ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Articles - Year2003 - Volume18 - Issue 3

RESUMO

É apresentado um caso da síndrome de Marcus Gunn, cuja principal característica é o movimento sincinético entre a musculatura mastigatória e a pálpebra superior, presente em cinco por cento dos casos de blefaroptose congênita. No caso apresentado, a sincinesia foi observada entre a ação do pterigóideo lateral esquerdo e a pálpebra superior direita. A etiologia do fenômeno de Marcus Gunn é desconhecida, e o tratamento direciona-se principalmente para a ptose palpebral, quando severa, com ressecção ou transposição do músculo elevador palpebral e correção de outras lesões extra-oculares, como estrabismo, ambliopia, anisometropia e outras, detectadas pelo exame especializado. O diagnóstico em geral é feito precocemente, pelos pais ou responsáveis pela criança, que observam o movimento sincinético durante a amamentação ou alimentação do infante, cabendo ao médico assistente, ou especialista, orientar o tratamento, principalmente no que diz respeito à sua indicação ou oportunidade da correção das lesões principais. É importante notar que a correção da ptose palpebral deve sempre que possível ser acompanhada por cirurgia do elevador palpebral, a fim de evitar a permanência ainda mais exagerada da sincinesia palpebral.

Palavras-chave: Síndrome de Marcus Gunn; ptose palpebral congênita; blefaroptose

ABSTRACT

The authors present a case of Marcus Gunn Syndrome, whose major feature is the synkinetic movement between mastication muscles and the upper eyelid, present in five per cent of the cases of congenital blepharoptosis. In the case presented, the synkinesia was observed between the left lateral ptreygoid and the upper right eyelid. The etiology of the Marcus Gunn phenomenon is not known and treatment is mainly aimed at the palpebral ptosis, when it is severe, by resecting or transposing the levator muscle and correcting other extra-ocular lesions, such as strabismus, amblyopia, anisometropia and other conditions detected by specialized examination. The diagnosis is generally made early by the child's parents or guardians who observe the synkinetic movement while nursing or fieding the infant. The assisting physician, or specialist, guides the treatment, mainly in relation to the indication or occasion for correcting major lesions. It is noteworthy to point out that the correction of the palpebral ptosis should, whenever possible, be accompanied by surgery of the palpebral levator in order to avoid the even more exaggerated permanence of the palpebral synkinesia.

Keywords: Marcus Gunn Syndrome; congenital palpebral ptosis; blepharoptosis


INTRODUÇÃO

Apresentamos um caso da síndrome de Marcus Gunn com a finalidade de reavivar o conhecimento dessa patologia que por vezes surpreende o especialista, pela raridade do fenômeno no dia-a-dia do atendimento clínico. Trata-se de uma sincinesia entre o movimento dos músculos mastigatórios, principalmente pterigóideos laterais e o elevador palpebral do lado oposto, sendo o movimento mastigatório voluntário e a elevação palpebral involuntária e simultânea(1,2), por vezes trazendo desconforto psicossocial aos seus portadores. Ocorre numa proporção de cinco por cento dos casos de ptose palpebral congênita, segundo a maioria dos autores, juntamente com outras lesões oculares concomitantes(1,2,3).


REVISÃO E DIAGNÓSTICO

A síndrome ou fenômeno de Marcus Gunn (Robert Marcus Gunn) foi descrita por esse autor em 1883, em publicação de case report na Transactions of Ophtalmologic Society (UK), conforme citado por Timothy W. Doucet no American Journal of Ophtalmology(2,4). É a síndrome constituída pela sincinesia já descrita e por outras lesões oculares, como estrabismo, ambliopia, anisometropia e outras lesões extra ou intra-oculares que possam coexistir. O diagnóstico do caso poderá ser feito precocemente a partir das próprias observações dos pais da criança nascida com a ptose palpebral - pois o fenômeno de Marcus Gunn poderá ocorrer durante a amamentação do lactente ou a alimentação do infante - levadas ao conhecimento do médico assistente, pediatra ou oftalmologista, nem sempre atentos ou conhecedores da existência da síndrome. O exame oftalmológico será muito importante para avaliar adequadamente, além da ptose palpebral (uni ou bilateral), outras patologias oculares que possam estar associadas, como ocorre muitas vezes na síndrome de Marcus Gunn e cujo tratamento poderá ser inicialmente mais importante do que o da própria ptose palpebral. Ainda é desconhecida a real natureza do circuito neurológico produtor da sincinesia, na qual ramos motores do nervo trigêmio fazem algum tipo de conexão indevida com os ramos do nervo motor ocular comum, principalmente na inervação do músculo elevador da pálpebra superior(5). O fenômeno sincinético poderá ser desencadeado pelos seguintes movimentos (bucais): abertura da boca, movimentos laterais da mandíbula, mascar, sugar, trincar dentes e engolir. Os movimentos de lateralizar a mandíbula ou trincar os dentes são os que mais comumente desencadeiam a sincinesia. A elevação palpebral é mais notável quanto maior a ptose e torna-se ainda mais notável se o eixo ocular estiver dirigido para baixo, uma vez que nessa posição a esclera fica mais exposta(1).

A ocorrência de distúrbios motores oculares na ptose palpebral congênita é de 5% para a sincinesia de Marcus Gunn que, em 50-60% dos casos, associa-se ao estrabismo, 25% a anisometropia e 30-50% a ambliopia. A ptose palpebral pode ser de grau leve (menor ou igual a 2 mm), médio (3 mm), ou severa (superior a 4 mm), Não há diferença de incidência quanto a sexo, cor da pele ou raça ou origem familiar. Alguns autores referem ocorrência de arritmias cardíacas e hipertermia durante anestesia em casos de síndrome de Marcus Gunn(6).


APRESENTAÇÃO DE CASO

Paciente S.T.M.S., branca, do sexo feminino, 38 anos de idade, nascida e residente no Estado do Rio de Janeiro (Macaé), sem antecedentes patológicos pessoais ou familiares relacionados com o caso, desejosa de submeter-se a rinoplastia estética. Apresenta leve ptose palpebral à direita, apenas distinguida por pequena alteração da fenda palpebral cujo eixo vertical é menor em 2 mm em relação ao esquerdo. O exame ocular, por oftalmologista, não apresentou qualquer alteração, seja de refração, ambliopia ou lesão motora. A própria paciente chamou a atenção do autor para o piscar involuntário da pálpebra superior direita ao fazer movimentos simulados de mastigação lateralizada. Neste movimento lateral da mandíbula para a esquerda, notava-se nitidamente a elevação palpebral direita (Figs. 1 e 2), principalmente quando ela olhava para baixo (eixo ocular inclinado inferiormente), conforme vemos na Fig. 3. A oclusão ocular é normal, mesmo durante os movimentos bucais, ou seja, não apresenta a sincinesia ou ela é compensada pelo tônus do orbicular palpebral (Fig. 4). Não havia histórico de arritmias cardíacas durante cirurgias anteriores (cesáreas) realizada na paciente. O exame cardiológico pré e per-operatório eram normais. A cirurgia nasal foi realizada sem qualquer intercorrência per ou pós-operatória. Não havia indicação para a correção da leve ptose palpebral e a paciente referiu que durante sua vida conseguiu superar e simular normalidade na apresentação do fenômeno de Marcus Gunn, adaptando-se convenientemente, sem lhe trazer qualquer desconforto psicossocial, pelo que nada foi feito em relação a esses problemas.


Fig. 1 - Paciente de olhos abertos normalmente, observando-se pequena diferença da rima palpebral direita (eixo vertical menor), revelando leve ptose palpebral.


Fig. 2 - Paciente com o eixo ocular na horizontal, ao movimentar a mandíbula para a esquerda, por ação do pterigóideo lateral, eleva sincineticamente a pálpebra superior direita.


Fig. 3 - Ao fazer o movimento mandibular, com o eixo ocular para baixo, a paciente expõe mais nitidamente a esclera, tornando mais notável a sincinesia.


Fig. 4 - Com os olhos fechados sem esforço e fazendo os movimentos mandibulares, a paciente não apresenta a sincinesia que, provavelmente, é compensada pelo tônus do músculo orbicular palpebral.



DISCUSSÃO

O caso ora apresentado, embora não seja muito raro, merece algumas considerações e, assim, em todas as ptoses palpebrais congênitas há necessidade de avaliação da existência do fenômeno de Marcus Gunn, que pode alterar muito o resultado do tratamento da ptose palpebral, qualquer que seja seu grau ou a técnica a ser usada para corrigi-la. A sincinesia, em si, não tem correção cirúrgica adequada na área neurológica, podendo, no entanto, melhorar por intervenção cirúrgica para ressecção parcial do elevador palpebral ou sua transposição, juntamente com a correção da ptose(1,7,8,9). Nas ptoses severas, o método cirúrgico mais adequado parece ser a ressecção parcial do elevador e a suspensão palpebral pelas várias técnicas usualmente adotadas, principalmente a de suspensão por enxertia aponevrótica ou de material alógeno. A obtenção de resultados bons nem sempre é favorável, devendo o assunto ser detalhadamente discutido com o cliente. O tratamento inadequado da sincinesia do elevador palpebral tem sido a demanda mais citada por vários autores no pós-operatório. Os melhores resultados a longo prazo situam-se na faixa de 64 % de pacientes satisfeitos com as cirurgias, quando corrigidas a ptose e a sincinesia. Lesões ptóticas ou sincinéticas com leve grau de alteração estética ou funcional não devem ser corrigidas, principalmente durante a infância, pois na maior parte dos casos poderá haver excelente adaptação do paciente a essas condições, que inclusive podem melhorar espontaneamente com a idade. É de salientar a necessidade de fazer o tratamento de outras lesões oculares coexistentes, às vezes tão ou mais importantes do que a ptose ou a sincinesia.


COMENTÁRIOS FINAIS

O caso ora relacionado é de caráter lesional simples, cujos sinais resumem-se felizmente à leve ptose palpebral e nítida sincinesia pterigóidea-palpebral, devidamente controlada pela própria paciente, não lhe trazendo maior desconforto psicológico ou social. A sincinesia, neste caso, não vem acompanhada por lesões motoras graves (estrabismo, ptose severa ou movimentação ocular deficiente), do que resultou desnecessária, a nosso ver, qualquer intervenção cirúrgica.


BIBLIOGRAFIA

1. Blaydon SM. Marcus Gunn jaw-winking syndrome. Medicine Journ. 2001; vol. 2, 7.

2. Doucet TW, Crawford JG. The quantification, natural course and surgical results in Eyes with Marcus Gunn Syndrome. Am J Ophtalmol. 1981;92(5):702-7.

3. Hwang JM, Park SH. A case of Marcus Gunn jaw-winking and pseudo-inferior oblique overaction. Am J Ophtalmol; 2001;131(1):148-50.

4. Gunn RM. Congenital ptosis with peculiar associated movements of the affected lid. Trans Ophtalmol Soc UK. 1883:3-283.

5. Freedman HL, Kushner BJ. Congenital ocular aberrant innervation - new concepts. J Pediatric Ophtalmol Strabismus. 1997;34(1):10-6.

6. Kwik RS. Marcus Gunn syndrome associated with an unusual oculo-cardiac reflex Anaestesia. 1998;35(1):46-9.

7. Bartkowisk SB, Zapala J, Wysynska-Pawelec G, Krzystkowa KM. Marcus Gunn jaw-winking phenomenon: management and results of treatment in 19 patients. J Craniomaxillofac Surg. 1999;27(1):25-9.

8. Khwang SI, Tarbet KJ, Dortzbach RK, Lucarelli MJ. Management of moderate-to-severe Marcus Gunn jaw-winking ptosis. Ophtalmol. 1999;106(6):1191-6.

9. Manners RM, Rosser P, Collin JR. Levator muscle transposition procedure: review of 35 cases. Eye. 1996;10(5):539-44.










I. Cirurgião Plástico, MD, da Clínica de Otorrinolaringologia Prof. José Kós - Rio de Janeiro.
II. Residentes de ORL da Clínica Prof. José Kós.

Endereço para correspondência:
Josias Pires Ferreira
Av. Almirante Barroso, 6 Cj. 1303
Rio de Janeiro - RJ - 22031-001
Fones: (21) 2524-6081 - Fax: (21) 2533-6516
e-mail: josias@cremerj.com.br

Trabalho realizado no Centro de Estudos da Clínica Prof. José Kós

 

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