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Sequela de injeção de silicone em lábio inferior: correção cirúrgica pela técnica do biquíni modificada
Sequelae of inferior lip silicone injection: surgical correction using the modified "bikini" technique
RESUMO
Pacientes portadores de sequelas devido a injeções de substâncias inabsorvíveis tem se tornado cada vez mais frequentes. O silicone injetável ou polidimetilsiloxano fluido é um polímero manufaturado que contém silicone elementar. As complicações consequentes ao uso desta substância podem ser precoces ou tardias. Apresentamos um relato de caso onde uma deformidade por injeção de silicone em lábios foi tratada cirurgicamente usando a técnica do biquíni modificada obtendo um bom resultado funcional e estético.
Palavras-chave:
Lábios; Redução de Lábios; Silicone; Siliconoma; Complicações de Preenchimentos.
ABSTRACT
Increasing numbers of patients have sequelae due to the injection of non-absorbable substances. Injectable silicone or polydimethylsiloxane fluid is a manufactured polymer containing elemental silicon. The complications associated with the use of this substance can present early or late. Here we present a case report in which a deformity due to a silicone injection in the lips was surgically treated using the modified "bikini" technique that produced a functionally and aesthetically favorable result.
Keywords:
Lips; Lip Reduction; Silicone; Siliconoma; Filler Complications.
INTRODUÇÃO
Pacientes portadores de sequelas, devido a injeções de substâncias objetivando uma melhora estética corporal, tem se tornado cada vez mais frequentes. O desejo individual por um corpo que se assemelhe aos modelos de beleza publicitários associado à existência de pessoas não capacitadas tecnicamente para a execução deste procedimento são os responsáveis pelo aumento destes números.
Os lábios, estruturas importantes na harmonia estética da face, são locais habituais de preenchimentos. Lábios volumosos na medida certa podem ser interpretados como sinônimos de saúde e beleza, tornando a pessoa mais atraente. Diversas substâncias podem ser injetadas para esta finalidade: gordura, colágeno e ácido hialurônico, que são absorvíveis, e silicone1,2, metacrilato e poliacrilamida, que são inabsorvíveis.
O silicone injetável ou polidimetilsiloxano fluido é um polímero manufaturado que contém silicone elementar. As complicações consequentes ao uso desta substância podem ser precoces ou tardias. Dentre as complicações precoces temos reações de hipersensibilidade, discromias, alterações de textura da pele, equimoses e edema. Os efeitos adversos tardios compreendem a hipercorreção da área tratada, as reações inflamatórias granulomatosas - "siliconomas"-, as reações idiossincrásicas e a migração. Esta última ocorre quando um grande volume de silicone líquido é injetado em uma única aplicação em um só local 3-6.
A conduta nestas sequelas por preenchimento labial pode ser expectante ou tratamento medicamentoso, ou cirúrgico.
RELATO DO CASO
Paciente de 43 anos, sexo masculino, funcionário público e professor, procurou o ambulatório da 38º Enfermaria da Santa Casa de Misericórdia com história de ter se submetido a injeções de silicone em lábio inferior, bochechas, mento e região malar há 3 anos. Sua principal queixa era a aparência do lábio inferior, tendo inclusive dificuldade de fonação e para reter alimentos líquidos na boca. Ao exame físico, apresentava lábio inferior aumentado desproporcionalmente em relação ao resto da face.
O paciente foi tratado com redução cirúrgica do lábio inferior. A técnica utilizada foi uma variação da técnica do biquíni7, diferindo desta apenas no uso de linhas curvas ao invés de linhas retas para a ressecção.
A técnica do biquíni (Figura 1) consiste na redução labial através de ressecção do tecido excedente na área do vermelhão. Marca-se a junção entre a mucosa e o vermelhão nos lábio inferior e superior na linha média (pontos a e a'). Como a ponta do dedo o cirurgião manipula os lábios do paciente fazendo um movimento de rotação interna, simulando a diminuição dos mesmos até obter um tamanho satisfatório. Este novo ponto (pontos b e b') determinará junto com o ponto da junção da mucosa com o vermelhão os limites da ressecção. O limite lateral da ressecção é um ponto a alguns milímetros da comissura labial. O formato do biquíni é então desenhado. Na parte de cima do biquíni (lábio superior), a 1cm da marcação inicial (ab), são marcados dois outros pontos (cd) com abertura maior (determinado também pelo teste do dedo).A distância cd não deve exceder o dobro de ab. Estas linhas são unidas assumindo um contorno arredondado semelhante a um sutiã tomara-que-caia. Na parte de baixo do biquíni (lábio inferior) o triângulo é definido tendo como base a distância entre as comissuras (pontos f e e) e o ponto b> 7.
Figura 1. Técnica do biquíni com os pontos de marcação (meio). O resultado esperado com os lábios reduzidos e a manutenção do contorno natural dos mesmos (Fanous N, Brousseau VJ, Yoskovitch A. The «Bikini» Lip Reduction: An Approach to Oversized Lips. Plast. Reconstr. Surg. 122: 23e-25e, 2008)
7.
O procedimento foi realizado com anestesia local numa solução com adrenalina na diluição de 1:200.000 (Figura 2A). A ressecção foi feita em cunha sem a preocupação de identificação de fragmentos de silicone em meio ao tecido. Não houve identificação de agrupados de silicone e nem sangramento importante (Figura 2B). O fechamento se deu com pontos separados de vicryl 5-0 internamente, e catgut cromado 3-0 contínuo externamente (Figura 2C). O paciente evoluiu com deiscência da ferida operatória no 7º DPO (Figura 3A), a qual foi tratada, conservadoramente, com água oxigenada, corticoides tópicos, hidratação e higiene local até a sua resolução no 50º DPO (Figura 3B). Tanto a equipe cirúrgica quanto o paciente avaliaram o resultado como muito favorável (Figuras 4A a 4F). Em adição à melhora da aparência do lábio inferior, o paciente também relatou melhora da fonação e retorno da capacidade de conter alimentos líquidos dentro da boca.
Figura 2 (A,B e C). Fotos da marcação em biquíni no lábio inferior (linhas curvas), da ressecção em cunha do excesso de lábio e do final da cirurgia.
Figura 3(A e B). Deiscência no 7º DPO e evolução no 50º DPO.
Figura 4(A-F). Em A,B e C, representação pré-operatória. Em, em D, E e F, resultados pós-operatório de 65 dias.
DISCUSSÃO
A correção cirúrgica de sequelas de lábios, reviamente preenchidos com substâncias inabsorvíveis, é um procedimento por muitas vezes desafiador. O cirurgião deve deixar muito claro ao paciente sobre as limitações de resultados em alguns casos específicos, e o bom senso deve fazer parte da decisão sobre qual conduta adorar. O tratamento medicamentoso pode variar de antibióticos sistêmicos, corticoides e antimitóticos intralesionais ou sistêmicos, e até drogas alternativas como o alopurinol. No tratamento cirúrgico estão incluídas a simples incisão e expressão local para drenagem, aspiração e excisão. A excisão cirúrgica é tida como a última opção para a maioria dos autores1-6. Na escolha do tratamento deve se levar em conta se estamos diante de um processo infeccioso, inflamatório (granulomas) ou de uma hipercorreção.
Consideramos que a aspiração, ou tentativa de drenagem, como meio de remoção do silicone injetado5 não são eficazes. A lipoaspiração tem boa indicação para casos de hipercorreção com enxerto de gordura.
Em relação ao tratamento com excisão cirúrgica, existem outras técnicas que podem ser utilizadas com resultados também favoráveis. A redução labial pode ser feita com excisão da mucosa em forma de elipse8 ou losangos9, deixando o vermelhão intacto e reduzindo-o indiretamente. De outra maneira, como foi feito no caso relatado, a excisão pode ser feita diretamente no vermelhão em forma de elipse (vermelhectomia clássica)10,11, w-plastia12,13, biquíni7 ou como fizemos, biquíni modificado. Nas vermelhectomias clássicas, a cicatriz resultante no vermelhão é linear, o que representa uma maior chance de retração cicatricial em comparação com a w-plastia13. Como na técnica do biquíni e biquíni modificada a cicatriz resultante também é linear, teoricamente podemos estender esta comparação para estas técnicas.
Quanto à evolução pós-operatória do paciente, foi observada deiscência de toda a extensão da linha de sutura. Alguns fatores podem ter contribuído para tal complicação: a intensa fibrose secundária à presença do silicone, tecido cicatricial de pouca vascularização, e a topografia da área tratada, onde alimentos e líquidos estão a todo tempo em contato, a tensão constante que a ferida é submetida, seja pela fonação, mastigação ou expressão facial. Neste caso, conduzimos a deiscência da linha de sutura, conservadoramente, com higienização local, água oxigenada e antissépticos bucais, hidratação e corticoide tópico obtendo um bom resultado final. Na literatura, há relatos de evoluções desfavoráveis como edema prolongado, parestesias, equimoses e endurecimento local pela formação de exuberante tecido cicatricial subjacente a linha de sutura 9.
CONCLUSÃO
Por fim, o relato deste caso evidencia o importante papel da cirurgia plástica como prática fundamental de ressocialização dos indivíduos portadores de deformidades. As grandes distorções faciais levam a segregação social e profissional, devido ao preconceito, gerando um isolamento dos pacientes por não aceitação da própria imagem. A correção cirúrgica realizada nos lábios do referido paciente o enquadrou em padrões estéticos socialmente aceitáveis, proporcionando a oportunidade de uma vida sem limitações.
REFERÊNCIAS
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7. Fanous N, Brousseau VJ, Yoskovitch A. The "Bikini" lip reduction: an approach to oversized lips. Plast Reconstr Surg. 2008;122:23e-25e.
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1- Membro Efetivo da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica - Cirurgião Plástico
2- Membro Efetivo da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica - Cirurgiã Plástica
3- Professor Titular da Disciplina de Cirurgia Plástica da Universidade Federal Fluminense - Professor Assistente do Instituto Ivo Pitanguy
4- Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica - Presidente do Instituto Ivo Pitanguy
5- Patrono da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica - Professor Titular do Curso de Pós-Graduação em Cirurgia Plástica da Escola Médica de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e do Curso de Pós-Graduação em Cirurgia Plástica do Instituto de Pós-Graduação Médica Carlos Chagas. Chefe da 38ª Enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro (SCM-RJ). Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Membro Titular da Academia Nacional de Medicina e da Academia Brasileira de Letras. FACS, FICS, TCBC
Instituição: Instituto Ivo Pitanguy.
Autor correspondente:
Pablo Maricevich
Av. Antônio de Góes 275, sala 407 - Pina
Recife - PE - CEP: 51110-000
E-mail: jpmaricevich@hotmail.com
Artigo submetido: 06/06/2011
Artigo aceito: 29/07/2011
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