ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Original Article - Year2014 - Volume29 - Issue 1

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2014RBCP0004

RESUMO

INTRODUÇÃO: Os desenhos dos estudos e os níveis de evidência dos artigos publicados em diversos periódicos vêm sendo analisados bibliometricamente. Como não existem tais informações no campo da cirurgia plástica brasileira, o presente estudo tem o objetivo de avaliar os desenhos dos estudos e os níveis de evidência dos artigos publicados na Revista Brasileira de Cirurgia Plástica (RBCP), o único periódico brasileiro destinado exclusivamente à cirurgia plástica.
MÉTODO: Foi realizada uma análise bibliométrica, quantitativa dos desenhos dos estudos, e níveis de evidência dos artigos publicados na RBCP, entre 2005 a 2012. Dois períodos (2005-2008 versus 2009-2012) foram comparados para caracterizar a evolução da produção científica da RBCP.
RESULTADOS: No período analisado, 603 artigos científicos preencheram os critérios de inclusão. A análise global revelou um predomínio significativo (p<0,05) de estudos retrospectivos e artigos com nível de evidência III. A comparação entre os períodos revelou aumentos significativos (p<0,05) nas proporções de séries de casos e artigos científicos com nível de evidência IV (2005-2008<2009-2012), e uma redução significativa (p<0,05) na proporção de artigos com nível de evidência V (2005-2008>2009-2012).
CONCLUSÃO: Este estudo demonstrou que houve um predomínio de estudos retrospectivos e artigos com nível de evidência III, publicados na RBCP entre 2005 e 2012.

Palavras-chave: Bibliometria; Cirurgia plástica; Cirurgia Plástica baseada em evidências; Desenho dos estudos; Revista de Cirurgia Plástica; Nível de evidência.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Bibliometric methods have been used to analyze study designs and levels of evidence of articles published in various periodicals. Such information does not exist in the field of Brazilian plastic surgery. This study aimed to evaluate the study designs and levels of evidence of articles published in the Brazilian Journal of Plastic Surgery ("Revista Brasileira de Cirurgia Plástica," RBCP), the only Brazilian journal devoted exclusively to plastic surgery.
METHOD: Study designs and levels of evidence of articles published in the RBCP between 2005 and 2012 were bibliometrically and quantitatively analyzed. The articles published in two periods (2005-2008 and 2009-2012) were compared, in order to characterize the evolution of the scientific production of the RBCP.
RESULTS: During the period analyzed, 603 scientific articles met the inclusion criteria. The overall analysis revealed a significant predominance of retrospective studies and articles with level of evidence III (p < 0.05). The comparison between the periods showed a significant increase (p < 0.05) in the proportion of case series and scientific articles with level of evidence IV (2005-2008 < 2009-2012), and a significant reduction (p < 0.05) in the proportion of articles with level of evidence V (2005-2008 > 2009-2012).
CONCLUSION: This study showed that a predominance of retrospective studies and articles with level of evidence III published in the RBCP between 2005 and 2012.

Keywords: Bibliometrics; Plastic surgery; Evidence-based plastic surgery; Study design; Brazilian Journal of Plastic Surgery; Level of evidence


INTRODUÇÃO

Na década de 1990, o termo medicina baseada em evidências (MBE) foi introduzido e definido como o uso consciente, explícito e criterioso da melhor evidência atual para a tomada de decisões acerca do cuidado individualizado ao paciente1. Desde então, a influência da BEM, no exercício da medicina, determinou que a mesma fosse considerada a quarta revolução da medicina americana2, e que o British Medical Journal (BMJ) a listasse entre os 15 maiores avanços da medicina desde 18403.

Assim, inúmeros esforços têm sido realizados para incorporar a MBE em diversas áreas da medicina, inclusive na cirurgia plástica. A American Society of Plastic Surgeons (ASPS) e o Plastic and Reconstructive Surgery (PRS) lançaram uma iniciativa para melhorar a compreensão dos conceitos da MBE e fornecer ferramentas para a sua implantação na prática da cirurgia plástica4. Para isso, desde 2007, a ASPS tem publicado guidelines práticos baseados em evidências4 e, em 2009, o editorial "Introducing evidence-based medicine to Plastic and Reconstructive Surgery"5 abordou a importância da MBE na cirurgia plástica e forneceu um convite para uma "nova iniciativa": delinear os níveis de evidência e as maneiras de incorporar estudos de alto nível na prática da cirurgia plástica. Como parte dessa ação, a ASPS propôs um sistema de classificação dos níveis de evidência (ASPS Evidence Rating Scales) para auxiliar os cirurgiões plásticos a avaliarem, criticamente, a literatura6,7. No Brasil, editoriais da Revista Brasileira de Cirurgia Plástica (RBCP)8,9 e da Revista Brasileira de Cirurgia Craniomaxilofacial10, também, alertaram a necessidade de aplicar a MBE na prática da cirurgia plástica e áreas de atuação. Nessa vertente, líderes de várias sociedades, periódicos científicos e instituições acadêmicas participaram de dois eventos ("Evidence-based plastic surgery summit"); o primeiro (2010) sinalizou um marco de mudança na abordagem da cirurgia plástica organizada para a promoção da MBE dentro da especialidade, enquanto o segundo (2012) evento culminou em um consenso com os princípios, as prioridades e as recomendações para a manutenção e a difusão da MBE na cirurgia plástica11,12. Nessa linha, em 2013, o JAMA Facial Plastic Surgery (Journal of the American Medical Association FPS; formalmente, Archives of Facial Plastic Surgery) em parceria com o comitê de MBE do American Academy of Facial Plastic and Reconstructive Surgery (AAFPRS) reportou a inclusão de uma nova seção ("facing the evidence"), que conterá um resumo da melhor evidência disponível para situações clínicas específicas13.

É importante mencionar que, para se praticar a cirurgia plástica baseada em evidências com sucesso, os cirurgiões plásticos devem dominar criticamente tanto a hierarquia das evidências (conhecida como níveis de evidência) quanto os desenhos dos estudos, além de aplicar dois princípios fundamentais: (1) a cirurgia plástica baseada em evidências requer uma hierarquia de evidência (Figura 1) para orientar a tomada de decisões, contudo, (2) a evidência isoladamente não é suficiente, pois os cirurgiões plásticos devem sempre ponderar sobre riscos, benefícios, inconvenientes e custos de quaisquer abordagens específicas, além de considerar sua experiência clínica, preferências e os valores dos pacientes (Figura 2)1,4,14-16. Em muitas situações na cirurgia plástica, o melhor nível disponível pode se caracterizar como pouco impactante, mas sua menção nesta perspectiva tende a valorizar o estudo. Somado a isso, a prática da cirurgia plástica, com auxílio dos níveis de evidência, permite que os cirurgiões plásticos coloquem os resultados de um estudo em perspectiva, ao considerarem e reconhecerem os benefícios e as limitações inerentes à concepção de desenhos de estudos específicos16,17.


Figura 1 - Pirâmide da hierarquia das evidências. Os desenhos de estudos que representam o alto nível de evidência (estudos potencialmente com menos viés) são colocados no topo e aqueles que representam baixo nível de evidência (estudos potencialmente com mais viés) são colocados na parte inferior. Ensaio clínico randomizado (ECR); Revisão sistemática (RS) com ou sem metánalise5-7,15,16.


Figura 2. Sobreposição dos componentes (melhor evidência científica disponível, preferências e valores do paciente e experiência e conhecimento clínicos) da medicina baseada em evidências (MBE). Esses três elementos devem ser usados, simultaneamente, para executar com sucesso o conceito de MBE na prática clínica1,4,5,14,15.



Como os níveis de evidência têm sido cada vez mais utilizados, para enfatizar a importância dos desenhos de estudos adequados17, diversas análises bibliométricas têm sido conduzidas para caracterizar os desenhos dos estudos e a hierarquia dos níveis de evidência dos artigos científicos, publicados em inúmeros periódicos nacionais (Acta Ortopédica Brasileira, Revista Brasileira de Ortopedia, Revista Brasileira de Medicina do Esporte, Arquivos Brasileiros de Cardiologia, Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular, entre outros)18-20 e internacionais, incluindo aqueles no campo da cirurgia plástica tais como PRS, JAMA FPS, Journal of Plastic, Reconstructive, and Aesthetic Surgery (JPRAS), Aesthetic Surgery Journal (ASJ), Aesthetic Plastic Surgery (APS), Canadian Journal of Plastic Surgery (CJPS), Annals of Plastic Surgery (AnPS) e European Journal of Plastic Surgery (EJPS)17,21-27. No entanto, tais informações ainda não foram investigadas em uma perspectiva específica da cirurgia plástica brasileira, embora a cirurgia plástica baseada em evidências tenha sido abordada previamente8-10.

Portanto, o presente estudo bibliométrico (parte III) tem o objetivo de analisar os desenhos dos estudos e os níveis de evidência dos artigos publicados na RBCP, periódico oficial da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP).


MÉTODO

Uma análise bibliométrica quantitativa28 foi realizada para avaliar os desenhos dos estudos e os níveis de evidência dos artigos científicos publicados na RBCP, entre 2005 e 2012 (volume 20, número 1 - volume 27, número 4). O período estudado foi subdividido (2005-2008 versus 2009-2012) com o intuito de caracterizar a evolução da produção científica da RBCP. Uma vez que a presente investigação não teve a intenção de julgar se o desenho do estudo descrito em cada artigo estava adequado e/ou definir a qualidade das informações incluídas em cada artigo, nenhuma análise adicional foi realizada. Informações suplementares tais como: estratégias de busca, extração dos dados, critérios de inclusão e exclusão foram detalhadas na análise bibliométrica parte I.

Desenhos dos estudos

Todos os artigos incluídos foram distribuídos de acordo com um sistema de classificação dos desenhos dos estudos (ensaio clínico randomizado [ECR], revisão sistemática, revisão simples, estudo prospectivo, estudo retrospectivo, série de casos ou relato de casos) previamente publicado29. Alguns desenhos de estudos (por exemplo, opiniões de especialistas) foram classificados como "outros estudos" para facilitar a compilação e apresentação dos dados, já que apresentam o mesmo nível de evidência6,7. Além disso, tomou-se o cuidado para definir ECR (estudo controlado randomizado com bases metodológicas e estatísticas adequadas) e revisão sistemática (análise com métodos bem estabelecidos como, por exemplo, estratégias PICO, STARLITE e PRISMA), pois são fatores relevantes na definição da hierarquia da evidência4,7,16. A classificação, do tipo de desenho epidemiológico dos artigos, foi realizada apenas pela apreciação dos elementos existentes em cada estudo. Nenhuma ferramenta de análise da qualidade dos desenhos dos estudos foi aplicada4.

Níveis de evidência

O principal pilar da MBE é o sistema hierárquico de classificação das evidências (ou simplesmente níveis de evidência)11,16. Nesses sistemas, os estudos são classificados hierarquicamente de acordo com a probabilidade de viés16. Diversos sistemas (ou escalas) de classificação dos níveis de evidência têm sido propostos desde que o Canadian Task Force on the Periodic Health Examination30 descreveu o primeiro sistema de classificação dos níveis de evidência na década de 1970. Adaptações desses sistemas têm sido adotadas por diversas sociedades médicas (por exemplo, ASPS e AAFPRS) e periódicos como PRS, JAMA FPS, ASJ, APS, CJPS e EJPS6,7,13,17,31,32. Embora existam algumas diferenças entre os sistemas, a maior parte é similar às escalas desenvolvidas pela ASPS4,7,16. Desse modo, como o GRADE Working Group33 afirmou que não existe um sistema de classificação dos níveis de evidência que possa ser considerado universal (ou padrão), adotamos as escalas desenvolvidas pela ASPS4,6,7 como ferramentas de normatização das análises dos níveis de evidência de todos os artigos incluídos, pois trata-se de um sistema de classificação adaptado e aplicado especificamente no campo da cirurgia plástica4,6,7,27. A categorização dos níveis de evidência (I, II, III, IV ou V)4,6,7 foi realizada apenas pela apreciação das informações existentes em cada artigo. Os níveis de evidência I e II foram considerados alto nível de evidência enquanto os níveis de evidência III, IV e V foram considerados baixo nível de evidência24,26,27. A média ponderada global do nível de evidência foi calculada de acordo com a seguinte fórmula: porcentagem de artigos por nível de evidência X nível de evidência/10024.

Análise estatística

Todas as informações foram compiladas no programa Excel 2013 para Windows (Office Home and Student 2013, Microsoft Corporation, USA) e submetidas à análise estatística por meio dos testes ANOVA, igualdade de duas proporções e intervalo de confiança para média, com auxílio da 16ª versão do programa Statistical Package for Social Sciences para Windows (SPSS, Chicago, IL, USA). Os valores foram considerados significativos para um intervalo de confiança de 95% (p<0,05).


RESULTADOS

Seiscentos e três artigos (83,52% do total de artigos), publicados na RBCP entre 2005 e 2012, foram incluídos neste estudo bibliométrico. Destes, 187(31,01%) foram publicados em 2005-2008 e 416 (68,99%) em 2009-2012.

Desenhos dos estudos

A análise global revelou um predomínio significativo de estudos retrospectivos (278 artigos), seguido por relato de casos (103 artigos), série de casos (76 artigos), estudos prospectivos (60 artigos), outros estudos (58 artigos) e revisões simples (28 artigos) (p<0,001 para todas as comparações) (Figura 3). A comparação entre os períodos revelou um aumento significativo (p<0,05) na proporção de séries de casos e nenhuma diferença significativa (p>0,05) nas proporções de estudos prospectivos, estudos retrospectivos, revisões simples, relato de casos e outros estudos (Tabela 1 e Figura 4).


Figura 3. Desenhos dos estudos dos artigos científicos publicados na Revista Brasileira de Cirurgia Plástica entre 2005 e 2012 (n=603). Houve significância (p<0,01) para todas as comparações (estudos retrospectivos > relatos de casos > séries de casos = estudos prospectivos = outros estudos > revisões simples), exceto para estudos prospectivos versus série de casos (p=1,0), estudos prospectivos versus outros estudos (p=0,268), e série de casos versus outros estudos [p=0,268]).




Figura 4. Desenhos dos estudos dos artigos científicos publicados na Revista Brasileira de Cirurgia Plástica, distribuídos de acordo com o ano de publicação (n=603).



Níveis de evidência

A média ponderada, do nível de evidência dos artigos publicados na RBCP entre 2005 e 2012, foi de 3,65. Nesse período, houve um predomínio significativo (p<0,001 para todas as comparações) de artigos científicos com nível de evidência III (278 artigos), seguido pelos artigos com níveis de evidência V (189 artigos), IV (76 artigos) e II (60 artigos) (Figura 5). A análise também revelou um predomínio significativo (p<0,05) de artigos com baixo nível de evidência (90,05% com níveis de evidência III, IV e V) quando confrontados com artigos com alto nível de evidência (9,95% com nível de evidência II). A comparação, entre os períodos, revelou um aumento significativo (p<0,05) na proporção de artigos científicos com nível de evidência IV e uma redução significativa (p<0,05) na proporção de artigos com nível de evidência V. As proporções de artigos com níveis de evidência II e III não apresentaram diferenças significativas (p>0,05), nas comparações entre os períodos (Tabela 1 e Figura 6).


Figura 5. Níveis de evidência dos artigos científicos publicados na Revista Brasileira de Cirurgia Plástica entre 2005 e 2012 (n=603). Houve significância (p<0,001) para todas as comparações (nível de evidência III > nível de evidência V > nível de evidência IV = nível de evidência II), exceto para nível de evidência II versus nível de evidência IV (p=0,145).


Figura 6. Níveis de evidência dos artigos científicos publicados na Revista Brasileira de Cirurgia Plástica, distribuídos de acordo com o ano de publicação (n=603).



DISCUSSÃO

Durante décadas, a consciência da existência de lacunas entre os resultados das investigações científicas e a sua aplicação na prática médica, além de suas consequências em termos de ineficácia, custos e até mesmo tomada de decisões nocivas, fez parte da medicina4. É, exatamente, nesse cenário que a MBE se insere para questionar, localizar e avaliar os dados relevantes da literatura, propiciando o aproveitamento dos resultados científicos na prática médica diária4.

Apesar da nítida necessidade da introdução da MBE na prática médica, seus conceitos suscitaram reações adversas no campo da cirurgia plástica e, inicialmente, houve muita relutância à sua adoção, tanto pelo "medo" do desconhecido quanto pela "indignação" de que os resultados cirúrgicos seriam submetidos ao escrutínio indevido e talvez hostil, ou ainda pela afirmação de que a "MBE serve apenas para não cirurgiões"11,14. Além disso, uma das razões pelas quais pode parecer difícil incorporar a MBE na cirurgia plástica é que nem sempre é possível avaliar os resultados das intervenções de uma especialidade que depende da criatividade artística1. No entanto, a MBE eleva a arte da cirurgia plástica e, além de não substituir o julgamento cirúrgico individual, complementa a experiência clínica por meio de uma aplicação eficiente e criteriosa da literatura cirúrgica6. Na verdade, a MBE pode auxiliar não somente os pacientes, mas também os próprios cirurgiões11,14 ; com o bom emprego dos princípios da MBE, é possível analisar objetivamente os resultados científicos e determinar as melhores alternativas terapêuticas, além de permitir uma avaliação constante dos resultados das intervenções e, portanto, garantir que a melhor abordagem atual seja oferecida aos pacientes34.

Tendo isso em mente, editores de periódicos científicos8,10,11,14,34 vem salientando a necessidade de incorporar e manter a prática da MBE no âmbito da cirurgia plástica. Goldenberg e Baroudi8 apresentaram alguns princípios da MBE para os leitores da RBCP e também estimularam a sua aplicação. Rohrich34 afirmou que a MBE é a chave para o futuro, para aqueles que realmente querem se tornar melhores médicos e cirurgiões plásticos, proporcionando adequado atendimento ao paciente. Rohrich et al.11 estabeleceram que a prática da MBE é um processo para toda a vida, e que todos os cirurgiões plásticos necessitam incorporar em suas rotinas diárias, pois ela pode torná-los melhores no que fazem todos os dias. Alonso10 expôs que os cirurgiões devem sempre buscar as melhores evidências para sustentar suas decisões cirúrgicas, e sugeriu que novas pesquisas devem ser desenvolvidas nesse campo. Recentemente, Rhee e Daramola14 defenderam que a MBE não é um modismo, mas uma ferramenta que deve ser adotada no presente e no futuro.

Seguindo esses pensamentos, os participantes do primeiro "Evidence-based plastic surgery summit" estabeleceram que a incorporação da MBE na cirurgia plástica é fundamental para propiciar melhorias contínuas na segurança e qualidade dos cuidados oferecidos aos pacientes, devendo ser uma prioridade das organizações, lideranças, pesquisadores, educadores, cirurgiões e público11. O evento supracitado destacou ainda que as definições padronizadas dos níveis de evidência devem ser incorporadas e aplicadas pela especialidade como um dos fatores fundamentais para a inclusão plena da MBE na cirurgia plástica11. Soma-se a isso, o fato de que, a caracterização dos níveis de evidência dos artigos publicados em periódicos científicos visa melhorar a qualidade geral do atendimento médico, dos resultados terapêuticos e da segurança dos pacientes, além de auxiliar editores, revisores, autores e leitores na avaliação crítica do perfil da evidência científica dos artigos publicados em periódicos específicos7.

Assim, como as análises dos desenhos dos estudos e dos níveis de evidência no campo da cirurgia plástica são limitadas ao âmbito internacional17,21-27, avaliamos 603 artigos científicos publicados na RBCP (único periódico brasileiro dedicado exclusivamente à cirurgia plástica) em 2005-2012. Uma vez que a grande maioria dos artigos incluídos no estudo bibliométrico completo (partes I, II e III) foi proveniente do Brasil (98,67%), as informações apresentadas nesta parte III são, em última análise, específicas da cirurgia plástica nacional (produzidas por instituições/cirurgiões plásticos brasileiros). Além disso, como a avaliação dos artigos publicados em periódicos de cirurgia plástica permite reflexões e avanços na especialidade35, ao melhor do conhecimento dos autores, esta é a primeira investigação nacional que fornece o perfil evolutivo da cirurgia plástica brasileira baseada em evidências (mais precisamente, desenhos dos estudos e níveis de evidência) e, tal como nas partes I e II, também possibilita traçar metas para o futuro.

Embora a meta seja melhorar o nível de evidência em cirurgia plástica16,21, tanto artigos com alto nível de evidência (I e II) quanto aqueles com baixo nível de evidência (III, IV e V) possuem notáveis papéis na tomada de decisões em cirurgia plástica6,7,16. Portanto, discutiremos em detalhes os resultados encontrados na presente análise, bem como os principais desenhos de estudos e os respectivos níveis de evidências, salientando aspectos importantes sobre a tomada de decisões baseadas em evidência, além de suas principais limitações. Também incluiremos uma visão geral dos principais resultados descritos nas investigações mais relevantes sobre o assunto.

Desenhos dos estudos

A presente análise bibliométrica revelou um predomínio significativo de estudos retrospectivos (46,10%) sobre os demais desenhos de estudos, diferindo das proporções encontradas em estudos bibliométricos internacionais (Tabelas 2 e 3). A comparação entre os períodos evidenciou um aumento significativo apenas na proporção de série de casos (2005-2008<2009-2012), semelhante à proporção descrita na análise26 sobre cirurgia estética do PRS, AnPS, JPRAS, APS e ASJ (43,7% em 2000, 49,4% em 2005 e 53,9% em 2009-2010). Outra investigação23que também avaliou artigos sobre cirurgia estética publicados no PRS, AnPS e ASJ evidenciou um aumento na proporção de estudos retrospectivos (4,6% em 1998-2002 e 7,8% em 2002-2007) e uma relativa manutenção na proporção de estudos prospectivos (4,3% em 1998-2002 e 4,2% em 2002-2007).






Nesta investigação, não encontramos nenhum ECR ou revisão sistemática, com ou sem metánalise. Estudos bibliométricos nacionais18-20 e internacionais (Tabela 3) têm revelado que a proporção desses desenhos de estudos é variável de acordo com os periódicos e períodos de tempo avaliados. Por exemplo, análises19,20 nacionais (Acta Ortopédica Brasileira, Revista Brasileira de Medicina do Esporte, entre outros) demonstraram que 0%-1,38% e 1,38%-9,75% dos artigos publicados eram revisões sistemáticas e ensaios clínicos, respectivamente. Ademais, análises bibliométricas23,25 que incluíram diferentes desenhos de estudos demonstraram um crescimento na proporção de ECR (PRS, AnPS e ASJ: 1,2% em 1998-2002 e 4,8% em 2002-200723; JAMA FPS, PRS, Laryngoscope, Otolaryngology-Head, and Neck Surgery: 0,8% em 1999 e 1,2% em 2008)25, mas sem significância (p=0,982)25. Enquanto uma análise36 exclusivamente dedicada aos ECR publicados no PRS, AnPS e JPRAS revelou um aumento significativo nas últimas décadas (1966-2003<2004-2008).

Níveis de evidências

Este estudo bibliométrico demonstrou que a média ponderada, do nível de evidência (3,65), dos artigos publicados na RBCP em 2005-2012 foi superior à reportada para o PRS (3,05), ASJ (3,11), AnPS (3,31) e JPRAS (3,35) em 200724,e inferior à média obtida na avaliação do PRS em 1983 e 2003 (4,42 e 4,16, respectivamente)21. Esta média (3,65) também foi superior à reportada para ortopedia (2,9), oftalmologia (3,1)24, e semelhante à descrita na otorrinolaringologia (3,6). Embora as médias ponderadas tenham sido diferentes entre os periódicos21,24, nosso resultado geral (3,65) foi muito próximo do nível de evidência III, assim como relatado em análise24 internacional dos campos da cirurgia plástica, otorrinolaringologia e oftalmologia.

Ao avaliarmos a proporção dos níveis de evidência, encontramos que a grande maioria (90,05%), dos artigos incluídos, apresentava baixo nível de evidência (níveis de evidência III, IV e V) e que apenas 9,95% tinham alto nível de evidência (nível de evidência II). Outras investigações17,21,24,26,27 de periódicos da cirurgia plástica (PRS, ASJ, AnPS,APS, JPRAS e CJPS) demonstraram padrão semelhante, mas com porcentagens distintas (5,9%-32,5% e 67,5%-94,1%,dos artigos analisados, tinham alto ou baixo níveis de evidência, respectivamente), dependendo do ano e do sistema de classificação adotados17,21,24,26,27.

Entre 2005 e 2012, nenhum artigo da RBCP foi classificado com nível de evidência I, semelhante ao encontrado nas análises21,24-26 de periódicos da cirurgia plástica em anos isolados (ASJ em 2007, PRS em 1983 e 2000 e PRS, JAMA FPS, Laryngoscope e Otolaryngology-Head, and Neck Surgery em 2002). A proporção de artigos com nível de evidência I, na cirurgia plástica internacional (Tabela 4), é inferior à reportada em especialidades como ortopedia (21%), oftalmologia (18%) e otorrinolaringologia (7%)24.




Estudos21,25,26 que caracterizaram os cinco níveis de evidência, dos artigos publicados em periódicos da cirurgia plástica, demonstraram uma tendência de aumento na proporção de nível de evidência I no PRS em 1983 (0%), 1993 (0,4%) e 2003 (1,5%)21, no PRS, AnPS, JPRAS, APS e ASJ em 2000 (0%) e 2009/2010 (2,6%)26 e no PRS, JAMA FPS, Laryngoscope e Otolaryngology-Head, and Neck Surgery em 1999 (0,8%), 2002 (0%), 2005 (0,4%) e 2008 (1,2%)25, porém sem significância (p=0,28 e p=0,982)25,26. Investigação37 que avaliou apenas artigos com nível de evidência I, publicados no PRS, AnPS, APS, BJPS/JPRAS, encontrou um aumento constante nas últimas décadas (1978-2009); entretanto, sem comprovação com testes estatísticos37.

No presente estudo, a proporção de artigos com nível de evidência II (9,95%) foi inferior à apresentada em algumas investigações nos campos da cirurgia plástica (12,8%-31%; Tabela 4) e da ortopedia (15%), e superior à descrita em análises do CJPS (5,81%)17 e de outras áreas, como oftalmologia (8%) e otorrinolaringologia (7%)24. A proporção especificamente no âmbito da cirurgia estética é variável (4,2%-13,7%).23,26 Além disso, estudos21,26 que avaliaram artigos de periódicos da cirurgia plástica em mais de um período revelaram proporções de nível de evidência II variáveis (PRS: 3,4% em 1983, 5,0% em 1993 e 4,4% em 2003; PRS, AnPS, JPRAS, APS e ASJ: 15,9% em 2000, 12,4% em 2005 e 13,5% em 2009/2010), similares à análise comparativa entre os períodos de nossa investigação, que demonstrou ausência de diferença significativa na proporção de artigos com nível de evidência II (2005-2008=2009-2012).

Nossa análise evidenciou um predomínio de artigos com nível de evidência III (46,10%), semelhante ao reportado na cirurgia plástica geral (31%-41%; Tabela 4) e superior ao caracterizado, especificamente, na avaliação do CJPS entre 2007 e 2011 (1,74%)17, na cirurgia estética (6,3%-10,8%)23,26 e em áreas como otorrinolaringologia (6%), ortopedia (16%) e oftalmologia (16%)24. Neste estudo, não evidenciamos nenhuma diferença na proporção de artigos com nível de evidência III, na comparação entre os períodos (2005-2008=2009-2012). Outras investigações21,23,26 têm demonstrado uma tendência de aumento na proporção de artigos com nível de evidência III (PRS: 4,3% em 1983 e 7,2% em 2003; PRS, AnPS e ASJ: 4,6% em 1998-2002 e 7,8% em 2003-2007; PRS, AnPS, JPRAS, APS e ASJ: 10,3% em 2000 e 12,2% em 2009/2010); contudo, nenhuma análise estatística foi realizada para confirmar esses achados21,23,26.

Outro aspecto, que este estudo demonstrou, foi que uma parcela considerável dos artigos (43,94%), publicados na RBCP em 2005-2012, estava no limiar inferior da hierarquia dos níveis de evidência (níveis de evidência IV e V). Essa proporção é superior à descrita em uma análise27 dos artigos publicados no PRS, APS, JPRAS e AnPS entre 2008 e 2012 (30,5%), e inferior à reportada em outras análises no campo da cirurgia plástica (Tabela 4). Em outras especialidades, essa proporção também é variável (otorrinolaringologia: 80%, oftalmologia: 58% e ortopedia: 48%)24. Na comparação entre os períodos, demonstramos um aumento significativo na proporção de artigos com nível de evidência IV e uma redução igualmente significativa de artigos com nível de evidência V. Outros dois estudos21,26, também, revelaram essa tendência, mas sem confirmação estatística21,26.

Nesse contexto, alguns pensamentos sobre as discrepâncias existentes entre as proporções dos níveis de evidências encontrados na cirurgia plástica e outras especialidades merecem menção. A diversidade de diagnósticos e procedimentos encontrados na prática diária dos cirurgiões plásticos, bem como a frequente necessidade de adaptar ou individualizar o tratamento proposto para pacientes com situações clínicas particulares, pode levar à consequente publicação de séries de casos ou relato de casos (níveis de evidência IV e V), justificando a discrepância24. Além disso, a ausência de cirurgiões plásticos com dedicação exclusiva à pesquisa faz que com os cirurgiões concentrem seus esforços na elaboração de estudos retrospectivos ou revisões de prontuários (níveis de evidência III e IV), pois não necessitam de financiamento ou de alocação de tempo significativo e, consequentemente, o nível de evidência na literatura acaba sendo distorcido24.

Portanto, a mentalidade deve ser alterada: idéias devem preceder a coleta de dados nos estudos e a sequência correta de submissão aos comitês de ética em pesquisa, execução prospectiva da coleta de dados, análise e publicação deve preponderar.

Cirurgia plástica baseada em evidências: além dos desenhos dos estudos e níveis de evidência

Ao se depararem com um paciente portador de uma deformidade específica, os cirurgiões plásticos devem procurar respostas baseadas na melhor evidência disponível15. Todavia, culturalmente, a cirurgia plástica vem sendo baseada em opiniões de especialistas (nível de evidência V), principalmente porque o bom senso e a experiência técnica dos cirurgiões plásticos seniores são fundamentais para o sucesso nas intervenções estéticas6,34. Embora isso seja uma verdade atual, e que continuará sendo uma verdade no futuro, é importante que a cirurgia plástica evolua para uma cultura fundamentada na crítica aplicação dos princípios da MBE6. Nesse sentido, de acordo com os resultados da presente análise bibliométrica e de outros estudos (Tabelas 2-4), a cirurgia plástica tem sido vagarosa no que tange ao aumento da proporção de artigos com alto nível de evidência (ECR e revisões sistemáticas destes estudos), quando comparada a áreas como ortopedia e oftalmologia24. Entretanto, como salientado no início da discussão, especificamente no campo da cirurgia plástica, todos os artigos bem escritos têm um importante papel na tomada de decisões, independente dos desenhos dos estudos e dos respectivos níveis de evidências6,7,16.

Dessa maneira, ao mesmo tempo em que os cirurgiões plásticos devem conhecer, entender e discutir os dados bibliométricos deste estudo e também aqueles oriundos de investigações internacionais (Tabelas 2-4), eles devem ser cautelosos ao embarcar nesta "nova jornada" (cirurgia plástica baseada em evidências)4. Na verdade, os cirurgiões plásticos devem dominar as limitações e os vieses da MBE4, tanto para avaliar criteriosamente a literatura disponível, e a hierarquia dos níveis de evidência antes de tomarem quaisquer decisões, quanto para melhorar o rigor metodológico dos estudos em desenvolvimento e produzir artigos científicos de boa qualidade6,13,14,16.

Nesse âmbito, os ECR bem conduzidos e reportados ocupam um lugar de destaque na hierarquia dos níveis de evidências (nível de evidência I)5,36,37, sendo interessante notar que, uma recente investigação36 revelou que a maioria (82%) dos ECR publicados em periódicos de cirurgia plástica internacionais tem sido conduzida por pesquisadores norte-americanos ou europeus, existindo um número limitado de ECR publicado por autores oriundos de países da América do Sul (10%), incluindo o Brasil. Desse modo, existe uma necessidade de aumentar a proporção de artigos com nível de evidência I (ECR e, consequentemente, revisões sistemáticas com ou sem metánalises desses estudos) em cirurgia plástica, especialmente no Brasil, conforme reforçado pelos dados descritos no presente estudo.

Os cirurgiões plásticos brasileiros devem assumir o compromisso (ou uma postura) semelhante ao reportado por outros5,22,36 : "como cirurgiões plásticos, podemos assumir um papel de liderança com o intuito de aumentar a produção de evidências imparciais sobre a eficácia de nossas intervenções cirúrgicas"; "devemos estimular a cirurgia plástica a produzir publicações de alto nível de evidência, promovendo, assim, os cirurgiões plásticos como os principais cientistas nas disciplinas cirúrgicas".

Entretanto, é importante ressaltar que existem limitações (por exemplo, curva de aprendizagem, dificuldades de padronização da técnica cirúrgica, diferenças técnicas entre cirurgiões, randomização, "cegamento" dos cirurgiões e pacientes e perda de seguimento pós-operatório) para a realização de ECR em cirurgia plástica16,21,36. Além disso, os resultados desses estudos não podem ser generalizados para toda a população, pois, muitas vezes, são conduzidos em ambientes acadêmicos altamente especializados sob critérios de inclusão e exclusão extremamente rigorosos5. Alguns estudos36,37 têm revelado limitações metodológicas (falta de cálculo do tamanho da amostra, da análise de intenção de tratar, de randomização, de ocultação da alocação, entre outros) na idealização, condução e publicação de ECR. Assim, os cirurgiões plásticos devem tentar embasar a prática em estudos observacionais (por exemplo, estudos de caso-controle e estudos de coorte prospectivos ou retrospectivos) com níveis de evidência II e III, bem como a realização desses estudos, sempre que um ECR não puder ser concretizado (apenas 40% das questões de tratamento envolvendo procedimentos cirúrgicos podem ser submetidos a ECR5) e/ou não existe ECR para determinada questão específica1,16.

Embora os resultados originários desses estudos observacionais sejam, muitas vezes, criticados por sua vulnerabilidade à influência de fatores de confusão imprevisíveis38, seu nível de evidência quando projetado, conduzido e reportado adequadamente pode se aproximar ou superar o de um ECR e, em algumas situações, podem apresentar resultados semelhantes14,16,38. Por essas razões, os estudos observacionais vêm sendo cada vez mais populares na investigação da relação entre exposições (por exemplo, fatores de riscos ou intervenções cirúrgicas) e resultados (por exemplo, complicações)38. Outro aspecto relevante é que com o aumento de estudos observacionais, as revisões sistemáticas desses estudos, também irão aumentar, melhorando assim os níveis de evidências globais em cirurgia plástica16. Além disso, estudos observacionais podem gerar hipóteses, estabelecendo, portanto, questões para a realização de ECR15,38.

Uma interessante análise19 dos periódicos PRS, AnPS, BJPS e Scandinavian Journal of Plastic and Reconstructive Surgery and Hand Surgery revelou que, todos os 50 artigos mais citados em cirurgia plástica apresentam níveis de evidência IV ou V, demonstrando que os cirurgiões plásticos tendem a citar com mais frequência as séries de casos, os relatos de casos, as opiniões de especialistas, entre outros estudos com níveis de evidência IV e V19. Nessa perspectiva, deve-se ressaltar que as séries de casos, os relatos de casos e as opiniões de especialistas também têm seu papel na cirurgia plástica baseada em evidências, predominante no contexto da cirurgia estética23,26. Esses desenhos de estudos têm sido valiosos para a prática dos cirurgiões plásticos, pois podem abordar alguns refinamentos técnicos7, além de permitirem a formulação de hipóteses que podem suportar o desenvolvimento de estudos controlados7,15,16.

Estudos retrospectivos (nível de evidência III) têm sido considerados os mais apropriados para avaliar doenças raramente reportadas, pois aumentam a chance de encontrar os pacientes portadores dessas doenças ao invés de aguardar que os doentes apareçam em um estudo prospectivo (nível de evidência II). Logo, os cirurgiões plásticos podem analisar, retrospectivamente, períodos de tempo mais extensos,como também associar inúmeras instituições com o intuito de agrupar um maior número de casos incomuns e, consequentemente, relatos de casos isolados (nível de evidência V) podem ser transformados em série de casos ou estudo retrospectivo (níveis de evidência IV e V), aumentando assim o nível global da evidência em cirurgia plástica.

Apesar de as opiniões dos especialistas (nível de evidência V) parecerem obsoletas, no campo da MBE, elas podem ser muito úteis quando nenhuma outra evidência está disponível4. No entanto, para que as opiniões dos especialistas possam ser utilizadas na tomada de decisões terapêuticas, deve-se considerar como as mesmas foram desenvolvidas (método imparcial para avaliar os fatos) e não o quanto os especialistas são persuasivos4.

Embora o presente estudo seja estritamente uma análise bibliométrica quantitativa, outro ponto que deve ser discutido refere-se à distinção entre o nível de evidência e qualidade dos desenhos dos estudos e das publicações em si13,24. A tomada de decisões não pode ser baseada apenas no nível de evidência, pois a hierarquia desses níveis não aborda a validade externa (generalização), e a aplicabilidade geral dos resultados de um determinado estudo13. Visto que essa hierarquia não é absoluta, pois os artigos com alto nível de evidência não equivalem necessariamente a estudos de alta qualidade6,13,24. Por exemplo, um ECR de baixa qualidade (nível de evidência II) pode ser mais propenso a conter equívocos (ou nos "enganar") que um estudo de coorte bem idealizado (nível de evidência III)6 ou uma série de casos (nível de evidência IV) de uma determinada intervenção, que pode ter mais impacto do que um ECR mal elaborado (nível de evidência II)24.

Além disso, limitações na apresentação das informações mesmo em estudos bem conduzidos têm um impacto negativo na qualidade global do artigo4,16,38. Assim, os cirurgiões plásticos não podem assumir que o nível de evidência I é sempre a melhor escolha ou a mais apropriada para uma questão específica24. Tanto para a análise crítica dos estudos publicados quanto para a realização de novos estudos, os cirurgiões plásticos devem estar atentos a diversos aspectos metodológicos38, devendo adotar, sempre que possível ferramentas (por exemplo, QUOROM, STROBE, CONSORT, entre outras) para delinear as peculiaridades fundamentais de um determinado desenho de estudo, melhorando a transparência e apresentação das informações4,17,24,38.

Os resultados, bem como as discussões, apresentados nesta parte III suscitam a necessidade de iniciativas educacionais para motivar a cirurgia plástica baseada em evidências entre os cirurgiões plásticos brasileiros. Assim, a RBCP e a SBCP podem focar seus esforços na introdução e manutenção dos conceitos da cirurgia plástica baseada em evidências para os membros da SBCP, autores e leitores da RBCP, semelhante a outros periódicos e sociedades de cirurgia plástica (por exemplo, PRS/ASPS, JAMA FPS/AAFPRS, entre outros)5,7,13. Para isso, regras rígidas, como a que obriga parte dos membros da SBCP a publicar artigos científicos na RBCP, podem ser acompanhadas por iniciativas que melhorem o entendimento e a aplicabilidade dos princípios da MBE entre os cirurgiões plásticos brasileiros, para que o aumento no número de artigos seja acompanhado pelo aprimoramento da qualidade das submissões, por conseguinte melhora do nível de evidência global da RBCP.

Dentre a lista de possíveis iniciativas educacionais, destacam-se:

  • Atribuir níveis de evidências para todos os artigos publicados na RBCP, assim como adotado em diversos periódicos6,7,13,17,31,32;
  • Incluir uma seção especial (ou publicar artigos regularmente) dedicada à MBE para educar os autores e leitores sobre a avaliação crítica da literatura cirúrgica e também para disseminar dicas (por exemplo, princípios metodológicos e estatísticos) sobre a prática da cirurgia plástica baseada em evidências;
  • Solicitar discussões críticas e imparciais de especialistas com domínio da BEM, para definir se as intervenções/tecnologias propostas em artigos selecionados podem ser aplicadas no cuidado dos pacientes;
  • Oferecer cursos sobre cirurgia plástica baseada em evidências5,7,26.


  • Medidas semelhantes foram adotadas por periódicos no campo da ortopedia e urologia (por exemplo, The Journal of Bone and Joint Surgery e British Journal of Urology International) e, em poucos anos, a proporção de artigos com alto nível de evidência quase que dobrou26. Assim sendo, acreditamos que a RBCP e a SBCP devem seguir esses exemplos, cientes de que efetivar a MBE na cirurgia plástica levará um tempo11, e que isso será atingido, somente, com treinamento e educação7.

    O presente estudo bibliométrico possui algumas limitações que merecem ser abordadas. Uma importante limitação é que os estudos realizados por cirurgiões plásticos brasileiros publicados em outros periódicos não foram considerados e, portanto, a real proporção dos desenhos de estudos e níveis de evidências publicados por cirurgiões plásticos brasileiros, provavelmente, é distinta da apresentada por nós. Contudo, à medida que restringimos o estudo para os artigos publicados na RBCP, que são em sua maioria publicados por cirurgiões plásticos brasileiros, os nossos resultados permitem conclusões especificas para o âmbito nacional, mas não podem ser generalizados para outros periódicos. Além disso, os artigos publicados por cirurgiões plásticos brasileiros em periódicos internacionais fazem parte de outras investigações36 e, portanto, fogem do escopo da análise bibliométrica da RBCP.

    Embora outros autores19,20 tenham adotado definições distintas, por exemplo, para ensaio clínico (apenas ensaio clínico, ensaio clínico quase randomizado ou ECR), nós classificamos todos os artigos incluídos de acordo com as definições estabelecidas nas escalas escolhidas como ferramentas de normatização4,6,7,27,29. Entretanto, é importante ressaltar que como existem diferenças nas definições dos desenhos dos estudos, na hierarquia dos níveis de evidência e ausência de confirmação dos achados com análises estatísticas nos estudos semelhantes ao nosso17,21-27, as comparações entre os estudos também possuem limitações.

    À semelhança de outras investigações17,21,23,24,26, não realizamos nenhuma análise qualitativa dos artigos incluídos e, sendo assim, quaisquer extrapolações discutidas neste estudo (por exemplo, estudos com níveis de evidência III podem ser equiparados com aqueles com nível de evidência II16,38) devem ser analisadas caso a caso. Outra limitação é que, avaliamos apenas os desenhos dos estudos e os níveis de evidências, e inúmeros outros aspectos são relevantes (por exemplo, validade, impacto e aplicabilidade dos estudos) para a prática da cirurgia plástica baseada em evidências4. Portanto, pesquisas futuras devem ser realizadas, para averiguar os nossos achados e também para abordar todas essas limitações, com finalidade de aumentar o entendimento e a difusão da cirurgia plástica brasileira baseada em evidências.


    CONCLUSÃO

    Este estudo bibliométrico (parte IIII) revelou que a média global de evidência dos artigos científicos publicados na RBCP entre 2005 e 2012 foi de 3,65 (nível de evidência III), existindo um predomínio significativo de estudos retrospectivos, um aumento significativo nas proporções de séries de casos (nível de evidência IV) e uma redução igualmente significativa na proporção de artigos com nível de evidência V.


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    1. MD - Membro Aspirante em Treinamento da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), Médico Residente em Cirurgia Plástica do Serviço de Cirurgia Plástica "Prof. Dr. Cassio M. Raposo do Amaral" do Instituto de Cirurgia Plástica Craniofacial do Hospital SOBRAPAR, Campinas, SP, Brasil
    2. MD, PhD - Membro Titular da SBCP LIvre-docente pela FMUSP Coeditor da RBCP
    3. MD, PhD - Membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) e da Associação Brasileira de Cirurgia Crânio-maxilo-facial (ABCCMF), Doutorado pelo Programa de Clínica Cirúrgica da Universidade de São Paulo (USP), Vice-presidente do Instituto de Cirurgia Plástica Craniofacial do Hospital SOBRAPAR, Campinas, SP, Brasil

    Instituição: Trabalho realizado no Instituto de Cirurgia Plástica Craniofacial do Hospital SOBRAPAR, Campinas, SP, Brasil

    Autor correspondente:
    Rafael Denadai
    Hospital de Crânio e Face SOBRAPAR
    Av. Adolpho Lutz, 100 - Cidade Universitária
    Campinas, SP, Brasil - CEP 13083-880; Caixa-postal 6028
    E-mail: denadai.rafael@hotmail.com

    Artigo submetido em: 17/08/2013
    Artigo aceito: 14/07/2014

     

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