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Original Article - Year2015 - Volume30 - Issue 3

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2015RBCP0172

RESUMO

INTRODUÇÃO: Estudos prévios têm revelado que o público tem conhecimentos equivocados sobre a atuação dos cirurgiões plásticos em cirurgia da mão. No entanto, não existem dados específicos na literatura científica brasileira. O objetivo deste estudo foi avaliar as percepções do público sobre o papel dos cirurgiões plásticos no campo de cirurgia da mão no Brasil.
MÉTODOS: Membros do público brasileiro escolheram um ou dois especialistas que eles acreditassem serem experts para oito cenários relacionados à cirurgia de mão. Os padrões de respostas foram distribuídos como "cirurgiões plásticos" ou "não cirurgiões plásticos".
RESULTADOS: "Não cirurgiões plásticos" foram significativamente (p < 0,05 para todas as comparações) mais reconhecidos como experts que "cirurgiões plásticos" em todos os cenários relacionados à cirurgia de mão.
CONCLUSÃO: Os conhecimentos e as percepções do público brasileiro sobre o trabalho realizado por cirurgiões plásticos no campo cirurgia da mão são limitados.

Palavras-chave: Brasil; Cirurgia plástica; Mãos; Percepção social; Especialização.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Previous studies have shown that the public has misconceptions about the work of plastic surgeons in hand surgery. However, no specific Brazilian data on this issue are available. The objective of this study was to evaluate the public perceptions about the role of plastic surgeons in the field of hand surgery in Brazil.
METHODS: Members of the Brazilian public chose one or two specialists whom they believed to be experts in eight scenarios related to hand surgery. The patterns of the responses were distributed into "plastic surgeons" or "non-plastic surgeons."
RESULTS: Non-plastic surgeons were significantly (p < 0.05 for all comparisons) more recognized as experts than plastic surgeons in all scenarios related to hand surgery.
CONCLUSION: The knowledge and perceptions of the Brazilian public about the work performed by plastic surgeons in the field of hand surgery are limited.

Keywords: Brazil; Surgery, Plastic; Hands; Social perception; Specialization.


INTRODUÇÃO

Em 2014, o Brasil superou os Estados Unidos e se tornou líder mundial na realização de procedimentos cirúrgicos estéticos, de acordo com o último relatório divulgado pela International Society of Aesthetic Plastic Surgery (ISAPS)1. Embora um cirurgião plástico possa optar por limitar sua prática a uma área específica (por exemplo, prática baseada em estética) ou atuar no escopo global de prática da Cirurgia Plástica, a Cirurgia Plástica como especialidade deve ser entendida como uma área da Medicina em constante expansão e evolução, com intervenções cirúrgicas que vão de reconstruções craniofaciais complexas até procedimentos estéticos2.

Nesse contexto, é de suma importância que toda a comunidade de cirurgiões plásticos despenda atenção para a falta de conhecimentos, equívocos e subestimação de médicos e não médicos com relação ao campo de atuação da Cirurgia Plástica, apresentados em uma lista crescente de estudos internacionais3-12. Nessas investigações3-12, o campo cirurgia da mão está entre as áreas de prática menos relacionadas com cirurgiões plásticos. Ademais, a percepção do público sobre a atuação dos cirurgiões plásticos, particularmente no campo da cirurgia da mão, não tem recebido a devida atenção na literatura científica brasileira12.


OBJETIVO

O objetivo deste estudo foi avaliar a percepção do público sobre a cirurgia de mão como uma área de atuação dos cirurgiões plásticos.


MÉTODOS

Um questionário anônimo foi aleatoriamente entregue a membros do público (> 18 anos) em locais públicos do Sudeste do Brasil, entre fevereiro e abril de 2014. Todas as questões de múltipla escolha, incluindo oito cenários relacionados à cirurgia da mão, foram adaptadas de pesquisas prévias3-12. Os entrevistados foram convidados a escolher um ou dois médicos especialistas (cirurgião geral, dermatologista, cirurgião ortopedista, oftalmologista, cirurgião vascular, cirurgião plástico, otorrinolaringologista, cirurgião de cabeça e pescoço ou neurocirurgião) que eles perceberam ser expert (especialista capacitado) para cada questão. Todas as perguntas e especialidades foram dispostas aleatoriamente. Os participantes não foram informados sobre a fonte da pesquisa (cirurgia plástica) ou sobre o propósito do estudo, e nenhum deles podia acessar questões já respondidas. Dados sociodemográficos também foram coletados. O presente estudo foi realizado em conformidade com os padrões éticos da Declaração de Helsinki de 1964 e emendas subsequentes, o preenchimento do questionário foi entendido como consentimento implícito da participação, e questionários com respostas incompletas foram excluídos.

Perfis de resposta foram definidos como: "cirurgiões plásticos" ou "não cirurgiões plásticos"7,10,12. Para a análise descritiva, a média foi utilizada para variáveis métricas e as porcentagens para as variáveis categóricas. Diferentes testes (análise de variância [ANOVA], igualdade de duas proporções, teste t de Student pareado e intervalo de confiança para média) foram aplicados nas comparações estatísticas. Os valores foram considerados significativos para um intervalo de confiança de 95% (p < 0,05).


RESULTADOS

Um total de 300 participantes respondeu a pesquisa. Houve predominância significativa (p < 0,05) de indivíduos entre 18 e 30 anos de idade (53%) e com ensino médio (41%) ou superior (39%), sem diferença significativa (p > 0,05) entre os sexos.

Os "cirurgiões plásticos" foram escolhidos por mais de 70% dos entrevistados e menos de 30% em nenhum (0%) e cinco (62,50%) cenários relacionadas à cirurgia de mão, respectivamente (Tabela 1). "Não cirurgiões plásticos" foram significativamente (p < 0,05 para todas as comparações) mais identificados como experts do que "cirurgiões plásticos" em todos os cenários relacionados à cirurgia de mão (Figura 1).




Figura 1. Porcentagens dos padrões de respostas "cirurgiões plásticos" (CP) e "não cirurgiões plásticos" (Não CP) distribuídos de acordo com os oito cenários relacionados à cirurgia da mão. "Não cirurgiões plásticos" foram significativamente (p < 0,05 para todas as comparações) mais escolhidos que "cirurgiões plásticos" em todos os cenários. AR, artrite reumatoide; NP: nervos periféricos; MMSS: membros superiores.



DISCUSSÃO

Embora os cirurgiões plásticos tenham desempenhado um papel fundamental na criação e estabelecimento da cirurgia da mão2,13, investigações3-12 têm revelado que pacientes ambulatoriais, estudantes de Medicina, médicos da atenção primária, entre outros, possuem conhecimentos equivocados sobre a atuação dos cirurgiões plásticos no âmbito cirurgia de mão. No entanto, a percepção do público geral foi limitada3-11, e não há dados semelhantes na literatura da cirurgia plástica brasileira, embora médicos residentes tenham sido previamente investigados12.

Portanto, investigamos uma coorte transversal de membros da população para avaliar sua compreensão e percepção sobre o papel dos cirurgiões plásticos no campo cirurgia da mão, particularmente no Brasil. Embora nossos dados sejam principalmente uma perspectiva brasileira, como outros10,12, acreditamos que tais dados podem orientar a comunidade de cirurgiões plásticos para uma melhor educação do público sobre o papel da especialidade na conjuntura cirurgia da mão, além de ajudar a manter a cirurgia da mão como parte integral da prática da cirurgia plástica.

Nós demonstramos que "cirurgiões plásticos" foram significativamente menos identificados como especialistas em intervenções relacionadas à cirurgia da mão fundamentais para a Cirurgia Plástica como especialidade, tais como fratura das mãos, deformidades nas mãos após queimaduras, síndromes compressivas dos nervos periféricos dos membros superiores, lesões de nervos periféricos dos membros superiores, reimplantes após amputações de dedos, artrite reumatoide com deformidades em mãos e deformidades congênitas das mãos. Esses achados demonstraram que os cirurgiões plásticos não são reconhecidos como experts na cirurgia da mão entre membros do público brasileiro, tendência que também se verifica em pesquisas internacionais3-11. No Brasil, a investigação12 de médicos residentes também revelou que cirurgiões plásticos foram significativamente menos escolhidos que todos os outros padrões de respostas em todos os cenários relacionados à cirurgia da mão.

Existem diversos fatores que podem ter contribuído para o não reconhecimento dos cirurgiões plásticos como experts em cenários relacionados à cirurgia da mão. Além das inúmeras explicações potenciais (por exemplo, atividades sobrepostas entre as diferentes especialidades médicas, aumento da comercialização, promoção e educação das outras especialidades e influência da mídia de massa) discutidas em pesquisas semelhantes3-12, acreditamos que peculiaridades da Cirurgia Plástica brasileira também possam explicar, em parte, os nossos resultados.

Investigações internacionais3-11 têm revelado que os cirurgiões plásticos são reconhecidos principalmente como cirurgiões estéticos. No Brasil, a Cirurgia Plástica estética tornou-se um fenômeno de massa, com implicações importantes para a sociedade e os indivíduos, e a aparência física tem sido colocada como um elemento essencial para a construção da identidade nacional brasileira14,15. Assim, a cultura da cirurgia estética pode ofuscar o trabalho dos cirurgiões plásticos em outros campos de prática, incluindo a cirurgia da mão.

Ademais, a Cirurgia Plástica reconstrutora (incluindo cirurgia da mão) tem historicamente recebido menos atenção nos eventos organizados pela Sociedade Brasileira da Cirurgia Plástica (SBPC). Esse comportamento particular, que ignora o ramo da cirurgia plástica reconstrutora, certamente contribuiu para a disseminação de uma visão seletiva da cirurgia plástica. Na esfera internacional, Menick16 afirmou recentemente que outras especialidades que não a Cirurgia Plástica têm sido mais envolvidas na aquisição de habilidades relacionadas à reconstrução facial. Menick16 também enfatizou que as organizações que regem a Cirurgia Plástica frequentemente respondem que a ênfase na cirurgia estética é essencialmente para satisfazer o interesse dos próprios cirurgiões plásticos. Entretanto, a falta de oportunidades e incentivos educacionais em cirurgia reconstrutora leva à falta de experiência, frustrações e medo de deformidades faciais, "empurrando" os cirurgiões plásticos para longe das reconstruções e aumentando a referência de pacientes historicamente tratados pela cirurgia plástica para outros especialistas16. Isso potencialmente culmina em um ciclo vicioso: o espectro de intervenções reconstrutoras será reduzido à medida que menos educação de qualidade é oferecida.

Finalmente, a configuração da cirurgia da mão no Brasil também pode explicar os nossos achados. Como descrito em outros países17, existem muitas lacunas na formação em cirurgia da mão no Brasil. Poucos programas brasileiros de residência médica em Cirurgia Plástica oferecem treinamento formal em cirurgia da mão18, e o número de residentes que concluem o treinamento em Cirurgia Plástica e procuraram treinamento adicional em cirurgia da mão é provavelmente ainda mais baixo se comparado à taxa dos Estados Unidos19.

Diante de nossos dados e pesquisas anteriores3-12, é importante que a comunidade de cirurgia plástica brasileira (SBCP, todos os 84 programas de residência médica em cirurgia plástica credenciados pela SBCP e cirurgiões plásticos brasileiros) participe ativamente da educação (por exemplo, por meio de boletins informativos, sites de alta qualidade com conteúdo confiável, entre outros) do público sobre o papel do cirurgião plástico no âmbito de cirurgia da mão. Ademais, a próxima geração de cirurgiões plásticos deve ser encorajada a praticar todo o escopo da especialidade1, incluindo a cirurgia da mão1,13. Acreditamos que uma força tarefa brasileira comprometida com o esforço de melhorar e fortalecer o treinamento em cirurgia de mão dentro da Cirurgia Plástica é necessária, seguindo os modelos previamente estabelecidos20.

Algumas limitações do nosso estudo merecem ser abordadas. Como em investigações prévias3,6,10,12, nossos dados são suscetíveis ao viés regional, pois apenas os membros públicos de uma única área geográfica foram incluídos. Apesar dessas limitações, acreditamos que nossos dados são relevantes para a Cirurgia Plástica brasileira, pois fornecem dados para uma discussão posterior mais aprofundada sobre a importância da cirurgia da mão para a nossa especialidade. Pesquisas futuras devem abordar nossas limitações e expandir nossos achados para grupos distintos (por exemplo, médicos da atenção primária).


CONCLUSÃO

O público brasileiro não reconhece a cirurgia da mão como um campo de prática dos cirurgiões plásticos.


REFERÊNCIAS

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1. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, São Paulo, SP, Brasil
2. Instituto de Cirurgia Plástica Craniofacial do Hospital SOBRAPAR, Campinas, SP, Brasil
3. Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Instituição: Instituto de Cirurgia Plástica Craniofacial do Hospital SOBRAPAR, Campinas, SP, Brasil.

Autor correspondente:
Rafael Denadai
Av. Adolpho Lutz, 100 - Cidade Universitária
Campinas, SP, Brasil CEP 13083-880
E-mail: denadai.rafael@hotmail.com

Artigo submetido: 23/03/2015.
Artigo aceito: 07/06/2015.

 

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