ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Articles - Year2004 - Volume19 - Issue 2

RESUMO

Este artigo visa orientar cirurgiões plásticos na elaboração de trabalhos científicos, seja para a publicação em periódicos nacionais, internacionais, elaboração de teses, monografias e trabalho de membro titular de nossa sociedade. São abordados três aspectos: a estratégia inicial do desenvolvimento do estudo, a descrição e análise dos itens de um trabalho científico e a escolha do tipo de periódico. Em relação à estratégia do desenvolvimento do estudo, são descritos os tipos de delineamento habitualmente utilizados, a confecção de um projeto de pesquisa, a obtenção de bolsas e auxílios, além de orientação sobre escrita e editoração dos artigos. Na análise dos itens de um trabalho científico, são feitas considerações sobre o título, introdução, material e métodos, resultados, discussão e conclusão. Sobre material e métodos, trata-se o tema focalizando estudos realizados em cirurgia plástica. Além desses itens, é também discutida a elaboração do resumo e legendas, além da confecção de fotos e ilustrações. A escolha correta do periódico, fator importante na aceitação para a publicação de um trabalho científico, é revista, procurando-se compreender a avaliação dos editores na seleção de um artigo. São também descritos artigos em formatos especiais, como relatos de caso, artigos de revisão de literatura e teses e monografias.

Palavras-chave: Trabalho científico; pesquisa; estudo científico; artigo científico

ABSTRACT

The present article aims to guide plastic surgeons in the preparation of scientific studies, whether for publication in domestic or international journals, theses, dissertations or as articles by full members of our society. Three aspects are approached: the initial strategy for developing the study, description and analysis of the parts of a scientific study and the choice of the type of Journal. In relation to the strategy for developing the study, the authors describe the usual format, the preparation of the research project, how to obtain grants and scholarships, in addition to guidelines for writing and editing articles. As to the analysis of the parts of a scientific study, the article makes comments on the title, introduction, methods, results, discussion and conclusion. Methods are focused on studies carried out in plastic surgery. How to prepare the abstract and captions is also discussed, in addition to how to prepare pictures and drawings. Choosing the right journal, an essential factor for a scientific article to be accepted, is reviewed, trying to understand how editors choose an article. Special-format articles, such as case reports, literature reviews and theses and dissertations, are also discussed.

Keywords: Scientific work; research; scientific study; scientific article


ELABORAÇÃO DE TRABALHO CIENTÍFICO

Pesquisas científicas devem ser divulgadas para possibilitar o avanço da ciência. Esses estudos podem ser apresentados em encontros científicos, ou publicados em livros ou periódicos. Mais recentemente, a internet passou a ser outra opção de divulgação dessas pesquisas. A apresentação de trabalhos científicos em congressos tem, como vantagem, a troca de idéias entre estudiosos de um mesmo assunto. Entretanto, o material escrito, embora não seja eterno, é mais duradouro do que a palavra falada. Estima-se que a vida científica de um livro varie de 1 a 2 anos, enquanto um artigo escrito em um periódico tem 10 anos de durabilidade científica. Nos Estados Unidos, o peso acadêmico de um capítulo de livro é 0,1, enquanto o peso de um artigo publicado em revista de primeira linha é de 1, na seleção de professores universitários. O peso da autoria de um livro inteiro é de 1 a 2, dependendo de sua importância(1). Desta forma, assuntos novos devem ser preferencialmente publicados em periódicos.

I. Estratégia Inicial de Desenvolvimento do Estudo

Publicar artigos em periódicos nem sempre é uma tarefa fácil. Existem alguns problemas que levam um artigo a ser rejeitado. O mais óbvio fator de rejeição é quando o estudo foi mal elaborado ou conduzido. Geralmente os erros de elaboração ocorrem por informação insuficiente ou inadequada, amostra viciada, parâmetros confusos, hipóteses e objetivos sem clareza. Entretanto, existem outros dois tipos comuns de erros que, por vezes, não são facilmente observados pelos autores. A escolha errada do periódico é um desses fatores. Todo periódico descreve seus objetivos, geralmente na página sobre instruções para autores. É o chamado foco da revista, que deve ser respeitado sob pena de o artigo ser rejeitado. Um periódico cujo foco é o estudo experimental em cirurgia plástica não irá aceitar para publicação artigos de casos clínicos, por melhores que sejam. O outro fator de rejeição é a redação. Artigos mal escritos, por erros de gramática ou estilo, podem ser rejeitados. Deve-se dar atenção especial a artigos escritos em língua estrangeira em que este tipo de erro é mais comum.

Delineamento do Estudo

O delineamento do estudo é de fundamental importância em sua elaboração. Os tipos de estudos podem ser classificados:

I. Quanto ao material ou casuística

a) Clínico
b) Experimental
c) Anatômico
d) Relato de caso

II. Quanto ao período estudado

a) Prospectivo
b) Retrospectivo

III. Quanto à seleção

a) Ao acaso (ou randômico)
b) Seleção de casos (não randômico)

Atualmente, os estudos considerados "padrão ouro", ou seja, de maior aceitação no meio científico, são os prospectivos, randômicos e duplo-cegos. O estudo duplo-cego é aquele no qual o paciente e o pesquisador não têm conhecimento se os pacientes em estudo serão pertencentes ao grupo controle ou ao experimental. Entretanto, qualquer modelo de estudo que seja capaz de trazer uma resposta à pergunta do trabalho (objetivo) é válido.

Elaboração do Estudo

A elaboração de um trabalho científico é iniciada pela escolha do tema a ser estudado. A seleção do assunto é importantíssima e vai se refletir na viabilidade da realização do trabalho proposto e em sua importância para a ciência. Todo trabalho científico deve partir de uma pergunta que, de preferência, ainda não tenha uma resposta na literatura médica. Os próprios artigos sobre o assunto selecionado encontrados ao estudá-lo podem servir como ponto de partida. Todos os artigos deixam algumas questões não resolvidas e que podem originar novos estudos.

Após a definição do assunto, elabora-se uma idéia de qual aspecto será estudado. Inicia-se a busca na literatura mundial através das bases de dados, Medline (Index Médico), Exerpta Médica (origem européia), Current Contents, LILACS (latino-americana). São procuradas pesquisas na mesma linha ou até estudos iguais. Se forem encontrados estudos semelhantes, deve-se ponderar sobre o significado de se realizar o estudo proposto. Uma repetição do que já está comprovado pode invalidar o trabalho. Entretanto, estudos podem ser repetidos com métodos diferentes e ter resultados diferentes das pesquisas encontradas na literatura. Além disso, a confirmação de estudos anteriores, com diferentes métodos, pode ser de vital importância científica. A revisão sistemática da literatura, através de diversos bancos de dados, pode, por si só, já oferecer uma resposta para aquela pergunta e merecer uma publicação.

Após a leitura do material bibliográfico, deve-se refletir sobre o tema fazendo um brainstorm sobre o assunto. São levantadas questões sobre o assunto, críticas sobre o método e material utilizados e possíveis variações que poderiam facilitar a realização do trabalho. É ideal que este tipo de reflexão seja realizado em grupo, preferencialmente com colegas que tenham alguma afinidade com a área escolhida. Procura-se, entretanto, deixar o pensamento fluir livremente para evitar a inibição de novas idéias por críticas.

Protocolo

O próximo passo é escrever um protocolo. O protocolo é uma maneira sintética de organizar todos os dados a serem obtidos para a confecção do trabalho. Devem-se prever todos os dados de possível necessidade para o estudo, pois é melhor sobrar dados do que faltar. O pesquisador deve esforçar-se e dedicar tempo a este item. A confecção de um protocolo ruim pode ter conseqüências negativas ou até inviabilizar o trabalho.

Se o trabalho tiver um orientador, o estudo deve ser apresentado, já nesta fase, da seguinte forma:

I. Introdução (e objetivo)
II. Material e Métodos
III. Protocolo
IV. Bibliografia

A amostra (n) é um grupo selecionado que deve ser representativo de um universo. A seleção da amostra deve obedecer a critérios de inclusão e exclusão, os quais devem ser definidos já nesta fase. O tamanho da amostra deve ser estimado conjuntamente com o estatista, que irá basear-se no desvio padrão. Um plano piloto pode ser de grande valia para auxiliar na determinação do número de casos a serem estudados. Nesse ponto, o estudo deve ser avaliado por uma comissão de ética. Hoje, no Brasil, existe a exigência de que qualquer estudo clínico, experimental ou anatômico, seja submetido e avalizado por uma comissão de ética da instituição.

Após discussão com o orientador, o estudo é realizado e os dados colhidos. Estes dados serão analisados estatisticamente (quando for necessário) e o trabalho será passado para o papel. Com estes valores em mãos, o pesquisador irá escrever os itens Resultado, Discussão e Conclusão.

Escrever Trabalhos Científicos

Ao escrever artigos científicos, alguns pontos devem ser observados: 1) Utilizar sentenças em ordem direta; 2) evitar sentenças longas, deve-se dividi-las com ponto final; 3) sempre usar o termo mais simples possível; 4) sempre utilizar termos concretos e específicos.

Todo artigo passa por algumas fases de amadurecimento. É difícil especificar estas fases, pois acontecem simultaneamente. Seqüencialmente, deve-se: 1) Colocar as idéias no papel; 2) ordenar as idéias (reagrupamento dos parágrafos, coordenando os assuntos em seqüência lógica); 3) dar acabamento ao texto (correção gramatical, da concordância e de estilo). É interessante imprimir o artigo para efetuar as correções em cada fase para facilitar a visualização dos pontos a serem corrigidos.

Um vício muito comum de médicos que se iniciam na arte da escrita é o uso do pronome pessoal "nós" nos textos científicos. Este é um hábito transferido das apresentações orais, nas quais a primeira pessoa do plural pode ser utilizada. Ao escrever um artigo, o autor deve tomar o cuidado de ser impessoal, usando termos como "O estudo provou..." ou "Os resultados indicaram...".

II. Análise dos itens de um trabalho científico

Título

É a maior arma para convencer o leitor de que vale a pena ler o artigo. Por esta razão, deve ser curto e ao mesmo tempo completo, de fácil compreensão e traduzir a proposição do trabalho científico. O ideal é que, se possível, tenha apenas uma linha. Se houver dificuldade de se criar um título, pode-se colocá-lo na forma de pergunta, baseada no objetivo do trabalho. Este tipo de título traduz, em geral, a idéia do estudo e chama a atenção do leitor.

Introdução

Visa situar o leitor acerca do que se passa na literatura mundial sobre o assunto. Deve ser concisa e objetiva, principalmente no caso de artigos para revistas. Neste item deve-se demonstrar a relevância do estudo, com citações e estatísticas, de forma bem resumida. No último parágrafo deve ser colocado o objetivo do trabalho.

O objetivo é a pergunta à qual o estudo se propõe a responder e, ao final, deverá fazê-lo, seja positiva ou negativamente. A pergunta é geralmente única; entretanto, ao longo do trabalho, podem ser obtidas outras respostas, até mesmo inesperadas.

A introdução e o resumo dão a primeira impressão ao revisor do periódico. Desta forma, merecem especial atenção do autor, pois aumentam a chance de aceitação do artigo.

Material e Métodos ou Casuística e Métodos

Neste item será descrito o material utilizado no trabalho (ou casuística, no caso de pacientes) e como foi realizado o experimento.

Os detalhes que limitam e descrevem a amostra devem ser colocados nesse momento. Quando são estudados animais, deve-se descrever o tipo (raça), sexo, faixa etária, etc. Em caso de cadáveres, sexo, idade, raça, local de obtenção e condição post-mortem devem ser relatados. Quando material sintético é o foco do estudo, as normas técnicas, descrição da substância com o qual é feito e a referência da empresa que o produz são dados fundamentais que devem ser descritos. Para pacientes, os dados básicos a serem relatados são sexo, idade, período em que o estudo foi realizado, tipo de seleção (ao acaso, consecutivos, etc.), a procedência (hospital, clínica, etc.). Deve-se ainda caracterizar a amostra com índice de massa corpórea (IMC) em estudos de contorno corporal e medidas antropométricas.

Material

Algumas considerações e particularidades dos diferentes tipos de Material ou Casuística serão descritas a seguir:

1. Material sintético

O trabalho será um estudo in vitro, quando se utiliza unicamente material sintético. Este é um tipo de estudo raro em cirurgia plástica, entretanto, próteses de silicone, de poliuretano, materiais biocompatíveis podem ser testados em laboratório. Em geral são pesquisas realizadas em conjunto com profissionais especializados em bioengenharia.

Estudos in vitro podem também ser realizados com produtos biológicos como a toxina botulínica, cultura de tecidos e fatores de crescimento (relacionados à biologia molecular).

2. Animais

No caso de estudo com animais, deve-se estar atento ao modelo experimental a ser selecionado. Deve-se considerar que alguns animais, dependendo da idade, podem crescer. Nesses casos, estudos que necessitem de medidas lineares ou de áreas (retalhos, áreas doadoras de enxertia, expansores, etc.) terão os parâmetros finais alterados. Existem animais cujo tecido celular subcutâneo é mínimo e, geralmente, localizado na região inguinal (roedores, por exemplo). Desta forma, para se estudar lipoaspiração, alguns tipos de porcos são bons modelos experimentais. Em relação ao espaço subcutâneo, é importante ressaltar que quase todos os mamíferos têm uma estrutura denominada panniculus carnosus. Esta estrutura é uma camada de músculo lamelar localizada sob a pele, cuja função é a contração rápida após o ferimento. A finalidade funcional do panniculus carnosus é diminuir a hemorragia e reduzir a área cruenta, encurtando o tempo da cicatrização por segunda intenção. Nos seres humanos, ao longo da evolução, esta camada involuiu e temos remanescentes equivalentes, como o SMAS, platisma e provavelmente a fáscia de Scarpa. Animais que apresentam panniculus carnosus não são modelos adequados para estudo de cicatrização ou queimaduras, pois os parâmetros são perdidos após o procedimento.

Outros fatores devem ser levados em conta quando são utilizados animais. Existem comissões que defendem os direitos dos animais, cuja ação tende a crescer no Brasil. Nos Estados Unidos, essas comissões são formadas por veterinários, médicos e membros de associações de defesa dos animais. Naquele país, é permitido que cada animal seja submetido a apenas uma intervenção ou experimento. Essas comissões julgam se o tipo de experimento não leva ao sofrimento do animal em questão e até discutem sobre o método do experimento. Quanto mais desenvolvido for o animal na escala biológica, maior a resistência desses grupos a que se façam estudos experimentais com ele. Protocolos com macacos, cães e gatos têm maior dificuldade de aprovação.

O porte do animal tem relação direta com o custo do experimento. Animais de pequeno porte (camundongos, ratos, cobaias) são mais baratos, exigem menos espaço e a anestesia pode ser intraperitoneal, tornando a presença de técnico desnecessária. Já animais grandes (porcos, cães e macacos) necessitam de acomodações maiores e anestesia geral; têm, portanto, custo mais elevado. Deve-se também levar em conta a agressividade de cada animal. Cobaias e camundongos são mais dóceis e fáceis de trabalhar. Alguns tipos de ratos são mais agressivos. Deve-se separar os animais em janelas distintas no pós-operatório para evitar ataque às incisões ou feridas pós-operatórias. Existe também a chance de que alguns animais possa evoluir com óbito, portanto deve-se superestimar o número de animais no projeto de pesquisa. A escolha do animal a ser estudado pode ser baseada em estudos semelhantes encontrados na literatura.

3. Cadáveres

A grande vantagem de utilizar cadáveres em estudos é o fato de não haver necessidade de seguimento, entretanto o principal desafio é encontrar o que ainda não foi estudado em anatomia. Para os cirurgiões plásticos há limites de dissecção que, em geral, devem ser respeitados em cadáveres frescos (face, mãos e pernas). O tempo post-mortem determina o grau de deterioração e rigidez do cadáver e deve ser considerado dependendo do tipo do estudo. O cadáver deve ser selecionado por faixa etária e sexo, de acordo com o grupo que se quer estudar. Por exemplo, em um estudo sobre as alterações da gestação na parede abdominal, cadáveres de homens de 70 a 80 anos não podem ser selecionados.

4. Pacientes

A seleção de pacientes deve ser realizada baseada no grupo ao qual a pesquisa se aplica. Por exemplo, ao selecionar 100 pacientes de 30 anos para estudar proporções faciais e aplicá-las a pacientes que desejam submeter-se a face-lift cuja idade média seja 55 anos. Este trabalho terá sido prejudicado pelo erro no planejamento do método. Outro exemplo semelhante é estudar pacientes que não tenham tido filho, aplicando esses conhecimentos para casos de abdominoplastia. Ou seja, a amostra tem que ser significativa do universo na qual será aplicada a tese. A seleção ao acaso, de pacientes consecutivos, geralmente diminui a possibilidade de erro, quando bem aplicada. Por exemplo, estudar as 20 próximas pacientes que serão submetidas a abdominoplastia, em geral, em média estas devem ter tido dois filhos e estar na faixa etária de 30 a 45 anos, o que será representativo do universo em que as conclusões poderão ser aplicadas. Assim, idade, sexo e a forma de seleção são fatores importantes.

A vantagem de estudar pacientes é que estes são, em geral, o modelo experimental ideal. Entretanto, devem-se respeitar os limites éticos, o que pode restringir a gama de métodos a serem utilizados, limitando assim as conclusões. O principal obstáculo nesse tipo de estudo é o seguimento, pois as pessoas podem mudar-se ou perde-se o contato por alteração de endereço, telefone ou, ainda, elas podem simplesmente não querer voltar.

Métodos

Os métodos devem ter, como características fundamentais, viabilidade, reprodutibilidade e simplicidade. Para tal, deve-se sempre que possível fazer um plano piloto. O plano piloto consiste em testar, com alguns indivíduos, animais, cadáveres, ou materiais aloplásticos, o que planejamos realizar nos métodos. Esses testes poderão ou não ser inclusos no trabalho. O plano piloto tem como finalidade verificar possíveis falhas do método e melhorá-lo, ou até para verificar a sua viabilidade.

Todo valor que possa ter variações quando medido deve ser verificado por mais de um observador. Se forem dois observadores, o método deve prever desempate (talvez a inclusão de um terceiro observador), a não ser que o método estatístico dispense o desempate. A avaliação pode ser realizada por médicos e, em cirurgia estética, por leigos (até pelo próprio paciente).

A descrição do método deve ser detalhada para que este possa ser reproduzível. Tratando-se de tese, a descrição deve ser colocada nos mínimos detalhes, sem se preocupar com o número de palavras. Já, em publicações para periódicos, este item deve ser ao mesmo tempo descritivo e conciso ao máximo.

Análise Estatística

No final do método, deve-se descrever a análise estatística empregada. Existem basicamente dois grandes grupos de testes estatísticos: 1) paramétricos (mais conhecidos); 2) não paramétricos (não tão utilizados). Se o método for não habitual, algumas revistas solicitam que seja descrita sua metodologia. Deve-se, sempre que possível, utilizar métodos conhecidos. Um profissional da estatística deve ser envolvido no estudo para evitar erros. Embora existam programas que executam cálculos estatísticos, se houver erro na elaboração ou interpretação dos testes, pode repercutir nas conclusões do estudo. O pesquisador deve estar atento a resultados estatísticos que não tenham valor clínico. Estes resultados devem ser excluídos do trabalho ou citados como dados sem validade clínica.

Resultados

Os resultados devem ser relatados com clareza e podem ser expostos de três modos: A) no texto, para valores únicos ou poucos dados; B) em tabelas que facilitam a apresentação de alguns tipos de dados. No caso de números com casa decimal ou centesimal, os dados são mais bem visualizados do que quando apresentados na forma de gráficos; C) em gráficos que podem dar a noção de evolução, comparação e frações de um total. Os valores são facilmente notados quando há utilização correta dos gráficos, sensibilizando o leitor.

Os números quando escritos no texto devem, em geral, ser colocados na forma de algarismos. Entretanto, existem alguns periódicos que orientam os autores a escrever por extenso os números de um a dez. No início de uma sentença, deve-se escrevê-lo por extenso, por exemplo: "Vinte dos animais estudados...". Quando os números estão separados por vírgula, em continuidade, deve-se escrever um deles por extenso e representar o outro com algarismo arábico, por exemplo: "Dos três, 4 apresentaram...". Quando há unidade de medida ou símbolo de porcentagem associado ao número, devem estar sempre representados por algarismos arábicos, "4 ml, 5%, etc".

Os resultados não devem ser repetidos no trabalho em suas diversas formas de apresentação. Se os valores forem colocados na tabela, não devem ser apresentados em gráficos. As tabelas e os gráficos devem ter título auto-explicativo.

As tabelas têm grande apelo visual. Podem conter palavras (quadros), números ou dados estatísticos. As tabelas são utilizadas para resumir os resultados e não para colocar todos os dados obtidos. Existe uma regra prática na qual aproximadamente 1 tabela deve ter relação com aproximadamente 1.000 palavras.

Existem vários tipos de gráficos, entretanto os mais utilizados são:

1. Gráfico Linear (abscissa/ordenada). Pode dar a idéia de evolução (crescimento, redução). É também indicado em estudos mais complexos para representar diversas variáveis;

2. Gráfico de Barras. Pode ser utilizado para dar idéia de evolução. Gráfico com múltiplas barras (duplas, triplas) pode ser utilizado para dar idéia de comparação entre grupos, associado à evolução no tempo, por exemplo. Neste caso é melhor que o gráfico linear, pois facilita a percepção do leitor. É geralmente utilizado com as barras na posição vertical. Pode também ser representado com as barras colocadas horizontalmente quando se pretende demonstrar relações de causa e efeito.

3. Gráfico de Setores (pizza). É ideal para representar frações. Indicado para apresentar a distribuição por sexo, idade, localização de lesões, etc.

As tabelas e os gráficos devem ter título conciso e claro. O tamanho da amostra também deve ser colocado (valor de "n"). O teste estatístico utilizado, o desvio padrão e o valor de p (ou equivalente) devem ser sempre referidos, qualquer que seja a forma de exposição dos resultados (em tabelas, gráficos ou no texto).

No item Resultados, os valores devem ser apenas relatados e nunca comentados ou justificados. A interpretação dos resultados deve ser colocada no item Discussão.

Discussão

A discussão é a alma do artigo científico. Expressa as opiniões dos autores em relação ao tema em estudo e permite comparações dos resultados obtidos com os dados disponíveis na literatura.

Existe uma ordem bem definida que torna sua compreensão mais fácil, entretanto, erroneamente, nem sempre é seguida em trabalhos científicos.

Deve-se iniciar pela discussão da introdução. Nessa fase é discutido, em profundidade, o cenário atual do problema estudado, citando a importância da aplicação prática do estudo.

A seguir, deve-se discutir o porquê da escolha do material ou casuística. No caso de estudo com animais, por quais motivos o animal em questão foi selecionado. No caso de cadáveres, o que levou o pesquisador a utilizá-los e quais suas vantagens em relação a seres vivos (estudos musculares podem variar com anestésicos, sendo de difícil avaliação em seres vivos). Cada item do método utilizado na avaliação em questão deve ser comentado.

Após essa análise, os resultados obtidos devem ser discutidos e analisados. Os valores obtidos devem ser confrontados com dados da literatura e as comparações devem ser discutidas.

A discussão continua com a expressão livre dos autores em relação aos resultados e seus potenciais desdobramentos e aplicações. É nesse momento que o autor pode discorrer com maior liberdade sobre o tema, apresentando suas hipóteses e considerações. São colocados os futuros caminhos a serem estudados sobre o assunto.

Conclusão

Atualmente, existe uma tendência a escrever a conclusão como último parágrafo da discussão, sem colocá-la em item separado.

Obrigatoriamente os autores devem concluir com a resposta à questão inicial do trabalho colocada no objetivo. Todo trabalho deve ter pelo menos esta conclusão. Entretanto, outras conclusões podem ter sido obtidas durante o estudo.

Resumo

O resumo deve ser elaborado somente após ter sido escrito todo o trabalho. Coloca-se o máximo de detalhes com a maior objetividade possível. Deve ser respeitada a seqüência dos itens do trabalho. Resume-se, desta forma, a introdução, material e métodos, resultados, discussão e conclusão. Todos os itens devem estar presentes. É de extrema importância que o resumo seja assim, pois tem a função de seduzir o leitor a ler o artigo em sua totalidade.

Figuras (fotos e ilustrações)

Fotos

As incidências sempre devem refletir, ao máximo, os aspectos da área operada. Devem ser incluídas na foto áreas de fácil identificação (por exemplo, orelha ou nariz, para documentar uma lesão em face). Quando possível, deve-se evitar a identificação do paciente (em caso de fotos de corpo, não há necessidade de se incluir a face). As fotos de pré-operatório devem ser semelhantes em área de exposição e contraste às fotos realizadas no pós-operatório. Assim, é importante padronizar fundo, distância, luminosidade e incidência (ou angulação) da foto. Todo paciente que tiver sua foto publicada, mesmo que para fins científicos, deve ter assinado um termo consentindo a exposição pública do material.

Ilustrações

As ilustrações devem ser facilmente reconhecíveis em termos anatômicos. A função dessas figuras é de ser auto-explicativas ao máximo. Deve ser ressaltado que fotos ou ilustrações coloridas têm custo pago pelo autor, portanto devem ser utilizadas apenas quando necessárias para a compreensão do texto.

Legendas

Não devem repetir o texto, e sim complementá-lo. Após a leitura da legenda, o leitor deverá ter total compreensão da figura à qual se refere. São de grande importância para captar o interesse do leitor para o artigo.

Referências Bibliográficas

Apenas as referências bibliográficas citadas no texto devem ser listadas neste item. Todo periódico tem sua sistemática de colocar as referências e agrupá-las. Alguns solicitam que as referências sejam colocadas por ordem alfabética e outros de acordo com a entrada no texto. As referências bibliográficas, com raras exceções, devem estar presentes apenas na introdução e discussão. Quando é utilizado algum método citado ou descrito em outro artigo, pode haver a necessidade de colocar-se alguma referência na seção Material e Métodos.

Existem programas que coletam a bibliografia da internet, formatando-a de acordo com a instrução para autores da revista escolhida, e colocam a referência no texto.

III. Escolha do periódico

Vários são os fatores que devem ser levados em conta na escolha da revista para publicar um artigo. Inicialmente, revistas de circulação restrita ou de má qualidade não trazem recompensa aos esforços investidos na confecção de um trabalho científico, embora a aceitação para publicação seja mais fácil. Por outro lado, nem todos os artigos serão aceitos por periódicos de primeira linha. Deve-se ponderar sobre o valor científico do estudo e prepará-lo para uma revista adequada.

A opção pela revista deve ser feita precocemente para que a editoração siga, desde o início, a orientação para autores. Alguns itens são fundamentais na escolha do periódico, como o fato de ser indexado, o público que o lê, o idioma na qual é escrito e o fator de impacto da publicação.

Determinados artigos têm espaço somente em revistas nacionais, visto que o assunto apresenta relevância especificamente para aquele país ou região.

Boas revistas são imparciais, pois são controladas por companhias que objetivam o lucro e, para tal, devem publicar o máximo de novidades de boa qualidade na especialidade. As revistas são avaliadas pelo "Journal Citation Report"(3), responsável pelo ranking das publicações indexadas. Cada periódico recebe um índice denominado de "Citation Index", calculado da seguinte forma: o número de citações de artigos do periódico nos 2 últimos anos, dividido pelo total de artigos publicados no periódico no mesmo período (Tabela I). Um artigo citado 30 vezes é considerado uma importante contribuição científica.




Avaliação Editorial em Periódicos

O material recebido pelo editor é enviado a um ou dois revisores que tenham grande conhecimento no assunto específico. O relatório dos revisores baseia-se em observações livres e em questionário sobre o trabalho. Os revisores respondem a perguntas como: 1) Existe artigo semelhante publicado nos últimos cinco anos? 2) O artigo é escrito de modo: objetivo, pouco claro, verborréico (erro comum entre os latinos)? 3)Qual é a magnitude de revisão necessária: mínima, média ou grande?

Os revisores podem aceitá-lo, rejeitá-lo ou ainda solicitar revisão ao autor, sugerindo correções. Se houver necessidade de revisão, o editor da revista devolverá o manuscrito ao autor. Após as correções, o artigo será reavaliado pelos mesmos revisores da revista. Desta forma, é importante corrigir as falhas apontadas inicialmente para melhorar as chances de aceitação do trabalho. Raramente um trabalho é aceito sem que os revisores solicitem correções aos autores.

A chance de um artigo ser aprovado em revistas de primeira linha é de 11%(1). Certamente a experiência do autor pode tornar esse percentual mais favorável. Existem algumas revistas que permitem a escolha do revisor pelo autor. Essas revistas permitem, ainda, que o autor aponte revisores que ele não gostaria que avaliassem o artigo (por exemplo, British Journal of Surgery). A literatura confirma que nessas condições(1) as chances de aprovação de artigos em periódicos aumentam.

Surgem então duas questões:

1. Todos os trabalhos aceitos são excelentes e servirão como orientação para os próximos passos da especialidade?
2. Os trabalhos não aceitos devem ser abandonados e destruídos?

Existe um grande número de artigos cujas idéias são simplesmente abandonadas ou substituídas por novas técnicas em alguns anos. Desta forma, embora esses artigos sejam de excelente nível e tenham sido julgados por editores rigorosos, o conteúdo pode não trazer a contribuição esperada.

A segunda resposta também é negativa. Vários artigos premiados foram inicialmente rejeitados. Isto pode ocorrer por uma série de fatores: 1) A comunidade científica está presa a conceitos rígidos; 2) o revisor pode ter linha de pensamento conflitante com a do autor; 3) motivação política. Por isso, não se deve desistir de tentar outras fontes de publicações se uma lhe foi negada.

Ao escrever um artigo inglês, mande-o a um revisor especializado se não estiver completamente seguro do que escreveu. Coates et al. analisaram 120 artigos enviados para revisão e provaram que artigos mal escritos têm influência negativa direta ou subliminar na avaliação do revisor(2).

Artigos Especiais

Relato de Caso

Inicialmente, o autor deve checar se a revista aceita para publicação este tipo de artigo, pois nem todas o fazem, ou então aceitam um número limitado. O relato deve trazer fatos científicos novos e muito relevantes. O resumo do caso deve ser objetivo e o paciente não deve ser identificado. Consta de introdução, descrição do caso, discussão.

Artigo de Revisão da Literatura

Deve-se verificar se a revista aceita este tipo de artigo. O autor deve compreender que revisões são tarefas árduas, portanto deve escrevê-lo de forma dinâmica, dando ênfase na evolução recente do tema. A estrutura não obedece à de um trabalho científico (Introdução, Material e Métodos, etc.). Entretanto, deve ser realizada a divisão lógica por tópicos. Nesses artigos é importante deixar clara a razão que levou o autor a escolher o tema, seus métodos de busca na literatura, as limitações dos artigos estudados e as conclusões obtidas nessa revisão. O foco deve estar voltado para a revisão sistemática da literatura, o que confere maior importância ao estudo.

Teses e Monografias

A introdução é mais longa e, nestes tipos de publicação, cabe o item Revisão Bibliográfica. Não há limites de espaço, entretanto não devem conter palavras em excesso para não tornar a leitura difícil e desagradável para o avaliador. No caso de teses, todos os dados devem ser colocados em tabelas no item Anexos. Para ambas, em geral existe um manual de redação fornecido pela instituição na qual serão apresentadas.

Em resumo, todos os que estão envolvidos com tratamento de pacientes têm a obrigação de divulgar os dados, estudos e casos clínicos. Cada artigo científico é um pequeno mosaico que irá compor um quadro maior, que será a base da cirurgia plástica a ser herdada pelos colegas que a iniciam.


BIBLIOGRAFIA

1. Buckingham TA. How to write medical and scientific papers. http://www.lifescipub.com/e-book.htm.

2. Coates R, Sturgeon B, Bohannan J, Pasini E. Language and publication in "Cardiovascular Research" articles. Cardiovasc Res. 2002;53(2):279-85.

3. The Impact Factor - Institute for Scientific Information. http://www.isinet.com/isi/hot/essays/journalcitationreports/7.html.











I. Professor Orientador do Programa de Pós-Graduação em Cirurgia Plástica Reparadora da Universidade Federal de São Paulo (EPM).
II. Professora Titular da Disciplina de Cirurgia Plástica da Universidade Federal de São Paulo (EPM).
III. Professor Adjunto da Disciplina de Cirurgia Plástica da Universidade Federal de São Paulo (EPM).
IV. Professor Adjunto Visitante da Disciplina de Cirurgia Plástica da Universidade Federal de São Paulo (EPM).

Programa de Pós-Graduação em Cirurgia Plástica Reparadora da Universidade Federal de São Paulo (EPM) e Programa de Residência em Cirurgia Plástica do Hospital Jaraguá (Instituto Brasileiro de Cirurgia Plástica)

Endereço para correspondência:
Fabio Xerfan Nahas
R. Inhambu, 332
São Paulo - SP - 04520-010
Fone: (11) 5051-0982
e-mail: fabionahas@uol.com.br

 

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