticas foram desenvolvidas e utilizadas como biomateriais, como polietilenos(5), cerâmicas(6-8), silicone(9), titânio(10) e polimetil-metacrilato(11, 12), refletindo a complexidade do tema e indicando um certo grau de desapontamento com os métodos de tratamento disponíveis, exigindo seu aperfeiçoamento e a busca de novos materiais.

O problema vital nesta questão permanece em encontrar um material capaz de limitar a chance de infecção, que permita o crescimento ósseo ou a neoformação óssea, que apresente resistência estrutural e permita reconstruções adjacentes às cavidades sinusais no segmento craniofacial. Esta localização, a presença de infecções prévias e o timing das reconstruções são relatados como fatores mais importantes que a escolha do material em si para o sucesso das reparações aloplásticas em cranioplastias(13).

A adequada avaliação dos implantes em reparação óssea, particularmente dos fenômenos envolvidos na relação implante-osso, exige mais do que a constatação da presença ou ausência das condições reunidas sob o conceito de "biocompatibilidade". O modelo natural, para análise dessa relação, corresponde aos eventos observados no emprego dos auto-enxertos livres, com atenção para os fenômenos de osteocondução, osteoindução, osteogênese e incorporação, que devem ser devidamente conceituados e avaliados na presença de implantes(14, 15, 16) . Além desses fenômenos, a utilização de implantes acrescentou o conceito de regeneração tecidual orientada ou "osteopromoção"(17, 18, 19), baseado fundamentalmente na diferença de velocidade de reparação entre tecido ósseo e tecido cicatricial. Sendo o processo de fibroplasia(20) extremamente mais rápido que a reparação óssea, o tecido cicatricial passa a ocupar a área do defeito, impedindo seu adequado preenchimento por neo-osso.

Resinas Poliuretanas Vegetais

O Grupo de Química e Tecnologia de Polímeros da Universidade de São Paulo - São Carlos vem desenvolvendo projetos de pesquisa e desenvolvimento de resinas poliuretanas vegetais desde 1984, resultando numa série de produtos alternativos de polióis e pré-polímeros, sintetizados a partir de moléculas derivadas de ácidos graxos vegetais. A mamona - Ricinus communis, classe Dicotyledoneae, ordem Geraniales, família Euphorbiaceae - representa uma fonte particular na obtenção desses compostos por fornecer o ácido ricinoléico (12-hidroxioléico) em alto grau de pureza química, com o óleo extraído apresentando em sua composição de 81 a 96% de triglicerídeo do ácido ricinoléico, sendo considerado um poliol natural(21-23).

Uma poliuretana é obtida pela reação de um diisocianato com um poliol. Sendo os compostos contendo grupos isocianatos altamente reativos, é feita uma reação de pré-polimerização com o poliol, aumentando sua massa molecular - formando então pré-polímeros - e deixando uma porcentagem de isocianato livre para a reação final. Embora possam ser utilizadas classes distintas de isocianatos para as reações, o pré-polímero adotado foi sintetizado a partir do Difenilmetano diisocianato (MDI) com o poliol derivado do óleo de mamona(24). Assim, a polimerização da resina PU vegetal da mamona se faz por reações envolvendo sistemas "bicomponentes", um deles a espécie pré-reativa ou pré-polímero (diisocianato n-terminal-MDI + poliol) e o outro o poliol. A relação proporcional entre estes compostos é de 0,65 do poliol para 1,00 do pré-polímero, adicionando-se carbonato de cálcio correspondente a 50% da soma da massa dos dois componentes (poliol + pré-polímero).

Esse sistema é mais atrativo para a obtenção de resinas pelos seguintes fatores: 1. dispensa a presença de catalisadores; 2. processabilidade simples; 3. flexibilidade de formulação, permitindo adicionar outros compostos sem interferir na reação; 4. versatilidade de temperatura de "cura", com pico exotérmico máximo de 45ºC; 5. ausência de emissão de vapores tóxicos; 6. ausência de monômeros livres residuais pós-reação(23). A resina PU vegetal, utilizada neste trabalho, vem sendo analisada clínica e experimentalmente para aplicações em odontologia, ortopedia, reconstruções cranianas(25-33) e, em sua forma vulcanizada, como substituto para o silicone em próteses testiculares(34). Os resultados começam a ser publicados, demonstrando sua biocompatibilidade e as possibilidades de sua utilização.

Neste modelo experimental, procuramos avaliar o comportamento do implante de resina poliuretana de mamona na reparação de defeitos ósseos cranianos, analisando-se os fenômenos básicos de osteocondução, osteoindução, osteogênese, incorporação e osteopromoção.


MATERIAL E MÉTODO

Este estudo foi previamente aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa Animal da Faculdade Estadual de Medicina de São José do Rio Preto.

Preparo dos implantes

Foram utilizados kits estéreis, fornecidos pelo Instituto de Química Analítica e Tecnologia de Polímeros da USP - São Carlos, que continham 1 ampola com o pré-polímero, 1 ampola com o poliol e uma embalagem plástica contendo o carbonato de cálcio, obedecendo a sua preparação à seguinte seqüência:

  • Colocação do carbonato de cálcio em cuba de vidro estéril.
  • Adição da ampola de pré-polímero, misturando-se com espátula estéril.
  • Adição da ampola de poliol derivado do óleo de mamona e homogeneização da mistura por cerca de 5 a 8 minutos.
  • Manipulação e modelagem dos implantes após 30 minutos de reação de polimerização, já que a resina apresentava reação exotérmica e expansão de seu volume durante esse período.


  • Procedimentos cirúrgicos

    Trinta e seis coelhos da raça Nova Zelândia, entre 12 e 16 meses de vida, foram operados. Inicialmente, para os animais a receberem o implante, foi feito o preparo do polímero como descrito acima, já que o tempo médio de polimerização da resina foi semelhante ao tempo necessário para a confecção das falhas ósseas. Os animais foram anestesiados por injeção IM de nembultal sódico, na dose de 25 mg/kg, complementada se necessário até o final do procedimento, sendo mantidos em decúbito ventral, tendo então toda cabeça tricotomizada e esterilizada com clorexedine. Após exposição da calvária por incisão mediocraniana, foram demarcadas, com azul de metileno, duas áreas simétricas em ambos os lados na região do osso parietal, com cerca de 15x10 mm de diâmetro. Nas áreas demarcadas foram criadas falhas ósseas de espessura total e livres de periósteo, por osteotomia manual, utilizando-se escopro de 2 mm. Os implantes foram então modelados e ajustados nos defeitos. Nos animais controle, foi seguida a mesma padronização técnica, mas as falhas ósseas foram deixadas abertas, sem nenhum tipo de preenchimento (Fig. 1). As incisões foram suturadas por planos com Vicryl 4-0. Não foi utilizado qualquer tipo de fixação, compressão local ou imobilização no pós-operatório, apenas fazendo-se aplicação local de Rifocina spray, por 72 horas. Não foi utilizada terapia oral antibiótica ou antiinflamatória.


    Fig. 1 - Exposição da calota craniana do coelho, com o aspecto final das osteotomias. Esquerda - Falhas ósseas de espessura total, livres de periósteo, expondo em sua porção interna a dura-máter (aspecto final dos animais controle). Direita - Falhas ósseas reparadas com implante de resina PU vegetal (aspecto final dos animais implantados). Linha pontilhada - Rebordo orbitário esquerdo.



    Análise das amostras

    Os animais analisados foram divididos em 2 grupos da seguinte forma: 13 animais de controle, em que as falhas ósseas cranianas produzidas não foram preenchidas; 18 animais implantados, que tiveram as falhas ósseas preenchidas com a resina poliuretana da mamona. Lotes de animais controle e implantados foram sacrificados nos tempos de 2,6,12,18 e 24 semanas, sendo submetidos a estudos macroscópicos, radiológicos, e histológicos. Nas datas previstas para cada grupo, os animais foram sacrificados com dose letal de anestésico, sendo a calota craniana exposta, com a retirada de sua cobertura no plano subgálico. Toda a calvária foi retirada em seus limites anatômicos, fazendo-se a avaliação macroscópica nesse momento, seccionando-se a sutura mediocefálica naturalmente existente, obtendo-se duas peças para análise, num total de 62 amostras.

    As avaliações radiológicas foram feitas em todas as amostras, por técnica de mamografia, em mamógrafo de alta resolução marca Philips Mammo - UC, documentadas em filme Kodak Min-R, sensibilizado por exposição a 22 KV e 33 MAS. Para análise histológica, o material foi fixado em formol a 10% por 48 horas, e em seguida sofreu descalcificação em solução composta por partes iguais de ácido fórmico a 50% + citrato de sódio a 20%, por um período variável de imersão de 18 a 22 dias. Foram feitos cortes seriados de 6µm, sendo as lâminas coradas em hematoxilina-eosina e tricrômio de Masson, alternadamente, identificando-se os cortes em periféricos e centrais.

    Método Estatístico

    Os radiogramas foram avaliados (Departamento de Radiologia - Beneficência Portuguesa de São José do Rio Preto), determinando-se uma escala de valores de acordo com a porcentagem de microcalcificações presentes na área do defeito (redução da radiotransparência ou tamanho do defeito). Os períodos correspondentes dos grupos controle e implantado foram analisados por teste t não pareado com correção de Welch, e todos os grupos foram conjuntamente submetidos a análise de variância (Kruskal - Wallis), com testes bicaudais e significância para p< 0,05. A análise foi feita com o programa GraphPad Instat 3.00 para Windows.


    RESULTADOS

    De maneira geral, os animais toleraram bem o procedimento cirúrgico. Houve 4 óbitos, 3 deles nos primeiros 6 dias de pós-operatório, secundários a edema cerebral e/ou lesão inadvertida da dura-máter, sendo dois animais pertencentes ao grupo controle e um implantado. O outro óbito ocorreu em animal com 15 semanas de evolução, por diarréia aguda, correspondendo a um animal implantado.

    As amostras do grupo controle, por todos os métodos de avaliação, não mostraram neoformação óssea, sendo os defeitos progressivamente preenchidos por tecido cicatricial. No grupo implantado, foram feitas as seguintes observações:

    Avaliação Macroscópica

    Com 2 semanas, pôde-se observar a resina em seu leito de implantação, sem aderência dos tecidos vizinhos e com boa fixação ao osso. Nos demais animais dos outros períodos pós-operatórios, a visibilização da resina só foi possível pela face interna do crânio, com a porção externa apresentando cobertura tecidual bem firme após a retirada da pele, sendo esse tecido preservado para não prejudicar a análise das amostras. As porções internas mostraram uma redução progressiva do defeito, com perda evidente de seu formato geométrico inicial, visibilizando-se porções da resina recobertas ou entremeadas por provável tecido ósseo. Não foram observadas coleções ou secreções anormais nas áreas operadas e nos tecidos adjacentes.

    Avaliação Radiológica

    Com 2 semanas evidenciou-se a radiotransparência da resina, sem a presença de qualquer ponto de microcalcificação. Com 6 semanas, observou-se a presença de áreas irregulares de microcalcificação, ocupando o defeito em suas porções periféricas. Esse processo foi apresentando acentuação progressiva em relação ao tempo, com redução da radiotransparência, observando-se calcificação regular ocupando gradualmente o defeito (Fig. 2). Em todos os radiogramas visibilizaram-se as margens da falha óssea produzida, como uma "cicatriz" da fratura realizada. Em apenas 1 animal do grupo de 24 semanas, as duas amostras não mostraram a presença de microcalcificações na região implantada.


    Fig. 2 - Radiogramas de calota craniana de amostras do grupo implantado, nos diferentes períodos de pós-operatório. Sup. Esquerda - 6 semanas; Sup. Centro - 12 semanas; Sup. Direita - 18 semanas; Inferior esquerda e direita - 24 semanas. Redução progressiva da radiotransparência. Microcalcificações visíveis inicialmente nas porções periféricas, gradualmente preenchendo os defeitos (Mamógrafo Mammo UC - Filme Kodak Min-R - 22 KV/33MAS).



    Avaliação Histológica

    Com 2 semanas, observou-se o implante preenchendo adequadamente o defeito, com discreta atividade osteogênica nas bordas da fratura e presença de infiltrado inflamatório moderado. Com 6 semanas, observou-se formação de cortical óssea contínua, recobrindo o defeito a partir de suas bordas, de maneira concêntrica, permanecendo as áreas centrais sem fechamento. Essa neoformação ocorreu sempre pela face interna do defeito, enquanto na porção externa, sem periósteo, observou-se apenas a resina recoberta por fina camada de tecido fibroso (Fig. 3). Na transição implante - osso, verificou-se o início de discreta fragmentação irregular da resina. Com 12 semanas, observou-se cortical óssea somente na face endocranial, de aspecto mais denso, com microfragmentação mais intensa do implante e processo inicial de neoformação óssea "transresina" (Fig. 4). Os achados das amostras de 18 e 24 semanas foram uma extensão dessas observações, com traves ósseas transresinas mais espessas, ossificação na face interna do defeito, ausência de reação tipo corpo estranho ou formação de cápsula ao redor do implante (Fig. 5). Em um animal, em ambas as amostras, não houve crescimento ósseo, com o implante mostrando-se praticamente íntegro, sem fragmentação.


    Fig. 3 - Amostra de animal implantado com 6 semanas. Implante preenchendo a falha óssea completamente, com neoformação óssea visível na porção endocranial. Porção externa mostrando fina camada de tecido fibroso (Col. TM, aumento 40x).


    Fig. 4 - Amostra de animal implantado com 12 semanas. Neoformação óssea "transresina" por fragmentação do implante (Col. TM, aumento 60x).


    Fig. 5 - Superior - Amostra de animal implantado com 18 semanas. Fragmentação e deslocamento do implante por neo-osso, com fragmentos de dimensões variadas (Col. TM, aumento 5x). Inferior - Amostra de animal implantado com 24 semanas. Ossificação na porção endocranial de aspecto denso e espesso. Ausência de reação inflamatória ou tipo corpo estranho (Col. EO aumento 5x)



    Análise Estatística

    A presença de microcalcificações nos defeitos implantados foi significativamente maior (p< 0,05) que nos controles para os períodos correspondentes. A análise simultânea de todas as amostras demonstra que a cicatrização óssea nas falhas reparadas foi mais efetiva de forma extremamente significante (p< 0,001).


    DISCUSSÃO

    No modelo experimental adotado, procurou-se mimetizar as situações comuns encontradas na prática clínica, particularmente em reconstruções imediatas, com falhas ósseas proporcionalmente grandes, acometendo toda a espessura do osso, e totalmente sem periósteo, tendo o material implantado grande importância no processo reparativo.

    Embora o experimento pudesse ter sido conduzido com implante e controle em um mesmo animal, optou-se por fazê-lo de modo separado, podendo-se assim observar o comportamento geral dos animais que recebiam os implantes. Nesse sentido, os 3 óbitos ocorridos no pós-operatório imediato, representando 10% dos animais operados, foram considerados decorrentes diretamente da agressão cirúrgica e não secundários a qualquer toxicidade dos implantes, já que dois deles ocorreram em animais controle.

    O preparo in situ dos implantes permitiu avaliar suas características de manuseio e plasticidade, que foram satisfatórias, sem dificuldades técnicas de preparação e moldagem. Como ressalva, durante o processo de polimerização do implante observou-se importante expansão em seu volume, persistente até cerca de 30 a 40 minutos de reação. A opção pela técnica de mamografia, para as avaliações radiológicas, deveu-se à sua reconhecida sensibilidade para a detecção de microcalcificações(35).

    De maneira geral, as observações demonstraram a biocompatibilidade do implante utilizado. Não foram observadas reações locais ou sistêmicas - tardias ou imediatas -, extrusão, formação de cápsula ao redor do implante ou desenvolvimento de reação tipo corpo estranho, confirmando outros estudos(24,27,28,30).

    Em reações de polimerização, a presença de monômeros residuais livres pós-reação é relacionada diretamente à toxicidade desses polímeros, quando utilizados como implantes(36,37). O tipo de reação bicomponente (poliol + pré-polímero) utilizada na síntese deste implante não permite "sobra" de radicais, pela sua própria origem não monomérica, podendo ser este um fator a menos no desenvolvimento de fenômenos tóxicos ou reacionais. Também referente aos processos de polimerização in situ, a temperatura de cura pode representar um fator importante de lesão tecidual(38,39). O pico exotérmico máximo atingido no início da transição líquido-gel da mistura do polímero da mamona é em torno de 45ºC(24). Além de ser uma temperatura relativamente baixa nessa fase, que ocorre entre 8 e 15 minutos pós-mistura, no estudo em questão a resina ainda não se encontrava em contato com a área doadora, sendo a mesma implantada após 30 a 40 minutos de polimerização, já apresentando importante resfriamento. Não se verificou qualquer dano térmico tecidual, particularmente ao tecido cerebral, em contato íntimo com o implante.

    A preocupação com a resistência mecânica dos implantes de substituição óssea parece óbvia, particularmente para aplicações em ossos longos(40, 41). Nas cranioplastias, assim como nos implantes de assoalho de órbita, região malar e dorso nasal, a ausência de movimentação e a pequena incidência de forças mecânicas são relatadas como fatores facilitadores para a utilização de implantes, sendo essas regiões mais favoráveis ao seu emprego(42). Não se pôde quantificar se a fragmentação observada levou a um comprometimento da resistência mecânica do local implantado, já que foi observado crescimento ósseo concomitante, sendo este um dado de maior interesse para a aplicação do implante em áreas com maior stress mecânico.

    A importância da porosidade dos implantes, nos fenômenos de osteocondução, vem sendo destacada desde a introdução das cerâmicas e dos polietilenos como implantes de substituição óssea(45, 46), embora continue sendo motivo de controvérsia, graças à grande diversidade estrutural apresentada, no que se refere à variação do diâmetro dos poros e seu tamanho ideal(47,48,49). A resina PU da mamona apresenta estrutura porosa de caráter "virtual", conseqüente à sua expansão no processo de polimerização, não sendo um verdadeiro sistema canalicular de poros intercomunicantes. Isto não representou impedimento ao fenômeno de osteocondução, ocorrendo crescimento ósseo transresina, em conseqüência de sua fragmentação, exceto em 1 animal. Provavelmente este fato demonstra uma diferença nas características físicas do implante, ocorrida no seu preparo ou tempo de polimerização, sugerindo que seu grau de compactação pode interferir diretamente nos fenômenos de osteocondução em fraturas recentes.

    A neoformação óssea observada sempre pela face interna do defeito (endocranial) e transresina corresponde ao fenômeno de osteopromoção(43, 44), com a resina exercendo um "efeito membrana" nas áreas implantadas, impedindo sua ocupação por fibroplasia, como observado nos controles. A dura-máter, presente na face interna do defeito, deve ter desempenhado um papel importante no fornecimento de elementos osteogênicos para o processo reparativo, como também exercido um efeito membrana na porção endocranial. A ausência de neo-osso na porção externa da falha confirma a importância do periósteo como elemento osteogênico, além de demonstrar que o periósteo exerce também um papel de "membrana natural", aumentando a importância de sua integridade nas abordagens terapêuticas. Alguns estudos demonstram que a efetividade clínica da reparação por crescimento osteoinduzido requer a presença de algum material preenchendo o defeito, não somente para exercer um efeito membrana, mas também para atuar como suporte e um potencial veículo transportador(50,51).

    A avaliação de propriedades osteoindutivas em implantes é uma tarefa difícil, já que os próprios mecanismos de indução não são totalmente conhecidos e pode haver certa confusão com estimulação ou modulação do crescimento ósseo. No presente estudo, a reconstrução foi feita imediatamente, favorecendo os processos reparativos. A ocorrência de osteogênese e osteocondução de maneira gradual nos defeitos reparados exigiu neoangiogênese e neovascularização, trazendo consigo células mesenquimais indiferenciadas, com potencial de diferenciação para formar tecido ósseo. Estudos demonstram que enxertos ósseos intramembranosos (IM) induzem neoformação óssea via ossificação IM, enquanto ossos corticais o fazem por ossificação endocondral (EC)(52,53). Embora quase todos os fatores osteoindutivos conhecidos tenham sido isolados a partir de ossos EC, estudos recentes demonstraram que esses fatores podem estar presentes em tecido ósseo que se forma completamente via ossificação IM(54). Dessa forma, provavelmente a indução para diferenciação das células mesenquimais partiu das margens do leito receptor, por um indutor local, com o implante representando apenas um substrato osteomodulador, sem propriedades osteoindutivas.

    Não foi observada, histologicamente, atividade fagocitária, com reabsorção celular dos implantes. No entanto, a despeito do crescimento ósseo, não se observou aumento volumétrico nas áreas implantadas, o que aparentemente não se justifica somente pela fragmentação observada nos implantes. Alguns autores, diante da mesma observação, sugerem a possibilidade de alguma forma de substituição parcial da resina ou um processo de "metabolização", com cadeias de ácidos graxos sofrendo um processo semelhante a uma decomposição lipídica na superfície do implante, com enfraquecimento dos segmentos duros do polímero(28,30). De qualquer forma, não ocorreu incorporação completa dos implantes até 24 semanas de observação.

    A resina poliuretana de mamona vem sendo incorporada ao arsenal terapêutico dos implantes em reparação óssea. O ineditismo dos fenômenos biológicos observados na relação implante-osso requer um aprofundamento das pesquisas clínicas e experimentais, particularmente no que se refere aos possíveis processos de metabolização da resina e aos fenômenos de osteocondução e osteomodulação.


    CONCLUSÕES

    O implante de resina poliuretana da mamona demonstrou ser biocompatível e apresentar características que permitem sua incorporação ao arsenal terapêutico em cranioplastias. Foram observados os fenômenos de osteogênese, osteocondução e osteopromoção nas falhas ósseas, com neoformação óssea ocorrendo, de forma progressiva e satisfatória, a partir de 6 semanas. Até 24 semanas de observação, os implantes não sofreram incorporação completa e não apresentaram evidência da presença de propriedades osteoindutivas.


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    I. Chefe do Serviço de Cirurgia Plástica - Beneficência Portuguesa de São José do Rio Preto; Divisão de Pesquisas em Pós-Graduação - Faculdade Estadual de Medicina de São José do Rio Preto; Membro Titular da SBCP.
    II. Chefe do Programa de Pós-Graduação - Faculdade Estadual de Medicina de São José do Rio Preto; Chefe do Serviço de Cardiologia e Cirurgia Cardiovascular - Faculdade Estadual de Medicina de São José do Rio Preto; Chefe do Serviço de Cirurgia Cardiovascular - Universidade Estadual de Campinas.

    Endereço para correspondência:
    Luiz Fernando Frascino
    R. Antonio de Godoy, 3945 - Redentora
    São José do Rio Preto - SP - 15015-100
    Fone: (17) 233-7439
    e-mail: luizfrascino@unimedriopreto.com.br

     

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