ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175
Carcinoma triquilemal, um tumor incomum: atualização sobre manejo e prognóstico
Trichilemmal carcinoma, an uncommon tumor: update on its management and prognosis
RESUMO
INTRODUÇÃO: O carcinoma triquilemal (CT) é uma neoplasia rara dos anexos cutâneos. Foi descrito pela primeira vez em 1968, como tricoleptocarcinoma, e tem incidência de 0,05% em pacientes submetidos a exame histopatológico após excisão de lesões cutâneas. Parece ser um tumor de baixa agressividade, porém, relatos na literatura colocam em dúvida tal comportamento indolente.
OBJETIVOS: Oferecer uma atualização sobre manejo e prognóstico do CT.
MÉTODOS: Pesquisa no PubMed e SciELO com os termos MeSH "trichilemmal carcinoma", "tricholemmal carcinoma", "adnexal skin tumor", "carcinoma triquilemal".
RESULTADOS: Devido a sua raridade, a maior parte da literatura se baseia em relatos de caso, os quais na sua maioria corroboram a natureza indolente da doença. Excisão cirúrgica é o tratamento preconizado, com baixo risco de recidiva e baixa morbimortalidade.
CONCLUSÃO: O comportamento da lesão e as condutas no tratamento do CT baseiam-se em casos isolados ou de pequenas séries de casos. Devido a sua baixa prevalência, uma colaboração multicêntrica agrupando um maior número de casos pode ajudar a definir melhor recomendações de tratamento, fisiopatologia e prognóstico. Excisão cirúrgica continua a ser o padrão-ouro de tratamento, com baixo risco de recidiva.
Palavras-chave:
Couro cabeludo; Oncologia; Neoplasias cutâneas; Carcinoma de apêndice cutâneo; Neoplasias de anexos e de apêndices cutâneos; Prognóstico.
ABSTRACT
INTRODUCTION: Trichilemmal carcinoma (TC) is a rare neoplasm of skin appendages. It was first described in 1968 as tricoleptocarcinoma, and has an incidence of 0.05% in patients subjected to histopathological examination after excision of cutaneous lesions. TC has an indolent clinical course ; however, reports in the literature put in doubt this indolent behavior.
OBJECTIVES: To provide an update on the management and prognosis of TC.
METHODS:A search of the PubMed and SciELO databases by using with the MeSH terms "trichilemmal carcinoma", "tricholemmal carcinoma", "adnexal skin tumor", and "carcinoma triquilemal" was performed.
RESULTS: Owing to the rarity of TC, most studies were case reports, which essentially corroborate the indolent nature of the disease. Surgical excision is the recommended treatment, and is associated with a low risk of recurrence and low morbidity and mortality.
CONCLUSION: The behavior of the lesion and the procedure of treatment of TC are based on isolated cases or in a small series of cases. Because of its low prevalence, a multicenter collaboration of a greater number of cases can help define the best treatment recommendations, pathophysiology, and prognosis. Surgical excision remains the gold standard of treatment, and is associated with a low risk of recurrence.
Keywords:
Scalp; Oncology; Skin neoplasms; Carcinoma of skin appendages; Neoplasms of adnexal and skin appendages; Prognosis.
INTRODUÇÃO
O carcinoma triquilemal (CT) é uma neoplasia rara dos anexos cutâneos, com origem na bainha externa do folículo capilar, e é localizado primariamente em áreas de pele com exposição solar, como escalpo, região frontal, pescoço, tronco e membros superiores, geralmente de indivíduos idosos, predominantemente em mulheres1.
Foi descrito pela primeira vez em 1968, como tricoleptocarcinoma, e ocorreu em 0,05% dos pacientes que foram submetidos a exame histopatológico de lesões cutâneas excisadas2. Headington foi o primeiro a propor o termo CT em 1976 para descrever "a invasão histológica de queratinócitos com neoplasia celular claro citologicamente atípico que se encontravam em continuidade com a epiderme e/ou epitélio folicular"3.
Parece ser um tumor de baixa agressividade, porém, relatos na literatura colocam em dúvida tal comportamento indolente.
OBJETIVO
O objetivo deste artigo é realizar uma atualização sobre manejo e prognóstico de pacientes com CT por meio de uma revisão de literatura.
MÉTODOS
Foi realizada uma pesquisa nas bases de dados online PubMed e SciELO com os termos MeSH "trichilemmal carcinoma", "tricholemmal carcinoma", "adnexal skin tumor", "carcinoma triquilemal". Artigos em português e inglês foram pesquisados.
DISCUSSÃO
O CT ocorre predominantemente no couro cabeludo, com maior incidência no sexo feminino e em pessoas de etnicidade caucasiana, geralmente em pacientes entre a quarta e sexta década4,5; áreas da pele com maior exposição solar, com queimaduras, ou submetidas à irradiação prévia são mais suscetíveis6. As lesões geralmente são menores que 2 cm, porém, há lesões com até 25 cm de diâmetro reportadas7 (Figura 1).
Figura 1. Aspecto clínico de lesão em couro cabeludo em mulher de 54 anos, com evolução de um ano. Biópsia demonstrou ser um carcinoma triquilemal.
Uma investigação recente sugeriu que a descrição de CT como uma neoplasia cutânea bem caracterizada na literatura é exagerada. Este exagero pode ser devido à subestimativa da existência de outras condições que imitam CT, incluindo a doença de Bowen8.
Habitualmente, ocorre como uma lesão solitária9, predominantemente na região de cabeça e pescoço10, e apresentando-se clinicamente cerca de um ano antes do diagnóstico com fase de crescimento rápido11.
O diagnóstico diferencial inclui cisto tricolemal - benigno-, carcinoma de células escamosas (Figuras 2 e 3), carcinoma basocelular, ceratoatocantoma, cistos verrucosos, cisto tricolemal proliferativo e pseudocarcinomatose5,12.
Figura 2. Lesão friável, ulcerada, com cerca de 3 anos de evolução, em couro cabeludo de paciente masculino de 71 anos. Análise histopatológica demonstrou tumor triquilemal proliferativo maligno com área de degeneração espinocelular (área ulcerada entre 10 e 11 horas na figura).
Figura 3. Espécime cirúrgico de ressecção de lesão da Figura 2 (régua de 10 cm para comparação).
Parece ser a camada externa do folículo piloso a porção maligna do tricolemoma13. Histologicamente, o CT aparenta ser uma neoplasia de grau intermediário a alto, e representa uma proliferação lobular centrada ao redor da unidade pilosebácea e composta por células claras e pálidas com atipia, contendo glicogênio com invasão basilar ou de espessura total da epiderme interfolicular14. O crescimento do tumor é lobular e infiltrativo, com os lóbulos frequentemente centrados e expandindo a unidade pilosebácea. O comprometimento inicialmente intraepitelial pode estender-se à derme reticular. O dano actínico tem-se reportado como característica constante11; apesar disso, há relatos de tumores em áreas sem exposição solar. Nenhum critério de diagnóstico histopatológico universal ainda foi aceito para o CT15.
O prognóstico depende do tamanho do tumor e a localização, grau de diferenciação e o subtipo histológico. Numa análise de 615 pacientes com carcinomas de células escamosas (com comportamento similar a CT), os fatores chave de prognóstico para metástase foram aumento da profundidade do tumor (> 2 mm), imunossupressão, localização na orelha, diâmetro superficial aumentado (> 6 mm)16.
Não obstante a aparência citológica agressiva, representa um tumor indolente que geralmente evolui com curso benigno, bom prognóstico clínico3 e sem potencial metastático16,17.
Entretanto, existem diversos relatos na literatura de carcinomas triquilemais de curso agressivo, com invasão linfonodal local9,18,19, recidivante19 e até metastático20,21, abrindo questionamentos sobre o real comportamento da lesão. Em uma série recente de 26 pacientes, a sobrevida em 5 anos foi de 89,5%5. Não há tratamento com quimioterapia padronizado, mas em relatos de pacientes com tumores recorrentes ou com metástases, regimes incluindo cisplatina, ciclofosfamida e adriamicina (semelhante ao utilizado para pacientes com casos avançados de carcinoma de células escamosas) demonstraram controle do crescimento do tumor, porém não atingiram cura5,19.
Assim como existem divergências na literatura quanto ao curso da lesão, o mesmo se aplica para o tratamento. Excisão cirúrgica completa com documentação histológica de margens livres é recomendada como tratamento padrão para o CT por alguns autores4, podendo ser obtido com a cirurgia micrográfica de Mohs19. Outros, entretanto, recomendam ampla excisão cirúrgica18.
A radioterapia adjuvante é requerida para casos de alto risco, quando a ressecção completa é impossível, ou como em casos de recidiva ou metástase22.
CONCLUSÃO
Podemos concluir que grande parte das informações sobre comportamento e condutas no tratamento do CT baseiam-se em observação de casos isolados ou de pequenas séries de casos. Devido à baixa prevalência desses tumores, faltam estudos maiores e prospectivos para delinear o verdadeiro comportamento dessa lesão, uma vez que em diversos relatos o comportamento da lesão diverge muito do comportamento indolente descrito por uma grande parcela dos autores.
Excisão cirúrgica com margem de 1 cm demonstra ser segura, simples, e com baixo risco de recorrência. É indispensável discutir e alertar o paciente quanto à possibilidade de recidiva e, em casos de tumores recidivantes ou agressivos, acompanhamento multidisciplinar incluindo encaminhamento para oncologista para tratamento adjuvante é fundamental.
REFERÊNCIAS
1. Sau P, Graham JH, Helwig EB. Proliferating epithelial cysts. Clinicopathological analysis of 96 cases. J Cutan Pathol. 1995;22(5):394-406. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/j.1600-0560.1995.tb00754.xhttp://dx.doi.org/10.1111/j.1600-0560.1995.tb00754.x
2. Holmes EJ. Tumors of lower hair sheath. Common histogenesis of certain so-called "sebaceous cysts," acanthomas and "sebaceous carcinomas". Cancer. 1968;21(2):234-48. PMID: 4952501 DOI: http://dx.doi.org/10.1002/1097-0142(196802)21:2<234::AID-CNCR2820210211>3.0.CO;2-J
3. Headington JT. Tumors of the hair follicle. A review. Am J Pathol. 1976;85(2):479-514.
4. Feng Z, Zhu HG, Wang LZ, Zheng JW, Chen WT, Zhang Z, et al. Tricholemmal carcinoma of the head and neck region: A report of 15 cases. Oncol Lett. 2014;7(2):423-6.
5. Zhuang SM, Zhang GH, Chen WK, Chen SW, Wang LP, Li H, et al. Survival study and clinicopathological evaluation of trichilemmal carcinoma. Mol Clin Oncol. 2013;1(3):499-502.
6. Billingsley EM, Davidowski TA, Maloney ME. Trichilemmal carcinoma. J Am Acad Dermatol. 1997;36(1):107-9. PMID: 8996274 DOI: http://dx.doi.org/10.1016/S0190-9622(97)70339-6
7. Casas JG, Woscoff A. Giant pilar tumor of the scalp. Arch Dermatol. 1980;116(12):1395. PMID: 7458368 DOI: http://dx.doi.org/10.1001/archderm.1980.01640360069021
8. Dalton SR, LeBoit PE. Squamous cell carcinoma with clear cells: how often is there evidence of tricholemmal differentiation? Am J Dermatopathol. 2008;30(4):333-9.
9. Boscaino A, Terracciano LM, Donofrio V, Ferrara G, De Rosa G. Tricholemmal carcinoma: a study of seven cases. J Cutan Pathol. 1992;19(2):94-9. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/j.1600-0560.1992.tb01349.x
10. Stang A, Stegmaier C, Jöckel KH. Nonmelanoma skin cancer in the Federal State of Saarland, Germany, 1995-1999. Br J Cancer. 2003;89(7):1205-8. PMID: 14520447 DOI: http://dx.doi.org/10.1038/sj.bjc.6601294
11. Swanson PE, Marrogi AJ, Williams DJ, Cherwitz DL, Wick MR. Tricholemmal carcinoma: clinicopathologic study of 10 cases. J Cutan Pathol. 1992;19(2):100-9. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/j.1600-0560.1992.tb01350.x
12. Van Zele D, Arrese JE, Heymans O, Fissette J, Piérard GE. Invasive tricholemmal carcinoma of the nose. Dermatology. 2002;204(4):315-7. PMID: 12077536 DOI: http://dx.doi.org/10.1159/000063374
13. Reis JP, Tellechea O, Cunha MF, Baptista AP. Trichilemmal carcinoma: review of 8 cases. J Cutan Pathol. 1993;20(1):44-9. DOI:http://dx.doi.org/10.1111/j.1600-0560.1993.tb01248.x
14. Elder DE, ed. Lever's histopathology of the skin. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2009.
15. Misago N, Toda S, Narisawa Y. Folliculocentric squamous cell carcinoma with tricholemmal differentiation: a reappraisal of tricholemmal carcinoma. Clin Exp Dermatol. 2012;37(5):484-91. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/j.1365-2230.2012.04366.x
16. Brantsch KD, Meisner C, Schönfisch B, Trilling B, Wehner-Caroli J, Röcken M, et al. Analysis of risk factors determining prognosis of cutaneous squamous-cell carcinoma: a prospective study. Lancet Oncol. 2008;9(8):713-20. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/S1470-2045(08)70178-5
17. Folpe AL, Reisenauer AK, Mentzel T, Rütten A, Solomon AR. Proliferating trichilemmal tumors: clinicopathologic evaluation is a guide to biologic behavior. J Cutan Pathol. 2003;30(8):492-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1034/j.1600-0560.2003.00041.x
18. Nemetz MA, Cunha RM, Reeck P, Carreirão Neto W, Moreira MTS, Coelho MS. Carcinoma triquilemal: relato de um caso. Rev Bras Otorrinolaringol. 2004;70(6):832-5. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-72992004000600022
19. Roismann M, Freitas RR, Ribeiro LC, Montenegro MF, Biasi LJ, Jung JE. Carcinoma triquilemal: relato de caso. An Bras Dermatol. 2011;86(5):991-4. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0365-05962011000500019
20. Dailey JR, Helm KF, Goldberg SH. Tricholemmal carcinoma of the eyelid. Am J Ophthalmol. 1993;115(1):118-9. PMID: 8420367 DOI: http://dx.doi.org/10.1016/S0002-9394(14)73540-8
21. Jung J, Cho SB, Yun M, Lee KH, Chung KY. Metastatic malignant proliferating trichilemmal tumor detected by positron emission tomography. Dermatol Surg. 2003;29(8):872-4.
22. Wollina U, Bayyoud Y, Kittner T, Dürig E. Giant tricholemmal squamous cell carcinoma with cranial infiltration. J Clin Aesthet Dermatol. 2011;4(4):34-7.
1. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil
2. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil
Instituição: Serviço de Cirurgia Plástica Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Porto Alegre, RS, Brasil.
Autor correspondente:
Pedro Salomão Piccinini
Avenida Ipiranga, 6690, Jardim Botânico
Porto Alegre, RS, Brasil CEP 90610-000
E-mail: pspiccinini@gmail.com
Artigo submetido: 26/5/2015.
Artigo aceito: 8/10/2015.
All scientific articles published at www.rbcp.org.br are licensed under a Creative Commons license