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Case Report - Year2015 - Volume30 - Issue 4

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2015RBCP0207

RESUMO

Pioderma gangrenoso é uma doença caracterizada por úlceras dolorosas, com bordos imprecisos, de diversos tamanhos e profundidade. O diagnóstico é eminentemente clínico, sendo muitas vezes de exclusão. O tratamento não é específico. O desbridamento cirúrgico não é indicado devido a seu potencial de patergia. Neste trabalho, relatamos um caso de pioderma gangrenoso em uma paciente submetida à abdominoplastia.

Palavras-chave: Pioderma gangrenoso; Diagnóstico; Terapêutica; Abdominoplastia.

ABSTRACT

Pyoderma gangrenosum is a disease characterized by painful ulcers, with imprecise borders of various sizes and depth. The diagnosis is essentially clinical and often exclusionary. The treatment is not specific. Surgical debridement is not indicated because of its potential pathergy. We report a case of pyoderma gangrenosum in a patient who underwent abdominoplasty.

Keywords: Pyoderma gangrenosum; Diagnosis; Treatment, Pathergy; Abdominoplasty.


INTRODUÇÃO

O pioderma gangrenoso foi descrito inicialmente em 1924 por Cullen e, em 1930, por Brusting et al.1. É uma doença caracterizada por úlceras dolorosas, com bordos imprecisos, de diversos tamanhos e profundidade. Sendo de caráter não neoplásico, sem vasculite primária e não infeccioso (podendo ocorrer infecção devido à contaminação secundária)2. Ocorrem alterações imunológicas que levam a um autofagismo; por isso, é considerada uma doença autoimune que gera uma inflamação e destruição tecidual.

O diagnóstico é eminentemente clínico, sendo muitas vezes de exclusão. As culturas para fungos e bactérias geralmente são negativas e histopatológico compatível com dermatose neutrofílica. O pioderma gangrenoso pode aparecer pós-trauma ou após procedimento cirúrgico, neste caso geralmente confundido com infecção da ferida cirúrgica e também conhecido como gangrena pós-operatória de Cullen3.

O tratamento não é específico. O desbridamento cirúrgico não é indicado devido a seu potencial de patergia. Outras opções terapêuticas como corticosteroides, imunossupressores e imunomoduladores são citadas. Na maioria das vezes, a escolha da terapia depende da experiência do médico e da clínica do paciente2,4,5.

O objetivo deste trabalho é relatar um caso de pioderma gangrenoso em uma paciente submetida à abdominoplastia.


RELATO DE CASO

Paciente de 36 anos, do sexo feminino, secretária, solteira, nulípara, natural de Campo Grande, MS e residente em Portugal. Procurou atendimento para cirurgia plástica em abdome. Os exames pré-operatórios (laboratoriais e cardiológicos) foram normais e risco cirúrgico grau I, sendo realizada abdominoplastia com lipoaspiração associada.

Pós-operatório imediato sem complicações, sendo prescrita antibioticoterapia sistêmica com cefalotina.

No segundo dia de pós-operatório surgiram duas equimoses dolorosas de mais ou menos 5 cm por 1 cm em região infraumbilical paralelas à linha média e com aspecto de dificuldade de retorno venoso do retalho (Figura 1). Foi realizada drenagem linfática no local afetado, mas as equimoses aumentavam de tamanho.


Figura 1. Primeiro dia de pós-operatório.



No terceiro dia de pós-operatório as equimoses já atingiam toda a região infraumbilical até a cicatriz de Pfannestiel (Figura 2). Foram liberadas as suturas da região infraumbilical e umbilical, sendo visualizados vasos trombosados no panículo adiposo em praticamente toda a extensão da região acometida (Figura 3). Iniciados curativos com colagenase pomada.


Figura 2. Segundo dia de pós-operatório.


Figura 3. Quando foram removidas suturas infra-umbilical e umbilical.



Devido à falta de melhora no quadro clínico da paciente, no quinto dia de pós-operatório foi realizado o desbridamento do tecido celular subcutâneo com vasos necrosados, mas a pele permanecia íntegra e com pequenas áreas de necrose nos bordos, as quais foram desbridadas. Foi mantido curativo com soro fisiológico e com neomicina pomada em consultório por cinco dias.

Devido à falta de resposta ao desbridamento e aumento da área de necrose após cada desbridamento, no 9º P.O. suspeitou-se de pioderma gangrenoso. O anatomopatológico evidenciou tecido subcutâneo com áreas de isquemia, necrose e hemorragia.

No 10º P.O. foi realizada cultura da secreção do abdome, que identificou Cryseobacterium sp sensível à ciprofloxacina. Dessa forma, a abordagem terapêutica foi mudada, não sendo mais realizado desbridamento. Conduta: curativo apenas com soro fisiológico, prednisona 60 mg/dia e antibioticoterapia oral com ciprofloxacina 500 mg 12/12h.

No 11º P.O. foram solicitados exames de crioglobulinas, anticoagulante lúpico, FAN, anti-HIV, hepatite B e C, sendo todos negativos. Hemograma revelou leucocitose de 21 mil leucócitos e desvio à esquerda. Devido à grande melhora do quadro clínico, foi-se diminuindo gradativamente a dose de prednisona (suspensão decrescente para 40 mg/dia durante 2 dias, depois 20 mg/dia durante 2 dias e seguida de retirada completa). Mantido curativo com soro fisiológico.

No 20º P.O. a paciente apresentou significativa melhora do quadro clínico com praticamente ausência de áreas de tecido necrótico (Figura 4). Porém, a cultura de secreção do abdome identificou Pseudomonas aeruginosa resistente à ciprofloxacina. Devido a hemograma sem leucocitose e sem desvio à esquerda, foi suspensa a antibioticoterapia e mantido apenas curativo com ácido acético 1% 2 x/dia.


Figura 4. Vigésimo dia de pós-operatório.



No 33º P.O. nova cultura revelou Staphylococcus coagulase negativa, sensível a clorafenicol e hemograma normal sem desvio à esquerda, sendo iniciados curativos com hidróxido de alumínio.

Nova cultura da secreção do abdome foi realizada após 7 dias da cultura anterior mostrando ausência de crescimento de bactérias. Devido à melhora significativa da ferida cirúrgica, a paciente foi submetida à nova etapa cirúrgica visando fechamento do defeito gerado (Figura 5).


Figura 5. Após novo procedimento cirúrgico.



DISCUSSÃO

O pioderma gangrenoso é uma dermatose de difícil diagnóstico caracterizado pela presença de úlceras necróticas que se localizam principalmente em membros inferiores. Acometem mais adultos entre 20 e 50 anos de idade, havendo predileção pelo sexo feminino6. Estima-se que ocorra entre 1 e 1,5 novo caso por ano em 100.000 habitantes. No caso relatado ocorreu essa patologia no abdome, o que não é a localização mais comum7.

A etiologia ainda não está totalmente esclarecida. É sabido que em 50% dos casos existe associação do pioderma gangrenoso com doenças sistêmicas tais como doenças inflamatórias intestinais, doenças reumáticas e hematológicas. Além de ocorrer uma ótima resposta ao tratamento com imunomoduladores, dessa forma é sugerida uma causa imunológica. No caso descrito não foi observada associação com nenhuma doença sistêmica2.

Já foi descrito como sendo complicação pósoperatória nas diversas especialidades médicas. Na cirurgia plástica já foi relatado em pacientes após cirurgias em mamas, abdominoplastias e retalhos fasciocutâneos3.

Cerca de 40% dos casos de pioderma gangrenoso surgem após algum tipo de trauma, o que dificulta ainda mais o diagnóstico. Nestes casos, a etiologia do pioderma gangrenoso seria o fenômeno da patergia, em que ocorre o desenvolvimento de novas e sucessivas lesões inflamatórias na área do trauma, sendo seguido por uma progressiva destruição da pele saudável; é contraindicada a realização de desbridamento cirúrgicos, que somente pioram o quadro.

No pós-operatório o diagnóstico do pioderma gangrenoso é geralmente mais demorado devido ser considerada como primeira hipótese diagnóstica a infecção da ferida cirúrgica. Estes relatos coincidiram com o encontrado na paciente em questão.

Em 2004, Su et al.8 propuseram os seguintes critérios diagnósticos:

Critérios Maiores

1. Úlcera cutânea necrótica com rápido crescimento, dolorosa, com borda irregular, violácea e indeterminada;

2. Exclusão de outras causas de úlcera cutânea.

Critérios Menores

1. História sugestiva de patergia ou achado clínico de escara cribiforme;

2. Doença sistêmica associada;

3. Os achados ao exame histopatológico são neutrofilia dermatológica estéril com inflamação mista e vasculite linfocítica;

4. Rápida resposta ao uso de corticoide sistêmico.

Para o diagnóstico, é necessário o paciente apresentar dois critérios maiores e, pelo menos, dois critérios menores.

O tratamento do pioderma gangrenoso é baseado em agentes tópicos concomitantemente ao tratamento sistêmico, sendo já relatada a eficácia da administração de corticosteroides (prednisona ou hidrocortisona), imunossupressores (ciclosporina, ciclofosfamida e talidomida) e imunoglobulina humana intravenosa. Geralmente, são empregados os corticosteroides como primeira opção. Caso o paciente manifeste efeitos adversos graves, as outras opções terapêuticas são utilizadas3,9.

Iniciado o tratamento com doses altas de prednisona (1-3 mg/kg/dia) e, à medida que a doença for sendo controlada, a dose será reduzida gradativamente. O tratamento deve ser finalizado com drogas imunossupressoras, em que a infecção deve ser obrigatoriamente excluída3.

Em geral, o tratamento do pioderma gangrenoso é baseado no uso de agentes tópicos para manter o local da lesão limpo e úmido. Após notarmos a presença de infecção secundária, foram utilizados curativos com ácido acético, para impedir o crescimento de Cryseobacterium e Pseudomonas, e curativos com hidróxido de alumínio, para impedir o crescimento de Staphylococcus. Na paciente em questão foi observada significativa melhora após iniciada corticoterapia com prednisona e antibioticoterapia com ciprofloxacina devido ao diagnóstico de infecção secundária na lesão10.


CONCLUSÃO

O presente relato de caso visa elucidar uma patologia pouco frequente, em localização incomum (abdome, pós-abdominoplastia) e sua abordagem para a resolução desta doença; abordagem essa adversa às que normalmente utilizamos em casos de sofrimento de pele pós-abdominoplastia.

O conhecimento desta patologia é interessante aos cirurgiões plásticos, pois aumenta seu arsenal terapêutico, quando do seu aparecimento no pósoperatório como uma complicação cirúrgica. O diagnóstico precoce pode evitar a piora do quadro clínico e o aparecimento de novas lesões.


REFERÊNCIAS

1. Brusting LA, Goeckerman WH, O'Leary PA. Pyoderma (ecthyma) gangrenosum: clinical and experimental observations in 5 cases occurring in adults. Arch Derm Syphilol. 1930;22:655-80.

2. Blitz NM, Rudikoff D. Pyoderma gangrenosum. Mt Sinai J Med. 2001;68(4-5):287-97. PMID: 11514916

3. Meyer TN. Pioderma gangrenoso: grave e mal conhecida complicação da cicatrização. Rev Bras Cir Plást. 2006;21(2):120-4.

4. Serra-Baldrich E, Boixareu MJT. Pioderma gangrenoso: consideraciones. Act Dermatol. 2001;40(2):115-22.

5. Tanus R, Cassol T, D'Aquino Neto V. Pioderma gangrenoso em membro inferior: relato de caso. Arq Catarin Med. 2009;38(Supl 1):70-2.

6. Ruocco E, Sangiuliano S, Gravina AG, Miranda A, Nicoletti G. Pyoderma gangrenosum: an updated review. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2009;23(9):1008-17. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/j.1468-3083.2009.03199.x

7. Martinez CAR, Priolli DG, Ramos RFB, Nonose R, Schmidt KH. Remissão completa do pioderma gangrenoso após colectomia total em doente portador de retocolite ulcerativa inespecífica. Arq Méd ABC. 2005;30(2):106-10.

8. Su WP, Davis MD, Weenig RH, Powell FC, Perry HO. Pyoderma gangrenosum: clinicopathologic correlation and proposed diagnostic criteria. Int J Dermatol. 2004;43(11):790-800. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/j.1365-4632.2004.02128.x

9. Furtado JG, Furtado GB. Pioderma gangrenoso em mastoplastia e abdominoplastia. Rev Bras Cir Plást. 2010;25(4):725-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1983-51752010000400030

10. Sanches TG, Schneider G, Pereira MC, Azevedo LEL, Azevedo GL, Souza MM, et al. Pioderma gangrenoso: relato de caso. Comun Ciênc Saúde. 2006;17(3):237-41.










1. Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), Campo Grande, MS, Brasil
2. Hospital PRONCOR, Campo Grande, MS, Brasil

Instituição: Hospital PRONCOR, Campo Grande, MS, Brasil.

Autor correspondente:
Suseli Carneiro da Costa
Rua Nove de Julho, 1605
Campo Grande, MS, Brasil CEP 79081-050
E-mail: sussaelli@yahoo.com.br

Artigo submetido: 21/7/2012.
Artigo aceito: 15/9/2012.

 

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