INTRODUÇÃO
Inicialmente descrita com táticas exclusivamente redutoras, a rinoplastia é atualmente aceita como uma operação para remodelamento nasal. A partir dos trabalhos pioneiros de Sheen1,2 e Sheen & Sheen3, cada vez mais atenção tem sido dispensada à preservação da função das válvulas nasais.
O comprometimento da válvula nasal é uma causa distinta de obstrução nasal sintomática, embora não exista consenso com relação às formas de tratamento4,5.
A válvula nasal, com seus componentes interno e externo, tem sido descrita anatomicamente como a área de secção transversal com maior resistência ao fluxo respiratório-inspiratório, de todo o sistema respiratório superior e inferior. É fundamental, portanto, a prevenção e o tratamento do comprometimento dessa região durante a realização da rinoplastia.
A válvula nasal externa é definida como a área no vestíbulo sob a asa, formada por septo caudal, cruras mediais das cartilagens alares, bordas da asa nasal e assoalho narinário4 (Figura 1).
Figura 1 - Esquemas das válvulas nasais internas e externas.
A válvula nasal interna é localizada a cerca de 1,3 cm da entrada das narinas e corresponde à região abaixo da porção lateral das cartilagens laterais superiores (porção caudal), medialmente correspondendo à região dorsal do septo e inferiormente, à cabeça do corneto inferior4 (Figura 1).
O objetivo deste trabalho é avaliar a qualidade da reconstrução tanto estética como funcional, utilizando-se enxertos de cartilagem autólogos, de narizes com comprometimento valvular pós-rinoplastia.
Inter-relação entre Estética e Função Nasal
A ponta globosa e a giba nasal estão entre as queixas mais frequentemente apresentadas pelos pacientes candidatos a rinoplastia. Para obtenção de bons resultados o cirurgião precisa adequar o procedimento a cada paciente, levando em consideração sua anatomia, raça e sexo.
A remoção de cartilagem da ponta nasal assim como a redução da giba nasal, em pacientes predispostos e realizada de forma inadequada, podem levar a alterações estéticas e funcionais do nariz, como:
irregularidades no dorso após a regressão do edema;obstrução nasal decorrente de piora da função da válvula nasal interna, em geral associada à desconexão promovida entre as cartilagens laterais superiores e o septo, e entre as cartilagens laterais superiores e inferiores;obstrução nasal associada a ressecção de quantidade variável de cartilagens de suporte e agravada pela realização de osteotomias com consequente estreitamento da abertura piriforme;colapso do terço médio da cavidade nasal, com formação de V invertido.
Para prevenir ou minimizar essas possíveis complicações, o cirurgião deve individualizar o tratamento de cada nariz, reestruturando o esqueleto cartilaginoso manipulado durante a rinoplastia, levando em consideração os cânones estéticos, a anatomia prévia e o desejo do paciente5-7.
MÉTODO
No período de junho de 2009 a janeiro de 2011, 26 pacientes portadores de obstrução nasal crônica, associada a insuficiência de válvulas nasais internas pós-rinoplastia, foram operados.
A idade dos pacientes variou de 22 anos a 75 anos, com média de 37,4 anos, sendo 22 (84,6%) pacientes do sexo feminino e 4 (15,4%), do sexo masculino.
O enxerto de escolha para reparação da válvula nasal foi o septo nasal, em decorrência de suas características de espessura e resistência. Cartilagens auriculares e costais foram utilizadas somente quando não se dispunha de septo em quantidade adequada para o tratamento das válvulas nasais.
Foram incluídos nesta casuística pacientes com queixa de obstrução nasal pós-rinoplastia, sendo utilizados enxertos cartilaginosos autólogos para reconstrução das válvulas nasais e colapso do terço médio. Não foram incluídos neste trabalho pacientes com hipertensão arterial sistêmica descontrolada, diabetes descompensada, cardiopatias ou outras doenças sistêmicas importantes.
A técnica utilizada para posicionamento dos enxertos foi a descrita por Sheen1, Gunter & Friedman8, Toriumi et al.9 e Rohrich et al.10.
Todos os pacientes foram submetidos a rinoplastia aberta, em ambiente hospitalar. Os pacientes foram posicionados com dorso elevado a 30 graus, para redução do retorno venoso e menor sangramento transoperatório. Optou-se por anestesia geral venosa total, com hipotensão controlada. Foi utilizada, ainda, anestesia local tópica e infiltrativa, associada a vasoconstrição tópica e infiltrativa. Todos os pacientes receberam imobilização externa termomoldável por 7 dias. Nos casos em que foram realizadas turbinectomias associadas, foi utilizada hemostasia suave com malha hemostática absorvível, envolvendo apenas os cornetos.
Todos os pacientes foram acompanhados pelo período de 12 meses.
RESULTADOS
Houve resolução do quadro de obstrução nasal em 25 dos 26 casos operados (96,2%), de acordo com os relatos subjetivos dos pacientes.
A inspeção das válvulas nasais foi realizada com endoscópios rígidos, para que não houvesse distorção das mesmas, que se mostraram adequadas ao fluxo respiratório normal, com exceção do paciente que persistiu com obstrução nasal. Nesse caso, observou-se persistência de nítido colabamento valvular durante a inspiração.
Dos 26 pacientes operados, em 18 (69,2%) foi utilizada cartilagem septal, em 6 (23,1%), cartilagem costal, e em 2 (7,7%), cartilagem de concha auricular.
Apesar de 13 (50%) pacientes incluídos no trabalho terem sido submetidos previamente a septoplastias e turbinectomias, 20 (76,9%) apresentavam desvios septais significativos da válvula nasal e/ou persistência de hipertrofia de alguma região de concha nasal, que necessitou de revisão, realizada no mesmo tempo cirúrgico.
Dos 13 pacientes submetidos a septoplastia previamente, 10 apresentavam desvios residuais, necessitando de reintervenção.
A seguir, são relatados alguns casos documentados desta casuística.
Caso 1
Paciente do sexo feminino, de 23 anos de idade, submetida a rinoplastia fechada há 15 meses, com queixas estéticas e funcionais de irregularidades no dorso e de obstrução nasal.
Não haviam sido realizadas septoplastia ou turbinectomias prévias. O septo foi a área doadora de enxerto (Figura 2).
Figura 2 - Caso 1. Em
A e
C, aspecto pré-operatório, respectivamente, em vista oblíqua direita e perfil esquerdo. Em
B e
D, aspecto de 6 meses de pós-operatório de tratamento das válvulas nasais com enxerto de cartilagem septal, respectivamente, em vista oblíqua direita e perfil esquerdo.
Caso 2
Paciente do sexo feminino, de 35 anos de idade, previamente submetida a rinoplastia associada a septoplastia, realizada por dois cirurgiões distintos, um cirurgião plástico e um otorrinolaringologista, no mesmo tempo cirúrgico, há cerca de 2 anos. A paciente apresentava queixas estéticas e funcionais relacionadas a desvio de ponta e obstrução nasais (Figuras 3 e 4).
Figura 3 - Caso 2. Obtenção e posicionamento de enxertos de cartilagem costal, obtidos pela mesma incisão do sulco mamário por onde foram colocadas próteses de mamas. Em
A e
B, obtenção do enxerto de cartilagem costal. Em
C e
D, aspectos intraoperatórios de rinoplastia associada a septoplastia. Em
E, aspecto pré-operatório das mamas. Em
F, aspecto após implante mamário.
Figura 4 - Caso 2. Em
A e
C, aspecto pré-operatório, respectivamente, em vista frontal e oblíqua direita. Em
B e
D, aspecto pós-operatório de tratamento das válvulas nasais com enxerto de cartilagem costal, respectivamente, em vista frontal e oblíqua direita.
Caso 3
Paciente do sexo feminino, de 46 anos de idade, previamente submetida a rinoplastia há 12 anos, apresentando selamento e colabamento do terço médio nasal, pinçamento das válvulas nasais, columela retrusa, ponta sem definição ou sustentação e obstrução nasal crônica por insuficiência de válvulas nasais internas. Optou-se por enxertia com cartilagem costal, em decorrência da exigência de grande quantidade de cartilagem para o tratamento das deformidades (Figuras 5 a 7).
Figura 5 - Visualização das diversas deformidades descritas no caso 3, respectivamente em vista oblíqua direita, frontal, perfil esquerdo e base do nariz.
Figura 6 - Caso 3. Em
A, aspecto intraoperatório, demonstrando necessidade de utilização de múltiplos enxertos cartilaginosos, em decorrência de ausência total da crura lateral da cartilagem alar direita. Em
B, programação transoperatória de utilização dos enxertos.
Figura 7 - Caso 3. Em
A e
C, aspecto pré-operatório, respectivamente, em vista frontal e perfil esquerdo. Em
B e
D, aspecto de 6 meses de pós-operatório de rinoplastia secundária com enxertos cartilaginosos múltiplos, inclusive costela,, respectivamente, em vista frontal e perfil esquerdo.
Caso 4
Paciente do sexo masculino, de 56 anos de idade, previamente submetido a rinosseptoplastia há 20 anos, evoluindo com obstrução nasal associada a insuficiência de válvulas nasais internas e sono de baixa qualidade (Figura 8).
Figura 8 - Caso 4. Em
A, aspecto pré-operatório, em vista frontal. Em
B, aspecto de 12 meses de pós-operatório de tratamento das válvulas nasais com enxertos de concha auricular, em vista frontal.
Caso 5
Paciente do sexo feminino, de 38 anos de idade, previamente submetida a rinoplastia há cerca de 3 anos, com queixa de obstrução nasal à direita. Ao exame externo, notava-se assimetria de contorno das válvulas nasais. O resultado funcional foi muito bom, porém à custa de terço médio mais largo (Figura 9).
Figura 9 - Caso 5. Em
A, aspecto pré-operatório, em vista frontal. Em
B, aspecto de 90 dias de pós-operatório de tratamento das válvulas nasais com enxertos de cartilagem costal, porém com grande alargamento nasal, em vista frontal.
DISCUSSÃO
A partir dos trabalhos de Sheen1, no início da década de 1980, cada vez mais atenção vem sendo dada à função nasal durante a realização da rinoplastia. Em 1984, Sheen1 descreveu o spreader graft, indicando os pacientes com maior risco de apresentar problemas funcionais, a saber: narizes caucasianos, com pele fina, válvulas nasais estreitas e ossos nasais curtos. O risco é ainda mais elevado quando essas características estão associadas a desvios de septo nasal na região da válvula nasal e presença de doenças crônico-inflamatórias da mucosa nasal, como rinite5.
Outro marco de igual importância na rinologia moderna foi a descrição do lateral crural strut graft, por Gunter & Friedman8, e o alar batten grafts, por Toriumi et al.9, em casos de rinoplastia tanto primária como secundária7.
Em 2008, Rhee et al.6 realizaram uma revisão de 25 anos sobre tratamento de disfunção valvular nasal, incluindo trabalhos prospectivos e retrospectivos, a maioria deles com nível 4 de evidência científica, segundo o Oxford Center for Evidence-Based Medicine. Esse estudo demonstrou que, independentemente da técnica utilizada, todas as abordagens cirúrgicas modernamente descritas eram efetivas6.
Na casuística apresentada neste estudo, foi utilizada preferencialmente cartilagem septal na confecção da maioria dos enxertos utilizados nas rinoplastias, por suas características adequadas de espessura e resistência. Somente diante de sua indisponibilidade foram utilizadas cartilagens de costela ou concha auricular.
Neste estudo foram utilizadas basicamente as técnicas descritas por Sheen1,2, Sheen & Sheen3 e Gunter7,8, consideradas como fazendo parte da era da "Moderna Rinoplastia", por terem grande preocupação funcional e serem altamente efetivas, quando adequadamente realizadas.
Na presente casuística, houve resolução do quadro de obstrução nasal em 96,2% dos pacientes operados, índice similar ao reportado na literatura6.
No caso de insucesso na reparação da válvula nasal, foi utilizado enxerto costal de espessura inadequada, maior que o indicado, provocando abaulamento e obstrução da válvula nasal.
Com relação ao resultado estético, os enxertos de cartilagem costal devem ser cuidadosamente esculpidos, para não abaularem demasiadamente o terço médio e a ponta nasal, resolvendo o problema funcional, mas criando um nariz inestético.
No que se refere à prevenção das alterações funcionais durante a rinoplastia primária, dois pontos são importantes: a modelagem da ponta nasal por meio de pontos de sutura associados a menores ressecções e desestruturações das cartilagens da ponta nasal; e redução gradual do dorso, com adequada preservação das cartilagens laterais superiores, com descrito por Rohrich et al.10.
O controle do sangramento transoperatório é garantido pela anestesia geral com hipotensão controlada, pela vasoconstrição tópica intensa, associada a pouca anestesia infiltrativa, e, por fim, ao posicionamento do paciente com dorso elevado a 30 graus.
No período pós-operatório, a medida isolada mais importante para evitar sangramentos é o absoluto controle da pressão arterial, já que não utilizamos tamponamento nasal tradicional em nenhum caso. A hipotensão leve é desejável no pós-operatório imediato.
CONCLUSÕES
As técnicas cirúrgicas com emprego de spreader grafts, lateral crural strut grafts e alar batten grafts, com enxertos de cartilagem autóloga se mostraram efetivas no tratamento do comprometimento valvular pós-rinoplastia, proporcionando adequado suporte às válvulas nasais e apresentando grande efetividade na resolução desses quadros de obstrução nasal.
Deve-se ter muito cuidado no esculpimento dos enxertos de costela e concha auricular, para que não fiquem excessivamente espessos no terço médio e na ponta nasal, pois podem se tornar obstrutivos ou inestéticos.
REFERÊNCIAS
1. Sheen JH. Spreader graft: a method of reconstructing the roof of the middle nasal vault following rhinoplasty. Plast Reconstr Surg. 1984;73(2):230-9.
2. Sheen JH. Rhinoplasty: personal evolution and milestones. Plast Reconstr Surg. 2000;105(5):1820-52.
3. Sheen JH, Sheen AP. Aesthetic rhinoplasty. 2nd ed. St. Louis: Mosby; 1998.
4. Rhee JS, Weaver EM, Park SS, Baker SR, Hilger PA, Kriet JD, et al. Clinical consensus statement: diagnosis and management of nasal valve compromise. Otolaryngol Head Neck Surg. 2010;143(1):48-59.
5. Almeida GS, Pessoa BBGP, Oliveira NGS, Gomes AAR, Crisóstomo MR, Pessoa SGP. Reconstrução do terço médio nasal em rinoplastia primária. Rev Soc Bras Cir Plást. 2008;23(2):124-7.
6. Rhee SJ, Arganbright JM, McMullin BT, Hannley M. Evidence supporting functional rhinoplasty or nasal valve repair: a 25-year systematic review. Otolaryngol Head Neck Surg. 2008;139(1):10-20.
7. Gunter JP, Rohrich RJ, Adams Jr WP. Dallas rhinoplasty: nasal surgery by the masters. St. Louis: Quality Medical Publishing; 2002.
8. Gunter JP, Friedman RM. Lateral crural strut graft: technique and clinical application in rhinoplasty. Plast Reconstr Surg. 1997;99(4):943-52.
9. Toriumi DM, Josen J, Weinberger M, Tardy ME Jr. Use of alar batten grafts for correction of nasal valve collapse. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 1997;123(8):802-8.
10. Rohrich RJ, Muzaffar AR, Janis JE. Component dorsal hump reduction: the importance of maintaining dorsal aesthetic lines in rhinoplasty. Plast Reconstr Surg. 2004;114(5):1298-308.
Cirurgião plástico, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Fortaleza, CE, Brasil
Correspondência para:
Glauco Soares de Almeida
Av. Rui Barbosa, 343 - ap. 2.002 - Meireles
Fortaleza, CE, Brasil - CEP 60115-220
E-mail: glaucosoaresalmeida@ig.com.br
Artigo submetido pelo SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBCP.
Artigo recebido: 20/5/2012
Artigo aceito: 1º/10/2012
Trabalho realizado na clínica privada do autor, Fortaleza, CE, Brasil.