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Original Article - Year2014 - Volume29 - Issue 3

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2014RBCP0064

RESUMO

INTRODUÇÃO: Enxerto ósseo autógeno é o padrão no tratamento da falha óssea alveolar. Como a morbidade na área doadora após a obtenção de enxerto ósseo continua sendo um problema relevante em pacientes fissurados, este estudo avaliou a dor na área doadora de pacientes fissurados submetidos ao tratamento de falhas ósseas alveolares com a transferência de enxerto ósseo obtido da crista ilíaca, por meio de um estudo prospectivo randomizado, comparando dois extratores ósseos.
MÉTODO: Trinta e seis pacientes com fissura labiopalatina, submetidos ao reparo da falha óssea alveolar com enxerto obtido da crista ilíaca com auxílio do extrator ósseo SOBRAPAR (grupo A) ou extrator ósseo UCLA (grupo B), foram incluídos. A dor na área doadora foi avaliada no período pós-operatório com auxílio da escala numérica unidimensional de dor (0- "sem dor"; 10- "pior dor que se pode imaginar").
RESULTADOS: As médias das mensurações da dor na área doadora não revelaram diferenças significativas (p>0,05 para todas as comparações) nas comparações realizadas entre os grupos A e B, em nenhum dos momentos pós-operatórios avaliados. Houve um maior número (p<0,05) de pacientes do grupo B que não reportaram dor na área doadora, quando comparado ao grupo A.
CONCLUSÕES: Este estudo apresentou um maior número de pacientes do grupo B "sem dor", quando comparado aos pacientes do grupo A, não existindo diferenças entre aqueles que reportaram quaisquer notas diferentes de zero.

Palavras-chave: Área doadora; Crista ilíaca; Dor; Enxerto ósseo alveolar; Extratores ósseos; Fissura labiopalatina.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Autogenous bone grafting is the standard treatment for alveolar bone defects. However, morbidity in the donor area after the bone graft has been obtained continues to be a significant problem in cleft patients. This prospective randomized study compared donor area pain associated with the use of 2 bone extractors in patients with cleft lip and palate, who underwent treatment of alveolar bone defects using a bone graft obtained from the iliac crest.
METHOD: Thirty-six patients with cleft lip and palate underwent alveolar bone defect repair using a graft from the iliac crest, harvested with either a SOBRAPAR bone extractor (group A) or UCLA bone extractor (group B). Donor area pain was evaluated in the postoperative period with the aid of a unidimensional numerical pain scale (0, "no pain"; 10, "worst pain imaginable").
RESULTS: Comparison of the mean donor area pain score did not reveal any significant differences (p >0.05 for all comparisons) between the groups A and B, at any of the postoperative times evaluated. A significantly higher number of patients in group B reported no pain in the donor area, compared with group A (p <0.05).
CONCLUSIONS: This study showed that a significantly greater number of patients in group B reported "no pain", compared with patients in group A; with regard to patients who reported any level of pain greater than zero, there were no between-group differences.

Keywords: Donor area; Iliac crest; Pain; Alveolar bone graft; Bone extractors; Cleft lip and palate.


INTRODUÇÃO

A fissura labiopalatina é a má-formação craniofacial congênita mais comum, com uma prevalência global de 7,94 por 10.000 nascidos vivos1. Dentre as inúmeras intervenções cirúrgicas a que os pacientes fissurados são submetidos2,3, o tratamento da falha óssea alveolar com a transferência de enxerto ósseo autógeno tem sido considerado essencial na reabilitação desses pacientes, pois possibilita o restabelecimento da continuidade da arcada maxilar, o tratamento de fístulas oronasais, a adequada irrupção dentária e o suporte ósseo para a base alar do nariz4.

Atualmente, a transferência de osso autógeno extraído da crista ilíaca é considerada o método de escolha para a reconstrução da falha óssea alveolar5. Esse enxerto de osso ilíaco foi obtido historicamente por meio de uma abordagem aberta (incisão de 4 cm para visualização tecidual adequada, dissecção até a crista ilíaca e obtenção de osso com auxílio de um osteótomo), descrita por Lindeman em 1915 e popularizada por Wolfe & Kawamoto5,6. À época presente, a obtenção de enxerto ósseo por meio de uma abordagem fechada (acesso mínimo ou minimamente invasivo), com auxílio de instrumentos cirúrgicos distintos (por exemplos, agulha percutânea, cureta de Volkmann, trocater para biópsia de osso modificada, osteótomos cilíndricos, entre outros), tem sido realizada em muitos centros de cirurgia plástica craniofacial4,5,7,8, incluindo o extrator ósseo confeccionado em nossa instituição9.

Nesse contexto, é importante mencionar que a captação de enxerto ósseo da crista ilíaca está associada a inúmeras morbidades4 - destacando-se a dor na área doadora -, pois pode ser fonte de ansiedade, medo e estresse tanto para os pacientes quanto para os familiares10. Assim, muitos estudos internacionais5,7,8,11-15 averiguaram as diferenças existentes entre as abordagens aberta (tradicional) e fechada (acesso mínimo), e revelaram menores taxas de morbidade (por exemplos, dor na área doadora e distúrbios da marcha) em pacientes submetidos a procedimentos minimamente invasivos. Seguindo essa tendência, em 2004, nosso grupo9 demonstrou que a obtenção de enxerto ósseo da crista ilíaca por meio da abordagem fechada, com auxílio de um extrator ósseo produzido em nossa instituição, foi associada a um menor tempo de dor no período pós-operatório, se comparada à abordagem aberta convencional.

Apesar desses resultados5,7-9,11-15, até o momento, não existe consenso sobre a técnica ideal para se obter osso autógeno para corrigir falhas ósseas alveolares5,8. Desse modo, como a transferência de osso autógeno é considerada o método padrão para tratamento das falhas ósseas congênitas, os esforços devem ser focados na redução da morbidade associada a essa obtenção5,8. Portanto, o objetivo da presente investigação é avaliar a dor na área doadora de pacientes fissurados submetidos ao tratamento de falhas ósseas alveolares com a transferência de enxerto ósseo obtido da crista ilíaca anterossuperior, por meio de um estudo prospectivo randomizado, comparando dois extratores ósseos utilizados na abordagem fechada (acesso mínimo).


MÉTODO

Foi realizado um estudo prospectivo randomizado envolvendo 36 pacientes com fissura labiopalatina, submetidos à transferência de enxerto ósseo alveolar no Instituto de Cirurgia Plástica Craniofacial do Hospital SOBRAPAR, entre outubro de 2011 e abril de 2013. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Humanos do Hospital SOBRAPAR, e está de acordo com a Declaração de Helsinki de 1975, aperfeiçoada em 1983.

Apenas os pacientes com fissura labiopalatina unilateral completa não sindrômicos submetidos à transferência de enxerto ósseo alveolar secundário (entre 7 e 12 anos) ou enxerto ósseo alveolar secundário tardio (> 12 anos)4, com enxerto obtido da crista ilíaca anterossuperior por acesso mínimo (abordagem fechada com extratores ósseos), que não perderam o seguimento pós-operatório e que aceitaram participar do estudo mediante assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, foram incluídos. Todos os pacientes com antecedentes pessoais - por exemplos, déficit cognitivo, uso crônico de medicações analgésicas e/ou anti-inflamatórias, presença de quaisquer intervenções cirúrgicas na região das cristas ilíacas anterossuperiores ou distúrbios álgicos crônicos16 - que pudessem interferir na avaliação da dor no período pós-operatório foram excluídos. Na medida em que os pacientes operados apresentam risco de estado de confusão agudo no período pós-operatório imediato e como isso pode comprometer a capacidade de mensurar sua dor16, os pacientes não foram avaliados nesse período.

Extratores ósseos

No hospital SOBRAPAR, os enxertos ósseos da crista ilíaca têm sido preferencialmente captados com auxílio de dois extratores ósseos cilíndricos metálicos manuais. Um extrator foi produzido em nossa instituição (Hospital SOBRAPAR, Campinas, Brasil) e tem sido denominado de extrator ósseo SOBRAPAR9, enquanto o outro foi fabricado na University of California, Los Angeles (UCLA; Califórnia, Estados Unidos), sendo denominado como extrator ósseo UCLA (Figura 1). Ambos os instrumentos cirúrgicos foram confeccionados com materiais semelhantes (aço cirúrgico de mesma espessura) e a principal diferença entre eles é o diâmetro do cilindro (extrator ósseo SOBRAPAR: 0,8 cm e extrator ósseo UCLA: 0,5 cm) (Figura 2).


Figura 1. Extratores ósseos cilíndricos metálicos manuais produzidos no Hospital SOBRAPAR (esquerda) e na University of California, Los Angeles (UCLA) (direita). Ambos os instrumentos apresentam uma haste cilíndrica metálica com uma extremidade cortante e outra extremidade com um cabo em "T" (extrator UCLA) ou cabo em "círculo" (extrator SOBRAPAR), que permite empunhadura firme e sem escapes durante a extração óssea da crista ilíaca anterossuperior. Notar os êmbolos metálicos aplicados na remoção de osso do interior dos extratores.


Figura 2. Extratores ósseos cilíndricos metálicos manuais produzidos na University of California, Los Angeles (UCLA) (esquerda) e no Hospital SOBRAPAR (direita). Notar a diferença entre os diâmetros, sendo de 0,8 cm no extrator SOBRAPAR e de 0,5 cm no extrator UCLA.



Obtenção de enxerto ósseo da crista ilíaca por acesso mínimo

Antes das intervenções cirúrgicas, todos os pacientes foram aleatoriamente distribuídos em dois grupos: pacientes submetidos à captação do enxerto ósseo de crista ilíaca com o extrator ósseo SOBRAPAR (grupo A) ou com o extrator ósseo UCLA (grupo B).

Todas as intervenções cirúrgicas para a obtenção de enxerto ósseo da crista ilíaca foram padronizadas e realizadas por um de três cirurgiões plásticos, de mesma formação e filosofia, com auxílio de um residente. Esse procedimento é considerado minimamente invasivo quando comparado à técnica tradicional, pois se trata basicamente dos mesmos passos utilizados na abordagem aberta, exceto pela menor incisão e manipulação/dissecção tecidual mínima (abordagem fechada ou acesso mínimo)7,8.

As cirurgias foram realizadas sob anestesia geral. No grupo A, uma incisão de 2 cm foi efetuada obliquamente, abaixo da crista ilíaca anterossuperior. Realizou-se dissecção tecidual mínima até atingir o periósteo da crista ilíaca. Na sequência, procedeu-se a um descolamento subperiostal mínimo, até pelo menos 3 cm profundamente do ponto mais superficial da crista ilíaca anterossuperior em região anatômica, na qual a presença de osso pudesse ser detectada por meio de leve pressão do instrumento contra a estrutura anatômica. Os movimentos de rotação do extrator foram realizados até a ausência de resistência (Figura 3). No grupo B, a mesma incisão permitiu a inclusão do extrator ósseo na superfície da crista ilíaca sem descolamento periostal e retirada de cartilagem e osso medular (Figura 4). O bloco de cartilagem foi subsequentemente retornado e somente o osso medular foi utilizado. Um êmbolo metálico foi aplicado para a remoção de osso do interior do extrator. Seguiu-se com hemostasia e fechamento por planos.


Figura 3. Extrator ósseo cilíndrico metálico manual produzido no Hospital SOBRAPAR durante a extração óssea da crista ilíaca anterossuperior.


Figura 4. Extrator ósseo cilíndrico metálico manual produzido na University of California, Los Angeles (UCLA) durante a extração óssea da crista ilíaca anterossuperior.



Cuidados no período pós-operatório e analgesia

Os cuidados no período pós-operatório foram semelhantes para todos os pacientes e consistiram em mobilização precoce (com auxílio, se necessário), orientação sobre os cuidados diários com a ferida operatória e retirada dos pontos no sétimo dia de pós-operatório. Todos os pacientes receberam alta hospitalar no primeiro dia de pós-operatório e foram orientados a permanecer fora de suas atividades habituais (por exemplo, escola ou trabalho) por duas semanas e não praticar nenhuma atividade física por seis semanas10,17,18.

A analgesia pós-operatória foi realizada apenas com analgésicos não narcóticos [dipirona sódica 500 mg/cp ou paracetamol 750 mg/cp (alérgicos à dipirona)], exclusivamente na vigência de queixas individuais, de acordo com as necessidades5,19. Nenhuma medicação analgésica ou anti-inflamatória foi utilizada de rotina nos pacientes incluídos. Não foram realizadas aplicações de anestésicos locais, analgesia epidural ou locorregional em nenhum dos procedimentos incluídos na presente análise16.

Avaliação da dor

De forma semelhante a outros estudos5,19 sobre enxerto ósseo alveolar, a intensidade de dor na área doadora foi mensurada em todos os pacientes incluídos, de acordo com uma escala numérica unidimensional de dor20, que possui evidência para suportar sua validade e confiabilidade tanto em pacientes jovens quanto em adultos16,20. Essa escala é composta por 11 números (0 a 10), distribuídos com distâncias iguais em uma linha reta, sendo 'zero' caracterizado como "sem dor" e 'dez' como "pior dor que se pode imaginar"16,20.

Antes da aplicação da escala, um investigador responsável leu as instruções padronizadas em voz alta para cada paciente. Os pacientes foram então solicitados a classificar a dor na área doadora naquele momento em repouso16,20. Os pacientes circularam os números referentes à dor na área doadora em diferentes momentos do período pós-operatório: 1, 3, 6, 9 e 12 horas após os procedimentos e nos momentos de 3º, 7º, 14º, 21º e 28º dia após as intervenções cirúrgicas21. A avaliação da dor por parte dos pacientes foi independente do investigador responsável; esse responsável não participou de nenhum procedimento cirúrgico e não tinha conhecimento sobre os grupos do estudo5,19.

Análise estatística

Todas as informações foram compiladas no programa Excel 2013 para Windows (Microsoft Corporation, USA). Para a análise descritiva, a média foi utilizada para variáveis métricas e as porcentagens para as variáveis categóricas. A diferença matemática simples de cada momento do período pós-operatório sempre em relação ao primeiro momento avaliado (1 hora) foi calculada para caracterizar a redução, o ganho ou a manutenção dos resultados. Dois testes (ANOVA e igualdade de duas proporções) e o intervalo de confiança para média foram utilizados para todas as análises comparativas entre os grupos A (extrator ósseo SOBRAPAR) e B (extrator ósseo UCLA). Os programas Statistical Package for Social Sciences versão 17 (SPSS, Chicago, IL, USA) e Minitab versão 16 (Minitab, Inc., USA) foram utilizados para as análises estatísticas. Os valores foram considerados significativos para um intervalo de confiança de 95% (p<0,05).


RESULTADOS

Um total de 32 (88,89%) pacientes preencheu os critérios de inclusão (p<0,05). Quatro (11,11%; grupo A: 3 pacientes e grupo B: 1 paciente) pacientes foram excluídos, pois não retornaram nos dias especificamente agendados para a avaliação de dor na área doadora. Quinze (46,88%) pacientes pertenciam ao grupo A (extrator ósseo SOBRAPAR) e 17 (53,12%) ao grupo B (extrator ósseo UCLA) (p=0,617). A idade média global dos pacientes no momento das intervenções cirúrgicas foi de 15,06±7,30 anos, sendo de 15,31±6,78 anos e 14,81±8,00 anos (p>0,05) para os grupos A e B, respectivamente. Vinte e um (65,63%) pacientes foram do sexo masculino (grupo A: 10 pacientes e grupo B: 11 pacientes; p>0,05) e 11 (34,37%) pacientes foram do sexo feminino (grupo 6 pacientes e grupo B: 5 pacientes; p>0,05).

Avaliação da dor

Seis (18,75%) pacientes mensuraram a intensidade da dor na área doadora como 0 ("sem dor") em todos os momentos avaliados, enquanto a maioria significante (p<0,001) dos pacientes (26 pacientes; 81,25%) reportaram a intensidade da dor na área doadora entre 0 ("sem dor") e 7, dependendo do momento avaliado (Figura 5). Não houve nota igual ou maior a 8. Considerando-se o total de pacientes (n=32), a análise comparativa entre os grupos não revelou diferença significativa na proporção de pacientes que mensuraram a intensidade da dor na área doadora como 0 ("sem dor") em todos os momentos avaliados (grupo A: 1 [6,67%] paciente versus grupo B: 5 [29,41%] pacientes; p>0,100). Considerando-se apenas o subgrupo de pacientes (n=6) que não reportaram dor na área doadora (nota 0, "sem dor"), detectou-se um predomínio significativo (p=0,021) de pacientes grupo B (5 pacientes; 83,33%), comparado ao grupo A (1 paciente; 16,67%).


Figura 5. Distribuição dos pacientes portadores de fissura labiopalatina (n=32) submetidos a reparo do defeito ósseo alveolar com enxerto ósseo da crista ilíaca obtido com extrator ósseo SOBRAPAR (grupo A) ou extrator ósseo UCLA (University of California, Los Angeles) (grupo B), de acordo com a presença (n=26) ou ausência (n=6) de dor na área doadora.



As médias das mensurações da dor na área doadora por meio da escala numérica unidimensional de dor não revelaram diferenças significativas (p>0,05 para todas as comparações) nas comparações realizadas entre os grupos (grupo A versus grupo B) em nenhum dos momentos pós-operatórios avaliados (Tabela 1 e Figura 6). As análises comparativas entre os valores obtidos com o cálculo da diferença matemática entre os diferentes momentos pós-operatórios e o primeiro momento pós-operatório (1 hora) também não evidenciaram diferenças significativas (p>0,05 para todas as comparações) (Tabela 2 e Figura 7). Todos os pacientes mensuraram a intensidade da dor na área doadora como 0 ("sem dor") após o 14º dia de pós-operatório.


Figura 6. Distribuição das médias das mensurações da dor (escala numérica de dor) na área doadora de acordo com o período no pós-operatório (PO). Notar a tendência à redução das médias em ambos os grupos.




Figura 7. Distribuição dos valores obtidos com o cálculo da diferença matemática simples de cada momento do período pós-operatório (PO), sempre em relação ao primeiro momento avaliado (1 hora). Notar a tendência à redução dos resultados em ambos os grupos.




DISCUSSÃO

O reparo da falha óssea alveolar com osso autógeno foi introduzido no início do século XX4. Entretanto, esse procedimento passou a ser realizado em larga escala somente após a publicação de Boyne & Sandys22 sobre enxerto ósseo alveolar em pacientes fissurados com dentição mista. No hospital SOBRAPAR e em inúmeros outros centros de cirurgia plástica craniofacial2,3,5, os pacientes fissurados têm sido submetidos preferencialmente à transferência de enxerto ósseo alveolar (entre 7 e 12 anos de idade) imediatamente antes da irrupção do dente canino em pacientes com acompanhamento e tratamento ortodôntico prévio.

No entanto, à semelhança de outra análise23, os pacientes submetidos à transferência de enxerto ósseo alveolar tardio (> 12 anos) também foram incluídos no presente estudo. De tal modo, a idade média dos pacientes incluídos é maior do que a que foi reportada previamente5,17. Provavelmente, isso é consequência da característica intrínseca de nosso serviço que atua como um dos centros de referência nacional para o tratamento de deformidades craniofaciais, incluindo as fissuras labiopalatinas e que recebe pacientes sequelados e, muitas vezes, fora da idade considerada ideal para realização de determinado procedimento cirúrgico2.

A crista ilíaca tem sido a área doadora de eleição para o preenchimento das falhas ósseas alveolares4,5,8,10, mesmo existindo inúmeros outros sítios doadores4. De um modo geral, pode-se obter o enxerto de osso ilíaco por meio de intervenções cirúrgicas abertas (tradicional) ou fechadas (acesso mínimo)5,6. Baseados em inúmeros estudos5,7-9,11-15 que revelaram uma menor taxa de morbidade associada à intervenção fechada, nosso grupo e outros5 têm adotado o acesso mínimo como método de escolha para a captação de enxerto ósseo da crista ilíaca para a correção da falha óssea alveolar. Entretanto, existem inúmeros instrumentos disponíveis para a extração minimamente invasiva de osso autógeno4,5,7,8 e não há normatização sobre a escolha entre esses materiais5,8.

Nesse contexto, diferente de outros centros5 que usam apenas um instrumento elétrico, nosso grupo tem utilizado dois extratores ósseos distintos, um produzido em nossa instituição9 e outro na UCLA. No Brasil, como os gastos dos centros especializados no tratamento de deformidades craniofaciais são financiados apenas parcialmente (50-60%) pelo Sistema Único de Saúde (SUS)2, quaisquer fatores que possam impactar nos custos globais do tratamento dos pacientes fissurados devem ser considerados na escolha entre diferentes materiais cirúrgicos. Assim, temos adotado ambos os extratores devido ao baixo custo financeiro tanto para a obtenção quanto para a manutenção dos materiais, se comparados, por exemplo, aos instrumentos industrializados elétricos que possuem maior custo financeiro5. Similar a outro instrumento24, ambos os extratores utilizados por nós são simples de montar, usar e esterilizar, particularmente em comparação aos sistemas com múltiplos componentes5,24. Outro fator relevante é a durabilidade, pois à semelhança de outro material24, os extratores SOBRAPAR e UCLA podem ser utilizados em inúmeros procedimentos sem a necessidade de substituição como ocorre, por exemplo, após o emprego do Acumed power-driven trephine system que necessita ser substituído a cada 10-20 pacientes5.

Os dados do presente estudo demonstram que não houve diferença estatisticamente significante na comparação dos extratores ósseos utilizados. Acreditávamos que isso fosse consequência das diferenças existentes entre os extratores: maior diâmetro do extrator ósseo SOBRAPAR (0,8 cm) e maior manipulação do periósteo, se comparado ao extrator ósseo UCLA (0,5 cm de diâmetro e ausência de descolamento subperiostal). Contudo, não contávamos com nenhum dado concreto para apoiar tal hipótese ou para suportar a escolha entre os extratores ósseos. Dessa forma, o presente estudo foi delineado para compilar informações específicas e referentes à dor na área doadora no período pós-operatório após a utilização desses dois extratores ósseos, com o intuito final de obtermos elementos que apoiem as decisões relacionadas ao uso de cada instrumento. Outro grupo8 também realizou um estudo para comparar dois instrumentos utilizados na obtenção de osso autógeno por meio do acesso mínimo. No entanto, não houve nenhuma mensuração sobre a dor reportada pelos pacientes com base em escala previamente validada8.

Partindo-se do pressuposto de que a dor não foi mensurada com base em nenhum sistema conhecido, limitações devem ser estabelecidas para os resultados sobre a dor após o uso do extrator ósseo SOBRAPAR obtidos em nossa investigação prévia9. Com o intuito de reduzir essa limitação, tomamos o cuidado de, no presente estudo, adotar uma escala unidimensional de intensidade de dor (escala numérica de dor) que vem sendo utilizada em análises semelhantes5,19. Na literatura, diferentes escalas têm sido aplicadas para a mensuração da dor, variando desde os complexos instrumentos multidimensionais, até as simples escalas numéricas16,20. Sobre as diferentes escalas, é importante mencionar que tem sido demonstrado que a escala adotada como ferramenta de mensuração neste estudo (escala numérica de dor) é a escala de intensidade de dor preferida pelos pacientes e médicos devido a sua relativa simplicidade e facilidade de administração/pontuação16,20. Somado a isso, a escala numérica de dor apresenta baixas taxas de erros e maior validade quando comparada a outras escalas unidimensionais de intensidade de dor como, por exemplo, a escala analógica visual16.

Na presente análise, a maioria dos pacientes (81,25%) reportou alguma intensidade de dor na área doadora. Em estudos similares21,25,26, a incidência de dor na área doadora (crista ilíaca) varia amplamente (2,8% a 100%) e os vários métodos adotados (escalas e tempos de análises distintos) para definir a dor na área doadora estão entre as principais razões para essa grande discrepância26. Assim sendo, existem limitações quanto à discussão comparativa entre os resultados obtidos nos diferentes estudos e iremos, portanto, apenas tecer alguns comentários sobre os dados numéricos, pois qualquer análise comparativa mais aprofundada seria meramente especulativa21.

Neste cenário, é importante definir que existem diferenças entre a mensuração da dor aguda (persiste por dias/semanas e regride durante o processo de recuperação) e da dor crônica (persiste após a lesão tecidual ter sido reparada)16,21. À semelhança de outra investigação21, o presente estudo demonstrou alterações na percepção de dor na área doadora ao longo do tempo. Ou seja, os pacientes incluídos mensuraram a sua dor, em média, como inferior a 2 e essa intensidade apresentou uma tendência à redução conforme foi ilustrado na Figura 6. Somado a isso, em nosso estudo, todos os pacientes avaliados que reportaram algum grau de dor (81,25% do total de pacientes incluídos), apresentaram resolução completa do sintoma ("sem dor", nota 0) após o 14º dia de pós-operatório e, portanto, não evidenciamos nenhum caso de dor crônica, semelhante ao descrito em análise semelhante10. Já em outras investigações21,25,27, o período de resolução completa da dor na área doadora foi variável (semanas a meses) e, em algumas situações, a incidência de dor crônica chegou a 33% em 12 meses de pós-operatório21.

Os resultados deste estudo demonstraram que não existem diferenças significativas na intensidade de dor no período pós-operatório dos pacientes submetidos às cirurgias minimamente invasivas para a obtenção de enxerto ósseo da crista ilíaca com auxílio do extrator ósseo SOBRAPAR (grupo A), comparado àqueles submetidos à captação óssea com auxílio do extrator ósseo UCLA (grupo B). Embora as tendências apresentadas nas Figuras 6 e 7 (principalmente, nas primeiras 12 horas) sejam distintas entre os grupos A e B, a análise estatística comprovou que não existem diferenças entre os dois extratores. Provavelmente, o tamanho da amostra pode ter interferido nesses resultados, assim como salientado em análise similar8.

Na literatura, cerca de dois terços dos pacientes não reportaram dor na área doadora26. Em nosso estudo, 18,75% dos pacientes mensuraram a dor na área doadora como 0 ("sem dor") em todos os momentos avaliados. Interessantemente, analisando-se apenas esses pacientes ("sem dor"), houve um predomínio significante de pacientes pertencentes ao grupo B (extrator ósseo UCLA). Tais dados sustentam nossa hipótese inicial, entretanto, a razão pela qual alguns pacientes mensuraram a dor na área doadora como 0 ("sem dor") e o restante dos pacientes do mesmo grupo apresentou intensidades variáveis de dor (notas entre 1 e 7) não é clara, pois as técnicas cirúrgicas e os cuidados pós-operatórios foram padronizados tanto em nosso estudo quanto em outro26 que reportou resultados similares. Na verdade, a etiologia precisa da dor na área doadora (crista ilíaca) permanece obscura25. Postula-se que a dor tem sua origem na manipulação muscular e/ou do periósteo ou, ainda, é secundária à lesão do nervo sensorial25. Nós e outros26 acreditamos que a causa da dor na área doadora (crista ilíaca) deve ser considerada multifatorial e provavelmente relacionada a uma combinação entre manipulação muscular/periosteal, lesões dos nervos sensoriais e elementos emocionais. De tal modo, além do diâmetro do extrator ósseo e da manipulação tecidual, outros aspectos podem ter interferido nos resultados do presente estudo.

Embora as técnicas de manipulação cirúrgica de ambos extratores ósseos sejam distintas, foi possível concluir, por meio da observação dos dados do presente estudo, que a mensuração da dor nos pacientes submetidos à retirada de osso da crista ilíaca foi semelhante. Como a quantidade de osso extraída em cada movimento cirúrgico com ambos os extratores ósseos é semelhante, utilizamos os extratores ósseos em nossa prática de forma aleatória. Interessante notar que a posição do extrator UCLA é sempre perpendicular à região abdominal e a do extrator SOBRAPAR é sempre oblíqua à região abdominal. Como a retirada do enxerto ósseo exige a inclusão de pressão sobre a extremidade do extrator, a utilização do extrator UCLA pode culminar mais facilmente em acidentes perfurantes, principalmente nas mãos de cirurgiões menos experientes. Portanto, antes de utilizar o da UCLA, o residente do primeiro ano passa aproximadamente um ano utilizando o extrator ósseo SOBRAPAR. Com esse cuidado, conseguimos promover eficácia e segurança aos procedimentos cirúrgicos.

O presente estudo possui algumas limitações que merecem ser abordadas. Embora a dor reportada pelos pacientes tenha sido o interesse final de nosso estudo, outras formas de análise relacionadas diretamente ou indiretamente à dor na área doadora (por exemplo, quantificação do uso de medicações analgésicas) vêm sendo aplicadas em estudos semelhantes5,19 e limitações quanto a isso devem ser consideradas na interpretação dos resultados. Além disso, tem sido demonstrado que grandes quantidades de enxerto ósseo da crista ilíaca não são associadas com o aumento de dor na área doadora no pós-operatório26. No entanto, não mensuramos a quantidade de osso obtida da crista ilíaca e, portanto, limitações específicas quanto à quantidade de osso obtida relacionada aos dois instrumentos avaliados devem ser impostas. Uma vez que as complicações/morbidades relacionadas à obtenção de enxerto ósseo autógeno foram bem estabelecidas pelo grupo liderado pelo Dr. Paul Tessier28 em um artigo com mais de 20 mil procedimentos realizados durante 50 anos e como o nosso principal interesse foi avaliar exclusivamente a dor na área doadora, nenhum registro (ou análise) adicional sobre qualquer morbidade da área doadora foi realizado. Dessa maneira, outra limitação é que este estudo avaliou apenas um aspecto relacionado à morbidade da área doadora e isso também deve ser considerado quando quaisquer conclusões forem retiradas dos resultados apresentados.

Como a presente investigação foi prospectivamente delineada, os pacientes foram adequadamente randomizados e utilizou-se uma escala de dor previamente validade amplamente utilizada16,20, acreditamos que essas limitações não invalidam os resultados obtidos. Contudo, pesquisas futuras devem ser realizadas para averiguar os nossos achados e também para abordar todas essas limitações, com o intuito final de enriquecer o entendimento sobre a obtenção de enxerto ósseo da crista ilíaca por meio do acesso mínimo com auxílio de extratores ósseos.


CONCLUSÃO

Este estudo prospectivo randomizado avaliou a dor na área doadora (crista ilíaca) no período pósoperatório e demonstrou que um maior número de pacientes submetidos à captação óssea com o extrator ósseo UCLA (grupo B) mensurou a dor como 0 ("sem dor") quando comparado aos pacientes do grupo A (extrator ósseo SOBRAPAR), não existindo diferenças significativas entre aqueles que reportaram quaisquer notas diferentes de zero.


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1. MD, ex-residente do Serviço de Cirurgia Plástica "Prof. Dr. Cassio M. Raposo do Amaral" do Instituto de Cirurgia Plástica Craniofacial do Hospital SOBRAPAR, Campinas, SP, Brasil
2. MD, Membro Aspirante em Treinamento da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), Médico Residente em Cirurgia Plástica do Serviço de Cirurgia Plástica "Prof. Dr. Cassio M. Raposo do Amaral" do Instituto de Cirurgia Plástica Craniofacial do Hospital SOBRAPAR, Campinas, SP, Brasil
3. MD, Msc, Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) e da Associação Brasileira de Cirurgia Crânio-maxilo-facial (ABCCMF), Mestre em Cirurgia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Regente do Serviço de Cirurgia Plástica "Prof. Dr. Cassio M. Raposo do Amaral" do Instituto de Cirurgia Plástica Craniofacial do Hospital SOBRAPAR, Campinas, SP, Brasil
4. MD, PhD, Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) e da Associação Brasileira de Cirurgia Crânio-maxilo-facial (ABCCMF), Doutorado pelo Programa de Clínica Cirúrgica da Universidade de São Paulo (USP), Vice-presidente do Instituto de Cirurgia Plástica Craniofacial do Hospital SOBRAPAR, Campinas, SP, Brasil
5. MD, Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), Preceptor Chefe dos Residentes do Serviço de Cirurgia Plástica "Prof. Dr. Cassio M. Raposo do Amaral" do Instituto de Cirurgia Plástica Craniofacial do Hospital SOBRAPAR, Campinas, SP, Brasil

Instituição: Trabalho realizado no Instituto de Cirurgia Plástica Craniofacial do Hospital SOBRAPAR, Campinas, SP, Brasil.

Autor correspondente:
Cesar Augusto Raposo-do-Amaral
Hospital de Crânio e Face SOBRAPAR
Av. Adolpho Lutz, 100 - Cidade Universitária
Campinas, SP, Brasil CEP 13083-880; Caixa-postal 6028
E-mail: cesaraugustoraposo@hotmail.com

Artigo submetido: 22/01/2014.
Artigo aceito: 03/08/2014.

 

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