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Gigantomastia gestacional: como abordar essa situação clínica
Gestational gigantomastia: how to address this clinical situation
RESUMO
A gigantomastia gestacional é uma desordem rara, na qual ocorre o crescimento excessivo e rápido das mamas, culminando com edema e congestão venosa das mesmas, além de ocasionar dor, ulceração da pele e infecção local. Estas complicações, em alguns casos, levam à necessidade de mastectomia de emergência ou abortamento induzido. A hipótese etiológica mais aceita é a de que exista uma estimulação anormal do tecido mamário, que pode ser desencadeada por níveis excessivos de hormônios ou por uma hipersensibilidade deste tecido a níveis hormonais normais. Apesar de a mama regredir após a gestação, raramente volta ao estado original; portanto, a redução da mama através de mastectomia ou mamoplastia geralmente é necessária. Além disso, é grande o risco de recorrências em gestações futuras. Os autores relatam o caso de gigantomastia em uma primigesta, com necessidade de interrupção da gravidez, devido ao risco de morte materna, e posterior intervenção cirúrgica com mamoplastia redutora.
Palavras-chave:
Gravidez; Mama; Gigantomastia; Mamoplastia; Mastectomia.
ABSTRACT
Gestational gigantomastia is a rare disorder characterized by an excessive and rapid enlargement of the breasts, resulting in edema and venous congestion of breast tissue. It is a painful condition that causes skin ulceration and local infection. In some cases, these complications lead to an emergency mastectomy or induced abortion. The most probable etiology is an abnormal stimulation of breast tissue that is probably triggered by an abnormally elevated level of hormones or by the hypersensitivity of breast tissue to normal hormone levels. Although the breast volume decreases after pregnancy, it rarely returns to its original state; therefore, breast reduction through mastectomy or mammaplasty is usually necessary. Moreover, there is a high likelihood of recurrence in subsequent pregnancies. The authors report a case of gigantomastia in a primigravida that required pregnancy termination, because of the risk of maternal death, and a subsequent breast reduction surgery.
Keywords:
Pregnancy; Breast; Gigantomastia; Mammaplasty; Mastectomy.
INTRODUÇÃO
A gigantomastia é definida como uma hipertrofia excessiva das mamas, cuja etiologia é desconhecida, com casos descritos durante a adolescência e a gestação, induzida por drogas e a gigantomastia idiopática; alguns desses casos mostram-se associados às doenças autoimunes e à história familiar1,2.
A gigantomastia gestacional representa uma complicação presente em cerca de uma a cada 28.000 a 118.000 gestações3,4; ocorre no primeiro trimestre da gestação em cerca de 64% dos casos, com uma hipertrofia maciça das mamas de até 20 vezes. Fatores implicados em sua etiologia são alterações do corpo lúteo e de hormônios placentários, gonadotrofina coriônica e hiperprolactinemia2. Nesses casos, a hipótese etiológica mais aceita é a de que exista uma estimulação anormal do tecido mamário, que pode ser desencadeada por níveis excessivos de hormônios ou por uma hipersensibilidade deste tecido a níveis hormonais normais3-5.
Entre as modalidades terapêuticas, estão a hormonioterapia e a abordagem cirúrgica, ou uma combinação de ambas. Devido ao grande risco de recorrência em gestações subsequentes, em muitos casos opta-se pela mastectomia em vez da mamoplastia redutora. O diagnóstico diferencial da gigantomastia inclui uma investigação completa, a fim de excluir neoplasia maligna de mama e tumores fibroepiteliais, como fibroadenoma e tumor phyllodes5.
Além de fenômeno raro, a gigantomastia gestacional é imprevisível, pois pode ocorrer inclusive em secundigestas sem história prévia deste distúrbio, como descrito por Silva Filho et al.4, Antevsky et al.6 e Bloom e Nahabedian2. Em alguns casos, a gestação evolui até o termo com apenas o uso de medicamentos e a mamoplastia redutora é realizada no puerpério. Em outro caso descrito, a gestação era gemelar e a paciente apresentava miastenia gravis como comorbidade, sendo submetida à cesárea na 38.ª semana de idade gestacional associada à mamoplastia redutora, no mesmo tempo cirúrgico, a fim de evitar posterior intervenção com risco de exacerbação da miastenia. No caso relatado por Bloom e Nahabedian2, a paciente foi submetida à mamoplastia redutora após aborto espontâneo, sendo que a mesma engravidou após um mês da cirurgia e não houve recorrência da gigantomastia. Por fim, em caso publicado por Swelstad et al.3, a paciente, primigesta com comprometimento grave do estado geral devido a complicações da gigantomastia, foi submetida à mastectomia total na 28.ª semana de gestação e posterior reconstrução após o parto.
RELATO DE CASO
C.R.A., 22 anos, gesta I, foi referenciada aos serviços de Mastologia e Cirurgia Plástica e Reparadora do Hospital Universitário da Universidade Federal do Paraná, devido a uma gigantomastia própria da gestação.
Previamente hígida e sem histórico familiar de gigantomastia, relatou o aumento progressivo de ambas as mamas desde o início da gravidez. Devido ao risco de vida materno, a paciente, que era acompanhada pelo serviço de pré-natal, precisou submeter-se à interrupção da gestação em março de 2011, com 17 semanas de idade gestacional, pelo aumento progressivo das mamas, com necrose e infecção local. À época do internamento, apresentava mamas hipertrofiadas, com estase linfática e venosa, e ulcerações em pele com áreas de necrose e celulite (Figuras 1 e 2).
Figura 1. Paciente com 22 anos, com gigantomastia gestacional. Apresenta úlcera em ambas as mamas.
Figura 2. Visão lateral.
Em junho de 2011, a paciente foi submetida à mamoplastia redutora, técnica de Thorek, com retirada de 4.690 g da mama direita e de 4.435 g da mama esquerda (Figura 3).
Figura 3. Foto pós-operatória, com dois meses de evolução.
Apresentou boa evolução clínica, não apresentou hematoma em mama. No sétimo pós-operatório, foi retirado curativo de Brown, mostrando enxerto com 100% de integração.
DISCUSSÃO
A gigantomastia gestacional é uma complicação que, geralmente, necessita de intervenção cirúrgica. A ressecção do tecido mamário nestes casos é dificultada por congestão venosa e aumento dos plexos vasculares, ocasionando um aumento do sangramento no intraoperatório, além de apresentar um tecido mais denso e menos gorduroso. A transposição do CAM é dificultada pela vascularização inadequada do pedículo local, fazendo-se necessário o enxerto do CAM2.
Gigantomastias não necessariamente ocorrem durante a primeira gravidez1. No entanto, a ocorrência de gigantomastia durante uma gravidez anterior, complica quase todas as gestações subsequentes6. É muito importante dizer que há uma possibilidade para o novo crescimento do tecido mamário remanescente, após a mamoplastia redutora, durante as seguintes gravidezes6.
Embora possa não ocorrer na primeira, segunda ou terceira gravidez, uma vez tendo ocorrido a hipertrofia maciça das mamas, complicam-se todas as gestações subsequentes se a paciente não for submetida a mamoplastia redutora ou mastectomia7. Esta recorrência pode ser observada mesmo em gestações que evoluem para o abortamento espontâneo. Não havendo comprometimento, como necrose e/ou infecção, a redução volumétrica pela mamoplastia deve ser postergada para após o quarto mês pós-parto7,8.
O laudo histopatológico revelava hipertrofia e hiperplasia dos lóbulos, que se constituíam de ácinos de aspecto secretor. Atualmente, com o emprego dos estimuladores dos receptores dopaminérgicos, alguns autores sugerem a adoção de condutas menos agressivas. O crescimento intrauterino restrito pode ser observado em alguns casos, embora não tenham sido encontradas alterações placentárias nos casos relatados. O aumento excessivo das mamas, desviando, em parte, nutrientes necessários ao feto, poderia justificar esta ocorrência. O tratamento proposto para a hiperplasia maciça das mamas durante a gestação está orientado para melhorar as condições atuais da gestante, sobretudo a dor que a gigantomastia provoca. Propõe-se o uso de bromocriptina e/ou progesterona, capazes de diminuírem a dor e o intumescimento glandular4,8.
A bromocriptina, em doses de 5 a 7,5 mg/dia, foi utilizada por numerosos autores, com bons resultados, mesmo quando iniciada após o sétimo mês gestacional. Entretanto, a necrose, com subsequente ulceração da pele mamária, parece não ser evitada ou minimizada com o uso da droga, além das queixas de náuseas e vômitos, relatadas por algumas grávidas. A progesterona atualmente não tem sido usada pelos pobres resultados, quando comparada à bromocriptina4,7.
A mamoplastia redutora deve ser indicada, embora a involução espontânea tenha sido relatada.
Não havendo comprometimento, como necrose e/ou infecção, a redução volumétrica pela mamoplastia deve ser postergada para após o quarto mês pós-parto4.
No caso relatado, optou-se pela mamoplastia em razão do fato de a paciente apresentar infecção e úlceras locais; portanto, foi escolhido o tratamento cirúrgico de menor porte e, consequentemente, com menos morbidade. Pelo fato de a paciente ser jovem e ter desejo de gestar futuramente, o procedimento definitivo de adenomastectomia será realizado em um segundo tempo.
REFERÊNCIAS
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Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil
Instituição: Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Plástica, Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.
Autor correspondente:
Renato da Silva Freitas
Serviço de Cirurgia Plástica e Reparadora, Hospital das Clínicas, Universidade Federal do Paraná
Rua General Carneiro, 181
Curitiba, PR, Brasil CEP 82060-900
E-mail: dr.renato.freitas@gmail.com
Artigo submetido: 5/9/2011.
Artigo aceito: 1/12/2011.
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