ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Reviw Article - Year2013 - Volume28 - Issue 3

RESUMO

O transtorno dismórfico corporal (TDC) é uma doença psiquiátrica que pode ser encontrada com frequência no consultório do cirurgião plástico. Trata-se de uma desordem da imagem corporal, incapacitante social e profissionalmente, em que a pessoa tem preocupações decorrentes de defeitos mínimos ou inexistentes na aparência. Indivíduos com TDC apresentam medo de terem seus "defeitos" percebidos, sentem vergonha, embaraço e desconforto ao se exporem fisicamente em atividades sociais, têm pensamentos de desilusão e desenvolvem rituais compulsivos, preocupações somáticas, busca por tratamentos cosméticos e resistência a intervenções psicológicas. Os pacientes com TDC estão convencidos de que a única maneira de melhorar sua autoestima é aperfeiçoando sua aparência. Frequentemente esses pacientes buscam a cirurgia cosmética ou outros procedimentos relacionados para melhorar seu aspecto "defeituoso", e podem consultar vários médicos, especialmente cirurgiões plásticos, até encontrarem um profissional que realizará o procedimento desejado. No entanto, a cirurgia não cura essas imperfeições, muito pelo contrário, tem resultados pobres e pode gerar violência do paciente contra o cirurgião e piora de suas condições. O propósito desta revisão é descrever a patologia do TDC, seu desenvolvimento e tratamento, e sugerir algumas recomendações aos cirurgiões plásticos para sua prática diária, a fim de facilitar o diagnóstico do transtorno e o manuseio do paciente, contribuindo para que o portador da desordem perceba a origem psíquica da maioria de suas preocupações com a aparência e aceite se submeter a um tratamento psicológico/psiquiátrico, evitando assim o procedimento estético desnecessário.

Palavras-chave: Cirurgia plástica. Imagem corporal. Transtornos dismórficos corporais. Transtornos somatoformes.

ABSTRACT

Body dysmorphic disorder (BDD) is a psychiatric condition often encountered by plastic surgeons in daily clinical practice. BDD is a body image disorder that causes patients to become preoccupied with small or imagined defects in appearance, which lead to the development of social and occupational disabilities. Individuals with BDD exhibit fears of their "defects" being noticed by others, and feel ashamed, embarrassed, and uncomfortable when physically exposed during social activities. They have delusional thoughts, develop compulsive rituals and somatic preoccupation, seek cosmetic treatments, and refuse psychological intervention. Patients with BDD are convinced that improving physical appearance alone will improve their self-esteem. These patients often undergo cosmetic surgery or other related procedures to correct their "defective" image, often consulting several health professionals, especially plastic surgeons, before finding one who will perform their desired procedure. However, surgery does not resolve these imperfections; on the contrary, the results are often poor and can cause the patient to develop violent behavior toward the surgeon and worsen the patient's condition. The aim of this review was to describe BDD and its progression and treatment, and to make recommendations that will assist plastic surgeons and facilitate diagnosis and patient management in daily clinical practice, thereby allowing patients to understand the psychogenic origin of most preoccupations with appearance and the importance of undergoing psychological/psychiatric treatment. As a result, unnecessary aesthetic procedures can be avoided.

Keywords: Plastic surgery. Body image. Body dysmorphic disorders. Somatoform disorders.


INTRODUÇÃO

A insatisfação com o corpo é muito comum nos dias atuais, e é consequente ao padrão cultural da sociedade contemporânea, em que se hipervaloriza a beleza física, a juventude e a saúde. Entretanto, algumas pessoas desenvolvem uma preocupação excessiva com sua aparência, a ponto de sofrer considerável tristeza e incapacitação.

Embora muitas cirurgias estéticas possam trazer uma melhora na autoestima pela correção de algum aspecto físico indesejável, elas não solucionam problemas emocionais, menos ainda defeitos imaginários concernentes a um transtorno de ordem psíquica. Nesses casos, a busca por intervenção cirúrgica estética não decorre da insatisfação com a imagem corporal, mas de uma condição psiquiátrica denominada transtorno dismórfico corporal (TDC).


TRANSTORNO DISMÓRFICO CORPORAL

Embora seja pouco reconhecido pelos cirurgiões plásticos, o TDC tem sido descrito há mais de um século e relatado em todo o mundo1,2. Trata-se de uma das mais comuns doenças psiquiátricas presentes nas clínicas de cirurgia plástica3.

A tentativa de se conceituar as manifestações patológicas relacionadas à aparência física tem uma longa história4. A dismorfofobia, termo original para o TDC, foi descrita, inicialmente, por Enrico Morselli, em 1886, em Gênova, Itália, e fazia referência ao medo da feiura1,5. Janet, em 1903, em Paris, França, descreveu como l'obsession de honte du corps - obsessão com vergonha do corpo -, Kraeplin, em 1909, em Munique, Alemanha, o denominou dysmorphophobic syndrome, e pesquisadores japoneses, de shubo-kyofu1,6.

Do ponto de vista etimológico, o termo dysmorphophobia deriva do grego dysmorphia, que significa feiura, particularmente em relação à face. No entanto, o transtorno não é caracterizado simplesmente pelo medo de ter um defeito físico, como o sufixo phobia pode sugerir. Além do mais, os pacientes manifestam o que pode ser descrito como uma polarização da atenção, com custo emocional, cujo foco é uma parte específica do corpo. O sujeito desenvolve repulsa por essa parte do corpo, que causa interferência em diferentes graus nas relações com os outros e no seu funcionamento social7.

O primeiro artigo na língua inglesa sobre dismorfofobia foi publicado somente em 1970, e a essência da desordem foi explicada não como medo de tornar-se feio, deformado, mas como uma convicção irracional de ter se tornado anormal, acompanhada do temor da reação das outras pessoas6,8.

Apesar de ter sido descrito há mais de um século, o TDC não foi incluído nos sistemas diagnósticos até 19804. Durante muito tempo, foi considerado sintoma de doenças psiquiátricas, tais como esquizofrenia, transtornos de humor ou de personalidade6.

Em 1987, o sufixo fobia foi retirado e o transtorno foi reconhecido como um distúrbio psiquiátrico distinto e incluído no Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders9, como body dysmorphic disorder, uma das manifestações dos transtornos somatoformes, em que a patologia gira em torno de uma preocupação com um sintoma físico, de origem exclusivamente psicogênica10-12.


CAUSAS DO TDC

O conhecimento das causas do TDC contribui para seu entendimento e diagnóstico e para diferenciá-lo de outras desordens mentais.

Dentre as principais causas do TDC estão os fatores genéticos. Dentre os indivíduos com TDC, 8% têm algum membro da família com esse diagnóstico durante a vida, o que representa de 4 a 8 vezes a prevalência na população geral2. O TDC compartilha a hereditariedade com o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), como demonstrou um estudo familiar realizado por Feusner et al.13, no qual 7% dos pacientes com TDC tinham algum familiar de primeiro grau com TOC.

Como outras desordens obsessivo-compulsivas, o TDC resulta de um desequilíbrio neuroquímico, envolvendo principalmente a serotonina, a qual, fisiologicamente, atua mantendo ideias e pensamentos sob controle14. Lesões em regiões específicas do cérebro podem causar disfunção em muitas redes de conexão cerebral e alterar o funcionamento de circuitos relacionados à fisiopatologia do TDC, resultando em sintomas do transtorno e déficits neurocognitivos13. Estudos de neuroimagem estrutural e funcional em indivíduos com TDC sugeriram assimetria do núcleo caudado e maior quantidade de substância branca no grupo portador de TDC, quando comparado ao grupo controle15,16. Relatos de casos sugerem, entretanto, que o desenvolvimento do TDC também pode ter como gatilho doenças clínicas inflamatórias decorrentes de infecção estreptocócica, que iriam exacerbar os sintomas17, ou, ainda, surgir após lesão na região do lobo frontotemporal16.

A teoria psicanalítica sugere que o TDC emerge de situações em que indivíduos ansiosos, perfeccionistas e tristes são mais suscetíveis a desenvolver esse transtorno18. A isso devem-se acrescentar as experiências vividas, criando-se personalidades suscetíveis com baixa autoestima, insegurança, introversão, dificuldade para as relações interpessoais, tipos esquizoides (pessoas de constituição mental em que se observa tendência à solidão, insociabilidade, introspecção e má adaptação à realidade exterior), tipos neuróticos (pessoas com um ou vários tipos de distúrbio emocional, cuja característica principal é a ansiedade, e em que não se observam nem grandes distorções da realidade externa nem desorganização da personalidade), neuroses, obsessões, pais críticos e severos, e traumas infantis10,19.


CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS DO TDC

Preocupação com a Aparência


A principal característica do TDC é "preocupação com um defeito imaginário na aparência. Se uma discreta anormalidade está presente, a preocupação da pessoa é desproporcionalmente excessiva"9.

Diferente de uma preocupação normal com a aparência, no TDC esta ocupa todo o tempo do indivíduo e causa uma tristeza significante ou embaraços em situações sociais6,10,20.

Os critérios de diagnóstico para o TDC listados no Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders9 são os seguintes: atenção excessiva a um defeito imaginário ou mínimo; essa preocupação pode causar grande tristeza ou prejudicar o desempenho no trabalho ou nas atividades sociais; essa preocupação não é decorrente da presença de outra desordem psiquiátrica (Quadro 1).




Os pacientes com TDC podem, teoricamente, ficar angustiados com qualquer aspecto de sua aparência física, embora tenham aparência normal. Alguns pacientes relatam queixas vagas quanto à feiura, deformidades ou aparência estranha, e não podem localizar ou especificar a natureza do defeito10,20. Em contraste, outros apontam suas queixas para características físicas ou pequenos defeitos, como nariz grande, boca torta, lábios finos ou grossos, cabelo fino, sobrancelha torta ou muito grossa ou muito fina, acne e cicatrizes20. Entretanto, outras partes do corpo também podem ser o foco de preocupação, como mamas, nádegas, pernas, quadris ou mesmo o tamanho geral do corpo ou de partes dele, como pênis pequeno7,18,19,21.

Enquanto os pacientes homens focam suas angústias para os genitais, altura, músculos ou excesso de pelos corporais, as mulheres estão preocupadas principalmente com suas faces, mamas, quadris e pernas22. Embora uma notável característica do TDC seja a convicção da pessoa na existência ou gravidade de um defeito físico, essa percepção distorcida é somente o primeiro passo em uma sequência de eventos nesse transtorno.

Características Cognitivas e Afetivas

Pacientes com TDC geralmente apresentam uma linguagem negativa em relação a sua aparência. Diferente da autopercepção normal sobre a aparência física, o TDC envolve uma preocupação que consome tempo e causa sofrimento e incapacidade ocupacional e social10,18,20,21,23,24. Embora isso possa ocorrer a qualquer momento do dia, a preocupação com a aparência é especialmente mais intensa em situações sociais, nas quais o portador de TDC se sente desconfortável e espera a qualquer momento ser avaliado por outra pessoa3,20,25.

A maioria dos pacientes sofre de desilusão de referência, isto é, eles pensam que outras pessoas podem prestar atenção especial a seu suposto "defeito" e fazer algum tipo de comentário depreciativo ou debochado10,20,21,24. Essa desilusão de referência leva a um estado de atenção que faz o paciente se sentir ansioso, embaraçado e muito envergonhado, porque acredita que o "defeito" revelará alguma imperfeição pessoal. Essa preocupação pode ser exagerada, a ponto de o paciente não somente se sentir embaraçado com a sua feiura, mas também ficar preocupado em causar repulsa e ofensa aos outros14.

Alguns portadores do transtorno mostram-se agressivos quando são impedidos de realizar seus comportamentos ou em situações estressantes6. Ideia suicida é encontrada em 55% a 71% dos pacientes, e eles podem se tornar suicidas nos casos de gravidade extrema5,10,18,24,25. Cerca de 24% a 28% dos pacientes portadores de TDC já tentaram suicídio, taxa mais alta que em outras desordens mentais10,21,24,26.

Comportamentos Compulsivos

Embora os comportamentos compulsivos não estejam incluídos nos critérios diagnósticos de TDC, listados anteriormente, quase todos os portadores da desordem apresentam um ou mais comportamentos repetitivos, compulsivos e/ou demorados21,24.

O objetivo geral de tais comportamentos é checar, melhorar ou esconder o "defeito"20. A autoconsciência disfuncional sobre o corpo faz com que a pessoa perca muito tempo em frente a espelhos e outras superfícies refletoras, tais como para-choques de automóveis e partes posteriores de colheres, contemplando sua imagem, focalizando principalmente no "defeito" que acredita ter6,7,10,20.

Vários tipos de comportamento para examinar o corpo, além de checar o "defeito" no espelho, são comuns, tais como: lavar e escovar os cabelos repetidamente por horas ao longo do dia, comparar sua aparência com a de outras pessoas, e perguntar repetidamente a outras pessoas sobre a aparência de seu "defeito", para se tranquilizar. Como na compulsão, esses comportamentos são difíceis de resistir e, em alguns casos extremos, podem resultar em gasto de muitas horas ao longo do dia3,10,19-21,25.

Muitos pacientes com TDC empenham-se em evitar atividades sociais, por acreditarem que as pessoas prestam atenção em seu "defeito"20. Uma pequena parte se afasta do convívio social e se torna reclusa em casa, saindo somente à noite, quando necessário, para evitar a exposição pública4,6,7,25.

A maior parte dos pacientes, entretanto, é capaz de exercer, no mínimo, uma limitada vida social e profissional, usando artifícios para evitar total exposição de sua aparência durante uma aparição em público, seja através do uso de roupas, maquiagem, óculos escuros, penteados ou modificando a postura corporal ou os movimentos no intuito de esconder o "defeito"4,10. A camuflagem com roupas ou movimentos é um clássico comportamento compensatório em pessoas com deformidades reais ou exageradas6,20.

Alguns comportamentos, tais como a manipulação da pele ou dos cabelos, parecem ser importantes no TDC6. Esses comportamentos são complexos e tornam-se patológicos (escoriações patológicas ou tricotilomania) dependendo do seu foco, da duração e da extensão dos problemas resultantes. Algumas vezes, para evitar parecer pálido, alguns pacientes bronzeiam-se em excesso, a ponto de queimar gravemente sua pele7,10.Embora esses comportamentos sejam considerados "autoinjúria", os pacientes com TDC não têm a intenção de se machucar. Seu desejo é tentar melhorar a aparência da pele7,10,19,26.

Vale ressaltar que, em muitos casos em que os portadores de TDC buscam em outras pessoas palavras tranquilizadoras em relação a sua aparência física20, existe o risco de esse comportamento, quando alcança frequência elevada, criar conflitos no relacionamento conjugal e familiar, por gerar grande demanda sobre aqueles que estão a sua volta (mais de 70% dos pacientes nunca se casaram)3,6,25.

Outro aspecto bastante importante do TDC é que, por acreditarem que melhorando seu aspecto físico melhorarão sua autoestima, esses indivíduos se engajam em iniciativas como tratamentos de beleza para a pele ou para o cabelo, redução de peso, tratamento dentário e cirurgia cosmética4,10,20,21,25. Esta última apresenta uma ressalva: como em alguns casos a anomalia realmente não existe, mesmo com as cirurgias os pacientes continuam insatisfeitos com sua aparência. Não é rara uma peregrinação do portador de TDC por diversos profissionais, principalmente os cirurgiões plásticos, que, no entanto, não conseguem corrigir os supostos defeitos5. O Quadro 2 apresenta uma lista de sinais indicadores de TDC em pacientes que procuram cirurgia plástica cosmética.




Características Demográficas

Estima-se que 1% a 3% da população geral sofram de TDC7,25. No cenário da cirurgia plástica, essa desordem apresenta-se com prevalência superior à da população geral, sendo diagnosticada em 7% a 15% dos pacientes que procuram cirurgia5,10,13.

O TDC, em geral, é uma doença que tem origem na adolescência, época em que o indivíduo está mais preocupado com a autoimagem e com a vida social, embora existam relatos da sua ocorrência na infância10,25,27. A média de idade de início é aos 17 anos, e os pacientes podem sofrer por até 11 anos antes de procurar por tratamento específico4,10,18. Pode ocorrer um segundo pico de incidência, somente em mulheres, durante a menopausa4,22.

Embora não seja definitivo, parece não haver diferença entre os sexos3. Alguns estudos demonstraram maior frequência nas mulheres3,18 e outros, em homens6,7,18. No entanto, homens e mulheres apresentam similaridades quanto à maior parte dos aspectos clínicos e demográficos11,18, 21,28.

Curso da Doença

O início é gradual e os pacientes, a princípio, podem apresentar preocupações aceitáveis com a aparência. De modo súbito a crise inicial pode ser precipitada por algum fato traumático, como uma mudança de residência para longe que acarrete alteração na vida social ou o término de um relacionamento afetivo13,20,25.

As remissões espontâneas são raras. A melhora pode decorrer de tratamento psicoterápico, ao contrário das intervenções cirúrgicas, que frequentemente exacerbam os sintomas7,18,25. Seu curso é crônico e sua gravidade é variável24,26.


DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

O TDC é classificado como uma desordem somatofórmica9, em que a patologia gira em torno de uma preocupação com um sintoma físico, de origem exclusivamente psicogênica12. Entretanto, essa classificação é controversa, pois muitos especialistas, atualmente, defendem que o TDC deveria ser considerado uma desordem do espectro obsessivo-compulsivo ou do espectro afetivo24,28. Frequentemente, pacientes com transtornos somatofórmicos buscam tratamentos extensos, resultando em longas histórias médicas e cirúrgicas9,10.

O TDC tem forte paralelismo com a hipocondria. As duas patologias envolvem um defeito corporal que é exagerado e não decorre de uma anormalidade orgânica. Em ambas as patologias, pensamentos a respeito do defeito provocam ansiedade, que o paciente tenta aliviar buscando palavras de conforto e verificando constantemente seu defeito. Os indivíduos com TDC procuram por todos os lados os tratamentos de beleza, enquanto os hipocondríacos utilizam em excesso os serviços médicos, em busca de um diagnóstico ou cura6,7,23.

Algumas características do TDC são semelhantes em alguns portadores de TOC. Em 12% a 15% dos casos, existe comorbidade entre o TDC e o TOC2,7,12,25. A diferença entre esses pacientes reside no fato de que o sujeito que tem TDC apresenta obsessão e compulsão com sua aparência e não com ordens ou impulsos inaceitáveis, comuns naqueles com TOC6,23,24.

Os transtornos alimentares parecem ser relativamente comuns em indivíduos com TDC7. A insatisfação com o peso e a forma do corpo é frequente na atualidade, mas são diagnosticadas como TDC somente se o defeito é imaginário ou exagerado e está acompanhado por preocupação e tristeza incapacitantes. A preocupação com o peso e a forma que ocorre durante o curso de bulimia ou anorexia não é diagnosticada separadamente como TDC6,10,24.

Pacientes com fobia social e com TDC compartilham uma patologia similar: ambos sofrem profundos sentimentos de vergonha e constrangimento, têm medo de parecerem estranhos ou tolos para os outros, e se empenham em evitar situações que possam chamar atenção para sua imperfeição5,7,19.

Essas comparações com outras desordens são muito úteis porque a patologia do TDC não é bem entendida. Entretanto, nenhuma desordem obsessivo-compulsiva, fobia social, transtorno alimentar ou hipocondria tem a patologia essencial do TDC: uma desordem da imagem corporal4,7,10,24.


TRATAMENTO

Cirurgia Cosmética


O típico paciente com TDC não procura um psicoterapeuta ou um psiquiatra, mas um cirurgião plástico, justamente pela crença patológica de que o defeito físico é seu real problema6. A cirurgia cosmética para a melhora da imagem corporal, nesse caso, está fadada ao fracasso, porque não existe uma deformidade real e a cirurgia não pode curar preocupações que sempre mudam com a aparência7.

O mais recomendado é não operar o paciente com TDC5. O resultado é quase sempre pouco produtivo20 e gera insatisfação no paciente, que pode levar a sentimentos de revolta e, até mesmo, violência contra o cirurgião18. Em mais de 80% dos casos a situação psicológica do sujeito se desestabilizará com a cirurgia ou ele encontrará novos defeitos25.

Existem três grupos de indivíduos que buscam tratamentos cirúrgicos estéticos. O primeiro grupo inclui pacientes sem deformidades e com expectativas irreais. Tais sujeitos são reconhecidos facilmente, e o diagnóstico de TDC deve ser considerado. Nesses casos, o paciente deve ser orientado no sentido de fazê-lo compreender que fatores emocionais podem estar interferindo no olhar para seu próprio corpo e serem a causa de sua insatisfação e sofrimento. Essa compreensão é necessária para motivá-lo a aceitar a ajuda de um profissional de saúde mental20.

O grupo oposto é constituído de indivíduos com deformidades corrigíveis e com expectativas realistas, e pode ser identificado claramente. A correção cirúrgica nesses casos pode ser oferecida.

A dificuldade maior é lidar com um grupo intermediário de pacientes portadores de deformidades mínimas e corrigíveis, porém, com comportamento e expectativas inadequados3. Nesses indivíduos, sentimentos como excessiva tristeza e preocupação com a aparência física não indicam, necessariamente, alterações patológicas de comportamento. Esses sintomas são inerentemente subjetivos e podem interferir no diagnóstico de TDC. Esses pacientes podem ser portadores de características subclínicas do TDC que mascaram o diagnóstico do transtorno3,4,6,7,28. Eles são verdadeiros desafios sob o ponto de vista cirúrgico. O cirurgião plástico tem que decidir se há indicação de cirurgia ou não e deverá ser extremamente crítico quando aceitar operá-lo. Tais candidatos ao procedimento estético precisam ter essa indicação reavaliada obrigatoriamente pelo menos uma vez no período pré-cirúrgico.

Uma segunda consulta é aconselhável, especialmente para aqueles que solicitam rinoplastia secundária, um tipo de cirurgia comum entre os portadores de TDC25. O cirurgião poderá considerar a correção cirúrgica solicitada somente se o indivíduo apresentar um comportamento adequado na segunda avaliação clínica. É recomendável que tais pacientes recebam intenso suporte psicológico, caso a cirurgia ocorra20.

Farmacoterapia

A mais promissora farmacoterapia parece ser a partir do uso dos inibidores da recaptação da serotonina, como clomipramina e fluoxetina, os antidepressivos mais comumente usados. São também as melhores drogas para ansiedade, ataque de pânico, comportamento obsessivo-compulsivo e desordens alimentares4,7,10,19-21.

Os inibidores da recaptação da serotonina são particularmente efetivos porque focam na redução do pensamento obsessivo (por exemplo, "Eu não posso parar de pensar sobre minhas acnes horríveis"), do comportamento compulsivo (por exemplo, examinar-se no espelho, camuflagem) e da depressão21,23,25.

Os pacientes frequentemente ficam preocupados com a possibilidade de a medicação alterar sua personalidade e transformá-los em "zumbis". Entretanto, os indivíduos que melhoraram com o uso dos inibidores da recaptação da serotonina referem que se sentem como eles mesmos outra vez - a maneira como costumavam ser - ou da maneira que gostariam de se sentir6,7,25.

Psicoterapia

De maneira geral, os sintomas psicológicos e a autoestima apresentam alguma recuperação com a terapia cognitivocomportamental (TCC)7,20,21,24,25. Nesse tipo de tratamento, é dada uma nova forma ao TDC, por meio de mudanças de pensamento acerca da aparência física. O paciente é desestimulado a buscar defeitos no próprio corpo e incentivado a diminuir a importância das características físicas6,10. Ele é levado a ver seu aspecto melhorado por meio de uma linguagem positiva, a reduzir os comportamentos de "enfeitar-se" ou examinar-se continuamente, a ser capaz de se contemplar em espelhos em shoppings e vitrines, sem que veja sua imagem distorcida7,18,20. Por fim, com a TCC o sujeito é estimulado a não buscar palavras tranquilizadoras em conversas com outras pessoas, a aceitar elogios e, quando houver a presença de um "defeito" real, a enfrentar o estigma social6. Com isso, estará lidando diretamente com os pensamentos distorcidos, com os erros cognitivos e também elaborando os comportamentos inapropriados, substituindo-os por outros mais adequados6,10,18,20,21.

Outros tipos de terapia psicológica podem ser utilizados, como a psicanálise, dependendo do grau do comprometimento psicológico do paciente com TDC e as limitações sociais e relacionais que provoca em seus portadores. Deve-se levar em conta também a própria escolha do paciente pela linha de tratamento em saúde mental e a disponibilidade de profissionais preparados para receber esse tipo de demanda.


SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O CIRURGIÃO PLÁSTICO

Para possibilitar o planejamento de uma estratégia de tratamento com maior potencial de sucesso, alguns pontos precisam ser discutidos durante a abordagem do portador de TDC.

É importante fornecer ao paciente informações sobre o transtorno e orientações a respeito dos sinais e sintomas psíquicos como um acréscimo profilático à medicação10,19,20.

Sugere-se dizer ao indivíduo que ele aparenta ter um problema de imagem corporal denominado TDC, e que esse transtorno é uma desordem conhecida, que muitas pessoas têm, e o mais importante: é tratável. É muito importante, nesse momento, não menosprezar nem minimizar as preocupações do paciente com a aparência, pois o sofrimento deles é real e pode aumentar20.

Deve-se estimular no paciente a leitura de material didático referente ao TDC, por meio de livros para leigos ou websites.

A inclusão da família nas informações e orientações sobre TDC pode ser útil.

É importante fornecer ao paciente informações sobre o transtorno e orientações a respeito de sinais e sintomas. Geralmente é ineficaz tentar dissuadir o paciente de suas preocupações ou fazê-lo parar ou alterar seu comportamento compulsivo e afetivo19,20.

Esses indivíduos estão convencidos de sua aparência inadequada e a tentativa do cirurgião de convencê-lo do contrário tende a ser infrutífera20. A exceção ocorre com uma minoria de pacientes que reconhece estar aumentando suas deformidades fora de proporção ou que pensam não estar realmente tão mal. Com esses, é útil reforçar que essa visão está correta. Em geral, é mais interessante focar na tristeza e na baixa autoestima que os problemas com a aparência estão causando, que na sua aparência propriamente dita20. Esse foco pode facilitar o encaminhamento para um profissional de saúde mental. Outra estratégia recomendada é perguntar ao paciente o que ele pensa que seja a causa de seus problemas e a realização de uma anamnese clínica que permita conhecê-lo de forma global. É aconselhável colher uma história minuciosa, dando destaque ao indivíduo e não a seus sintomas, e oferecendo-lhe chance de expor seus sentimentos. A doença, muitas vezes, é uma escapatória a uma situação de conflito ou aparece pela necessidade de ser cuidado. Deve-se perguntar como está o funcionamento dos outros órgãos do corpo, assim como a vida pessoal e relacional, com quem vive, o que faz nas horas de lazer, fontes de prazer e de tristeza. Isso pode facilitar a compreensão por parte do paciente da necessidade de tratamento psicológico.

É melhor evitar procedimentos estéticos10,19.

Embora na literatura científica haja dados insuficientes referentes aos resultados de tratamentos cirúrgicos no TDC, e não obstante ninguém possa predizer como um determinado paciente responderá a tal tratamento, o que se tem de informações até o momento leva a crer que tais procedimentos são fadados ao fracasso e podem, inclusive, piorar as condições do paciente1,5,7,10,18,20. Em alguns casos, esses tratamentos precipitam psicoses, comportamento suicida ou violência25. É recomendado dizer ao paciente que, por ser portador de TDC, existe uma preocupação de que fique insatisfeito com o resultado da cirurgia, podendo, inclusive, piorar sua angústia20.

Também é melhor evitar tentar acalmar o paciente fazendo pequenos procedimentos cirúrgicos, pois essa abordagem pode não ser bem-sucedida ou pode, até mesmo, ser desastrosa7.

Encaminhar o paciente para tratamento com um psiquiatra19, ao invés de encaminhá-lo para outro cirurgião, é o mais sensato, a fim de se iniciar o tratamento medicamentoso25. Daí a importância da orientação a respeito dos sintomas psíquicos. Quando o profissional de saúde oferece um espaço de escuta atenta às questões emocionais e identifica algumas causas, permite ao paciente compreender que há sentimentos vinculados a seus sintomas. Essa atitude torna mais provável a aceitação da necessidade de se submeter a tratamento psiquiátrico e psicoterápico.

Se o paciente resiste ao encaminhamento por acreditar que seu problema é físico e não psicológico, destacar-se o potencial do tratamento psiquiátrico para diminuir os sintomas pode facilitar sua aceitação para consultar um psiquiatra20.

Nos casos em que há preferência pela psicoterapia ao invés do tratamento medicamentoso, é aconselhável, se possível, encaminhar o paciente para um profissional familiarizado com TDC.

Se o paciente está gravemente deprimido ou com ideias suicidas, a farmacoterapia a partir do uso dos inibidores da recaptação da serotonina está totalmente indicada10,20,26.


CONCLUSÕES

Enquanto algum grau de insatisfação com a imagem corporal é comum entre muitos indivíduos, aqueles com extrema insatisfação com a aparência podem estar sofrendo de uma desordem psiquiátrica chamada TDC. Essa desordem somatofórmica tem uma longa história, mas somente nos últimos anos sistemáticas investigações vêm tornando esse transtorno mais bem reconhecido e compreendido. É uma condição mais comum entre as pessoas interessadas em procedimentos estéticos que na população geral. Infelizmente, tratamentos cirúrgicos ou minimamente invasivos não apresentam resultados positivos nos sintomas da desordem. Pelo contrário, em alguns casos, tais tratamentos precipitam psicoses, comportamento suicida ou violência direcionada ao cirurgião. Por essa razão, o TDC é considerado uma contraindicação aos procedimentos cosméticos. Portanto, é de extrema importância que os cirurgiões plásticos estejam habilitados a identificar os pacientes subclínicos ou com queixas que sinalizem a presença de TDC.

As clínicas de cirurgia plástica são locais privilegiados para identificação precoce de TDC e os profissionais podem e devem contribuir para a redução do sofrimento desses pacientes, auxiliando-os a compreender que a origem de suas insatisfações com o corpo é de natureza psíquica e não física. Por outro lado, a identificação de um TDC previne que uma cirurgia plástica seja realizada desnecessariamente e que problemas futuros possam ocorrer em consequência desse procedimento, tanto para o paciente (piora de sua imagem corporal) como para o cirurgião, quando ocorrem atitudes violentas contra ele.


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1. Mestre em Ciências Médicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), cirurgiã plástica do Hospital Universitário Pedro Ernesto/UERJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
2. Doutora em Medicina, professora adjunta da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
3. Mestre em Cirurgia Plástica pela Universidade de São Paulo, coordenador e professor da Disciplina de Cirurgia Plástica da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Correspondência para:
Maria Lídia de Abreu Silva
Rua Nossa Senhora de Lourdes, 65 - ap. 301 - Grajaú
Rio de Janeiro, RJ, Brasil - CEP 20540-370
E-mail: lidia7abreu@gmail.com

Artigo submetido pelo SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBCP.
Artigo recebido: 21/3/2012
Artigo aceito: 21/4/2012

Trabalho realizado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

 

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