ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175
Uso do ácido poli-L-láctico como restaurador de volume facial
Facial volume replacement with poly-l-lactic acid
Original Article -
Year2013 -
Volume28 -
Issue
2
Rosangela Maria Santini Ferreira da Silva1; Gustavo Félix Cardoso2
RESUMO
INTRODUÇÃO: O ácido poli-L-láctico é usado na Europa, para fins cosméticos, desde 1999, e nos Estados Unidos, para tratamento de lipoatrofia pelo HIV, desde 2004. Este trabalho tem por objetivo apresentar nossa experiência com o emprego do ácido poli-L-láctico para uso cosmético, visando restaurar a perda de volume facial decorrente do processo de envelhecimento.
MÉTODO: Doze pacientes foram submetidos ao tratamento no período de 2006 a 2012. O produto foi reconstituído em 5 ml de água destilada e, no momento da injeção, foram acrescentados 2 ml de lidocaína a 2% com adrenalina 1:200.000. O tratamento foi individualizado de acordo com o volume e o contorno faciais dos pacientes. Os resultados foram analisados por meio de fotografias pré e pós-procedimento, e de acordo com a percepção do médico e dos pacientes.
RESULTADOS: Todos os pacientes mostraram-se satisfeitos com os resultados obtidos. Foram observados 4 casos de equimose no local da injeção, e 1 paciente apresentou nódulos na região periorbitária.
CONCLUSÕES: O ácido poli-L-láctico pode ser utilizado como mais uma ferramenta para restaurar, corrigir e amenizar as deformidades faciais.
Palavras-chave:
Técnicas cosméticas. Face. Envelhecimento da pele. Ácido láctico.
ABSTRACT
BACKGROUND: Poly-l-lactic acid has been used in Europe since 1999 for cosmetic purposes and in the United States since 2004 for the treatment of human immunodeficiency virus lipoatrophy. This paper aims to present the use of poly-l-lactic acid for the cosmetic purpose of restoring facial volume lost due to the aging process.
METHODS : Twelve patients were treated in private practice between 2006 and 2012. The product was reconstituted in 5 ml of distilled water and mixed with 2 ml of xylocaine 2% and epinephrine at the time of injection. Individualized treatment was performed according to each patient's facial size and contour. We analyzed photographs taken before and after surgery as well as subjective evaluations made by the physician and patients.
RESULTS: All patients were satisfied with the results. Adverse effects included 4 cases of ecchymosis at the injection site and 1 case of nodules in the periorbital region.
CONCLUSIONS: Poly-l-lactic acid is another tool for restoring, correcting, and smoothing facial deformities.
Keywords:
Cosmetic techniques. Face. Skin aging. Lactic acid.
INTRODUÇÃO
Desde 1898 já há relatos médicos de inclusão de materiais na face visando à melhoria estética1.
Com o advento da anestesia e com a melhora dos procedimentos cirúrgicos, na metade do século XIX, os procedimentos estéticos tornaram-se mais invasivos. Inicialmente, a gordura era enxertada para preencher volumes após traumas. No século XX, a gordura autóloga tornou-se o material de preenchimento mais usual. Entretanto, retirar a gordura e transportá-la é um procedimento invasivo, demorado e que, em muitos casos, não apresenta efeito duradouro2.
O ácido poli-L-láctico foi aprovado pelo Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, em agosto de 2004, para abordagem da lipodistrofia causada pelo HIV (do inglês, human immunodeficiency virus). Percebe-se, porém, uma tendência de ampliação de uso com finalidade estética, além da correção da lipodistrofia associada à imunodeficiência1,3. Essa substância está aprovada para fins cosméticos na Europa, no Canadá, na Austrália e no Brasil.
Polímeros de ácido láctico têm sido usados há mais de 30 anos, em diferentes áreas médicas, tais como fios de sutura reabsorvíveis, implantes intraósseos, pinos, placas e parafusos em cirurgias reconstrutivas.
O produto é composto de partículas de ácido poli-L-láctico, carboximetilcelulose sódica e manitol apirogênico.
O ácido poli-L-láctico é um estimulador de neocolagênese, com resultados que perduram por cerca de 2 anos, tempo bem superior ao de sua degradação tecidual (9 meses), a qual ocorre, principalmente, sob a forma carbônica expiratória1.
Derivado da fermentação da dextrose do milho, o ácido poli-L-láctico é uma molécula pesada (140 k Dalton), cristalina, com 2 µm a 50 µm de diâmetro, que, sob hidrólise tecidual não-enzimática, se degrada a monômeros de ácido láctico. Esses monômeros de ácido láctico são fagocitados por macrófagos e degradados a glucose e gás carbônico, este último eliminado por via respiratória. Quando o ácido poli-L-láctico é usado para reparo do volume tecidual, o real mecanismo de neocolagênese não está elucidado; acredita-se, porém, que esse processo está relacionado à resposta do hospedeiro e à degradação gradual do material. Possui caráter biocompatível e biodegradável, e, além disso, teste alérgico não se faz necessário1.
A pele é o maior indicador da idade, da saúde e da vitalidade do indivíduo. Exposição solar, acne, movimentos repetitivos e ação da gravidade levam ao desgaste e traduzem a idade do indivíduo, enquanto mudanças fisiológicas associadas ao avanço da idade contribuem para as alterações na aparência facial4. Fatores intrínsecos e extrínsecos contribuem para o envelhecimento de todos os tecidos do corpo. Dentre os fatores extrínsecos encontram-se tabagismo, exposição solar, ingestão de álcool e acentuados ganhos e perdas de peso, entre outros.
Com o envelhecimento surgem rugas dinâmicas e estáticas na face. As rugas dinâmicas são resultado de contração muscular. As rugas estáticas, por sua vez, aparecem quando o rosto está em repouso, surgindo quando a pele perde elastina, colágeno e ácido hialurônico, o que geralmente ocorre no processo de envelhecimento.
As rugas faciais são derivadas principalmente da perda de volume decorrente de lipoatrofia e alteração da distribuição gordurosa1.
Os produtos para preenchimento devem possuir algumas características para ser usados com segurança, incluindo origem não-animal, biocompatibilidade, biodegradabilidade, baixo risco de reação alérgica, não ser permanente e apresentar baixa incidência de efeitos colaterais, como edema, infecções, migração e reações tissulares1.
As indicações incluem anormalidades congênitas, escleroderma, doença de Romberg, perda de gordura facial e lipoatrofia facial associada ao HIV.
Os produtos injetáveis, para fins tanto estéticos como reparadores, enquadram-se nas técnicas minimamente invasivas.
Este estudo tem por objetivo apresentar a experiência dos autores com o emprego do ácido poli-L-láctico com fins cosméticos, visando à restauração do volume facial por meio do tratamento das rugas estáticas, principalmente dos terços médio e inferior da face.
MÉTODO
Foram avaliados, retrospectivamente, 12 pacientes submetidos a tratamento com ácido poli-L-láctico, no período de 2006 a 2012. A idade dos pacientes variou de 43 anos a 73 anos, com média de 58 anos, sendo 11 do sexo feminino e 1 do masculino.
A face foi examinada quanto a volume e contorno, com foco na identificação de concavidades ou convexidades. Além disso, foi realizada análise da qualidade geral do tecido e outras alterações pouco perceptíveis que pudessem interferir na ação do produto injetado.
O produto apresenta-se como pó liofilizado e necessita ser reconstituído antes da aplicação.
O ácido poli-L-láctico foi diluído em 5 ml de água destilada, 24 horas antes do procedimento, sendo acrescentados 2 ml de lidocaína a 2% com adrenalina 1:200.000 no momento da aplicação.
Todos os pacientes foram submetidos a anestesia tópica com lidocaína creme a 4%, 20 minutos antes do procedimento. A seguir, os pacientes foram fotografados de frente, perfil direito e perfil esquerdo. Procedeu-se à lavagem do rosto e assepsia com álcool a 70%, com posicionamento do paciente em decúbito dorsal e leve inclinação do tronco. Usou-se gelo antes da aplicação.
Foram aplicados 0,05 ml a 0,1 ml nas áreas previamente demarcadas, na derme profunda, regiões subcutânea e supraperiosteal, através de tunelização (sentido centrífugo ou centrípeto) ou ponto a ponto, com agulha 26 Gauge a 30 Gauge.
Imediatamente após a aplicação, foi realizada massagem vigorosa das áreas, mantida pelos pacientes durante 30 dias. A regra do "5" foi utilizada e pode ser uma referência útil para os pacientes aderirem, que prevê a realização de massagens por 5 minutos, 5 vezes por dia, durante 5 dias após a injeção, seguido de 1 vez por dia nos 25 dias subsequentes.
A frequência das aplicações foi mensal, perfazendo um total de 3 sessões, sendo utilizado um frasco a cada sessão. A quantidade de ácido poli-L-láctico aplicada nas hemifaces dependeudas alterações apresentadas pelos pacientes. Após 1,5 ano a 2 anos, foi realizada nova sessão de manutenção.
As regiões faciais tratadas foram periorbitária, superior do zigoma, nasolabial, malar, bucal, pré-auricular, comissuras periorais e linha mandibular. O tratamento dos lábios com ácido poli-L-láctico não é indicado.
Os pacientes foram fotografados antes de cada sessão de aplicação do ácido poli-L-láctico, 4 semanas a 6 semanas após o final do tratamento, e 12 meses e 24 meses depois do último procedimento. A cada nova sessão, as fotos anteriores foram exibidas na tela do computador, para possibilitar o acompanhamento do progresso do tratamento. Os resultados do procedimento foram avaliados por meio de fotografias realizadas nos períodos pré e pós-tratamento.
A satisfação do paciente com o tratamento foi discutido a cada sessão e os resultados classificados como acima do esperado, esperado e abaixo do esperado. Os resultados acima do esperado e esperado foram interpretados como satisfatórios.
Foi analisada, também, a satisfação do paciente e do médico quanto ao formato do rosto, que inicialmente se apresentava alongado, côncavo e com deformidades localizadas e que, no pós-tratamento, se mostrava com formato menos alongado, sem as concavidades e deformidades localizadas.
RESULTADOS
Todos os pacientes mostraram-se satisfeitos com os resultados obtidos (Figura 1).
Figura 1 - Em A e B, aspecto pré-procedimento, com marcações das áreas a serem tratadas, em vista frontal e perfil esquerdo, respectivamente. Em C e D, aspecto 1 ano após o procedimento, em vista frontal e perfil esquerdo, respectivamente.
Foram observados 4 casos de equimose no local da injeção, e 1 paciente apresentou nódulos na região periorbitária. Esses pacientes foram submetidos a incisão e exérese, 4 meses após o procedimento (Figura 2).
Figura 2 - Em A e B, aspecto pré-procedimento, em vista frontal e perfil direito, respectivamente. Em C, aspecto 4 meses após o procedimento, revelando presença de nódulos nas regiões periorbitárias direita e esquerda. Em D, aspecto 1 ano após o procedimento, em perfil direito. Em E, aspecto 1 ano após o procedimento, em vista frontal.
A médio e longo prazos, todos os pacientes relataram satisfação com o método e com os resultados obtidos, inclusive a paciente submetida a intervenção para exérese dos nódulos.
DISCUSSÃO
Durante o processo de envelhecimento, existe perda volumétrica da face em decorrência de vários fatores, como diminuição do colágeno e da elasticidade, flacidez muscular, atrofia do tecido gorduroso, alteração na distribuição do tecido gorduroso e, por fim, reabsorção óssea.
No passado, o ácido poli-L-láctico era reconstituído em 3 ml de água destilada, 30 minutos antes de sua aplicação. Atualmente, a maioria dos autores refere reconstituição que varia de 5 ml a 10 ml, associando lidocaína a 2%, deixando a solução repousar durante a noite e agitando-a durante 1 minuto até obtenção de um gel homogêneo e translúcido. Vleggaar & Fitzgerald5 descreveram pontos de abordagem supraperiosteal associados a pontos de aplicação em derme profunda ou subderme, tendo como objetivo o tratamento de áreas de lipotrofia e áreas de reabsorção óssea.
As indicações cosméticas do ácido poli-L-láctico, em indivíduos hígidos portadores de fotoenvelhecimento, não só abrangem diversas áreas da face (têmporas, região periorbital, sulco nasogeniano, áreas zigomáticas superior, malar, bucal, periauricular e comissura perioral), mas, também, não-faciais (mãos, pescoço, cicatriz de acne, cicatrizes atróficas e "V" do decote)1. As contraindicações incluem hipersensibilidade ao ácido poli-L-láctico ou à carboximetilcelulose sódica, pacientes já submetidos a preenchimento com produtos não-biodegradáveis, inflamação na pele ou infecção na área a ser tratada.
O ácido poli-L-láctico não é utilizado para correção de rugas superficiais na pele, tampouco para correção de linhas radiais nos lábios6-8.
A profundidade da injeção varia de acordo com a área a ser tratada: derma profundo, no terço inferior da face; derma profundo e subcutâneo, no terço médio da face; e subperiosteal, no rebordo orbitário, ponto a ponto, com quantidade aproximada de 0,05 ml em cada ponto1.
O aumento da deposição do colágeno acompanha a degradação do polímero em 6%, 32% e 58% após 1 mês, 3 meses e 6 meses, respectivamente5.
Em estudos histológicos realizados em amostras de biópsia, realizados 8 meses e 24 meses após injeção do produto, observa-se progressiva dissolução do ácido poli-L-láctico associado a crescimento de colágeno tipo II. Trinta meses após injeção do produto, observa-se, à microscopia, ausência de ácido poli-L-láctico e abundância de fibras colágenas.
Resultados parciais são obtidos logo após a primeira sessão, geralmente 30 dias após injeção do produto, com pico de atuação média em torno de 6 meses, com duração do estímulo por cerca de 2 anos, sendo necessária uma sessão de manutenção.
Pode-se, ainda, associar ácido poli-L-láctico a toxina botulínica, para tratamento de rugas dinâmicas da face, e/ou ácido hialurônico, para preenchimento de vincos e sulcos mais acentuados e das rítides. Esses métodos podem ser realizados simultaneamente.
Os efeitos adversos mais comumente observados foram hematomas, equimoses e dor transitória, que cederam após alguns dias. As possíveis complicações tardias são as pápulas e os nódulos. Na maioria dos pacientes, tanto os nódulos como as pápulas se resolvem espontaneamente, entre 2 meses e 4 meses após aplicações. Nos poucos casos em que essas irregularidades perduram, a resolução se faz somente ao final de aproximadamente 2 anos, quando cessam os efeitos do ácido poli-L-láctico3,8.
Ao utilizar a técnica ponto a ponto, na região superior do zigoma, a agulha deve ser inserida sob o músculo orbicular do olho, logo acima do periósteo.
Para reduzir a incidência de nódulos, é importante massagear toda a área após cada injeção, para espalhar o produto uniformemente.
Reconstituição do produto em 3 ml de água destilada deve ser realizada especificamente em pacientes com lipoatrofia significativa, pois requerem resposta mais intensa1. O estudo VEGA9reportou alta incidência de pápulas e nódulos, em torno de 52%, quando dissolvia o ácido poli-L-láctico em 3 ml de água destilada e o produto era administrado na derme profunda. Biópsias nos nódulos revelam reação de corpo estranho.
Recentemente, maiores diluições têm sido recomendadas, chegando até 11 ml de água destilada, quando o ácido poli-L-láctico for usado na área periorbitária.
Nos 12 pacientes reportados neste estudo, foram observados 4 casos de equimose no local da injeção e 1 caso de nódulos na região periorbitária, onde havia sido realizada injeção ponto a ponto, que surgiram 15 dias após o procedimento.
CONCLUSÕES
Os resultados estéticos obtidos com o uso do ácido poli-L-láctico são equivalentes aos observados com o enxerto de gordura autóloga, porém sem as preocupações e a demora que envolvem um procedimento cirúrgico e sem o comportamento imprevisível da gordura.
O ácido poli-L-láctico pode ser utilizado como mais uma ferramenta para restaurar, corrigir ou amenizar deformidades faciais.
REFERÊNCIAS
1. Woerle B. Hanke CW, Sattler G. Poly-L-lactic acid: a temporary filler for soft tissue augmentation. J Drugs Dermatol. 2004;3(4):385-9.
2. Vleggaar D. Soft-tissue augmentation and the role of poly-L-lactic acid. Plast Reconstr Surg. 2006;118(3 Suppl):46S-54S.
3. Rotunda AM, Narins RS. Poly-L-lactic acid: a new dimension in soft tissue augmentation. Dermatol Ther. 2006;19(3):151-8.
4. Stewart DB, Morganroth GS, Mooney MA, Cohen J. Levin PS, Gladstone HB. Management of visible granulomas following periorbital injection of poly-L-lactic acid. Ophthal Plast Reconstr Surg. 2007;23(4):298-301.
5. Vleggaar D, Fitzgerald R. Dermatological implications of skeletal aging: a focus on supraperiosteal volumization for perioral rejuvenation. J Drugs Dermatol. 2008;7(3):209-20.
6. Dijkema SJ, van der lei B, Kibbelaar RE. New-fill injections may induce late-onset foreign body granulomatous reaction. Plast Reconstr Surg. 2005;115(5):76e-8e.
7. The Science of Dermal Fillers (Internet). Medscape CME Dermatology. Cited 2010 Aug 31. Disponível em: www.cme.medscape.com/dermatology.
8. Vleggaar D. Facial volumetric correction with injectable poly-L-lactic acid. Dermatol Surg. 2005;31(11 pt 2):1511-8.
9. Valantin MA, Aubron-Olivier C, Ghosn J, Laglenne E, Pauchard M, Schoen H, et al. Polylactic acid implants (new-fill) to correct facial lipoatrophy in HIV-infected patients: results of the open-label study VEGA. AIDS. 2003;17(17):2471-7.
1. Cirurgiã plástica, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), Brasília, DF, Brasil
2. Cirurgião plástico, membro associado da SBCP, Brasília, DF, Brasil
Correspondência para:
Rosangela Maria Santini Ferreira da Silva
Av. L2 Sul - Quadra 607 - Sala 209 - Centro Clínico Metrópolis
Brasília, DF, Brasil - CEP 70200-670
E-mail: cliniser@globo.com
Artigo submetido pelo SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBCP.
Artigo recebido: 14/9/2012
Artigo aceito: 20/3/2013
Trabalho realizado na Clínica CliniSer, Brasília, DF, Brasil.
All scientific articles published at www.rbcp.org.br are licensed under a Creative Commons license