ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175
Manejo da deformidade auricular de Stahl: um relato de caso
Management of Stahl's ear: a case report
RESUMO
Descrita no século XIX, a deformidade auricular de Stahl consiste em uma má formação auricular rara, caracterizada por hipoplasia da raiz da anti-hélice com o alargamento de sua base e uma terceira raiz da anti-hélice conectando-a à parte posterior da hélice, deformando a porção posterossuperior do pavilhão auditivo. A correção cirúrgica é o tratamento definitivo, porém, pela diversidade de apresentações clínicas, não há uma técnica padrão para todos os casos. O método descrito neste relato é mais uma opção de tratamento e consiste na ressecção da terceira cruz e confecção da raiz superior da anti-hélice.
Palavras-chave:
Deformidades adquiridas da orelha; Orelha; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos.
ABSTRACT
Stahl's ear deformity was first described in the 19th century and it consists of a rare auricular deformity characterized by hypoplasia of the antihelix crus with enlargement of its base and a third crus of the antihelix connected to posterior portion of helix crus, which deforms the posterolateral wall of the external auditory canal. Reconstructive surgery is the definitive treatment, however, because of the diversity of clinical presentations, no standard technique exist for all cases. The method described in this report is another treatment option and entails the resection of the third crus and reconstruction of superior crus of the antihelix.
Keywords:
Ear deformities acquired; Ear; Reconstructive surgical procedures.
INTRODUÇÃO
Durante o século XIX, Stahl descreveu e classificou diferentes malformações auriculares em três tipos: "hélix transversus spleniformis", "crus antihelics trifurcata" e "crus superium turgidum". Atualmente, o termo deformidade congênita de Stahl refere-se ao segundo tipo, uma hipoplasia da raiz da anti-hélice com o alargamento da base (cartilagem anormal) e uma terceira raiz da anti-hélice conectando a anti-hélice à parte posterior da hélice, deformando a porção posterossuperior do pavilhão auditivo.
A anomalia tem consequências estéticas e sociais, mas não afeta a audição. É mais comum nos orientais e rara entre as raças brancas, porém sua real incidência não foi estabelecida1. Mais comumente unilateral, pode ser bilateral em 20% dos casos. Frequentemente, outras anomalias estão presentes: estreitamento da hélice, hipoplasia ou ausência da anti-hélice superior e alargamento da fossa escafoide2.
A deformidade congênita de Stahl seria a consequência da disgenesia do músculo auricular intrínseco durante o terceiro mês durante a embriogênese3. A disgenesia embriológica muscular leva à hipoplasia da raiz superior da anti-hélice, e ao desenvolvimento de uma terceira raiz da anti-hélice. A terceira raiz que liga a anti-hélice à região posterossuperior da hélice é responsável por causar o defeito de contorno do pavilhão auditivo4. A solução para a deformidade é o procedimento cirúrgico, porém ainda não há uniformidade na técnica a ser utilizada.
RELATO DO CASO
Paciente do sexo masculino, branco, 18 anos, apresentando deformidade auricular de Stahl bilateral (Figura 1). Submetido à correção cirúrgica sob anestesia geral, realizando a infiltração das incisões com ropivacaína 0,75% e adrenalina, numa proporção 1:100.000. Realizado acesso retroauricular na transição concha-anti-hélice com descolamento para região anterior, possibilitando o desenluvamento da orelha e exposição da terceira cruz (Figura 2).
Figura 1. Terceira raiz da anti-hélice encontrada na deformidade de Stahl.
A: Orelha direita;
B: Orelha Esquerda.
Figura 2. Exposição transoperatória da terceira cruz.
A: Marcação pré-operatória da terceira cruz;
B: Terceira cruz ressecada em transoperatório.
Realizada ressecção da terceira cruz com aproximação primária do defeito. Para confecção da raiz superior da anti-hélice, foi realizado enfraquecimento anterior da cartilagem com raspa metálica e pontos de Mustardè com mononáilon 4.0. Para redefinir um contorno uniforme da hélix foi realizado enfraquecimento posterior da cartilagem com lamina de bisturi 15 e pontos em X para eversão, com mononáilon 4.0.
Realizado fechamento da incisão posterior em barra grega com mononáilon 4.0. Curativo com gaze e neomicina nas incisões e capacete com ataduras estéreis e apósito mantido por 48 horas. Mesmo procedimento realizado em ambas orelhas. O resultado cirúrgico é demonstrado em pós-operatório tardio (Figura 3), no qual percebe-se pouca alteração de tamanho da orelha associada à ausência da terceira cruz, e hélice e raiz superior de anti-hélice presentes.
Figura 3. Pós-operatório tardio.
A: Orelha direita;
B: Orelha esquerda.
DISCUSSÃO
Alterações congênitas auriculares são definidas como malformações (microtia, criptotia) ou deformidades. Deformidades são caracterizadas por apresentar um componente condrocutâneo normal, porém com arquitetura anormal, categorizadas como constritas, proeminentes e deformidade de Stahl, como descrito neste artigo5.
Diversas técnicas para a correção cirúrgica desta afecção foram descritas, variando desde zetaplastia para realinhamento da terceira raiz, ressecção em cunha da cartilagem e enxertia local após sua reversão6,7 a procedimentos mais complexos, como realização de retalho periosteal do osso temporal para sustentação auricular, descrito por Nakayama et al8.
Existem relatos de tratamento não operatório com talas utilizadas para moldar o pavilhão auricular, com resultados satisfatórios se realizados no período neonatal9. Variedades se justificam, pois existem graus diferentes de apresentação clínica da deformidade, portanto, seria difícil conseguir resultados consistentes com uma técnica cirúrgica padrão.
Atualmente, modificações da técnica de Chongchet são as mais utilizadas para tratar esta anomalia10. Há uma tendência de utilizar nas deformidades leves suturas de Mustardè associadas a manobras de enfraquecimento da cartilagem, enquanto nas formas graves é necessário associar a técnica anterior com excisão da pele e da cartilagem.
CONCLUSÃO
A deformidade auricular de Stahl é uma malformação rara, que pode trazer estigmatização ao paciente quando inserido no meio social. O método descrito demonstra mais uma alternativa para tratamento desta afecção, principalmente nos casos nos quais a deformidade é mais significante, trazendo resultados estéticos satisfatórios.
COLABORAÇÕES
JM Análise estatística; aprovação final do manuscrito; concepção e desenho do estudo; realização das operações e/ou experimentos; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.
ACPO Aprovação final do manuscrito; concepção e desenho do estudo; realização das operações e/ou experimentos.
LMP Análise e/ou interpretação dos dados; concepção e desenho do estudo; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.
JB Análise e/ou interpretação dos dados; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.
MVMC Aprovação final do manuscrito; realização das operações e/ou experimentos.
REFERÊNCIAS
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1. Hospital de Clínicas de Porto Alegre, RS, Brasil
2. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil
3. Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil
4. Universidade de Barcelona, Barcelona, Espanha
Instituição: Hospital de Clínicas de Porto Alegre, RS, Brasil.
Autor correspondente:
João Maximiliano
Rua Ramiro Barcelos, 2350 - Santa Cecilia
Porto Alegre, RS, Brasil CEP 90035-903
E-mail: jmaximilianopm@gmail.com
Artigo submetido: 24/8/2016.
Artigo aceito: 21/2/2017.
Conflitos de interesse: não há.
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