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Original Article - Year2016 - Volume31 - Issue 2

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2016RBCP0033

RESUMO

INTRODUÇÃO: Orelha em abano é caracterizada pelo pobre desenvolvimento da anti-hélice, hiperplasia da concha, ângulo céfalo-auricular anormal, lóbulo grande e proeminente ou qualquer combinação dos itens citados.
MÉTODOS: Foi realizado um estudo prospectivo, em que foram acompanhados 60 pacientes submetidos à otoplastia, no período de janeiro de 2014 a janeiro de 2015, no Hospital Municipal Barata Ribeiro.
RESULTADOS: Entre as complicações precoces, citamos infecção (0%), hematoma (1,6%) e necrose de pele (3,3%). Entre as complicações tardias: assimetria (10%), recidiva (3,3%), extrusão de pontos (10%), granuloma, cicatriz hipertrófica (0%) e queloide (0%). Quando os pacientes foram questionados quanto aos resultados obtidos com a otoplastia, 3,3% responderam que o resultado foi ruim, 3,3% regular, 3,3% bom, 3,3% ótimo e 86,8% excelente.
CONCLUSÃO: As taxas de complicações precoces e tardias são semelhantes às descritas na literatura.

Palavras-chave: Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos; Complicações pós-operatórias; Orelha externa/anormalidades; Pavilhão auricular.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Protruding ears are caused by poor development of the antihelix, hyperplasia of the concha, abnormal cephaloauricular angle, a large and prominent lobule, or any combination of the above.
METHODS: A prospective study was performed, in which 60 patients who underwent otoplasty were followed up from January 2014 to January 2015 at the Hospital Municipal Barata Ribeiro.
RESULTS: Early complications included infection (0%), hematoma (1.6%), and skin necrosis (3.3%). Late complications included asymmetry (10%), recurrence (3.3%), extrusion of sutures (10%), granuloma formation (0%), hypertrophic scarring (0%), and keloid formation (0%). When patients were asked to rate the otoplasty, 3.3% stated that it was poor, 3.3% fair, 3.3% good, 3.3% very good, and 86.8% excellent.
CONCLUSION: The rates of early and late complications are similar to those described in the literature.

Keywords: Reconstructive surgical procedures; Postoperative complications; External ear abnormalities; Auricle.


INTRODUÇÃO

Orelha em abano é caracterizada pelo pobre desenvolvimento da anti-hélice, hiperplasia da concha, ângulo céfalo-auricular anormal, lóbulo grande e proeminente ou qualquer combinação dos itens citados1 (Figura 1).


Figura 1. A: Orelhas em abano, visão anterior; B: Orelhas em abano, visão posterior.



Com uma incidência aproximada de 5% nos caucasianos, orelha em abano é a anormalidade congênita mais frequente da orelha externa, sendo ambos os sexos afetados igualmente2. Etiologicamente, é uma malformação hereditária, transmitida por um padrão de gene autossômico dominante com penetrância variável2. Em 60% dos casos pode ser diagnosticada ao nascimento, mas a deformidade se torna mais aparente nos primeiros anos de vida3.

O pavilhão auricular compreende a orelha, que coleta o som e o meato acústico externo, que conduz o som para a membrana timpânica4. A estrutura anatômica da orelha externa consiste em três complexos alinhados: hélice com lóbulo, anti-hélice com antitragus, concha5 e demais relevos.

Em orelhas normais maduras, o comprimento varia de 5,5 a 6,5 cm e a largura varia de 50 a 60% do comprimento. O ângulo céfalo-auricular é de aproximadamente 25 graus no homem e 21 graus na mulher, sendo o ângulo escafoconchal de 90 graus ou menos6. No 1/3 superior, a orelha encontra-se afastada do escalpe entre 10 e 12 mm, no 1/3 médio entre 16 e 18 mm e no 1/3 inferior (lóbulo) entre 20 e 22 mm. A hélice está projetada à frente da anti-hélice e o lóbulo encontra-se projetado medial ao terço inferior da orelha7.


OBJETIVO

Avaliação do percentual de complicações precoces e tardias das otoplastias, realizadas no Hospital Municipal Barata Ribeiro, Rio de Janeiro, RJ, no período de janeiro de 2014 a janeiro de 2015.


MÉTODOS

Foi realizado um estudo prospectivo, em que foram acompanhados 60 pacientes com o diagnóstico de orelhas de abano submetidos à otoplastia, com idade variando de 14 a 45 anos e média de 20 anos, no período de janeiro de 2014 a janeiro de 2015.

Todos os pacientes foram encaminhados ao ambulatório de Cirurgia Plástica do Hospital Municipal Barata Ribeiro provenientes das Unidades Básicas de Saúde, sendo selecionados como candidatos à otoplastia após avaliação conjunta da equipe e residentes do Hospital Municipal Barata Ribeiro. Os critérios de não inclusão foram pacientes com idade inferior a 12 anos, lesões de pele próximas ao sítio cirúrgico e doenças descompensadas.

Os candidatos à otoplastia foram submetidos à avaliação clínica e laboratorial, obtenção de registros fotográficos e assinatura do termo de consentimento durante as consultas de pré-operatório, sendo operados pelos residentes sob orientação da equipe. A técnica cirúrgica utilizada foi a descrita por Whiters6.

Os pacientes receberam alta hospitalar no primeiro dia de pós-operatório, sendo reavaliados nas consultas de pós-operatório da primeira e segunda semana, e primeiro, segundo, sexto mês e documentadas, pela equipe e residentes, todas as complicações precoces e tardias das otoplastias.

Técnica Cirúrgica

Todos os pacientes foram operados no centro cirúrgico do Hospital Municipal Barata Ribeiro, sendo submetidos a cateterismo venoso periférico, seguido da administração de 2 gramas de cefazolina intravenosa 30 minutos antes do início da cirurgia, a qual foi realizada com anestesia local, sendo utilizada solução de lidocaína a 1% e epinefrina 1:200.000.

Com o paciente em decúbito dorsal e ligeira elevação cranial, foi realizada marcação cirúrgica da anti-hélice, concha e região retroauricular com caneta demográfica (Figura 2). A marcação da anti-hélice foi efetuada exercendo-se leve pressão na hélice, no sentido anteroposterior, aplicando-se quatro pontos equidistantes na borda superior e quatro pontos equidistantes na borda inferior da anti-hélice formada, paralelos e simétricos. Nesse mesmo tempo é avaliado o excesso de concha que será ressecado conservadoramente, marcando-se quatro pontos em formato de meia lua, seguido da marcação do fuso de pele retroauricular 2 mm acima do sulco.


Figura 2. Marcação pré-operatória da concha e anti-hélice.



Após antissepsia com clorexidina degermante a 2%, clorexidina alcoólica 0,5%, colocação de campos cirúrgicos e paramentação da equipe, foi feita proteção do conduto auditivo e anestesia local subdérmica 1 mm abaixo do lóbulo da orelha com seringa de 1 ml e agulha de insulina, seguida de infiltração subdérmica na região retroauricular, pré-auricular e concha, promovendo bloqueio dos ramos anterior e posterior do nervo auricular magno, nervo auriculotemporal, ramos do vago e glossofaríngeo (Figura 3).


Figura 3. Assepsia e antissepsia.



Aguardamos 10 minutos, tatuamos os pontos prémarcados com agulha preta e azul de metileno, conforme o método de Davis e Kitlowski1. Iniciamos com a ressecção do fuso de pele na região posterior da orelha, 2 mm acima do sulco, seguido de descolamento do retalho retroauricular superiormente, até a visualização de todos os pontos da anti-hélice (Figura 4). Seguimos com a retirada do pericôndrio na região posterior da anti-hélice e raspagem cautelosa de toda sua extensão (Figura 5). Realizamos descolamento amplo da concha da mastoide com ênfase no 1/3 superior da orelha e ressecção do excesso de concha conforme marcação previa (Figuras 6 e 7).


Figura 4. Ressecção do fuso de pele retroauricular.


Figura 5. Raspagem posterior da anti-hélice.


Figura 6. Descolamento da concha da mastoide.


Figura 7. Ressecção do excesso de concha.



Modelamos a anti-hélice com quatro pontos de Mustardé, utilizando nylon 4.0 e rotação da concha com três pontos de Furnas utilizando nylon 3.0, permitindo uma distância céfalo-auricular no 1/3 superior entre 6 e 10 mm, no 1/3 médio entre 12 e 16 mm e 1/3 inferior entre 16 e 20 mm (Figuras 8 e 9). Em pacientes com protrusão do lóbulo realizamos a ressecção triangular de pele no 1/3 inferior da incisão prévia, sendo reposicionado com ponto de nylon 5.0 passando pela pele da incisão anterior, periósteo da mastoide e pele da incisão posterior. Revisamos a hemostasia e iniciamos a síntese da pele com nylon 5.0.


Figura 8. Modelagem da anti-hélice com pontos de Mustardé.


Figura 9. Rotação da orelha com ponto escafo-temporal para o 1/3 superior e Furnas para o 1/3 médio e inferior.



Curativo foi realizado com algodão estéril úmido modelando concha e escafa, gaze estéril na região posterior da orelha e cobertura da orelha com gaze acolchoada, seguido de enfaixamento da cabeça com atadura estéril.

O manejo pós-operatório envolveu a prescrição de analgésicos, antibiótico (cefalexina 500 mg VO de 6/6 horas por 7 dias), limpeza diária e uso da faixa para proteção das orelhas.


RESULTADOS

Entre as complicações precoces, citamos infecção (0%), hematoma (1,6%) e necrose de pele (3,3%) (Figura 11). Entre as complicações tardias citamos assimetria (10%), recidiva (3,3%), extrusão de pontos (10%), granuloma (0%), cicatriz hipertrófica e queloide (0%) (Figuras 10, 11 e 12). Quando os pacientes foram questionados quanto aos resultados obtidos com a otoplastia, 3,3% responderam que o resultado foi ruim, 3,3% regular, 3,3% bom, 3,3% ótimo e 86,8% excelente.


Figura 10. Hematoma tardio, orelha direita, terceira semana de pós-operatório.


Figura 11. A: Orelhas em abano, pré-operatório; B: Sexto mês pós-operatório de otoplastia, evidenciando mau posicionamento.


Figura 12. Sexto mês pós-operatório de otoplastia, evidenciando recidiva no 1/3 superior à direita.



DISCUSSÃO

Embora as pessoas com o diagnóstico de orelhas de abano não desenvolvam perda ou diminuição da função de coleta e condução do som, tal deformidade pode influenciar negativamente na vida social. Orelhas em abano são deformidades menores, mas provocam brincadeiras, principalmente em crianças, podendo ocasionar declínio da qualidade de vida, resultando em performance ruim na escola e trabalho, evasão social e diminuição da autoconfiança2.

Sendo assim, a idade ideal para realizar a otoplastia seria entre 6 e 7 anos, visto que o indivíduo terá completado quase todo crescimento da orelha e estará iniciando a integração escolar8.

Na literatura as taxas de complicações nas otoplastias é algo variável, tendo relação com a experiência do cirurgião e a técnica cirúrgica empregada. No estudo de Aki et al.3 foram revistos 508 casos de otoplastia, operados por residentes de cirurgia plástica sob supervisão, cuja tática cirúrgica predominantemente empregada foi a associação de pontos de Mustardé e Furnas, com ocorrência de infecção em 5,1 % dos casos, seguido pela formação de hematoma (4,2%) e necrose de pele (2,5%). A complicação tardia mais frequente foi o mau posicionamento, que ocorreu em 11% dos casos, sendo que 3,1% dos pacientes necessitaram de reoperação devido a recidiva. Complicações relacionadas à sutura foram observadas em 6,1 % dos casos, extrusão tardia (4,1%) e granuloma (2,0%), seguidas por cicatrizes hipertrófica e queloide (3,3%).

Yugueros e Friedland9 relataram taxa de 10% de extrusão do fio de sutura. Calder e Nassan10 revisaram 562 casos, operados por residentes e preceptores (Sênior House Officers, Registrars, Sênior Registrar, Consultants), cuja técnica utilizada foi a raspagem anterior, com ocorrência de infecção em 5,2% dos casos, hematoma (2,0%), necrose anterior da pele (1,4%), deformidade residual (8%), queloide e cicatriz hipertrófica (2,1%).

Em nosso estudo acompanhamos 60 pacientes, cuja técnica cirúrgica empregada foi a descrita por Whiters. Não verificamos nenhum caso de infecção. Atribuímos esse resultado à assepsia e antissepsia rigorosas no momento da cirurgia, antibiótico profilático com cefazolina 2 g IV 30 minutos antes da incisão cirúrgica e antibioticoterapia com cefalexina 500 via oral de 6/6 horas por sete dias no pós-operatório. Observamos apenas um caso de hematoma (1,6%), que ocorreu na terceira semana de pós-operatório, localizado no 1/3 inferior da orelha, justa lobular.

A causa principal do hematoma é a hemostasia inadequada10, porém outras causas devem ser lembradas, tais como trauma, uso de anti-inflamatórios, antiagregantes plaquetários, anticoagulantes e doenças hematológicas. Frequentemente, ocorrem no pós-operatório imediato, apresentando o quadro clínico de dor, abaulamento local, podendo complicar com necrose de pele e infecção, levando ao processo catastrófico de condrite, cujo tratamento consiste no desbridamento da cartilagem, determinando sequelas e deformidades residuais3,11.

O tratamento consiste na drenagem imediata. Tendo em vista que o hematoma tardio pode ocorrer sem dor, é de suma importância a marcação de consultas seriadas e orientação quanto à necessidade imediata de retorno caso o paciente perceba alguma alteração no pós-operatório. Ocorreram dois casos de necrose (3,3%), de pequena monta, com localização na concha. As causas principais de necrose são uso excessivo do eletrocautério e pressão excessiva do curativo10.

Observamos em nosso estudo que os casos de necrose foram atribuídos ao uso excessivo do eletrocautério durante a hemostasia do local de retirada da cartilagem conchal. O tratamento é conservador, consistindo na realização de curativo diário, lavagem com soro fisiológico, limpeza com álcool 70% nos bordos da ferida e cobertura com gaze estéril, promovendo assim o fechamento da ferida por segunda intenção.

Observamos oito casos de mau posicionamento, sendo seis (10%) casos de assimetria e dois (3,3%) casos de recidiva. Em nossa observação o principal fator que contribuiu para a assimetria no pós-operatório foi o grau de protrusão das orelhas de abano, mais evidente para os pacientes com o ângulo céfalo-auricular exacerbado. Outro fator que influencia na assimetria do pós-operatório é o comprimento vertical da orelha, para a recidiva os fatores são a ruptura precoce das suturas, hematoma e infecção.

Messener e Crysdale12 relataram que pacientes com orelhas cujo comprimento vertical eram menores que 50mm apresentavam maior tendência em manter a longo prazo a posição que foi estabelecida imediatamente após a cirurgia8. Suturas mantêm a orelha na nova posição até a formação de fibrose13, hematoma e infecção diminuem o processo de cicatrização, contribuindo para a recidiva3.

A perda da correção do polo superior foi reportada por Messener e Crysdale em pacientes que eram submetidas à tática da raspagem posterior, pontos de Mustardé e Furnas. A correção das orelhas retornava para posição do pré-operatório em 33,3% dos casos e 33,3% dos casos retornavam para uma posição intermediária entre a correção e o pré-operatório. Apesar dessa perda de correção do 1/3 superior, 85% dos pacientes estavam satisfeitos com o resultado8. Para a correção da lateralização do 1/3 superior, Adamson recomendou adicionar a sutura da fossa triangular à fáscia temporal8.

Com a finalidade de evitar a lateralização do 1/3 superior após a otoplastia, começamos utilizar a sutura escafo-temporal, obtendo melhor simetria e controle do 1/3 superior. Verificamos seis casos (10%) de complicações relacionadas à sutura. Os fios utilizados foram o nylon 4.0 para modelagem da anti-hélice e nylon 3.0 para a rotação da concha. Tendo em vista que os fios de sutura inabsorvíveis causam menor reação tecidual e apresentam boa resistência à tensão, optamos pela utilização do nylon.

Atribuímos o percentual elevado de extrusão tardia à espessura do fio utilizado para a rotação da concha. O quadro clínico envolve o sintoma de incômodo na região posterior da orelha e visualização do fio. Nossa conduta foi orientação de limpeza local diariamente e programação de retirada do fio a partir do sexto mês. Não observamos nenhum caso de queloide ou cicatriz hipertrófica. A incidência da formação de queloide pode estar atribuída à tensão na sutura14, e mais comumente em negros. O tratamento envolve ressecção intralesional, infiltração de corticoide e beta terapia.


CONCLUSÃO

As taxas de complicações precoces e tardias são semelhantes às taxas de complicações descritas na literatura.


COLABORAÇÕES

FVB Análise e/ou interpretação dos dados; análise estatística; aprovação final do manuscrito; concepção e desenho do estudo; realização das operações e/ou experimentos; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.

CEJB Análise e/ou interpretação dos dados; análise estatística; aprovação final do manuscrito; concepção e desenho do estudo; realização das operações e/ou experimentos; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.

RC Análise e/ou interpretação dos dados; análise estatística; aprovação final do manuscrito; concepção e desenho do estudo; realização das operações e/ou experimentos; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.

RFA Análise e/ou interpretação dos dados; análise estatística; realização das operações e/ou experimentos.


REFERÊNCIAS

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1. Hospital Municipal Barata Ribeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
2. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, São Paulo, SP, Brasil

Instituição: Hospital Municipal Barata Ribeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Autor correspondente:
Felipe Vargas Borges
Rua Barão de São Francisco, 245, bloco 2, apto. 1401 - Vila Isabel
Rio de Janeiro, RJ, Brasil CEP 20560-031
E-mail: felipevargasborges@gmail.com

Artigo submetido: 6/9/2015.
Artigo aceito: 10/4/2016.
Conflitos de interesse: não há

 

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