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Case Report - Year2013 - Volume28 - Issue 3

RESUMO

Os lipomas são os tumores mesenquimais mais frequentes e podem ocorrer em diversas partes do corpo. Entretanto, lipomas gigantes são raros, por vezes de difícil diagnóstico, em decorrência de sua localização, e com consequências clínicas. Neste artigo é apresentado um caso de lipoma gigante em região poplítea esquerda, tratado cirurgicamente após detalhado estudo radiológico. São discutidos o diagnóstico pré-operatório e suas dificuldades, muitas vezes causadas pela localização profunda e pela impossibilidade de diagnóstico conclusivo pela imagem. O tratamento foi concluído com sucesso, sendo descritos a abordagem cirúrgica passo a passo e o resultado final.

Palavras-chave: Lipoma. Neoplasias lipomatosas. Neoplasias de tecidos moles.

ABSTRACT

Lipomas are the most common mesenchymal tumors, which may develop in different parts of the body. However, giant lipomas are rare and sometimes difficult to diagnose owing to their location and the presenting clinical consequences. In this report, we present the case of a patient with a giant lipoma in the left popliteal region that was surgically treated after a detailed radiological assessment. Further, we discuss the preoperative diagnosis and its difficulties, often caused by the deep localization of the tumor and the impossibility of obtaining a conclusive radiological diagnosis. Moreover, we describe the successful treatment, along with the step-by-step surgical approach and the final outcome achieved.

Keywords: Lipoma. Neoplasms, adipose tissue. Soft tissue neoplasms.


INTRODUÇÃO

Os lipomas são os tumores de origem mesenquimal mais comumente encontrados, representando 10% desses tumores1. Podem se manifestar em qualquer órgão do corpo humano que contenha tecido adiposo, desde as vísceras até o cérebro. Histologicamente, são compostos de células adiposas maduras e sua etiologia é desconhecida. Após a excisão cirúrgica completa não há recorrência. Sua apresentação clínica mais comum é o aparecimento de tumorações no tecido subcutâneo, que, na maioria das vezes, são indolores, e só incomodam quando se tornam grandes o suficiente para causar transtornos de ordem estética ou funcional.

Neste trabalho são enfocados os lipomas gigantes, que tradicionalmente são definidos como aqueles > 10 cm e/ou com peso > 1.000 g2. O diagnóstico usualmente é clínico, por meio de tumorações facilmente visíveis e palpáveis no tecido subcutâneo. Todavia, quando são profundos às fáscias musculares, essas massas podem se manter imperceptíveis por um tempo maior, em decorrência da força tênsil das fáscias e aponeuroses. Esses lipomas, às vezes, se manifestam por alterações funcionais do órgão acometido, por exercerem efeito de massa e comprimirem estruturas nobres, como vasos e nervos3. O diagnóstico nesses casos se faz por exames de imagem e a confirmação é obtida com o exame histopatológico4,5. A história natural do aparecimento, a evolução e a incidência de recidivas ainda são desconhecidas.

Neste artigo é apresentado um caso de lipoma gigante em membro inferior, com presença de repercussões funcionais, tratado cirurgicamente, após criteriosa investigação radiológica.


RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, com 70 anos de idade, aposentado, procedente de Brasília, apresentando, à época da cirurgia, as seguintes queixas: sensação de peso e dor, desconforto e aumento do volume do membro inferior esquerdo, dificuldade para fletir a perna esquerda, dificuldade na marcha e varizes na perna e região poplítea esquerda (Figura 1).


Figura 1 - Aspecto pré-operatório do lipoma localizado nos músculos posteriores da coxa esquerda.



O paciente havia sido submetido a cirurgia para tratamento de varizes de membros inferiores bilateralmente há 2 anos, havendo recidiva em perna esquerda, com realização de novo procedimento.

Encaminhado ao nosso serviço, o paciente submeteu-se a tomografia computadorizada e flebografia bilateral de membros inferiores.

A tomografia computadorizada revelou massa com septações e limites bem definidos, posicionada entre os músculos posteriores da coxa, comprimindo os vasos poplíteos (Figura 2). A suspeição foi de lipoma gigante. A venografia (Figura 3) e a ressonância demonstraram interrupção do fluxo das veias poplíteas à esquerda, e desenvolvimento de rede colateral, confirmando a compressão dos vasos poplíteos pelo tumor.


Figura 2 - Em A, ressonância nuclear magnética revelando lesão lipomatosa em músculos posteriores da coxa esquerda. Em B, tomografia computadorizada revelando lesão lipomatosa.


Figura 3 - Venografia demonstrando interrupção do fluxo das veias poplíteas à esquerda e desenvolvimento de rede colateral, confirmando a compressão dos vasos poplíteos.



Embora ainda sem o diagnóstico definitivo da lesão, considerando-se as características radiológicas, como limites bem definidos da massa e ausência de características invasivas, somadas ao longo período de evolução, que também sugeria a natureza benigna do tumor, optou-se pelo tratamento cirúrgico, que poderia resultar na exérese total do tumor ou em sua ressecção parcial, seguida de estudo anatomopatológico.

Foi programada incisão de cerca de 9 cm, considerando-se a possibilidade de sua ampliação, caso fosse necessário. Após incisão da pele e do tecido subcutâneo, foi realizada incisão no plano aponeurótico, revelando a extremidade distal dos músculos posteriores da coxa, que foram afastados. A ectoscopia da superfície exposta do tumor foi sugestiva de lipoma, assim como sua palpação. Observou-se um plano de clivagem bem definido, que foi mais bem liberado após injeção sob pressão de soro fisiológico, tática utilizada para a dissecção romba nas áreas fora do campo visual.

Não houve necessidade de ampliação da incisão para retirada do tumor de 20 x 10 x 8 cm3 (peso de 2.400 g), com características lipomatosas (Figura 4). Procedeu-se ao fechamento por planos, com atenção voltada para a prevenção de hematomas e seromas no pós-operatório. Realizada drenagem a vácuo por 24 horas e adotadas medidas posturais para prevenção de tromboembolismo venoso profundo e tromboembolia pulmonar. Heparina de baixo peso foi administrada durante a internação de dois dias.


Figura 4 - Aspecto transoperatório. Em A, marcação pré-operatória. Em B, exposição do tumor. Em C, aproximação das bordas da incisão, após exérese do tumor. Em D, tumor excisado.



A evolução pós-operatória foi favorável, com plena recuperação funcional e remissão de todos os sinais e sintomas (Figura 5). O laudo histopatológico confirmou o diagnóstico de lipoma.


Figura 5 - Aspecto pós-operatório. Em A, vista anterior. Em B, vista posterior.



DISCUSSÃO

O termo lipoma designa tumoração originada do tecido adiposo de qualquer órgão que o tenha em sua constituição. Haja vista que o tecido adiposo é de disposição ubíqua no corpo humano, pois se faz presente desde a medula óssea até o encéfalo, pode-se encontrar lipomas nas mais variadas localizações4,6. O mais comum é que sejam tumores amolecidos, pequenos, solitários e facilmente ressecáveis, já que contam com uma cápsula bem definida. Quando estão localizados no tecido subcutâneo e são pequenos, sua exérese é feita sem nenhuma dificuldade, na maioria das vezes sob anestesia local. Os lipomas são mais comuns no sexo feminino e em pessoas jovens. Surgem das células mesenquimais e como tal podem se diferenciar em fibrolipomas, lipoxantomas, etc. Comumente são assintomáticos e os pacientes os retiram usualmente por razões estéticas.

Existem algumas síndromes lipomatosas que causam graves deformações, por vezes incapacitantes, sendo mais raras ainda que os lipomas gigantes. O exemplo mais conhecido é a síndrome de Madelung, descrita, em 1888, por Otto Madelung, como uma condição clínica de etiologia desconhecida, em que há deposição simétrica de tecido adiposo em pescoço, regiões retroauriculares e supraclaviculares e região posterior do pescoço. Outra entidade clínica que também cursa com lipomas é a adipose dolorosa ou síndrome de Dercum, caracterizada por múltiplos lipomas subcutâneos, que provocam dores especialmente de manifestação articular em mulheres obesas pós-menopáusicas.

Os lipomas gigantes são de localização profunda e podem ser achados intramusculares (lipomas infiltrativos) e intermusculares7. São incomuns e representam menos de 5% de todos os lipomas8,9. Sua apresentação mais comum é em região cervical, tórax e membros inferiores (região inguinal e coxa). A transformação maligna é rara, todavia esses tumores devem sempre ser estudados por exame histopatológico e diferenciados dos lipossarcomas, dos histiocitomas fibrosos ou de outros tumores de partes moles que também se apresentam clinicamente como grandes massas. Quando há crescimento muito rápido, recidivas precoces ou ulceração da pele, deve ser grande a suspeição de malignidade5,7. Os lipomas gigantes se apresentam mais comumente entre a sexta e a sétima décadas de vida e acometem predominantemente o sexo masculino, diferentemente dos lipomas comuns10. Os exames de imagem, além do auxílio no diagnóstico, elucidam o comprometimento das estruturas adjacentes e ajudam a delinear o plano operatório, auxiliando na escolha da melhor via de acesso. Os exames dinâmicos, como a ecocardiografia Doppler, e outros, como a venorressonância, podem auxiliar na avaliação do comprometimento do sistema vascular. Entretanto, apenas o exame anatomopatológico fornece o diagnóstico definitivo2,5,8,9.

Os sarcomas de partes moles (lipossarcomas, rabdomiossarcomas, leiomiossarcomas) geralmente são insidiosos e assintomáticos em sua fase inicial. Apresentam metástases precoces e se mostram com irregularidades no contorno aos exames de imagem. A transformação neoplásica dos lipomas gigantes é rara, porém ocorre e está acompanhada de recidivas precoces, ulcerações na pele e plano de clivagem ruim durante a cirurgia.

O caso descrito é de um lipoma gigante intermuscular, que, em decorrência de sua localização entre a forte fáscia dos músculos flexores da coxa, posteriormente, e o fêmur, anteriormente, causava compressão dos vasos poplíteos, com consequente estase venosa à montante do tumor. Tal fato fez com que o paciente passasse por dois procedimentos cirúrgicos inadequados em virtude de não se ter firmado o diagnóstico correto.

Os lipomas gigantes, apesar de pouco frequentes, são de grande importância como entidade clínica, pois acometem qualquer órgão e podem não ser percebidos em suas fases iniciais, só sendo revelados pelo comprometimento da função ou da forma, já em fase avançada, quando são profundos. Observamos a importância de se aventar a hipótese, evitando-se diagnósticos e terapêuticas equivocados.


REFERÊNCIAS

1. Terzioglu A, Tuncali D, Yuksel A, Bingul F, Aslan G. Giant lipomas: a series of 12 consecutive cases and a giant liposarcoma of the thigh. Dermatol Surg. 2004;30(3):463-7.

2. Sanchez MR, Golomb FM, Moy JA, Potozkin JR. Giant lipoma: case report and review of the literature. J Am Acad Dermatol. 1993;28(2 Pt 1):266-8.

3. Botwin KP, Shah CP, Zak PJ. Sciatic neuropathy secondary to infiltrating intermuscular lipoma of the thigh. Am J Phys Med Rehabil. 2001;80(10):754-8.

4. Davis C Jr, Gruhn JG. Giant lipoma of the thigh. Arch Surg. 1967;95(1):151-6.

5. Hakim E, Kolander Y, Meller Y, Moses M, Sagi A. Gigantic lipomas. Plast Reconstr Surg. 1994;94(2):369-71.

6. Bloom RA, Gomori JM, Fields SI, Katz E. Abdominal wall lipoma: CT and MRl appearance. Comput Med Imaging Graph. 1991;15(1):37-9.

7. Kindblom LG, Angervall L, Stener B, Wickbom I. Intermuscular and intramuscular lipomas and hibernomas. A clinical, roentgenologic, histologic, and prognostic study of 46 cases. Cancer. 1974;33(3):754-62.

8. Fletcher CD, Martin-Bates E. Intramuscular and intermuscular lipoma: neglected diagnoses. Histopathology. 1988;12(3):275-87.

9. Behrend EM. Intermuscular lipomas. Am J Surg. 1929;7:857-60.

10. Nishida J, Morita T, Ogose A, Okada K, Kakizaki H, Tajino T, et al. Imaging characteristics of deep-seated lipomatous tumors: intramuscular lipoma, intermuscular lipoma, and lipoma-like liposarcoma. J Orthop Sci. 2007;12(6):533-41.










1. Cirurgião plástico, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), regente do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Daher, Brasília, DF, Brasil
2. Cirurgião plástico, membro titular da SBCP, membro do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Daher, Brasília, DF, Brasil
3. Residente do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Daher, membro aspirante da SBCP, Brasília, DF, Brasil

Correspondência para:
José Carlos Daher
Hospital Daher Lago Sul - Departamento de Cirurgia Plástica
SHIS QI 7 - conj. F - Lago Sul
Brasília, DF, Brasil - CEP 71615-205
E-mail: daher@hospitaldaher.com.br

Artigo submetido pelo SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBCP.
Artigo recebido: 19/8/2010
Artigo aceito: 31/12/2010

Trabalho realizado no Centro de Estudos do Hospital Daher, Brasília, DF, Brasil.

 

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