ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Articles - Year2004 - Volume19 - Issue 2

RESUMO

O presente trabalho apresenta casuística de 23 casos submetidos a uma técnica nova e simples para fechamento de feridas cutâneas através da tração cíclica e contínua de suas margens, em curto período de tempo. A técnica permite o fechamento primário das feridas, evitando procedimentos mais invasivos como enxertos ou retalhos.
O procedimento utiliza material de baixo custo, como fio de Prolene 2TM e um cateter fino, em contraposição a técnicas com finalidade similar que necessitam de aparelhos específicos (Sure-ClosureTM) e com custo diversas vezes maior.
Além do baixo custo e da fácil execução, ela pode ser realizada em caráter ambulatorial, apresentando baixos índices de complicação e morbidade e com bons resultados clínicos.

Palavras-chave: Pele; estiramento; expansão; tração; fechamento

ABSTRACT

The study presents 23 cases submitted to a new and simple technique for closure of skin wounds through cycling and continuous traction of their borders in a short period of time. The technique allows for the primary closure of wounds, avoiding more invasive methods such asgrafts or flaps. The procedure utilizes low-cost material, such as Prolene 2T suture and a slender catheter; in contrast to techniques with the same purpose, but that need specific devices (Sure-ClosureTM) and cost much more. In addition to its low costand ease of use, the procedure may be dane on an outpatient basis, with low rates of complications and morbidity and satisfactory clinical results.

Keywords: Skin; distension; expansion; traction; closure


INTRODUÇÃO

O conceito de expansão de tecidos foi primeiramente posto em prática por Neuman(1) em 1956, quando utilizou um expansor inflável esférico na região retroauricular. Ele realizou uma expansão intermitente por dois meses, sendo possível assim obter um ganho de pele. A partir de então, Radovan(2) e outros autores passaram a desenvolver a técnica de expansão lenta da pele.

O processo chamado de expansão imediata da pele foi primeiro descrito por Gibson(3), sendo explicado pelo fenômeno de arrasto mecânico (mechanical creep), em que as fibras colágenas se alongam paralelamente à direção da força de tração e a substância fundamental, composta de mucopolissacarídeos e fluidos tissulares, sendo deslocada leva a um resultado final de aumento da área de superfície(4-7).

As técnicas para se conseguir um ganho de pele através de distensão intra-operatória, descritas por Hirshowitz(8), Stough(9), Lam(10), Bjarnesen(11) e outros, necessitam de equipamentos especializados para sua execução. Tais dispositivos geralmente não estão disponíveis na maioria dos hospitais, além de apresentarem custo elevado.

Propomos uma técnica simples para fechamento de feridas através de tração cutânea, a qual acaba por permitir um fechamento primário, evitando assim procedimentos mais invasivos como enxertos ou retalhos. Trata-se de procedimento de baixo custo, fácil execução e com bons resultados práticos.

MÉTODOS

O trabalho apresenta o tratamento de 20 pacientes com um total de 23 lesões com necessidade de fechamento cirúrgico, submetidas a síntese primária após um ou múltiplos ciclos de tração cutânea. A idade variou de 2 a 82 anos, com média de 40 anos, sendo a área média dos defeitos a serem fechados de 57,8 cm2, localizadas em sua maioria nos membros inferiores. O número de ciclos para cada procedimento variou de 1 a 3, havendo para a grande maioria a necessidade de 3 ciclos. Os dados são mais bem detalhados na Tabela I. As cirurgias foram realizadas em centro cirúrgico sob técnica asséptica. O tipo de anestesia mais utilizado foi a local. Nos casos de lesões muito extensas foi utilizado bloqueio loco-regional (1 caso) ou anestesia geral (1 caso), também utilizada nas crianças (2 casos).




A técnica consiste de regularização das bordas, seguida de moderado descolamento subcutâneo ou fasciocutâneo, conforme localização e profundidade da ferida.

Como em um ponto em "U", penetra-se o fio de Prolene 2TM, com agulha de 7,5 cm (e não o Prolene 2.0TM) em área posterior ao descolamento, exteriorizando-a no interior da ferida, em direção à margem oposta, onde a aproximadamente 1 cm da borda transfixa-se o retalho, sendo então encapado o fio através da agulha com segmento de cateter; retorna-se de maneira inversa, penetrando-se a agulha no final do descolamento e exteriorizando-a o mais distante possível em área não descolada para se completar o "U", bilateralmente. Este passo é mais bem ilustrado na Fig. 1. O comprimento do cateter por ponto, ou seja, a largura do ponto, varia de acordo com o tamanho da lesão, sendo necessário apenas que seja na área de maior tensão. Podem-se associar vários pontos de tração conforme a necessidade, como em feridas grandes e/ou irregulares.


Fig. 1 - 0 esquema representa o posicionamento dos pontos e sentido da tração.


Tracionando-se os dois fios de cada lado simultaneamente, em direções opostas, promove-se uma aproximação das bordas da ferida até um determinado ponto de tensão máxima. Nesse instante, o auxiliar com quatro Kellys bloqueia as saídas dos fios rente à pele para que se mantenha a tensão (Fig. 2).


Fig. 2 - Após atingir tensão máxima de tração, clampeia-se a saída dos fios rente a pele.


Fig. 3 - A: Pós-operatório imediato de ressecção de CBC em região frontotemporal esquerda; b: Pós-operatório de 9 meses do fechamento da lesão utilizando tracão cutânea.


Fig. 4 - A: Pré-operatório de paciente com nevo congênito em glúteo; B: Intra-operatório, antes de ser realizado descolamento e tração cutânea; C: Pós-operatório de 21 dias, já removidos todos os pontos da sutura.



Após um período de 10 minutos, soltam-se os Kellys, relaxa-se a tensão por 60 segundos e realiza-se nova tração. Nesse momento, devido ao relaxamento da pele provocado pelo ciclo prévio, com a mesma força aplicada ocorre uma maior aproximação das bordas da ferida. Assim sucessivamente (pressão cíclica), por 1 a 4 ciclos (10 minutos cada, com intervalos de 1 minuto), até se conseguir a aproximação das bordas, permitindo a sutura.

Os pontos de tração podem ser utilizados pelo auxiliar para relaxar e aproximar as bordas durante a sutura, facilitando o trabalho do cirurgião. Ao término, os pontos de tração são removidos.

O custo do material utilizado para realizar a tração cutânea foi de U$27.

No pós-operatório foram orientados os mesmos cuidados de rotina para suturas simples, sendo os pontos de sutura retirados entre o sétimo e vigésimo primeiro pós-operatório, variando conforme a região e as condições locais.

O tempo de acompanhamento pós-operatório variou de 10 dias a 4 anos e meio.


RESULTADOS

Em todos os casos foi possível realizar a coaptação adequada das bordas, com boa evolução ao final do tratamento.

Houve um caso de deiscência total, resolvido com enxerto de pele. Em outros cinco casos ocorreram deiscências parciais, sendo a maior de 0,6 cm por 2,4 cm, que cicatrizaram por segunda intenção, dentro de um período máximo de 21 dias.

Foi observado em três casos o alargamento das cicatrizes no pós-operatório tardio. Houve um caso de alopécia mantida no pós-operatório tardio (1 ano), de aproximadamente 2,5 x 4,0 cm em couro cabeludo, que, no entanto, não apresenta seqüela estética, estando o paciente satisfeito com o resultado e que, caso necessário, pode ser tratada mediante ressecção simples da área cicatricial.


DISCUSSÃO

As técnicas de estiramento rápido foram criadas levando-se em conta as propriedades viscoelásticas da pele, utilizando-se tração contínua e progressiva, representando um novo conceito em fechamento de feridas(12-17).

Elas oferecem uma solução simples para feridas complexas de casos selecionados, apresentando-se como uma alternativa a procedimentos de maior morbidade, como enxertos de pele, expansores de tecidos, retalhos locais ou livres(18-21).

A técnica descrita neste trabalho torna a hospitalização reduzida ou desnecessária, diminuindo os custos do tratamento e liberando precocemente o paciente para retornar às atividades normais.

A vascularização é o fator limitante da tração cutânea, sendo que a viabilidade do tegumento pode ser severamente comprometida se a força for exagerada. Espessura, tensão da pele do retalho descolado, palidez cutânea e dor, são os indicadores para o cirurgião julgar quanta força pode ser aplicada com segurança nas margens da ferida. Nesse momento a experiência e a sensibilidade do cirurgião contam para a decisão.

As demais técnicas utilizadas para este fim necessitam de aparelhos não disponíveis na maioria dos hospitais, requerendo solicitação prévia, o que inviabiliza seu uso em uma situação inesperada.

Além da dificuldade de disponibilização dos aparelhos de tração, o custo médio é U$250 por unidade, encarecendo o tratamento e inviabilizando seu uso em pacientes carentes. Em contrapartida, a técnica proposta apresenta custo médio de U$27, sendo o material necessário encontrado na maioria dos hospitais.

O tempo de fechamento das feridas através da técnica proposta variou de 10 a 30 minutos (22 casos). Nos casos descritos na literatura com o uso de aparelhos ou outros aparatos, variou de 25 minutos a 456 horas(4,10,22). A única exceção foi o primeiro caso realizado pela técnica proposta, o de ferida extensa (130 cm2) em coxa, que, devido a um excesso de cautela e inexperiência técnica, foi suturado após 120 horas (5 dias) de tração, aplicada uma vez ao dia em caráter ambulatorial.

Hirshowitz e Stough não recomendam o descolamento das bordas da ferida, pois aumentaria o risco de complicações(9,15). Deiscências, necroses pequenas da pele e infecções são relatadas apesar do não descolamento(4,15,23), sua ocorrência sendo possível também na técnica proposta. Lam e Melis em estudos experimentais relatam que a combinação do descolamento e aparelho externo de tração da pele trabalham sinergisticamente para obter uma maior redução da tensão de fechamento, quando comparada com cada técnica isoladamente(10,23).

A técnica proposta permite associar o descolamento moderado à tração contínua, com menor risco de complicação, pois a via cutânea de irrigação das bordas está praticamente intacta, o retalho é transfixado apenas em dois pontos, enquanto as técnicas que utilizam aparelhos necessitam da introdução de agulhas ou fios de Kirschner intradérmicos na extensão das margens da ferida, conectados externamente por um aparelho que realiza a tração(9,13,14), interrompendo boa parte da via cutânea de irrigação das bordas, sendo imprescindível a manutenção da via subcutânea.


Fig. 5 - A: Lesão traumática em mão direita, com perda de substância (observam-se os pontos de tração posicionados); B: Pós-operatório de 75 dias, com boa evolução.


Fig. 6 - A: Pré-operatório de paciente com peritoniostomia há 2 meses, com necessidade de fechamento; B: Pós-operatório imediato, sem necessidade de manutenção dos pontos de tração, mesmo para casos de lesões extensas.



Os casos que apresentaram alargamento da cicatriz deveram-se ao posicionamento da cicatriz em relação às linhas de força da pele, como, por exemplo, em sentido vertical da cicatriz na coxa em dois casos e uma cicatriz em perna. O caso que evoluiu com deiscência total foi o de um paciente com ferida em perna de 10x5 cm, que foi suturado primariamente após 20 minutos de tração, evoluindo bem até o 1º dia pós-operatório, quando lamentavelmente o paciente deambulou normalmente, executando regularmente suas atividades profissionais que exigiam intensa atividade física, evoluindo para deiscência total no 3º dia pós-operatório.

Alargamentos de cicatrizes são descritos nas técnicas que utilizam aparelhos ou outros métodos(5,11,14,22), mas ainda assim são esteticamente mais aceitáveis que as cicatrizes resultantes de enxertos ou retalhos. O índice de complicações conforme a literatura e técnica proposta é baixo(6,17,22).

A técnica apresentada é versátil e de fácil execução, possibilitando ao cirurgião adequar o mecanismo de tração no tamanho exato que ele desejar, não se limitando a padrões preestabelecidos pela indústria, uma vez que é executada com fios de Prolene-2.


CONCLUSÃO

Esta é mais uma alternativa de grande valia a se incorporar ao arsenal de táticas e técnicas dos cirurgiões para oferecerem um simples e eficaz tratamento a seus pacientes. Podendo ser indicada em diversas situações, como: ferimentos traumáticos envolvendo perda de pele; fasciotomias abertas; peritoniostomias; excisão de tumores; revisões de cicatrizes da pele e lesões congênitas; fechamento de área doadora de retalhos e outras.

A técnica, no entanto, é contra-indicada em pacientes idosos, com estado nutricional deficiente e/ou pele muito fina com risco de lacerá-la no momento da tração ou evoluir com deiscência total por incapacidade nutricional para uma boa cicatrização.


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I. Membro Titular da SBCP, Assistente do Instituto de Cirurgia Plástica Santa Cruz, São Paulo - SP. Membro da Equipe de Cirurgia Plástica do Hospital São Luiz, São Paulo - SP.
II. Membro Associado da SBCP, Assistente do Instituto de Cirurgia Plástica Santa Cruz, São Paulo - SP.
III. Membro Titular da SBCP, Diretor do Instituto de Cirurgia Plástica Santa Cruz, São Paulo - SP.

Endereço para correspondência:
Carlos Henrique Fröner S. Góes
R. Afonso Brás, 579 Cj. 13
São Paulo - SP - 04511-011
Fones: (11) 3053-3009 / 3053-3010
e-mail: goescl@terra.com.br

Trabalho realizado no Instituto de Cirurgia Plástica Santa Cruz - São Paulo, SP

 

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