ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175
Um novo instrumento para marcação intraoperatória
A new tool for intraoperative marking
RESUMO
Este artigo descreve a adaptação de um mandril de micro-punch - normalmente empregado em transplantes capilares - para uso em marcações intraoperatórias. O mandril foi usado como cabo para manuseio de palitos de dente esterilizados nas demarcações de procedimentos cirúrgicos diversos, como abdominoplastias, mamoplastias e ritidoplastias. O emprego deste instrumento oferece um meio confortável, acessível, preciso e de baixo custo para todos os tipos de marcações cirúrgicas em cirurgia plástica, sendo mais barato e eficiente do que canetas demarcatórias descartáveis.
Palavras-chave:
Instrumentos cirúrgicos; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos; Abdominoplastia; Mamoplastia; Ritidoplastia.
ABSTRACT
This article describes the adaptation of a micro-punch mandrel, which is usually used in hair transplants, in intraoperative markings. The mandrel was used as a wire for sterile toothpick handling in different surgical marking procedures, such as those in abdominoplasties, mammoplasties, and rhytidectomies. The use of this instrument offers a comfortable, affordable, precise, and low-cost tool for all types of surgical marking performed in plastic surgery. It is cheaper and more efficient than disposable pens.
Keywords:
Surgical instruments; Reconstructive surgical procedures; Abdominoplasty; Mammoplasty; Rhytidoplasty.
INTRODUÇÃO
A marcação cirúrgica pré-operatória é uma rotina importante em grande parte dos procedimentos em cirurgia plástica, tanto estética quanto reparadora. A literatura mostra que a preocupação com a durabilidade das marcações realizadas no pré-operatório durante o tempo intraoperatório é antiga, tendo sido descritos diversos estudos sobre o melhor método para realização das marcações, bem como os melhores instrumentos e corantes1.
Entretanto, um cuidado muito menor tem sido dedicado à busca de um sistema eficiente de marcação intraoperatória, com pequeno número de artigos discutindo esse passo2, que é fundamental em diversos procedimentos, seja pelo inevitável esmaecimento das linhas de marcação no período pré-operatório - causado pelos procedimentos de degermação e aplicação pré-operatória de soluções antissépticas -, seja pela própria manipulação do sítio cirúrgico e pelo contato da pele com fluidos e secreções do paciente durante a execução da cirurgia2,3. Além disso, em muitos procedimentos é necessária nova marcação intraoperatória ou modificação das linhas de demarcação desenhadas previamente, em virtude de eventuais mudanças ou acréscimos às incisões inicialmente planejadas.
Canetas plásticas esterilizadas com ponta de feltro se tornaram uma opção que ganhou certa popularidade, porém acrescentam maior custo a cada procedimento, uma vez que não são reutilizáveis, e tendem a falhar durante a cirurgia à medida que o feltro se torna saturado com os fluidos liberados pelo organismo do paciente e pela própria umidade da pele, sendo muitas vezes necessário o uso de mais de uma caneta no mesmo ato operatório2,3.
Uma alternativa barata e amplamente disponível para marcações intraoperatórias é o uso de palitos de dente estéreis embebidos em corantes biocompatíveis, como azul de metileno, verde brilhante ou violeta de genciana. Uma dificuldade que se constata com esse método é a falta de ergonomia no manuseio do palito de dente, que costuma ser de dimensões muito reduzidas para um uso confortável e preciso na realização das marcações. A preensão dos palitos de dente em pinças cirúrgicas de Kelly ou Allis pouco contribui para minorar esse déficit, havendo ainda a frequente fratura do palito pela pinça.
OBJETIVO
O presente estudo apresenta uma opção eficiente e de baixo custo para realização de marcações durante o ato cirúrgico, aliando a grande acessibilidade dos palitos de dente à maior ergonomia e precisão de um instrumento cirúrgico.
MÉTODO
Foi adaptado um mandril de micro-punch (Richter Instrumentos Cirúrgicos, São Paulo, SP), normalmente empregado em transplantes capilares, para ser utilizado como cabo para manuseio do palito de dente (Figura 1). O palito é introduzido no mandril, que apresenta uma rosca para ajuste e preensão adequada do palito. O mandril apresenta um comprimento de 6,45 cm, sendo que a adição de um palito de dente comum resulta em um conjunto mandril-palito de comprimento de 11,14 cm, bastante próximo ao de uma caneta esferográfica comum (Figura 2).
Figura 1. Mandril de micro-punch ao lado de palito de dente.
Figura 2. Comparação de dimensões entre o conjunto mandril-palito e uma caneta esferográfica comum.
O conjunto mandril-palito, destarte, pode ser embebido em corantes biocompatíveis e manuseado como uma caneta em marcações durante o ato cirúrgico (Figura 3).
Figura 3. Demonstração de manuseio do conjunto mandril-palito em marcações intraoperatórias.
RESULTADOS
O instrumento descrito tem sido utilizado em todos os tipos de procedimentos cirúrgicos realizados pela nossa equipe, com resultados muito satisfatórios em relação ao aumento na precisão das marcações intraoperatórias, no conforto da pega do instrumento e na ausência de fraturas dos palitos de dente durante o desenho das marcações.
DISCUSSÃO
A marcação cirúrgica pré-operatória foi relatada desde os primórdios da cirurgia plástica, com a descrição de Sushruta Samhita do uso de folhas vegetais para demarcação de retalhos nasais, progredindo ao longo dos séculos com o emprego de moldes de couro e de cera, e chegando ao uso mais difundido de desenhos de incisões elaborados com tintas e corantes a partir do século 191.
A marcação cirúrgica intraoperatória recebeu menor atenção, pelo observado na literatura pertinente. Destacamos o artigo de Weiss em 19474, advogando o uso de canetas técnicas e compassos de precisão feitos de alumínio e aço, e esterilizados em soluções germicidas para uso durante cirurgias. No entanto, essa opção é proscrita atualmente, posto que a esterilização por germicidas não é mais aceita como satisfatória para instrumentos cirúrgicos, e não foram descritas experiências com outras formas de esterilização dessas ferramentas.
Comess e Masson, em 19575, defenderam a utilização de cargas metálicas de canetas esferográficas para marcação intraoperatória, afirmando que os cartuchos poderiam ser repetidamente autoclavados ou esterilizados a frio por soluções antissépticas. Os autores frisam ser necessária uma superfície limpa e seca para o funcionamento eficiente dos cartuchos, o que remete ao mesmo problema encontrado com marcadores descartáveis de ponta de feltro.
Já em 1988, Kjar e Jackson3 propuseram a montagem de um instrumento para marcação estéril a partir de uma seringa descartável de 3 mL e agulhas 22 G e 25 G, sendo o conjunto agulha-seringa utilizado para marcar incisões após ser preenchido com azul de metileno. A montagem do instrumento parece um tanto trabalhosa, além de envolver os riscos inerentes à utilização de materiais perfurocortantes em sua elaboração e utilização. Ressalte-se, entretanto, que os autores apontam as canetas descartáveis como alternativa pouco atraente, tanto pelo alto custo como pela baixa eficiência e durabilidade.
Esse mesmo ponto de vista foi apoiado por Boettcher e Komorowska-Timek em publicação recente2, na qual propõem a desmontagem de uma caneta de marcação estéril e o emprego apenas de seu cartucho como marcador durante cirurgias. Essa ideia parece bastante eficaz, porém ainda pressupõe a utilização de ao menos uma caneta descartável por procedimento, e apresenta a desvantagem de produzir traços de desenho demasiadamente espessos, o que pode dificultar a realização de marcações mais delicadas e precisas.
CONCLUSÃO
A utilização do mandril de micro-punch em conjunto com palitos de dente estéreis oferece uma alternativa de baixo custo, acessível e durável, já que consiste em instrumentos amplamente disponíveis e que não exigem grandes mudanças no modo de se elaborarem as marcações pré-operatórias, pois partem de um método de desenho bastante familiar à maioria dos cirurgiões plásticos, podendo ser utilizados em todas as modalidades de marcação intraoperatória. O resultado é um método de marcação preciso, ergonômico e econômico, que beneficia cirurgião, paciente e hospital.
COLABORAÇÕES
GFS Análise e interpretação dos dados; análise estatística; concepção e desenho do estudo; realização das operações e experimentos; redação do manuscrito; aprovação final do manuscrito.
INS Auxílio na execução das figuras; revisão crítica do conteúdo; aprovação final do manuscrito.
REFERÊNCIAS
1. Granick MS, Heckler FR, Jones EW. Surgical skin-marking techniques. Plast Reconstr Surg. 1987;79(4):573-80.
2. Boettcher AK, Komorowska-Timek ED. Maximizing the economics of the marking pen. Plast Reconstr Surg. 2012;129(3):606e-607e.
3. Kjar JG, Jackson IT. A simple instrument for surgical tattooing and skin marking. Plast Reconstr Surg. 1988;81(1):106-8.
4. Weiss JA. Inking pens for skin marking in plastic surgery. Plast Reconstr Surg (1946). 1947;2(1):91.
5. Comess MS, Masson JK. A new method of skin marking. Plast Reconstr Surg (1946). 1957;20(1):83-4.
Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, São Paulo, SP, Brasil
Instituição: Centro Médico Viver Melhor, São Paulo, SP, Brasil.
Autor correspondente:
Guilherme Flosi Stocchero
Rua Abílio Soares, 1337 - Paraíso
São Paulo, SP, Brasil CEP 04005-005
E-mail: guilherme@vivermelhor.com.br
Artigo submetido: 6/8/2013.
Artigo aceito: 5/6/2016.
Conflitos de interesse: não há.
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