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Case Report - Year2014 - Volume29 - Issue 3

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2014RBCP0059

RESUMO

INTRODUÇÃO: Reconstruções de defeitos complexos na face constituem um desafio para os cirurgiões. Após ressecção da lesão, o reparo nasal é difícil, já que possui uma variedade de tecidos e área local doadora reduzida para reconstrução. Já as lesões de lábio possuem como principal dificuldade a restauração da função, priorizando a integridade da estrutura esfincteriana, a continência oral, a abertura bucal e a sensibilidade. Entre as alternativas para reconstrução dessas áreas, podemos optar por retalhos locais, entre os quais o nasogeniano.
OBJETIVO: Analisar desfechos de reconstrução nasal e de lábio superior em dois tempos cirúrgicos, utilizando retalho nasogeniano, após defeito complexo causado por ressecção de carcinoma espinocelular (CEC).
RELATO DO CASO: Paciente do gênero feminino, 56 anos, apresentou CEC de progressão avançada em região nasal da columela, terço anterior do septo e parte do lábio superior. A paciente foi submetida à reconstrução com retalho nasogeniano e, em segundo momento cirúrgico, ao enxerto de cartilagem costal para reconstrução de columela. Apresenta evolução com boa integração e viabilidade dos enxertos e retalhos. O resultado estético foi satisfatório.
CONCLUSÃO: A utilização de retalho nasogeniano como opção terapêutica para a reconstrução parcial de nariz e de lábio superior apresentou desfechos funcionais/estéticos favoráveis. Além disso, a segmentação do procedimento cirúrgico traz segurança na utilização dos retalhos locais, principalmente em indivíduos de difícil cicatrização.

Palavras-chave: Reconstrução nasal; Tumor espinocelular; Retalho nasogeniano; Cirurgia reconstrutiva.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Reconstruction of complex facial defects is a challenge for surgeons. After the excision of a lesion, nasal reconstruction is challenging because of the variety of tissues involved and the reduced local donor area for reconstruction. On the other hand, a major difficulty in the reconstruction of lip lesions is restoration of function, with the priority being the maintenance of the integrity of the sphincter structure, oral continence, mouth opening, and sensitivity. Among the alternatives for the reconstruction of these areas are local flaps, including the nasolabial flap.
AIM: To analyze the outcome of nasal and upper lip reconstruction performed in two surgical stages, by using a nasolabial flap for complex defects resulting from the resection of squamous cell carcinoma (SCC).
CASE REPORT: A 56-year-old female patient presented with advanced SCC in the nasal region of the columella, anterior third of the septum, and part of the upper lip. She underwent reconstruction with a nasolabial flap and, in a second surgical procedure, with a costal cartilage graft for the reconstruction of the columella. The procedures resulted in good integration and viability of grafts and flaps. The aesthetic result was satisfactory.
CONCLUSION: The use of a nasolabial flap as a therapeutic option for the partial reconstruction of the nose and upper lip produces favorable functional and aesthetic outcomes. In addition, the division of the surgical procedure into stages provides safety in the use of local flaps, particularly in patients with poor healing.

Keywords: Nasal reconstruction; Squamous cell carcinoma; Nasolabial flap; Reconstructive surgery.


INTRODUÇÃO

Reconstruções de defeitos complexos na face, gerados por excisão cirúrgica de tumores de pele, constituem um desafio para os cirurgiões, devido a alterações funcionais e estéticas1. O carcinoma espinocelular (CEC), também conhecido como epidermoide, é o segundo tipo de tumor de pele não melanoma mais comum, representando 25% dos casos2. Dos CEC, 70% acometem a região de pescoço e face, sendo 30% no nariz e 25% nos lábios3.

Analisando-se somente tumor de lábio, o CEC é o mais frequente. Estes possuem crescimento lento e metástases infrequentes, porém podem provocar notável destruição local, dificultando as reconstruções4. A abundância de glândulas sebáceas; a exposição à radiação ultravioleta A e B (UVA, UVB); a pele clara; as genodermatoses; os agentes químicos, e as lesões cutâneas crônicas são os principais fatores que propiciam o desenvolvimento dessa categoria tumoral. O tratamento primário desse tumor complexo consiste na ressecção cirúrgica3.

O reparo nasal geralmente é difícil, pois o mesmo é constituído por uma variedade de tecidos e possui área local doadora reduzida para reconstrução5. Já as lesões de lábio possuem como principal dificuldade a restauração da função, priorizando a integridade da estrutura esfincteriana, a continência oral, a abertura bucal e a sensibilidade6. O objetivo deste relato foi analisar desfechos de reconstrução nasal e de lábio superior em dois tempos cirúrgicos, utilizando-se retalho nasogeniano, após defeito complexo causado por ressecção de carcinoma espinocelular.


RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 56 anos, caucasiana, referiu, havia aproximadamente um ano, o surgimento de pequena lesão com aspecto nodular em região da columela nasal. Três meses após o surgimento, a ferida passou a ulcerar, apresentando secreção serosa com odor fétido e com crescimento progressivo, momento em que foi realizada biopsia. O resultado denotava um CEC bem diferenciado (grau I), queratinizado e ulcerado. Macroscopicamente, a lesão apresentava-se com cerca de 4,0 × 5,0 cm, nas maiores dimensões, coloração avermelhada, pediculada, ulcerada, presença de secreção purulenta e dolorida à palpação (Figura1). Ao exame físico, ausência de linfonodomegalias em cadeia cervical, clavicular ou axilar. Como antecedente, tabagismo pesado 40 anos/maço e exposição solar crônica. Negou alcoolismo.


Figura 1. Paciente apresentando carcinoma espinocelular envolvendo região septal, columela nasal e lábio superior.



Na tomografia computadorizada de face, realizada com administração de contraste iodado endovenoso, denotava-se aumento da espessura, irregularidade e heterogeneidade junto ao tecido cutâneo na topografia do septo nasal ucartilaginoso em situação anteroinferior à direita, com realce após administração de contraste. O septo nasal tinha sua extremidade anterossuperior desviada à esquerda. Demais estruturas, sem particularidades.

O tumor era classificado como estádio III, T4N0M0. O T4 é devido à invasão de estruturas extradérmicas, como cartilagem, músculo e osso. Foi realizada ressecção total da lesão, apresentando margens livres no congelamento transoperatório. No mesmo momento, realizou-se reconstrução de columela nasal e lábio superior, com retalho nasogeniano baseado em pedículo superior. As Figuras 2 e 3 demostram imagem do procedimento intraoperatorio. Após resultado definitivo do exame anatomopatológico, em segunda intervenção, foi implantado enxerto de cartilagem costal em região da columela nasal, aumentando projeção da ponta nasal. A paciente apresentou boa integração e viabilidade dos enxertos e retalhos. O resultado estético/funcional foi satisfatório. A Figura 4 (incidencia frontal) e a Figura 5 (perfil) demonstram o resultado no 30º dia de pós-operatório. A paciente permitiu a publicação de seu caso, bem como de suas imagens, mediante assinatura de termo de consentimento livre esclarecido.


Figura 2. Retrato intraoperátorio, após ressecção tumoral de carcinoma espinocelular em região septal, columela nasal e lábio superior, sendo demostradas estruturas cartilaginosas nasais.


Figura 3. Pós-operatório imediato de reconstrução nasal baseada em retalho nasogeniano com pedículo superior.


Figura 4. Resultado pós-operatório de reconstrução nasal baseada em retalho nasogeniano, sendo acrescida, em segundo momento cirúrgico, de colocação de enxerto costal em região da columela. Imagem evolutiva de 30 dias após segundo momento cirúrgico.


Figura 5. Resultado pós-operatório de reconstrução nasal baseada em retalho nasogeniano, sendo acrescida, em segundo momento cirúrgico, de colocação de enxerto costal em região da columela. Imagem evolutiva de 30 dias após segundo momento cirúrgico. Retrato em perfil.



DISCUSSÃO

Nas ressecções de defeitos complexos de face, transposto o objetivo primário da ressecção curativa da lesão, as necessidades funcionais e as características estéticas da região exigem um amplo conhecimento e utilização de técnicas reconstrutoras. Menick7 revisa técnicas para reconstrução das unidades nasais, considerando a utilização da cartilagem costal para o arcabouço cartilaginoso nasal.

Na abordagem do caso, a reconstrução utilizou um retalho nasogeniano (RNG) de pedículo superior, o que, aos autores, parece escolha adequada, levando-se em consideração a manutenção da musculatura orbicular oral. A partir de então, se sobrepõem as dificuldades da reconstrução da pirâmide nasal. Procedeu-se à ressecção de columela, de parte nasal direita, de assoalhos narinários, de cartilagens da ponta nasal e do septo, e de cartilagens triangulares distais, o que limitou as escolhas de tecidos locais para reconstrução. Parrett & Pribaz8 propõem um algoritmo para tratamento das lesões nasais; utilizam retalhos locais para defeitos menores, e consideram a possibilidade de reconstrução em estágios. Autores9,10 consideram a utilização de retalhos locais, porém alertam para a possibilidade de complicações nos casos de difícil cicatrização; não consideram, entretanto, a possibilidade de segmentar o tempo cirúrgico.

Frente ao caso, optamos por reconstrução com tecidos locais em dois estágios. Houve aproveitamento do RNG para confecção da columela e parte da asa nasal direita. Os assoalhos narinários foram reparados por retalhos mucosos. A reconstrução da pirâmide cartilaginosa foi adiada para um segundo tempo cirúrgico.

Dois fatos motivaram a escolha. Em primeiro lugar, as características clínicas da paciente. Um insucesso, mesmo que parcial, em um dos passos da cobertura através dos retalhos locais, levaria, muito provavelmente, a exposição e extrusão do material de sustentação da pirâmide nasal. Em segundo plano, manteve-se parte da estrutura piramidal nasal. Restaria apenas o objetivo secundário do ajuste estético, adequando-se à funcionalidade.

A segunda etapa cirúrgica mostrou-se adequada, através de utilização de cartilagem costal. Promoveu-se o alongamento da pirâmide nasal, a definição e a projeção da columela, e a projeção e a estruturação da ponta. A boa evolução do primeiro estágio cirúrgico deu segurança e opção ao segundo. Seu sucesso foi essencial à viabilidade do plano reconstrutor da pirâmide nasal. Reparo em dois estágios nos parece útil em pacientes com defeitos complexos (ressecções ampliadas) e com características clínicas de difícil cicatrização.


CONCLUSÃO

A utilização de retalho nasogeniano como opção terapêutica para reconstrução parcial de nariz e de lábio superior apresentou desfechos funcionais/estéticos favoráveis. Além disso, a segmentação do procedimento cirúrgico traz segurança em relação à utilização dos retalhos locais, principalmente em indivíduos de difícil cicatrização.


REFERÊNCIAS

1. El-Marakby HH. The versatile naso-labial flaps in facial reconstruction. J Egypt Natl Canc Inst. 2005;17(4):245-50. PMid:17102819.

2. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva - INCA. Câncer de Pele - Não Melanoma [Internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2011 [cited 2011 Mar 12]. Available from: http://www.inca.gov.br/conteudo_view.asp?id=334.

3. Moolenburgh SE, McLennan L, Levendag PC, Munte K, Scholtemeijer M, Hofer SO, et al. Nasal reconstruction after malignant tumor resection: an algorithm for treatment. Plast Reconstr Surg. 2010;126(1):97-105. PMid:20220560.

4. Simas NG, Pessoa SGP, Crisóstomo MR, Almeida GS, Gomes AAR. Uso de retalho septal e pericondro mucoso para reconstrução de asa nasal e parede lateral: relato de caso. Rev Bras Cir Plást. 2009;24(4):556-8.

5. Mélega JM. Cirurgia plástica: fundamentos e arte: cirurgia reparadora de cabeça e pescoço. Rio de Janeiro: Medsi; 2002.

6. Sbalchiero JC, Anlicoara R, Cammarota MC, Leal PRA. Reconstrução labial: abordagem funcional e estética após ressecção tumoral. Rev Bras Cir Plást. 2005;20(1):40-5.

7. Menick FJ. Nasal reconstruction. Plast Reconstr Surg. 2010;125(4):138e-50e. http://dx.doi.org/10.1097/PRS.0b013e3181d0ae2b. PMid:20335833

8. Parrett BM, Pribaz JJ. An algorithm for treatment of nasal defects. Clin Plast Surg. 2009;36(3):407-20. http://dx.doi.org/10.1016/j.cps.2009.02.004. PMid:19505611

9. Asaria J, Pepper JP, Baker SR. Key issues in nasal reconstruction. Curr Opin Otolaryngol Head Neck Surg. 2010;18(4):278-82. http://dx.doi.org/10.1097/MOO.0b013e32833af8f8. PMid:20485171

10. Collar RM, Ward PD, Baker SR. Reconstructive perspectives of cutaneous defects involving the nasal tip: a retrospective review. Arch Facial Plast Surg. 2011;13(2):91-6. http://dx.doi.org/10.1001/archfacial.2011.13. PMid:21422442










1. Mestrando da Pontifícia Universidade Católica (PUC-RS), Cirurgião Plástico, Membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), Preceptor do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Geral de Caxias do Sul, Ligado à Universidade de Caxias do Sul (UCS), Professor das cadeiras de técnica cirúrgica e propedêutica cirúrgica, Caxias do Sul, RS, Brasil
2. Cirurgião Plástico, Membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), Preceptor do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Geral de Caxias do Sul, Ligado à Universidade de Caxias do Sul (UCS), Caxias do Sul, RS, Brasil
3. Estudante de Medicina, Integrante da Liga de Cirurgia Plástica, Universidade de Caxias do Sul (UCS), Caxias do Sul, RS, Brasil

Instituição: Trabalho realizado pela LACP (Liga Acadêmica de Cirurgia Plástica) em conjunto com o serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Geral de Caxias do Sul, Universidade de Caxias do Sul, RS, Brasil.

Autor correspondente:
Anderson Ricardo Ingracio
Rua General Arcy da Rocha Nóbrega, 401, Sala 605 - Madureira
Caxias do Sul, RS, Brasil
Fax.: (54) 3208-3936
E-mail: andersoning@hotmail.com

Artigo submetido: 13/06/2011.
Artigo aceito: 13/08/2011.

 

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