ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Original Article - Year2013 - Volume28 - Issue 3

RESUMO

INTRODUÇÃO: A úlcera de pressão é o resultado de insuficiência vascular em tecidos localizados preferencialmente em áreas de proeminência óssea. O tratamento cirúrgico dessa lesão abrange fases mais avançadas dessa ferida, podendo ser realizados vários retalhos de origem local ou mesmo distante, por meio do uso da microcirurgia. Este estudo relata a experiência com o uso de retalhos da região glútea no tratamento da úlcera de pressão nas regiões sacral e isquiática.
MÉTODO: Foram estudados 29 pacientes portadores de úlcera de pressão com estágios III e IV (National Pressure Sore Advisory Panel Consensus - 1989), acompanhados em hospital terciário da região metropolitana de Goiânia no período de maio de 2010 a abril de 2012.
RESULTADOS: Dos 29 pacientes submetidos a cirurgia, 10 (34,5%) eram do sexo feminino e 19 (65,5%), do masculino, com idade variando de 17 anos a 67 anos (média, 37,82 anos), com paraplegia decorrente, em grande parte (79%), de acidente motociclístico. As úlceras eram de estágios III (27,5%) e IV (72,5%), e foram tratadas com retalhos fasciocutâneos (38%) ou miocutâneos (62%).
CONCLUSÕES: O uso de retalhos da região glútea no tratamento da úlcera de pressão nas regiões isquiática e sacral é uma ótima opção, podendo beneficiar o paciente em sua recuperação e reabilitação.

Palavras-chave: Úlcera por pressão. Retalhos cirúrgicos. Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos. Retalhos da região glútea.

ABSTRACT

BACKGROUND: Pressure ulcers are due to vascular insufficiency in tissues located mainly near bony prominences. More advanced wounds require microsurgical treatment using different types of flaps originating from the same or more distant areas. This study reports the use gluteal flaps for the treatment of pressure ulcers in the ischial and sacral regions.
METHODS: A total of 29 patients with National Pressure Sore Advisory Panel Consensus - 1989 stage III or IV pressure ulcers were followed in a tertiary hospital in metropolitan Goiânia between May 2010 and April 2012.
RESULTS: Among the 29 patients subjected to surgery, 10 (34.5%) were female and 19 (65.5%) were male, aged between 17 and 67 years (mean: 37.82 years). They had paraplegia resulting mainly (79%) from motorcycle accidents. Stage III (27.5%) and IV (72.5%) ulcers were treated with fasciocutaneous flaps (38%) or myocutaneous flaps (62%).
CONCLUSIONS: The use gluteal flaps for the treatment of pressure ulcers in the ischial and sacral regions is an excellent option that can aid patient recovery and rehabilitation.

Keywords: Pressure ulcer. Surgical flaps. Reconstructive surgical procedures. Gluteal region flaps.


INTRODUÇÃO

A úlcera de pressão é um ferimento resultante de insuficiência vascular isquêmica decorrente de pressão superior à pressão arteriolar normal1 (32 mmHg) e que envolve tecidos como pele, tecido subcutâneo e músculo, comumente localizados sobre uma área de proeminência óssea.

Existem relatos de múmias que apresentavam essa comorbidade cerca de 3.000 anos antes de Cristo, porém somente após a 1ª Guerra Mundial, com pacientes oriundos de ferimentos de guerra, essa afecção tornou-se de frequente observação, pelo aumento de pacientes com lesão de coluna que apresentavam ferimentos agudos em áreas sob pressão de proeminência óssea2.3. Após a 2ª Guerra Mundial houve uma grande mudança na sobrevivência desses pacientes pela maior compreensão dos mecanismos envolvidos, pelo uso de antibioticoterapia e pelo auxílio da anestesia, melhorando a abordagem terapêutica e reduzindo a mortalidade de 61% para 3,8%2,3.

No Brasil ainda não temos dados estatísticos relatando o custo da internação de um paciente com essa comorbidade; porém, segundo dados da Agency for Healthy Care Policy and Research, em 2010, nos Estados Unidos, o custo dos cuidados com úlcera de pressão foi de US$ 15 bilhões, significando um gasto aproximado de US$ 59 mil por paciente hospitalizado com osteomielite originada pela úlcera4.

Inicialmente, o tratamento cirúrgico de úlceras estava limitado ao uso de retalhos cutâneos e fasciocutâneos; porém, com a utilização de retalhos musculares cobrindo a área, observou-se melhora da qualidade de vascularização óssea em pacientes com osteomielite, aumentando a indicação de tratamento dessas úlceras com o auxílio de músculos. Nos últimos anos, com o crescimento da microcirurgia e de técnicas anatômicas, vivenciou-se uma nova opção com o uso de retalhos perfurantes.

As feridas resultantes de pressão em uma área podem ocorrer em várias regiões do corpo, porém a região mais comumente atingida é a isquiática, seguida pelas regiões sacral e trocantérica5.

O tratamento utilizando a área glútea para cobertura oferece resultados apropriados e com bom aspecto estrutural, podendo beneficiar o paciente em sua recuperação e reabilitação.


MÉTODO

Foram incluídos no presente estudo 29 pacientes portadores de úlcera de pressão com estágios III e IV (Figuras 1 e 2) (National Pressure Sore Advisory Panel Consensus Development Conference - 1989: estágio I, pele intacta, porém com hiperemia que persiste por mais de uma hora após o alívio da pressão; estágio II, lesão da derme, com ou sem infecção; estágio III, lesão do subcutâneo e/ou músculo, com ou sem infecção; estágio IV, lesão do osso e/ou articulação, com ou sem infecção), acompanhados em hospital terciário da região metropolitana de Goiânia (Centro de Reabilitação Dr. Henrique Santillo), no período de maio de 2010 a abril de 2012, que não apresentavam intercorrências clínicas ou alterações que impedissem ou não recomendassem o tratamento cirúrgico. Todos os pacientes foram examinados previamente e submetidos a avaliação da presença de anemia, alterações na função renal, estado nutricional, avaliação cardiológica e risco cirúrgico. Todos os pacientes tratados foram fotografados e assinaram termo de consentimento livre e esclarecido.


Figura 1 - Úlcera sacral tipo III.


Figura 2 - Úlcera sacral tipo IV.



O tratamento cirúrgico descrito neste trabalho refere-se apenas a opções de retalhos fasciocutâneos ou miocutâneos, oriundos da região glútea. As úlceras tratadas com esses retalhos foram das regiões sacral e isquiática. Apesar de ser possível utilizar o retalho glúteo no tratamento de úlceras na região trocantérica, optamos primariamente pela utilização do retalho do músculo tensor da fáscia lata ipsilateral.


RESULTADOS

Dos 29 pacientes submetidos ao procedimento cirúrgico, 10 (34,5%) eram do sexo feminino e 19 (65,5%), do masculino, com idade variando de 17 anos a 67 anos (média, 37,82 anos). A principal causa de lesão medular era decorrente de acidente automobilístico (23 por moto, 79%; 6 por carro, 21%), e em apenas um (3,5%) paciente era decorrente de doença vascular cerebral. Todos os pacientes eram no mínimo paraplégicos, com as lesões obtidas em outro hospital.

Foram realizadas 29 reconstruções com retalhos da região glútea, das quais 21 (72,5%) na região sacral e 8 (27,5%) na região isquiática. Na abordagem terapêutica, 11 (38%) retalhos foram fasciocutâneos e 18 (62%), miocutâneos. Nos pacientes com abordagem fasciocutânea, todos os retalhos foram utilizados na região sacral. Na região isquiática, todos os retalhos foram miocutâneos. As úlceras abordadas eram de estágios III ou IV, representando, respectivamente, 8 (27,5%) pacientes e 21 (72,5%) pacientes.

Apenas um paciente (3,5%) tinha abordagem prévia da região sacral oriunda de outro serviço, porém o mesmo foi tratado com retalho contralateral. Comorbidades foram observadas em 2 (7%) pacientes com diabetes melito controlado e que permitiram o tratamento, obtendo boa evolução.

Na presente casuística houve somente 4 (14%) casos de deiscência parcial da região do retalho, que cicatrizaram por segunda intenção, não necessitando nova abordagem. Apenas um caso (3,5%) apresentou infecção da ferida no pós-operatório. Não foram observados casos de necrose, seroma ou hematoma. Não houve casos de recidiva até o momento.

Os pacientes ficaram internados por um período de 3 dias a 10 dias, com média de 5,1 dias. Os pacientes aqui relatados foram acompanhados por um período de no mínimo 6 meses a no máximo 24 meses. Após 3 meses de cicatrização os pacientes foram encaminhados a fisioterapia para reabilitação.


DISCUSSÃO

Nos últimos anos, o número de pacientes com úlcera de pressão tem aumentado. Tal fato se deve principalmente à grande quantidade de acidentes automobilísticos com trauma raquimedular associado a cuidados deficientes na evolução desses pacientes no período de internação hospitalar, seja nas unidades de terapia intensiva seja nas enfermarias, tais como longos períodos sem alternância de decúbito, nutrição inadequada, falta de higienização, e falta tanto de apoio fisioterápico como de qualificação de profissionais5-11.

O tratamento da úlcera de pressão em suas fases iniciais (I e II)6 e a prevenção são os melhores instrumentos para evitar que o paciente progrida para um tratamento cirúrgico. A não prevenção e a falta de cuidados adequados geram gastos significativos aos cofres públicos ou mesmo privados.

Dentre os pacientes estudados, foram selecionados inicialmente os que apresentavam condições clínicas adequadas. Caso apresentassem doenças como diabetes melito, os pacientes eram primeiramente controlados antes de serem submetidos ao procedimento cirúrgico. Todos os pacientes operados apresentavam albumina > 3,5 g/dl, ausência de anemia (HB > 11 g/dl) e ausência de infecção clínica. Os pacientes não necessitaram de colostomia para realizar a reconstrução local.

A localização da úlcera na confecção do retalho envolvendo a região glútea abrangeu principalmente as áreas sacral e isquiática. A região trocantérica foi preferencialmente tratada com retalho miocutâneo do tensor da fáscia lata.

Neste estudo foi relatada a reconstrução da região sacral de 21 pacientes. Foram utilizados retalhos fasciocutâneos de avanço tipo V-Y ou O-H e retalhos miocutâneos de avanço tipo V-Y e de rotação (Figuras 3 a 12). A região sacral é preferencialmente tratada com o uso de retalhos da região glútea como aqui descritos, porém existem outras opções para o tratamento dessa área, como retalho lombossacral, retalhos perfurantes ou retalho microcirúrgico.


Figura 3 - Úlcera sacral debridada e marcação intraoperatória.


Figura 4 - Retalho fasciocutâneo de avanço V-Y bilateral.


Figura 5 - Úlcera sacral debridada, com retalho V-Y em lado direito e retalho V-Y com pedículo inferior à esquerda.


Figura 6 - Aspecto final após retalho V-Y bilateral.


Figura 7 - Úlcera sacral limpa.


Figura 8 - Retalho fasciocutâneo O-H unilateral.


Figura 9 - Úlcera sacral.


Figura 10 - Retalho de avanço local.


Figura 11 - Úlcera sacral tipo IV.


Figura 12 - Retalho miocutâneo de avanço em V-Y.



A utilização de retalho da região glútea apresenta bons resultados, por tratar-se de uma região de boa vascularização e com duas artérias miocutâneas (artérias glúteas superior e inferior), permitindo sua boa utilização não apenas para retalhos locais como também como retalho microcirúrgico na reconstrução de mama. Geralmente a primeira opção de tratamento é a utilização de retalho local, podendo-se optar pelo uso do fasciocutâneo, que apresenta como vantagens ser menos sensível à isquemia e mais resistente à pressão, enquanto o miocutâneo é excelente para preenchimento de úlceras profundas5,12-14.

Na região sacral pode ser utilizado o retalho fasciocutâneo da região sacral, conhecido como lombossacral transverso15,16, que tem seu pedículo vascular baseado nas artérias lombares perfurantes, porém nem sempre é de opção primária. Outra opção é a utilização de retalho fasciocutâneo tipo V-Y5,17-20. O retalho V-Y, um tipo de retalho de avanço com ampla utilidade no tratamento da região sacral e mesmo da região glútea, pode tratar áreas com cerca de 10 cm de comprimento, apresentando diversas formas de abordagem, como a clássica horizontal, na região glútea, na forma vertical ou com pedículo lateral preservado avançando lateralmente. O retalho O-H fasciocutâneo é uma forma alternativa de confecção de retalho de avanço e consiste em avanço retangular cobrindo a região afetada. Os retalhos perfurantes5,21-25 da região glútea atuam de forma semelhante aos locais, porém apresentam maior mobilidade por apenas estarem fixos pelas perfurantes e também têm se mostrado uma opção relevante. Os retalhos miocutâneos26-30 locais podem possuir forma semelhante ao V-Y ou O-H quando de avanço; quando de rotação, permitem boa cobertura e vascularização local.

Os retalhos microcirúrgicos são de opção secundária, sendo principalmente indicados em casos de recidiva, em que não é possível a reutilização de retalhos locais.

Na região isquiática, os pacientes foram preferencialmente tratados com o uso de retalho miocutâneo para melhor preenchimento e vascularização do local, permitindo maior vida útil dos ossos dessa região, que, muitas vezes, se encontram desgastados pelo trauma local sem o coxim mioadiposo que os protege. Utilizamos retalhos miocutâneos de rotação e miocutâneos em ilha5,31-34 (Figuras 13 a 18). Nessa região podem ainda ser utilizados retalhos de outras áreas, como músculos posterior da coxa, bíceps femoral e semitendinoso.


Figura 13 - Úlcera isquiática esquerda.


Figura 14 - Retalho miocutâneo em ilha.


Figura 15 - Pós-operatório de 12 meses.


Figura 16 - Úlcera isquiática direita tipo IV.


Figura 17 - Retalho miocutâneo de avanço.


Figura 18 - Deiscência parcial de área doadora.



No tratamento da região isquiática, o retalho de escolha geralmente é o fasciocutâneo posterior da coxa5,7,35,36, que permite bom preenchimento da área e pode ser novamente avançado em caso de novas abordagens. Neste texto descrevemos a utilização da região glútea no tratamento da isquiática, mas não necessariamente essa é nossa primeira opção no tratamento de úlceras dessa região. Na utilização da região glútea, o retalho miocutâneo de glúteo inferior é o mais utilizado, porém é possível utilizar o retalho em ilha com bons resultados. Retalhos perfurantes, microcirúrgicos e miocutâneos locais também podem ser utilizados, mas não em uma abordagem primária.

No período estudado não obtivemos casos de recidiva. Tal fato pode ser explicado por três fatores: a casuística não é grande, o tempo de acompanhamento desses pacientes foi de apenas 24 meses, e foi utilizado um protocolo rígido para os pacientes serem candidatos a cirurgia. Tais ações eliminam fatores que poderiam cooperar com o aumento de complicações, tais como a deiscência. Apesar disso, acreditamos que a longo prazo os dados de recidiva serão semelhantes aos encontrados na literatura5,9 (> 16%), refletindo a dificuldade de esses pacientes permanecerem a longo prazo sob ações de reabilitação.

Os pacientes no período de recuperação após a cirurgia recebem acompanhamento fisioterápico e tratamento com enoxaparina, conforme avaliação conjunta com o cirurgião vascular. No primeiro dia é utilizada cefalosporina de primeira geração. Todo o material debridado é enviado para cultura. Caso o paciente apresente sinais clínicos de infecção no pós-operatório é iniciado antibiótico, conforme o estudo da flora local. O dreno é mantido por 48 horas, sendo então solicitada sua retirada. Após 3 meses da cirurgia, caso tenha tido cicatrização sem presença de deiscência, o paciente é encaminhado a fisioterapia para reabilitação.


CONCLUSÕES

Existem várias opções cirúrgicas para o fechamento de úlceras de pressão, e ainda não há consenso sobre qual o melhor retalho para cada tipo de úlcera.

Sabe-se que a abordagem deve cumprir da melhor maneira a função de cobertura ou melhora de vascularização local, porém não deve prejudicar funcionalmente a região caso o paciente tenha possibilidade de reintrodução de mobilidade. A abordagem cirúrgica das regiões sacral e isquiática com o uso de retalhos da região glútea parece ser uma ótima escolha no tratamento das regiões afetadas pelas úlceras de pressão, permitindo que seja a opção inicial de tratamento e beneficiando o paciente em sua recuperação e reabilitação.


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Especialista, médico cirurgião plástico do Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Goiânia, GO, Brasil

Correspondência para:
Fabiano Calixto Fortes de Arruda
Rua T-50, 540 - Setor Bueno
Goiânia, GO, Brasil - CEP 74215-200
E-mail: doutorfabianocalixto@gmail.com

Artigo submetido pelo SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBCP.
Artigo recebido: 26/7/2012
Artigo aceito: 15/12/2013

Trabalho realizado no Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo, Goiânia, GO, Brasil.

 

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