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Case Report - Year2016 - Volume31 - Issue 4

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2016RBCP0095

RESUMO

A síndrome de Gorlin-Goltz (SGG) é uma condição hereditária, autossômica dominante, com alta penetrância e expressividade variável, decorrente de mutações nos genes PTCH1, PTCH2 ou SUFU. O diagnóstico é baseado na presença de dois critérios maiores ou um critério maior associado a dois critérios menores, dentre eles múltiplos carcinomas basocelulares, tumor odontogênico ceratocístico (TOC) e costela bífida. Outras alterações endócrinas, neurológicas, oftalmológicas, genitais, respiratórias e cardiovasculares são encontradas na literatura, porém com manifestações variáveis. O objetivo deste trabalho é relatar um caso clínico de uma paciente sistematicamente diagnosticada com SGG associada à insuficiência cardíaca congestiva diastólica e diabetes mellitus 2 submetida a tratamentos seriados das respectivas manifestações sindrômicas. Mais recentemente, à descompressão cística seguida da enucleação de dois TOC em mandíbula, reabilitação oral com prótese total removível, avaliação cardiológica e tentativa de controle clínico das alterações endócrinas e cardíacas.

Palavras-chave: Síndrome do nevo basocelular; Hipertelorismo; Macrocefalia; Patologia bucal; Cardiomiopatia hipertrófica.

ABSTRACT

The Gorlin-Goltz syndrome (GGS) is a hereditary, autosomal dominant condition, with high penetrance and variable expressivity, resulting from mutations in the genes PTCH1, PTCH2, or SUFU. The diagnosis is based on the presence of 2 major criteria or a major criterion associated with 2 minor criteria, including multiple basal cell carcinomas, keratocystic odontogenic tumor (KOT), and bifid rib. Other endocrine, neurological, ophthalmologic, genital, respiratory, and cardiovascular alterations are found in the literature, but with variable manifestations. This study reports the case of a patient diagnosed with GGS associated with diastolic congestive heart failure and type 2 diabetes mellitus, who underwent multiple treatments for components of the syndrome. More recently, the patient underwent decompression followed by cystic enucleation of two KOTs in the jaw, oral rehabilitation with removable prosthodontics, cardiological evaluation, and attempted clinical control of endocrine and cardiac problems.

Keywords: Basal cell nevus syndrome; Hypertelorism; Macrocephaly; Buccal pathology; Hypertrophic cardiomyopathy.


INTRODUÇÃO

Inicialmente relatada por Jarish e White em 1894, a síndrome de Gorlin-Goltz (SGG) foi descrita por Robert J. Gorlin e Robert W. Goltz em 19601. É uma síndrome hereditária, autossômica dominante, com alta penetrância e expressividade variável2, decorrente de mutações nos genes PTCH1, PTCH2 ou SUFU - os quais se localizam nos cromossomos 9q22.32, 1p34.1 ou 10q24.32, respectivamente3, cadastrada no OMIM© sob número #109400 como basal cell nevus syndrome (BCNS)3.

É caracterizada clinicamente por múltiplos carcinomas basocelulares (CBC) e cistos maxilo-mandibulares, e ainda costela bífida1. A prevalência encontrada na literatura é variável, estimada em 1:57.000 ou 1:164.000 indivíduos4. Em 1997, foi proposto que o diagnóstico da SGG fosse baseado na presença de dois critérios maiores ou um critério maior associado a dois critérios menores5, representados no Quadro 1.




Outras alterações endócrinas, neurológicas, oftalmológicas e genitais foram relatadas de diversas formas5 e manifestações mais raras incluem os sistemas respiratório e cardiovascular6.

No sistema cardiovascular, os fibromas cardíacos são relatados em 3-5% dos casos de SGG6. Esses tumores devem ser investigados quando se observam irregularidade no contorno cardíaco, cardiomegalia, calcificações no miocárdio ou insuficiência cardíaca inexplicável7. As complicações mais comuns são arritmias graves, distúrbios de condução e insuficiência cardíaca congestiva8, inclusive com parada cardíaca em taquicardia ventricular, conforme um relato na literatura9. O ecoDopplercardiograma transtorácico é um exame muito útil para a localização tumoral e analisar seu efeito na função cardíaca8.


OBJETIVO

O objetivo deste trabalho é relatar um caso clínico de uma paciente diagnosticada com SGG associada à insuficiência cardíaca congestiva (ICC) diastólica e diabetes mellitus 2 (DM2), submetida a tratamentos seriados das respectivas manifestações sindrômicas. Mais recentemente, à descompressão cística seguida da enucleação de dois tumores odontogênicos ceratocísticos (TOC) em mandíbula, reabilitação oral com prótese total removível (PTR), avaliação cardiológica e tentativa de controle clínico das alterações endócrinas e cardíacas.


RELATO DO CASO E DISCUSSÃO

Paciente CGF, sexo feminino, 59 anos, negra, aposentada por invalidez, esclarecida e assentida por meio do Termo de Consentimento Livre-Esclarecido (Figuras 1A e 1B). Portadora de ICC diastólica, hipertensão arterial sistêmica (HAS) e DM2; em uso de cloridrato de metformina 850 mg, glibenclamida 15 mg, anlodipino 5 mg, hidroclorotiazida 25 mg, ácido acetilsalicílico 100 mg, enalapril 20 mg e sinvastatina 40 mg.


Figura 1. A: Vista extrabucal frontal; B: Vista extrabucal perfil.



História Pregressa

Ooferectomia e salpingectomia há 38 anos; exérese de dois cistos epidérmicos em face há mais de 20 anos; enucleação de dois TOC na região mandibular anterior e posterior esquerda há 4 anos.

Exame Físico

163 cm, 75 kg, índice de massa corporal 28,23 kg/m2, pressão arterial controlada, perímetro cefálico (pc) 61 cm, distância intercantal medial 47 mm, distância interpupilar 77 mm, cistos epidérmicos em região facial, edentulismo total e reabilitação oral PTR.

Exames Complementares

Glicemia jejum 298 mg/dL, hemoglobina glicada 10%, LDL-colesterol acima da meta; radiografia póstero-anterior de face - distância interorbital (DIO) 35 mm, calcificação da foice cerebral (Figura 2); radiografias panorâmicas - TOC pré-operatório e pós-operatório (Figuras 3 e 4); radiografia de tórax - arcabouço costal sem alterações, aumento do índice cardiotorácico, congestão pulmonar e edema interlobar direito; eletrocardiograma - ritmo sinusal + distúrbio de condução do ramo esquerdo e alteração da repolarização lateral; ecoDopplercardiograma transtorácico - hipertrofia concêntrica leve no ventrículo esquerdo, função sistólica limítrofe, fração de ejeção 56% e disfunção diastólica grau I.


Figura 2. Telerradiografia frontal: hipertelorismo ocular e calcificação da foice cerebral.


Figura 3. Radiografia Panorâmica: dois tumores odontogênicos ceratocísticos em mandíbula.


Figura 4. Radiografia panorâmica: após descompressão e enucleação cística.



Após a análise dos dados da anamnese, exame físico e exames complementares, foi possível concluir o diagnóstico de SGG excluindo a manifestação grave no sistema cardiovascular: fibroma cardíaco.

A face deve ser examinada na norma frontal, avaliando a simetria bilateral, proporções de tamanho da linha mediana às estruturas laterais e proporcionalidade vertical. O exame dos olhos e das órbitas inicia-se com as medidas das distâncias intercantal e interpupilar.

O valor médio desta diferença é de 4 mm, sendo que pessoas negras frequentemente apresentam valores maiores10. O hipertelorismo ocular é classificado em três graus de acordo com a DIO: grau I (30-34 mm), grau II (34-39 mm) e grau III (40 mm ou mais); após aferição em telerradiografia frontal11.

A aferição do perímetro cefálico (PC) em adultos é importante para pesquisas e avaliações clínicas e a seguinte fórmula foi proposta para estimar o PC baseado na altura e peso do paciente: 0,063*Altura + 0,040*Peso + 42,618 - a macrocefalia deve ser considerada em valores acima do percentil 9012.

O PC aferido (61 cm) encontra-se superior ao percentil 97, de acordo com o peso e a estatura da paciente12. A diferença de 30 mm obtida entre as distâncias intercantal e interpupilar evidencia telecanto, porém o hipertelorismo ocular foi diagnosticado e classificado pela DIO (35 mm) aferida em telerradiografia frontal, conforme a literatura11.

Cistos epidérmicos são lesões cutâneas frequentes que ocorrem principalmente na face e no tronco superior. Como diagnóstico diferencial devem-se ressaltar os cistos pilonidal e sebáceo; dermatites, lipoma e o carcinoma basocelular13. O TOC é um cisto odontogênico distinto que ocorre em até 75% dos pacientes portadores da SGG14, com comportamento clínico e aspectos histológicos específicos; sendo a mandíbula afetada em 60-80% dos casos.

Lesões grandes estão associadas à dor, tumefação e drenagem, com crescimento no sentido anteroposterior pelos espaços medulares. Radiograficamente, apresentam área radiolúcida bem delimitada por cortical marginal bem definida. A confirmação histopatológica é necessária para o diagnóstico e o tratamento se faz pela enucleação ou curetagem, com recorrência variando de 5-62%2.

Neste relato, a paciente manifestou pregressamente tumor ovariano e cistos epidérmicos, além das características faciais marcantes (Figuras 1A e 1B); porém sem diagnóstico prévio de SGG. As lesões císticas mandibulares foram tratadas através da descompressão e enucleação com aplicação tópica da solução de Carnoy, objetivando reduzir a morbidade cirúrgica e o risco de recidiva, e ainda preservar a anatomia mandibular. O diagnóstico histopatológico de TOC seguido do exame do perímetro cefálico, análise facial e telerradiografia frontal possibilitaram então a conclusão do diagnóstico sindrômico.

O diagnóstico da SGG pode ser determinado pela presença de dois critérios maiores ou pela associação de um critério maior com dois critérios menores. Neste caso, a paciente apresentava como critérios maiores: calcificação da foice cerebral (Figura 2) e a presença de dois TOC em mandíbula com diagnóstico histopatológico, previamente tratados com sucesso (Figuras 3 e 4). Como critérios menores, observam-se macrocefalia; hipertelorismo grau II (Figura 2); cistos epidérmicos e a história pregressa de ooferectomia e salpingectomia, o que sugere o diagnóstico prévio de tumor ovariano.

Apesar da expectativa de vida dos portadores da SGG não ser alterada significativamente, as manifestações associadas apresentam grande morbidade, principalmente o medulobastoma, que pode estar presente em até 10% dos casos15. Alterações endócrinas foram relatadas na literatura5, e o que se observa neste caso é a presença de diabetes mellitus 2 com hiperglicemia sustentada mesmo com uso de hipoglicemiante oral.

As únicas alterações cardíacas encontradas na literatura associada à SGG são o fibroma cardíaco6,7 e as arritmias8,9, dentre elas a taquicardia ventricular com bloqueio de ramo direito como consequência deste tumor9. Apesar da paciente ser portadora de ICC diastólica, a etiologia hipertensiva seria a mais plausível, não existindo na literatura vigente respaldo para sua correlação com a SGG.

A condição clínica atual da paciente requer atenção, principalmente na abordagem dos fatores de risco cardiovasculares e tratamento de uma possível descompensação cardíaca - observada como congestão pulmonar; prescrevendo diurético de alça (furosemida 40 mg), aumentando a dose da estatina para 40 mg e solicitando referência à endocrinologia.

Assim, devido ao acometimento de diferentes órgãos e sistemas, é indispensável que o paciente sindrômico receba acompanhamento multidisciplinar, incluindo atenção da clínica médica, ortopedia, dermatologia, neurologia, oftalmologia e da ginecologia ou urologia; além do aconselhamento genético16.

A SGG apresenta critérios diagnósticos bem estabelecidos, mas que necessitam de propedêutica específica sistematizada. Do âmbito craniofacial, as alterações esqueléticas, as lesões cutâneas e o TOC representam o principal foco de atenção. Alterações endócrinas, neurológicas, oftalmológicas, respiratórias e genitais podem estar associadas; porém, são necessários mais estudos para determinar a correlação da SGG com outras cardiopatias, que não seja o fibroma cardíaco.

Mesmo assim, a atenção integral é de extrema importância para otimizar o prognóstico com repercussão direta na qualidade de vida do paciente.


COLABORAÇÕES

JPND
Análise e/ou interpretação dos dados; concepção e desenho do estudo; realização das operações e/ou experimentos; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.

BBA Análise e/ou interpretação dos dados.

WRS Aprovação final do manuscrito.

FMMO Aprovação final do manuscrito.


REFERÊNCIAS

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1. Faculdade de Medicina, Universidade de Santo Amaro, São Paulo, SP, Brasil
2. Programa de Pós-Graduação em Odontologia, Universidade de Santo Amaro, São Paulo, SP, Brasil
3. Departamento de Radiologia e Diagnóstico por Imagem, Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Instituição: Universidade de Santo Amaro, São Paulo, SP, Brasil.

Autor correspondente:
João Paulo Nunes Drumond
Rua Prof. Enéas de Siqueira Neto, 340 - Jardim das Imbuias
São Paulo, SP, Brasil CEP 04829-300
E-mail: jpnd@uai.com.br

Artigo submetido: 29/7/2016.
Artigo aceito: 30/10/2016.
Conflitos de interesse: não há.

 

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