ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Case Report - Year2016 - Volume31 - Issue 1

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2016RBCP0019

RESUMO

INTRODUÇÃO: Há um grande empenho na busca por soluções reconstrutivas para as áreas de perda cutânea ou muscular que exijam cobertura ou preenchimento cavitário estável. O retalho anterolateral da coxa, descrito na China por Song et al. (1984), é considerado por muitos como o retalho ideal nas grandes reconstruções.
OBJETIVO: Relatar a aplicabilidade do retalho anterolateral da coxa como recurso versátil nas reconstruções da parede abdominal.
MÉTODOS: Dois pacientes foram selecionados para serem submetidos à ressecção tumoral de cólon direito com invasão da parede abdominal pela equipe de cirurgia oncológica em conjunto com a equipe de cirurgia plástica, que foi a responsável pela reconstrução da parede abdominal. Em ambos os casos, utilizou-se o retalho anterolateral da coxa pediculado, que foi transposto para o defeito após a ressecção parcial da parede abdominal no mesmo tempo cirúrgico. Entre as vísceras abdominais e o retalho, foi fixada tela de PROCEEDTM para reforço da parede abdominal. Resultados: Ambos os pacientes tiveram boa evolução pós-operatória e encontram-se em acompanhamento, sem sinais de recidiva tumoral e com boa qualidade de vida.
CONCLUSÃO: O retalho anterolateral da coxa mostrou-se recurso útil dentro do arsenal terapêutico reconstrutivo da parede abdominal devido a grandes ressecções tumorais em oncologia.

Palavras-chave: Oncologia; Retalhos cirúrgicos; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos; Coxas; Parede abdominal/Cirurgia.

ABSTRACT

INTRODUCTION: There is a strong commitment in pursuing reconstructive solutions for areas of skin or muscular loss that require covering or stable cavity filling. The anterolateral thigh flap, described in China by Song et al. (1984), is considered by many as the optimal flap in large reconstructions.
OBJECTIVE: To report the applicability of the anterolateral thigh flap, as a versatile resource in reconstructions of the abdominal wall.
METHODS: Two patients were submitted to tumoral resection of the right colon with invasion of the abdominal wall by a team of oncologic surgeons in conjunction with the plastic surgery team that was responsible for the reconstruction of the abdominal wall. In both cases, the pedicled anterolateral thigh flap was used, which was transposed to the defect after partial resection of the abdominal wall at the same surgical time. A PROCEEDTM surgical mesh was fixed between the abdominal viscera and the flap to reinforce the abdominal wall.
RESULTS: Both patients had good postoperative evolution and are in follow-up, with no signs of tumor recurrence and with a good quality of life.
CONCLUSION: The anterolateral thigh flap is a useful resource for the reconstruction of the abdominal wall due to large tumor resections in oncology.

Keywords: Oncology; Surgical flaps; Reconstructive surgical procedures; Thighs; Abdominal wall/Surgery.


INTRODUÇÃO

Há um grande empenho na busca por soluções reconstrutivas para as áreas de perda cutânea ou muscular que exijam cobertura ou preenchimento cavitário estável, gerando estudos voltados para a área dos retalhos perfurantes. Dentre os retalhos perfurantes, destaca-se o retalho anterolateral da coxa, descrito na China por Song et al. (1984)1, e considerado por muitos como o retalho ideal nas grandes reconstruções. Tornou-se popular nos últimos anos pela sua grande versatilidade para reconstruções de defeitos em região de cabeça e pescoço, tronco e membros2, seja na modalidade de transferência local como à distância (microcirúrgica)3.

Nos casos de defeitos complexos da parede abdominal, faz-se necessário restabelecer a função de contenção e prensa abdominal, evitando abaulamentos ou herniações. O retalho anterolateral da coxa reúne vantagens do ponto de vista reconstrutivo: corrige as falhas da parede abdominal inferior com satisfatório volume de tecido fascial (proveniente da coxa) e com bom arco de rotação e alcance. A área de pele do retalho é suprida por artérias perfurantes septocutâneas ou musculocutâneas dos ramos descendentes da artéria circunflexa femoral lateral. Entretanto, devido à grande variedade anatômica de seu pedículo, é primordial, antes de iniciar a dissecção do retalho, uma varredura simples com Doppler unidirecional, para mapear perfurantes que auxiliam na idealização da ilha cutânea com melhor vascularização (manter vasos mapeados no centro da ilha, diametralmente) e a possibilidade de inclusão de outros tecidos para auxiliar a reparação4.


OBJETIVO

Relatar a aplicabilidade do retalho anterolateral da coxa como recurso versátil nas reconstruções de defeitos complexos da parede abdominal devido a tumor avançado de cólon direito - relato de dois casos do Hospital de Câncer de Barretos (HCB) - Fundação Pio XII.

Considerações técnicas

A forma e dimensões do retalho foram aferidas utilizando-se um molde de papel estéril absorvente. Sobre a ferida (área receptora), impregnavam-se os fluídos desta, marcando no papel a forma do defeito, em seguida recortado e transferido.

O reparo da falha profunda da parede abdominal foi realizado com fixação da tela de ProceedTM 5,6.

O reparo da falha superficial da parede abdominal é preenchido com aplicação do retalho; localizadas e demarcadas pré-operatoriamente as perfurantes da artéria circunflexa femoral lateral (ACFL), o retalho pode ser delimitado na face anterolateral da coxa. A dissecção prossegue com a incisão e elevação da ilha cutânea no plano subfascial até a identificação dos vasos perfurantes, que são seguidos e isolados em seu trajeto septocutâneo ou intramuscular até os ramos descendentes ou transversos da ACFL, que por sua vez é individualizada até sua origem na artéria femoral profunda. Ligados os ramos colaterais, o retalho está preparado para transferência, seja local ou à distância (microcirúrgica). A área doadora, dependendo do tamanho, pode ser reparada por sutura primária ou aproximada e complementada com enxertos de pele7.


RELATO DE CASO

Caso 1 (Figuras 1,2,3,4 e 5)



Figura 1. Caso 1 (RFC): Pré-operatório.


Figura 2. Caso 1 (RFC): Reparo inicial com tela de ProceedTM.


Figura 3. Caso 1 (RFC): Dissecção do retalho anterolateral da coxa pediculado.


Figura 4. Caso 1 (RFC): Pós-operatório imediato.


Figura 5. Caso 1 (RFC): Pós-operatório tardio.



RFC, sexo masculino, branco, 37 anos, solteiro, natural e domiciliado em Alta Floresta-MT, com história de laparotomia exploradora na cidade de origem, para tratamento de apendicite aguda, porém com achado de tumor em cólon direito. No pós-operatório recente, foi identificado nódulo em ferida operatória e submetido à nova laparotomia exploratória com ressecção do tumor e colostomia direita. O mesmo evoluiu com obstrução intestinal, seguida de nova intervenção cirúrgica: laparotomia exploradora, sendo, desta vez isolado o cólon e realizada ileostomia em quadrante inferior esquerdo do abdômen.

Admitido em julho de 2009 no HCB, com queixas de dor abdominal, náuseas, vômitos, diarreia, astenia, anorexia, emagrecimento, dispneia e dor torácica ventilatório dependente. Sabidamente tabagista e etilista. Negou história familiar de câncer e antecedentes clínicos e/ou cirúrgicos. Ao exame físico: incisão abdominal mediana infrassupra-umbilical, ileostomia em quadrante inferior esquerdo, implante tumoral em cicatriz de apendicectomia em quadrante inferior direito.

Foi avaliado por equipe multidisciplinar e submetido à ressecção em bloco da massa tumoral que englobava íleo terminal, cólon direito, cólon sigmoide e toda parede do hemiabdômen direito. A cavidade abdominal não apresentava implantes tumorais e o fígado estava isento lesões metastáticas. Manteve-se cólon transverso fechado (excluído do trânsito intestinal), realizou-se sigmoidectomia segmentar com anastomose primária latero-lateral com técnica de duplo grampeamento e reconstruído ileostomia terminal em quadrante inferior esquerdo do abdômen.

Como intercorrência cirúrgica, ocorreu laceração hepática, sendo necessária apenas compressão e utilização de material hemostático (Surgicel®) para controle. Além disso, houve lesão parcial do nervo femural direito, durante a ressecção do tumor, com necessidade de sutura do nervo com fio Prolene 5.0.

A parede abdominal foi reconstruída utilizando-se tela de ProceedTM (uma rede cirúrgica laminada fina, esterilizada e flexível, que se destina à reparação de hérnias e outras lesões fasciais). O produto da rede é composto por um tecido de celulose regenerada oxidada (CRO) e por uma rede Prolene® flexível, e uma rede de polipropileno não absorvível, que está encapsulada por um polímero de polidioxanona. A face de rede de polipropileno do produto permite o crescimento interno do tecido, enquanto a face de CRO proporciona uma camada bioabsorvível que separa fisicamente a rede de polipropileno do tecido subjacente e das superfícies dos órgãos durante o período de cicatrização de forma a minimizar a aderência dos tecidos à rede.

Sobreposto à tela, foi confeccionado retalho pediculado fasciocutâneo anterolateral da coxa ipsilateral ao defeito, transposto com arco de rotação de > 90° e < 180°, sendo o mesmo fixado no defeito da parede abdominal com pontos de Vicryl 3-0 subdérmico e chuleio simples com fio de Nylon 5-0. A área doadora ficou aberta, para não prolongar o tempo cirúrgico. Fez-se curativo oclusivo da área cruenta (coxa direita) com Purilon® (hidrogel) + Adaptic (tela não aderente), até completa epitelização.

O pós-operatório imediato realizou-se na UTI e a alta hospitalar foi no 13º dia pós-cirúrgico. O paciente foi submetido a tratamento quimioterápico adjuvante com término em janeiro de 2011. Neste momento, descobriu-se recidiva tumoral, palpada em flanco abdominal direito e visibilizada em exame de tomografia computadorizada, em região correspondente ao espaço para-renal direito, com lesão infiltrando os ventres dos músculos oblíquos.

Em maio de 2011, foi submetido a tratamento cirúrgico para ressecção de lesão tumoral em retroperitôneo e, neste mesmo ato, foi reconstruído o trânsito intestinal com anastomose látero-lateral em segmento de íleo e cólon transverso, com técnica de duplo grampeamento. O paciente recebeu alta hospitalar no 6º dia pós-operatório. Atualmente, segue em acompanhamento ambulatorial sem sinais de recidiva tumoral.

Caso 2 (Figuras 6,7,8,9 e 10)


Figura 6. Caso 2 (JMP): Intraoperatório. Detalhe das dimensões da tumoração acometendo a parede abdominal.


Figura 7. Caso 2 (JMP): Peça cirúrgica e defeito resultante.


Figura 8. Caso 2 (JMP): Detalhe da fixação da tela de ProceedTM e retalho dissecado.


Figura 9. Caso 2 (JMP): Pós-operatório imediato.


Figura 10. Caso 2 (JMP): Pós-operatório tardio.



JMP, sexo masculino, branco, 48 anos, casado, natural e domiciliado em Medeiros-MG, com história de tratamento cirúrgico de apendicite aguda em outubro de 2009, com necessidade de reabordagem para controle de infecção de sítio cirúrgico. Realizou exame de colonoscopia e tomografia computadorizada de abdômen, que evidenciou tumor em cólon direito. Admitido no HCB em novembro de 2010, sendo que na primeira consulta apresentava-se assintomático. Negou história de tabagismo, etilismo e outras doenças. Negou história de câncer na família e antecedentes clínicos e/ou cirúrgicos.

Ao exame físico: área de cicatriz cirúrgica em quadrante inferior direito do abdômen com lesão granulomatosa. Submetido em dezembro de 2010 à biópsia desta lesão, cujo anatomopatológico revelou processo inflamatório crônico com ausência de células neoplásicas. Em exame de tomografia computadorizada desta mesma data, constatou-se volumosa massa tumoral de 10,1 X 6,6 cm, com degeneração central, localizada em topografia do íleo terminal e ceco e estendendo-se para parede abdominal até a área ulcerada da pele.

Após avaliação multidisciplinar, foi submetido em fevereiro de 2011 à colectomia total, com necessidade de ressecção em bloco de massa tumoral que englobava a parede abdominal correspondente ao quadrante inferior direito. A cavidade abdominal não apresentava implantes tumorais e o fígado não continha lesões metastáticas. Foi reconstruído íleo-reto-anastomose com técnica de grampeamento circular com grampeador intestinal número 29. A parede abdominal foi reconstruída utilizando-se tela de ProceedTM e sobreposta à tela, rotação de retalho pediculado anterolateral da coxa direita. A área doadora ficou aberta e procedida a curativos, da mesma forma que o caso 1. O pós-operatório imediato realizou-se na UTI, sendo a alta hospitalar ocorrida no 11º dia pós-cirúrgico.

O paciente foi submetido a tratamento quimioterápico adjuvante com término em dezembro de 2011. Atualmente, faz seguimento ambulatorial e sem sinais de recidiva tumoral.


DISCUSSÃO

Conforme literatura, a confecção do território cutâneo do retalho pode ser ampla e permite alcançar uma área de 25 cm por 18 cm de dimensão de pele que poderá sobreviver com apenas uma perfurante8; além disso, é possível o fechamento primário da área doadora quando a largura é inferior a 9 cm. Defeitos maiores necessitam de enxertia de pele, porém, em nossa séria este procedimento não foi realizado devido a condições clínicas do paciente e prolongamento do tempo operatório.

Deve-se sempre preservar várias perfurantes no retalho, se possível, pois embora ampla área de pele possa ser suprida por apenas uma perfurante, elas são extremamente finas e tendem a sofrer trombose rapidamente após o desenvolvimento de congestão9. Em sua forma pediculada, por apresentar pedículo longo, apresentou bom arco de rotação e alcance, excelente opção de cobertura para defeito abdominal10. A transposição ocorreu de maneira simples, associada à aplicação da Tela de ProceedTM, necessária para o reforço interno, auxiliando na contenção de vísceras abdominais e evitando herniações.

Nesta amostra, os resultados estéticos foram excelentes, com restauração do contorno da área defeituosa abdominal, porém inicialmente insatisfatórios para áreas doadoras. As mesmas evoluíram com cicatrização por segunda intenção, e tardiamente aceitáveis com satisfatória epitelização.


CONCLUSÃO

O retalho anterolateral da coxa mostrou-se recurso útil dentro do arsenal terapêutico reconstrutivo de grandes defeitos da parede abdominal em oncologia.


REFERÊNCIAS

1. Song YG, Chen GZ, Song YL. The free thigh flap: a new free flap concept based on the septocutaneous artery. Br J Plast Surg. 1984;37(2):149-59. PMID: 6713155 DOI: http://dx.doi.org/10.1016/0007-1226(84)90002-X

2. Chana JS, Wei FC. A review of the advantages of the anterolateral thigh flap in head and neck reconstruction. Br J Plast Surg. 2004;57(7):603-9. PMID: 15380693 DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.bjps.2004.05.032

3. Geddes CR, Morris SF, Neligan PC. Perforator flaps: Evolution, classification, and applications. Ann Plast Surg. 2003;50(1):90-9. PMID: 12545116 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00000637-200301000-00016

4. Ishida LC. Estudo anatômico do retalho perfurante ântero-lateral da coxa. [Tese de doutorado]. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2006. 86p.

5. Holste JL. Are meshes with lightweight construction strong enough? Int Surg. 2005;90(3 Suppl):S10-2. PMID: 16463941

6. Cobb WS, Kercher KW, Heniford BT. The argument for lightweight polypropylene mesh in hernia repair. Surg Innov. 2005;12(1):63-9. DOI: http://dx.doi.org/10.1177/155335060501200109

7. Bijos P, Zumiotti AV, Rocha JR, Ferreira MC. Microcirurgia Reconstrutiva. São Paulo: Atheneu; 2005. p.351-352.

8. Kimata Y, Uchiyama K, Ebihara S, Nakatsuka T, Harii K. Anatomic variations and technical problems of the anterolateral thigh flap: a report of 74 cases. Plast Reconstr Surg. 1998;102(5):1517-23. PMID: 9774005 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00006534-199810000-00026

9. Kimata Y, Uchiyama K, Ebihara S, Sakuraba M, Iida H, Nakatsuka T, et al. Anterolateral thigh flap donor-site complications and morbidity. Plast Reconstr Surg. 2000;106(3):584-9. PMID: 10987464 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00006534-200009010-00009

10. Kimata Y, Uchiyama K, Sekido M, Sakuraba M, Iida H, Nakatsuka T, et al. Anterolateral thigh flap for abdominal wall reconstruction. Plast Reconstr Surg. 1999;103(4):1191-7. PMID: 10088506 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00006534-199904010-00014










1. Colégio Brasileiro de Cirurgiões, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
2. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, São Paulo, SP, Brasil
3. Instituto Nacional do Câncer, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
4. International Confederation for Plastic Reconstructive and Aesthetic Surgery, Vienna, Austria
5. Hospital de Câncer de Barretos - Fundação Pio XII, Barretos, SP, Brasil
6. Universidade Estadual Paulista, São Paulo, SP, Brasil
7. Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
8. Sociedade Brasileira de Coloproctologia, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
9. IRCAD América Latina, Barretos, SP, Brasil
10. Universidade Federal de Goiás, Jataí, GO, Brasil
11. Hospital de Urgências de Goiânia, Goiânia, GO, Brasil

Instituição: Hospital de Câncer de Barretos - Fundação Pio XII, Barretos, SP, Brasil.

Autor correspondente:
Cleyton Dias Souza
Rua Alameda Holanda, 165
Barretos, SP, Brasil CEP 14784-001
E-mail: drcleytondias@gmail.com

Artigo submetido: 4/8/2012.
Artigo aceito: 2/9/2012.

 

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