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Case Report - Year2017 - Volume32 - Issue 1

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2017RBCP0023

RESUMO

INTRODUÇÃO: Endometriose primária de umbigo é uma afecção rara que acomete mulheres em idade fértil. A endometriose umbilical espontânea apresenta-se com nódulo em umbigo, dor cíclica, sangramento local discreto durante o período menstrual, sem história de cirurgia prévia. O tratamento consiste na excisão em bloco da lesão e cordão umbilical, com margens para evitar recorrência e a reconstrução umbilical imediata.
MÉTODOS: Apresentamos a técnica cirúrgica para excisão circular do endometrioma umbilical e a neo-onfaloplastia em um só estágio.
CONCLUSÃO: A possibilidade de endometriose umbilical deve ser considerada quando da presença de nodulações e hemorragias umbilicais, mesmo sem cirurgia prévia. A técnica cirúrgica proporciona remissão total da lesão e uma cicatriz umbilical de aspecto natural.

Palavras-chave: Endometrioma; Umbigo; Doenças raras; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Umbilical primary endometriosis is a rare condition that affects women of childbearing age. Spontaneous umbilical endometriosis presents lump in the navel, cyclic pain, discreet local bleeding during menstruation, with no history of previous surgery. The treatment is block excision of the lesion and umbilical cord with edges margin to avoid recurrence and immediate umbilical reconstruction.
METHODS: We describe the surgical technique for circle excision of the umbilical endometrioma and neo-omphaloplasty in one stage.
CONCLUSION: The possibility of umbilical endometriosis should be considered when the presence of nodules and umbilical bleeding, even without previous surgery. The surgical technique provides total remission of the lesion and an umbilical natural scar.

Keywords: Endometriosis; Umbilicus; Rare diseases; Reconstructive surgical procedures.


INTRODUÇÃO

Endometriose é uma afecção caracterizada pela presença de tecido endometrial fora da cavidade uterina, que acomete cerca de 10% a 15% das mulheres em idade fértil e atinge mais frequentemente os ovários, as trompas, o peritônio da região pélvica, ligamentos uterinos e septo retovaginal1.

A endometriose cutânea é uma das localizações extrapélvicas da endometriose e a maioria dos endometriomas de parede abdominal descritos foi observada dentro e/ou próxima às cicatrizes de cesarianas. A transformação maligna da endometriose de parede abdominal é uma complicação muito rara e ocorre em menos de 1% dos casos2,3. A maioria dos autores acredita em uma origem multifatorial para endometriose. A etiologia da forma umbilical espontânea não está bem estabelecida.

A endometriose primária de umbigo foi relatada pela primeira vez por Villar, em 18862-4. É considerada uma afecção rara e afeta de 0,4 a 4% de todos os pacientes com endometriose e responde por 30 a 40% dos casos de endometriose cutânea5,6. O aspecto clínico da endometriose no umbigo pode ser de uma lesão acastanhada ou vinhosa, endurecida, nodular, arredondada, com história de variações de volume de 0,5 a 5 cm de diâmetro, podendo provocar dor e sangramento local durante o ciclo menstrual.

O umbigo é descrito como uma cicatriz deprimida, localizada na linha média da parede abdominal, ao nível das cristas ilíacas superiores, com diâmetro em torno de 1,5 a 2 cm e uma orientação vertical7. A cicatriz umbilical é essencial ao contorno do abdome e sua ausência proporciona um aspecto não natural, causando constrangimento e insatisfação ao paciente, o que justifica a sua reconstrução imediata. O tratamento cirúrgico é feito por uma excisão circular total do endometrioma com margens seguras e a neo-onfaloplastia possibilita uma cicatriz umbilical com depressão permanente e aspecto natural.


OBJETIVO

O objetivo deste trabalho é enfatizar a técnica cirúrgica empregada para reconstrução do umbigo no caso de endometriose umbilical primária.


MÉTODOS

Estudo aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Maternidade Leonor Mendes de Barros em 07/04/2015, sob Parecer nº 1.032.262. O Termo de Consentimento Livre Esclarecido foi assinado pela paciente para o relato de caso e autorização para fotografias da região umbilical. Os autores declaram não existir conflitos de interesse.

Técnica operatória

A cirurgia ocorreu com a paciente em decúbito dorsal horizontal, sob anestesia raque e sedação. Realizou-se a excisão circular abordando toda a lesão, com margens seguras para evitar recidiva local (Figura 1A). Ressecção em bloco do cordão umbilical até aponeurose (Figura 1B) e visualização do peritônio parietal para excluir presença de endometriose (Figura 1C) e a síntese da aponeurose é utilizado náilon 2.0.


Figura 1. A: Excisão circular do endometrioma com margem cirúrgica; B: Exérese em bloco da lesão e cordão umbilical; C: Visualização da aponeurose subjacente; D: Síntese da derme na aponeurose com pequena área cruenta central.



A neo-onfaloplastia consiste em remoção do tecido celular subcutâneo na borda da área circular e posterior síntese da derme na aponeurose subjacente, utilizando fio de náilon 4.0, mantendo uma pequena área cruenta de aproximadamente 1 cm de diâmetro (Figura 1D). O procedimento cirúrgico durou 90 minutos e a paciente recebeu alta no primeiro dia de pós-operatório, com medicação antimicrobiana a analgésica.


RELATO DO CASO

Mulher de 33 anos de idade, sem antecedentes obstétricos ou cirúrgicos, com história clínica de nódulo na cicatriz umbilical nos últimos dois anos, apresentando dor e pequeno sangramento durante os períodos menstruais. A lesão umbilical era de cor acastanhada e pequenos nódulos vinhosos, sangrante à palpação, medindo cerca de 1,5 cm de diâmetro (Figura 2A).


Figura 2. A: Endometriose umbilical; B: 14º dia pós-operatório; C: 3º mês pós-operatório; D: 10º mês pós-operatório.



Uma biópsia confirmou a suspeita diagnóstica de endometriose umbilical. A ultrassonografia de parede abdominal evidenciou nódulos de 6 x 5 x 5 mm na cicatriz umbilical. A dosagem do CA-125 demonstrou nível sérico de 16,0 U/ml, dentro da normalidade. O CA-125 (câncer antígeno 125) é um marcador sérico para câncer ovariano que pode estar elevado em outras neoplasias malignas e em condições benignas, tal como endometriose.

A epitelização completa da cicatriz umbilical ocorreu no período de aproximadamente 14 dias (Figura 2B), quando foi realizada a retirada dos fios de sutura. O seguimento pós-operatório ocorreu no ambulatório e a paciente teve evolução clínica favorável e a cicatrização no 3º mês de pós-operatório estava dentro da normalidade (Figura 2C). No décimo mês após a cirurgia a paciente passou em consulta, afirmando ausência de dor ou edema no umbigo, não existindo recidiva local. O novo umbigo apresentou aparência natural do ponto de vista anatômico e estético (Figura 2D).

A ressonância nuclear magnética da pelve foi normal, ou seja, não revelou focos de endometriose. O estudo anatomopatológico identificou a presença de tecido endometrial e confirmou o diagnóstico de endometrioma umbilical (Figura 3).


Figura 3. Imagem histológica: presença de glândula endometrial, epitélio e estroma adjacente, típicos de endometriose.



DISCUSSÃO

A endometriose umbilical primária é uma entidade rara e não está relacionada a um procedimento cirúrgico. Incidência é cerca de 0,5 a 1% de todos os casos de endometriose extragenital. A apresentação clínica típica da endometriose umbilical é um nódulo roxo-azulado no umbigo, que se torna edemaciado, doloroso e sangrante durante o período menstrual.

A endometriose é uma doença de etiologia indeterminada, provavelmente multifatorial, cujo mecanismo fisiopatológico não está plenamente elucidado. Muitas investigações foram feitas sobre esta doença, que necessita de ação estrogênica para existir, sem que se tenha chegado a um conhecimento claro para sua origem. A endometriose que ocorre em cicatriz cirúrgica geralmente é devida ao transplante do tecido endometrial durante o ato cirúrgico e por ação ovariana contínua poderá levar à sintomatologia em algum momento.

Várias teorias procuram explicar o surgimento da endometriose umbilical. A mais plausível é a implantação de células endometriais provenientes do refluxo menstrual, pelas tubas uterinas, proposta por Sampson em 1925. Contudo, tal teoria explica o surgimento de implantes pélvicos peritoneais. O transplante de células no trajeto cirúrgico pode explicar a ocorrência nas cicatrizes operatórias, mas não esclarece localizações de endometriomas em órgãos distantes.

Halban desenvolveu a teoria da migração vascular ou linfática de células endometriais para sítios ectópicos. A teoria da metaplasia celômica é baseada em estudos embriológicos e envolve a transformação de células do mesotélio peritoneal em tecido endometrial, sob efeito de fatores inflamatórios, traumáticos, tóxicos ou hormonais8,9.

Estudos recentes procuram alterações ambientais que possam levar ao desenvolvimento da endometriose e a exposição à tetraclorodibenzopdioxina, comumente chamada dioxina. Este é um poluente lipofílico derivado da incineração de lixo e do processamento de metais, que contamina alimentos de consumo humano e interage com mecanismos endócrinos e imunológicos pouco conhecidos, mas potencialmente envolvidos na etiopatogenia da endometriose, por ação da dioxina, que responde por alterações de genes codificadores da síntese de estradiol e receptores progestagênicos.

Apesar das fortes evidências da disseminação vascular e/ou linfático de células endometriais em quadros de endometriose umbilical primária, não se podem ignorar os dados que relacionam a doença a fatores ambientais, como a contaminação alimentar pela dioxina10.

O diagnóstico diferencial inclui processos benignos como: hérnia umbilical, granulomas, nevos, cistos, ceratose seborreica e queloide; lesões malignas como: melanoma, metástases de tumores gastrointestinais11.

O tratamento do endometrioma (nódulo de Villar) é cirúrgico e o procedimento consiste na excisão completa da lesão, com margem de segurança para evitar recidiva12-14. A paciente deve ser orientada quanto à possibilidade de recidiva local. O exame histopatológico deve ser sempre solicitado.


CONCLUSÃO

A endometriose primária do umbigo é rara e deve ser suspeitada em mulheres que apresentem nódulo, dor cíclica e sangramento associados com período menstrual. O diagnóstico é clínico e histológico. A cirurgia consiste na excisão total do endometrioma e cordão umbilical com a reconstrução umbilical imediata, pela técnica circular, proporcionando um tratamento adequado resultando em cicatriz mínima e bem localizada na região umbilical.


AGRADECIMENTO

Agradecemos a Dra Maria Aparecida de Moraes Rebello Pinho pela disponibilização das imagens digitais do estudo anatomopatológico.


COLABORAÇÕES

RLS
Aprovação final do manuscrito; concepção e desenho do estudo; realização das operações e/ou experimentos; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.

STY Análise e/ou interpretação dos dados.

LGS Análise e/ou interpretação dos dados; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.

TAO Redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.

CMN Análise e/ou interpretação dos dados.


REFERÊNCIAS

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1. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, São Paulo, SP, Brasil
2. Hospital e Maternidade Leonor Mendes de Barros, São Paulo, SP, Brasil
3. Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Instituição: Hospital Maternidade Leonor Mendes de Barros, São Paulo, SP, Brasil.

Autor correspondente:
Roberto Luiz Sodré
Rua Antonio Alves Barril, 355/191 - Jardim Anália Franco
São Paulo, SP, Brasil CEP 03338-000
E-mail: roberto.sodre@uol.com.br

Artigo submetido: 10/9/2015.
Artigo aceito: 3/2/2017.
Conflitos de interesse: não há.

 

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