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Case Report - Year2013 - Volume28 - Issue 3

RESUMO

A meningomielocele é um defeito da medula espinhal, da coluna vertebral e da pele sobre essa área, resultando em defeito no fechamento da porção posterior do tubo neural durante a quarta semana de gestação. Sua etiologia é multifatorial e ainda não está esclarecida. O objetivo deste trabalho é demonstrar mais uma opção de retalho de pele para tratamento desse defeito. O fechamento com retalho resultando em cicatriz em formato de tridente apresentou-se como alternativa viável, de fácil execução, com tempo cirúrgico reduzido e mínima perda sanguínea, não requerendo enxertos cutâneos para cobertura da área doadora dos retalhos.

Palavras-chave: Meningomielocele. Defeitos do tubo neural. Retalhos cirúrgicos.

ABSTRACT

Myelomeningocele is a defect of the spinal cord, spinal column, and skin covering these areas that results in the defective closure of the posterior portion of the neural tube during the fourth week of gestation. Its etiology is multifactorial and has yet to be clarified. The objective of this study was to demonstrate an additional skin flap alternative for the treatment of this defect. Closure with a flap that creates a trident-shaped scar has been shown to be a viable alternative that is easy to implement, reduces surgical time, minimizes blood loss, and requires no cutaneous grafts to cover the flap donor area.

Keywords: Meningomyelocele. Neural tube defects. Surgical flaps.


INTRODUÇÃO

Os defeitos congênitos de fusão do tubo neural e tecidos associados são classificados como disrafismo espinhal. A meningomielocele é um defeito da medula espinhal, da coluna vertebral e da pele sobre essa área, resultando em defeito no fechamento da porção posterior do tubo neural durante a quarta semana de gestação1-12. Dentre os defeitos espinhais congênitos a meningomielocele é o mais comum.

Sua etiologia é multifatorial e ainda não está esclarecida, sendo os fatores implicados: genética, fatores geográficos, baixo nível socioeconômico e deficiência de ácido fólico. A incidência é de 1:800-1.000 nascidos vivos aproximadamente e essa taxa vem decrescendo em decorrência da triagem pré-natal para os defeitos do tubo neural, pois em alguns países é permitida a interrupção eletiva da gestação. Essa triagem é realizada por meio de ultrassonografia pré-natal, sendo a sensibilidade de 80% a 90%, dependendo da qualidade do profissional examinador e dos equipamentos utilizados na avaliação fetal. Com esse exame podem ser identificados o nível e a extensão da abertura da coluna vertebral.

Observa-se um comportamento hereditário, pois há maior incidência em famílias em que já existem casos da doença. Em três quartos dos casos, a região lombossacral é afetada e está associada a déficit motor e sensitivo dos membros inferiores, reto e bexiga.

O fechamento precoce do defeito é mandatório, para reduzir as infecções agudas da pele relacionadas ao sistema nervoso central. Nos pacientes não tratados, o índice de mortalidade encontrado é de 65% a 75%, nas primeiras seis semanas de vida. Diversas alternativas cirúrgicas para grandes meningomieloceles podem ser utilizadas, como enxertos de pele, retalhos locais dermogordurosos e retalhos musculocutâneos. Como complicações pós-operatórias podem ocorrer deiscência de sutura, necrose parcial do retalho, fístulas, infecções, escoliose, ventriculite e meningite.

Há várias possibilidades de retalhos cirúrgicos para fechamento do defeito de meningomielocele. O objetivo do trabalho é demonstrar mais uma opção de retalho de pele para tratamento desse defeito.


RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, com 4 horas de vida, portadora de meningomielocele rota congênita, com comprometimento motor e sensitivo de membros inferiores, nascida de parto cesárea sem intercorrências, com peso ao nascimento de 2.495 g, com índice de Apgar 9/9. A mãe da criança apresentava histórico de dois abortos de causa desconhecida, pois não houve investigação, e infecção de trato genitourinário na gestação, tratada com macrodantina.

A recém-nascida foi submetida a procedimento cirúrgico pela equipe de neurocirurgia, para fechamento do canal medular. Foi solicitada avaliação pela equipe de cirurgia plástica, para fechamento da área cruenta sacrococcígea (Figura 1).


Figura 1 - Aspecto pré-operatório.



No 3º dia de vida, foi realizada confecção de duplo retalho dermogorduroso em região lombossacral por rotação bilateral . No 12º dia de pós-operatório, foram retirados pontos intercalados e no 24º dia, o restante dos pontos.

A paciente foi acompanhada pela equipe de cirurgia plástica até o 30º dia de pós-operatório, recebendo alta médica.

Técnica Cirúrgica

A paciente foi operada sob anestesia geral, em decúbito ventral. Foi realizada marcação e secção dos retalhos dermoadiposo/dermocutâneo na pele em espelho, com marcação semicircular, de padrão de irrigação randomizado, de rotação e avançamento com cicatriz resultante em forma de "tridente", com cobertura completa da lesão (Figuras 2 e 3). Não foi necessária colocação de dreno.


Figura 2 - Secção dos retalhos.


Figura 3 - Posicionamento dos retalhos.



O retalho no pós-operatório imediato e tardio apresentou boa perfusão, com reperfusão imediata após a compressão, sem alteração da coloração (cianose ou palidez) (Figuras 4 a 6). Houve 99% de viabilidade, com sofrimento tardio da porção distal do retalho à esquerda, que evoluiu com boa cicatrização.


Figura 4 - Aspecto no 2º dia de pós-operatório.


Figura 5 - Aspecto no 17º dia de pós-operatório.


Figura 6 - Aspecto no 30º dia de pós-operatório.



DISCUSSÃO

A meningomielocele é um defeito congênito de etiologia incerta, resultante do não fechamento da porção posterior do tubo neural. O desenvolvimento anormal das vértebras no nível da lâmina e da apófise espinhal pode acometer um ou vários arcos, resultando em herniações contendo líquido cerebroespinhal e meninges medulares com possíveis aderências de raízes nervosas ou medulares. Diversas complicações neurológicas podem acompanhar os indivíduos acometidos por tal defeito, como hidrocefalia, incontinência urinária, déficit de esvaziamento da bexiga, alterações do hábito intestinal, impotência sexual, perda sensitiva e motora de membros inferiores, e deformidades nas pernas.

A intervenção cirúrgica precoce tem como intuito diminuir o índice de infecção ascendente do sistema nervoso central e prevenir a progressão do déficit neurológico, pela proteção do tecido neural.

Aproximadamente 25% dos defeitos não são passíveis de fechamento primário não forçado e necessitam de procedimentos mais complexos para correção. Grande parte dos casos necessita de fechamento primário, com ou sem descolamento subcutâneo.

Os procedimentos para reconstrução podem ser divididos em três grupos: retalhos cutâneos, enxertos de pele ou retalhos musculares ou musculocutâneos. Há relatos de vários tipos de retalho para reduzir a tensão na linha de sutura: latissimus dorsal, glúteo máximo, V-Y, de Limberg, em ilhas, por rotação, bipediculado, duplo, romboide e Z.

Os enxertos são procedimentos simples e com baixo índice de complicações, podendo necessitar de intervenção tardia em decorrência de deformidades como elevação, ulceração e infecção.

Enxertos de pele na correção de meningomielocele constituem alternativa de fácil execução; entretanto, por não oferecerem cobertura espessa, têm durabilidade questionável a longo prazo e podem apresentar complicações na área doadora.

Retalhos musculocutâneos são descritos como alternativa segura, proporcionando cobertura neural de boa qualidade. Todavia, por comprometerem a musculatura dorsal, podem proporcionar diminuição da eficiência do esvaziamento vesical à manobra de Valsava e redução das alternativas para tratamento de úlceras de pressão em pacientes que são fortes candidatos à cadeira de rodas.

Diversas alternativas de retalhos locais dermogordurosos, variando em forma e modo de transferência, têm sido usadas com sucesso para o fechamento de defeitos de meningomielocele. Retalhos de transposição, rotação, avanço de v-y bilateral, retalho bilobulado e retalho de Limberg apresentam-se como alternativas de rápida execução, pouca perda sanguínea e tempo cirúrgico reduzido, fatores importantes quando consideramos os pacientes em questão; contudo, alguns têm como contraponto o fato de a cobertura das áreas doadoras dos retalhos necessitar de enxertos de pele1,3,4,7,8.

No pós-operatório do fechamento da meningomielocele, podem ocorrer complicações como deiscência, fístula e infecção. Quando esses pacientes são operados imediatamente após o nascimento, a taxa de complicações é muito menor (13%), comparativamente à de crianças submetidas a procedimento cirúrgico após 48 horas (29%). A deiscência é uma das complicações mais frequentes e pode ser utilizada laserterapia para sua prevenção, com bons resultados12.

Apresentamos uma alternativa de retalho dermogorduroso para a correção de defeitos moderados a grandes, que ofereceu cobertura segura para tecidos neurais. Não houve extravasamento de líquor no pós-operatório. Como complicação ocorreu necrose de pequena porção distal de um retalho, tratada com curativos simples, sem necessidade de nova intervenção.

O fechamento com retalho em tridente apresentou-se como alternativa viável, de fácil execução, com tempo cirúrgico reduzido e mínima perda sanguínea, não requerendo utilização de enxertos cutâneos para cobertura de área doadora dos retalhos. Necrose de porção distal do retalho foi a única complicação observada, facilmente tratada com curativos e sem necessidade de nova intervenção cirúrgica.


REFERÊNCIAS

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4. Komuro Y, Yanai A, Koga Y, Seno H, Inoue M. Bilateral modified V-Y advancement flaps for closing meningomyelocele defects. Ann Plast Surg. 2006;57(2):195-8.

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6. Gümüş N. A new approach to closure of myelomeningocele defect: z advancement-rotation flap. Ann Plast Surg. 2008;61(6):640-5.

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1. Residente de cirurgia plástica do Serviço de Cirurgia Plástica da Santa Casa de Misericórdia de Santos, Santos, SP, Brasil
2. Cirurgião plástico, membro especialista da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), membro do Serviço de Cirurgia Plástica da Santa Casa de Misericórdia de Santos, Santos, SP, Brasil
3. Aluno da Faculdade de Medicina da Universidade Metropolitana de Santos, Santos, SP, Brasil
4. Cirurgião plástico, membro titular da SBCP, chefe do Serviço de Cirurgia Plástica da Santa Casa de Misericórdia de Santos, Santos, SP, Brasil

Correspondência para:
Fabiana Catherino
Rua Armando Sales de Oliveira, 200 - ap. 24 - Jardim das Nações
Taubaté, SP, Brasil - CEP 12030-080
E-mail: fabianacatherino@hotmail.com

Artigo submetido pelo SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBCP.
Artigo recebido: 28/9/2010
Artigo aceito: 10/1/2011

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Plástica da Santa Casa de Misericórdia de Santos, Santos, SP, Brasil.

 

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