ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Original Article - Year2013 - Volume28 - Issue 3

RESUMO

INTRODUÇÃO: O músculo latíssimo do dorso tem a função de adução, extensão e rotação interna do úmero, com papel crucial na estabilidade da articulação glenoumeral. Para alguns autores a retirada desse músculo tem pouco efeito na morbidade do ombro, uma vez que os músculos residuais do ombro compensariam sua falta, enquanto outros têm notado fraqueza, perda de movimentos, dor e alteração funcional. Os estudos, em sua maioria, não são limitados a pacientes submetidas a cirurgia mamária, são retrospectivos, e as modalidades utilizadas para essa medição se apoiam em metodologia subjetiva, não são padronizadas e também há poucas informações sobre sua confiabilidade. Poucos comparam os resultados com as medidas pré-operatórias. O objetivo deste estudo é avaliar de maneira prospectiva a capacidade funcional das pacientes submetidas a reconstrução mamária tardia com retalho musculocutâneo de latíssimo do dorso utilizando o Stanford Health Assessment Questionnaire (HAQ).
MÉTODO: No período de setembro de 2010 a abril de 2012, 30 pacientes ingressaram no estudo. Essas pacientes responderam ao HAQ nas consultas de pré-operatório e aos 3 meses, 6 meses e 12 meses de pós-operatório.
RESULTADOS: Houve diferença estatisticamente significante entre os tempos de avaliação, sendo detectada piora da capacidade funcional aos 3 meses de pós-operatório, que retornou aos níveis do pré-operatório após 6 meses e foi melhorando progressivamente até os 12 meses de pós-operatório.
CONCLUSÕES: Este estudo oferece evidência científica de que a cirurgia de reconstrução mamária com retalho musculocutâneo de latíssimo do dorso não piora a capacidade funcional das pacientes 12 meses após a cirurgia.

Palavras-chave: Mamoplastia. Músculo latíssimo do dorso. Mastectomia. Questionários. Qualidade de vida. Capacidade funcional. Retalhos cirúrgicos.

ABSTRACT

BACKGROUND: The latissimus dorsi muscle is responsible for the adduction, extension, and internal rotation of the humerus, and has a crucial role in the stability of the glenohumeral joint. Some authors believe that the removal of this muscle has a minimal effect on shoulder morbidity, as the residual shoulder muscles would compensate for its absence; in contrast, other authors have noted weakness, loss of movement ability, pain, and functional change. Most studies, however, were not limited to patients who undergo breast surgery and were retrospective in nature. The measurement modalities used were based on subjective methods and were not standardized; furthermore, there is little information on their reliability. Few studies compared the results with preoperative measurements. Therefore, an objective study requires the prospective assessment of patients who undergo late breast reconstruction with a latissimus dorsi musculocutaneous flap, by using the Stanford Health Assessment Questionnaire (HAQ).
METHOD: Between September 2010 and April 2012, 30 patients were enrolled in the study. They answered the HAQ at preoperative consultations and postoperatively at 3, 6, and 12 months.
RESULTS: A statistically significant difference was found between the stages of assessment, with a deterioration of postoperative functional capacity at 3 months after surgery, which returned to preoperative levels after 6 months and progressively improved until 12 months after surgery.
CONCLUSIONS: This study offers scientific evidence suggesting that breast reconstruction surgery with a latissimus dorsi musculocutaneous flap does not worsen the functional capacity of patients at 12 months after surgery.

Keywords: Mammaplasty. Latissimus dorsi muscle. Mastectomy. Questionnaires. Quality of life. Functional capacity. Surgical flaps.


INTRODUÇÃO

De acordo com dados estimados do Instituto Nacional do Câncer, em 2012 foi registrado o surgimento de 52.680 casos novos de câncer de mama no Brasil, sendo o segundo câncer mais incidente na população feminina e o que mais causa mortes. Suas formas de tratamento mais comuns incluem cirurgia (nodulectomia ou mastectomia), quimioterapia, radioterapia ou terapia hormonal, e habitualmente mais de uma forma é utilizada de maneira complementar.

A retirada desse órgão representa limitação tanto estética como funcional, que provoca imediata repercussão física e psíquica, constituindo um evento traumático para a maioria das mulheres e que prejudica sua qualidade de vida1. Apesar do frequente sucesso da terapia, muitos efeitos colaterais são observados, levando a um declínio funcional muito grande. Esses efeitos se relacionam com o tipo de tratamento instituído, sendo a fadiga o efeito mais comumente observado, chegando a afetar pelo menos 30% das pacientes sobreviventes2. A redução forçada dos níveis de atividade física desenvolve uma condição patológica que, associada a outros efeitos colaterais, como perda de apetite, pode intensificar o desgaste físico e, consequentemente, levar à perda da força muscular total. Essa perda de força muscular é um golpe a mais nos esforços do paciente com câncer para executar tarefas diárias simples, comprometendo significativamente sua qualidade de vida2.

Para as mulheres que irão se submeter a mastectomia, a reconstrução mamária é uma opção cirúrgica que geralmente aumenta a qualidade de vida e o aspecto psicossocial sem diminuir suas chances de sobrevivência, independentemente de seu estágio de doença3. Pode ser feita por meio de inúmeras técnicas, entre elas a utilização do retalho musculocutâneo de latíssimo do dorso.

O músculo latíssimo do dorso tem a função de adução, extensão e rotação interna do úmero, com papel crucial na estabilidade da articulação glenoumeral. Muitos autores4-7 estabeleceram que a retirada do músculo latíssimo do dorso tem pouco efeito na morbidade do ombro, uma vez que os músculos residuais do ombro compensariam sua falta. Outros8,9, porém, têm notado fraqueza, perda de movimentos, dor e alteração funcional. Entretanto, a maioria dos estudos não é limitada a pacientes submetidas a cirurgia mamária e são retrospectivos. Além disso, as modalidades utilizadas para essa medição se apoiam em metodologia subjetiva, não são padronizadas e também há poucas informações sobre sua confiabilidade10. Poucos10,11 comparam os resultados com as medidas pré-operatórias.

A capacidade funcional vai além do desempenho físico; ela retrata como o paciente conduz suas atividades diárias. A capacidade funcional reflete o quão bem o paciente absorve o impacto da doença em sua rotina diária; isto é individual e determinado por uma interação de variáveis clínicas e fatores psicossociais. Tem sido usada como um dos parâmetros para avaliação de saúde, relacionada à qualidade de vida12.

A alteração da capacidade funcional tem sido reportada como mínima após a utilização do retalho musculocutâneo de latíssimo do dorso4,5; porém, os instrumentos para essa medida são de difícil padronização e de confiabilidade duvidosa11. De maneira geral, a literatura disponível concorda que a maioria das mulheres sofrerá uma morbidade transitória, mas retornará a sua capacidade funcional "normal" após a reconstrução mamária com retalho musculocutâneo de latíssimo do dorso. Entretanto, parece prudente avaliar tais mudanças utilizando um instrumento que irá medir de maneira objetiva o impacto na função global ao invés de focar em medidas de movimentos isolados11. A capacidade funcional, portanto, deve ser medida utilizando métodos padronizados, validados, confiáveis e reprodutíveis.

Para tal, existem questionários capazes de coletar, quantificar e comparar, de maneira objetiva, dados subjetivos. Eles devem ser de fácil aplicabilidade e compreensão, ter validade, reprodutibilidade e confiabilidade, e devem ser de tempo de administração compatível.

O objetivo deste estudo é avaliar de maneira prospectiva a capacidade funcional das pacientes submetidas a reconstrução mamária tardia com retalho musculocutâneo de latíssimo do dorso utilizando o Stanford Health Assessment Questionnaire (HAQ).


MÉTODO

Esse estudo de coorte prospectivo foi realizado no Programa de Pós-Graduação em Cirurgia Translacional da Universidade Federal de São Paulo (Escola Paulista de Medicina) e nos hospitais Pérola Byington e A. C. Camargo no período de setembro de 2010 a abril de 2012 e foi aprovado pelos comitês de ética locais.

Todas as cirurgias foram feitas pelo mesmo cirurgião, de acordo com a técnica padrão de rotação do retalho de músculo latíssimo do dorso com retalho de pele horizontal e colocação de implante mamário (Figura 1), além de pontos de adesão (pontos de Baroudi) no fechamento da área doadora (Figura 2). Drenos de sucção a vácuo são alocados nas regiões torácicas anterior e posterior, e mantidos por 5 dias a 10 dias, em média.


Figura 1 - Em A, transoperatório de rotação do retalho. Em B, posterior inclusão de implante de silicone e colocação de drenos de sucção.


Figura 2 - Em A, transoperatório de confecção do retalho. Em B, pontos de adesão.



Trinta e cinco pacientes foram selecionadas de forma consecutiva, à medida que iniciavam seu atendimento no Serviço de Cirurgia Plástica.

Os critérios de inclusão foram mulheres submetidas a mastectomia radical modificada unilateral por indicação oncológica com término do tratamento adjuvante há, pelo menos, um ano, com idade entre 18 anos e 70 anos e que seriam submetidas a reconstrução mamária com retalho musculocutâneo de latíssimo do dorso.

Os critérios de exclusão foram recidiva local ou sistêmica, cirurgia prévia envolvendo o músculo latíssimo do dorso, analfabetismo, tratamento psiquiátrico prévio, tabagismo, índice de massa corporal > 30 kg/m2 ou doenças crônicas descompensadas.

O procedimento de coleta se iniciou com a leitura da carta de informação e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Para avaliar a capacidade funcional foi aplicado o HAQ.

O HAQ é um dos mais utilizados instrumentos de avaliação da capacidade funcional e compreende 20 perguntas, que avaliam aspectos distintos da vida cotidiana do paciente, como vestir-se, levantar-se, alimentar-se, caminhada, higiene, alcançar objetos, apertar, e atividades ao ar livre. A capacidade funcional avaliada pelo HAQ tem sido significativamente correlacionada com medidas relacionadas ao trabalho, como capacidade laborativa, desempenho de trabalho doméstico, realização de tarefas, incapacidade para o trabalho, ocupação e habilidade para viver com independência13. A versão utilizada é a traduzida para o português, adaptada para a cultura brasileira e validada14.

As pacientes responderam ao HAQ durante as consultas de pré-operatório e 3 meses, 6 meses e 12 meses de pós-operatório. O questionário foi aplicado sempre pelo mesmo pesquisador.

Durante o primeiro mês de pós-operatório, todas as pacientes fizeram uma sessão semanal de fisioterapia no ambulatório e foram orientadas a fazer diariamente os exercícios em casa.

Análise Estatística

Para responder aos objetivos do estudo, primeiramente, foram calculadas as correlações de Pearson entre a idade e o escore do HAQ a cada momento de avaliação para analisar a existência de relação entre a idade e a capacidade funcional.

A idade foi descrita nas pacientes com uso de medidas resumo (média, desvio padrão, mediana, mínimo e máximo). Para os escores do HAQ foram realizadas as descrições a cada momento de avaliação e comparados os momentos com uso de análise de variâncias com medidas repetidas (ANOVA). Comparações múltiplas de Bonferroni foram empregadas para verificar entre quais momentos ocorreram as diferenças nos escores de capacidade funcional.

Os resultados foram ilustrados com gráfico de perfil médio com os respectivos erros padrão e os testes foram realizados com nível de significância de 5%.


RESULTADOS

Do total de 35 pacientes inicialmente selecionadas para o estudo, 2 se recusaram a participar, 2 faleceram em decorrência de recidiva do câncer de mama antes da reconstrução, e 1 mudou-se de estado e não retornou às consultas de pós-operatório, sendo excluída do estudo. Assim, 30 pacientes foram efetivamente arroladas no estudo.

Todas as pacientes foram submetidas a reconstrução mamária unilateral, das quais 20 tiveram a transferência do músculo latíssimo do dorso do lado dominante e 10, do lado não-dominante. Dentre as complicações imediatas, 1 paciente (3,33%) apresentou seroma, o qual foi resolvido com punções aspirativas de repetição. Uma paciente (3,33%) apresentou deiscência parcial da ferida operatória com exposição da prótese, que precisou ser retirada. Essa paciente foi submetida a nova cirurgia de colocação de prótese mamária 6 meses após. Dentre as complicações tardias, 7 (23,3%) pacientes queixaram-se de cicatrizes inestéticas.

A média de idade das pacientes foi de 46,4 anos, variando de 24 anos a 70 anos. Não houve correlação estatisticamente significante entre a idade das pacientes e os escores de capacidade funcional em qualquer momento avaliado (P > 0,05). Isso significa que a capacidade funcional medida pelo HAQ não foi afetada pela idade.

Os escores médios de capacidade funcional (Tabela 1) apresentam diferenças estatisticamente significantes entre os momentos de avaliação (P = 0,023). Tem-se que do pré-operatório para 3 meses e 6 meses (Tabela 2) o escore médio de capacidade funcional não apresenta diferença estatisticamente significante (P> 0,05), do pré-operatório para 12 meses há redução média estatisticamente significante no escore de capacidade funcional (P = 0,029), e entre os demais momentos avaliados há redução média estatisticamente significante no escore de capacidade funcional (P < 0,05). Isso se dá porque inicialmente (3 meses de pós-operatório) as pacientes apresentaram piora da capacidade funcional (aumento do escore HAQ), que retornou aos níveis do pré-operatório após 6 meses e foi melhorando progressivamente (diminuição do escore HAQ) até os 12 meses de pós-operatório (Figura 3).






Figura 3 - Gráfico demonstrando que a partir de 6 meses há redução média visível do escore de capacidade funcional. HAQ = Stanford Health Assessment Questionnaire.



As Figuras 4 a 7 ilustram 4 dos casos descritos nesta casuística.


Figura 4 - Em A a D, marcação cirúrgica em vista frontal, oblíqua esquerda, lateral esquerda e posterior. Em E e F, pós-operatório de 6 meses em vista frontal e oblíqua esquerda. Em G e H, pós-operatório de 12 meses em vista frontal e oblíqua esquerda.


Figura 5 - Em A, C e E, pré-operatório em vista frontal, oblíqua direita e lateral direita, respectivamente. Em B, D e F, pós-operatório de 12 meses em vista frontal, oblíqua direita e lateral direita, respectivamente.


Figura 6 - Em A e B, pré-operatório em vista frontal e oblíqua esquerda. Em C e D, pós-operatório de 6 meses em vista frontal e oblíqua esquerda. Em E e F, pós-operatório de 12 meses em vista frontal e oblíqua esquerda, posterior à simetrização.


Figura 7 - Em A e B, pré-operatório em vista frontal e oblíqua direita. Em C e D, pós-operatório de 6 meses em vista frontal e oblíqua direita. Em E e F, pós-operatório de 9 meses em vista frontal e oblíqua direta, posterior à simetrização. Em G e H, pós-operatório de 12 meses em vista frontal e oblíqua direta, posterior à reconstrução do complexo areolopapilar.



DISCUSSÃO

Anatomicamente, o músculo latíssimo do dorso faz parte do cinturão do ombro. É um músculo flabeliforme (em forma de leque), que se origina dos processos espinhosos das últimas vértebras torácicas, das lombares e sacrais, da crista ilíaca e da fáscia lombar. Ele converge e circula o músculo redondo maior à medida que se insere na tuberosidade maior do úmero. Suas ações primárias são adução, rotação interna e extensão do ombro. Essas ações são particularmente importantes em atividades esportivas como natação, ginástica, remo e escalada15.

As complicações que podem advir do uso do retalho musculocutâneo de latíssimo do dorso são infrequentes, e podem ser divididas em imediatas e tardias. As imediatas compreendem necrose parcial ou total do retalho (rara), hematomas, seromas, deiscências e infecções. Cicatrizes hipertróficas ou queloidais, contratura capsular com deslocamento cranial da prótese, alteração da forma da mama reconstruída por contratura do músculo latíssimo do dorso sobre a prótese, e extrusão da prótese fazem parte das complicações tardias16.

A capacidade funcional do ombro tem sido acessada por meio de medidas objetivas, como amplitude de movimento e força. Porém, medidas objetivas podem ser impraticáveis em determinadas situações, porque consomem muito tempo e requerem contato direto com o paciente. Além disso, embora a limitação funcional do ombro esteja frequentemente associada com restrição na amplitude de movimento e fraqueza muscular, essas medidas nem sempre apresentam um significado clínico direto para os pacientes, que desejam apenas viver sem dor e realizar suas atividades diárias. Atualmente a eficácia do tratamento tem sido mais frequentemente avaliada utilizando desfechos que são diretamente relevantes aos pacientes17.

Bochdansky et al.7 avaliaram a capacidade funcional pós-operatória de 26 pacientes submetidos a reconstrução de membro inferior com retalho de latíssimo do dorso com relação ao lado corporal dominante. Nenhum efeito da cirurgia ou da dominância foi observado em termos de força muscular isométrica, medidos com um dispositivo eletrônico (Hottinger-Baldwin-Messtechnik). Esses autores acreditam que a função do músculo latíssimo do dorso pode ser compensada pela musculatura sinergística. Isso vai de encontro aos resultados obtidos em nosso trabalho e também nos de outros autores18, que evidenciaram que o músculo continua a influenciar a movimentação do ombro. O caráter retrospectivo e o fato de o músculo latíssimo do dorso ter sido utilizado como retalho livre limitam a análise específica para a reconstrução mamária.

Brumback et al.5 compararam os lados dominantes e não-dominantes de 17 pacientes após a transferência do retalho livre de latíssimo do dorso aos de 17 voluntários saudáveis, usando um questionário funcional, um teste de força muscular medido manualmente, e um teste objetivo de força muscular realizado com o uso de instrumentos. Nenhuma diferença significativa foi demonstrada na amplitude de movimento, força ou função do ombro em um seguimento de 41 meses em média (21 meses a 96 meses). Entretanto, posteriormente, estabeleceram ser inapropriado comparar a amplitude de movimento entre dois grupos de indivíduos, visto que a movimentação do ombro varia dentro da população normal.

Martino et al.18 têm extensivamente descrito as sequelas biomecânicas decorrentes de reconstruções com retalho musculocutâneo de latíssimo do dorso. Em sua conclusão esses autores relataram que aproximadamente dois terços das mulheres apresentaram limitação de movimento na região dos ombros após a reconstrução com retalho musculocutâneo de latíssimo do dorso. Mais de 20% das pacientes apresentaram algum grau de microluxação da articulação do ombro, que pode ser clinicamente detectada pela palpação. Após a reconstrução mamária tardia com retalho musculocutâneo de latíssimo do dorso, esse músculo pode continuar a influenciar a rotação medial do úmero, mas ao invés de puxar ínfero-posteriormente ele passa a puxar súpero-anteriormente, resultando em microluxação. Essa rotação medial anormal acaba por enfraquecer os rotadores laterais. Entretanto, apesar de objetivas, essas medidas não contemplam as atividades diárias das pacientes e não necessariamente apresentam significância clínica. Em nosso estudo utilizamos um método de avaliação que se propõe a evidenciar as alterações que efetivamente levam a limitações funcionais significativas às pacientes.

Adams et al.9, em estudo retrospectivo, enviaram pelo correio um questionário não-validado a 36 pacientes que haviam sido submetidas a reconstrução mamária com retalho musculocutâneo de latíssimo do dorso e demonstraram que até 39% das pacientes relataram fraqueza, pelo menos moderada, 50% relataram dormência/aperto na região dorsal, e 22% classificaram sua cicatriz com inaceitável. Um número significativo de pacientes teve dificuldade em realizar atividades mais vigorosas do dia a dia (P < 0,05), comparativamente a atividades mais sedentárias. Esses autores concluíram que a utilização do retalho musculocutâneo de latíssimo do dorso não é totalmente isenta de morbidade pós-operatória no sitio doador. Esses números estão em concordância com nossos resultados, embora este estudo, além de prospectivo, tenha utilizado questionário validado.

Em uma revisão da literatura, Spear & Hess6 examinaram a evidência de alterações biomecânicas e funcionais do ombro após a transferência do músculo latíssimo do dorso. Concluíram que, no pós-operatório, os pacientes apresentam déficits na extensão e na adução do ombro manifestados por fadiga mais rápida. No entanto, essa conclusão foi baseada em uma literatura com dados retrospectivos e sem testes objetivos. Nosso trabalho comparou a mesma paciente no pré e no pós-operatório, diferentemente dos estudos analisados, que fizeram uma comparação com o lado contralateral ou com um grupo controle. Além disso, esses estudos não eram restritos à reconstrução mamária.

Glassey et al.10, em um estudo prospectivo com 22 pacientes e utilizando parâmetros objetivos, concluíram que não há perda significativa de amplitude de movimento, de força e de função ou dor no ombro após um ano da reconstrução mamária com retalho musculocutâneo de latíssimo do dorso. A heterogeneidade da população do estudo (17 pacientes com reconstrução tardia e 5 com reconstrução imediata) pode ter gerado viés. Além disso, os autores acreditam que o pequeno tamanho da amostra tornou inapropriada a análise estatística dos resultados. Em nosso estudo, todas as pacientes foram submetidas a reconstrução mamária tardia com retalho musculocutâneo de latíssimo do dorso. Acreditamos que essa homogeneidade da amostra aliada a um método objetivo e validado de avaliação garantiu maior confiabilidade aos resultados.

Button et al.11, em estudo prospectivo, avaliaram a mudança no escore do questionário DASH ao longo do seguimento e a utilidade dos pontos de adesão para a redução de seroma na área doadora em pacientes submetidas a reconstrução mamária imediata com retalho musculocutâneo de latíssimo do dorso. O questionário foi aplicado no pré-operatório e em oito períodos no pós-operatório, desde a primeira visita até três anos. Esses autores concluíram que o escore DASH aumenta nos primeiros 3 meses (significando piora) e depois diminui com o passar do tempo, até que aos 36 meses, apesar de maior que o do pré-operatório, não apresenta significância clínica ou estatística. Outra conclusão foi que os pontos de adesão reduzem o seroma na área doadora (5% vs. 70%), mas não alteram o escore DASH. Nesse mesmo estudo, os autores demonstram que, apesar de a função se normalizar a longo prazo, existe um impacto deletério inicial significativo, para o qual devem ser tomadas medidas específicas, além da orientação ao paciente. Relatam também que a terapia oncológica (radioterapia, quimioterapia e tamoxifeno) não tem impacto significativo na capacidade funcional do ombro a longo prazo, e que a morbidade da cirurgia oncológica axilar também desaparece dentro de 6 meses a 12 meses.

Limitação das atividades, restrição de movimento da extremidade superior, linfedema, fadiga, dor e neuropatia periférica induzida por quimioterapia são preocupações bem documentadas após o tratamento do câncer de mama19. A mastectomia e os tratamentos adjuvantes podem, por si só, gerar alguma incapacidade ou limitação funcional20. Dessa forma, o resultado da avaliação pós-operatória precoce e tardia pode ter refletido o efeito tanto da mastectomia como da reconstrução mamária. Em nosso estudo avaliamos apenas pacientes com reconstrução mamária tardia, tentando assim eliminar essa possibilidade de viés, uma vez que o efeito da mastectomia já se encontrava presente antes da cirurgia de reconstrução (evidenciado por um escore pré-operatório mais alto). Encontramos também um escore final menor que o inicial, o que acreditamos ser decorrente da capacidade de as pacientes se ajustarem a sua nova condição física.


CONCLUSÕES

O presente estudo oferece evidência científica de que a cirurgia de reconstrução mamária com retalho musculocutâneo de latíssimo do dorso não piora a capacidade funcional das pacientes 12 meses após a cirurgia.


REFERÊNCIAS

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1. Médico, cirurgião plástico da Universidade Federal de Mato Grosso, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), Cuiabá, MT, Brasil
2. Livre-docente, professor associado da Disciplina de Cirurgia Plástica da Escola Paulista de Medicina-Universidade Federal de São Paulo (EPM-UNIFESP), membro titular da SBCP, São Paulo, SP, Brasil
3. Médico, cirurgião plástico, membro titular da SBCP, membro titular do Departamento de Cirurgia Plástica Reparadora do Hospital do Câncer, Fundação Antônio Prudente, São Paulo, SP, Brasil
4. Livre-docente, professora titular da Disciplina de Cirurgia Plástica da EPM-UNIFESP, membro titular da SBCP, São Paulo, SP, Brasil

Correspondência para:
Vidal Guerreiro
Rua Bom Pastor, 1.426 - ap. 43 - Ipiranga
São Paulo, SP, Brasil - CEP 04203-001
E-mail: drvidalguerreiro@yahoo.com.br

Artigo submetido pelo SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBCP.
Artigo recebido: 27/7/2012
Artigo aceito: 15/12/2013

Trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação em Cirurgia Translacional da Universidade Federal de São Paulo (Escola Paulista de Medicina) e nos Hospitais Pérola Byington e A.C. Camargo, São Paulo, SP, Brasil.

 

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