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Original Article - Year2013 - Volume28 - Issue 2

RESUMO

INTRODUÇÃO: A síndrome de Romberg é uma moléstia descrita há mais de um século e, nesse período, recebeu várias denominações. É caracterizada por lenta e progressiva atrofia dos tecidos de uma hemiface, podendo acometer todos os tecidos e apresentar, também, manifestações neurológicas e oculares. O objetivo deste estudo é relatar série de casos de pacientes com atrofia hemifacial progressiva, abordando as opções terapêuticas individualizadas para cada caso.
MÉTODO: Foi realizado estudo retrospectivo, descritivo e analítico de pacientes atendidos nos ambulatórios de Cirurgia Plástica no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná e no Centro de Atendimento Integral ao Fissurado Lábio Palatal (CAIF), em Curitiba, PR, Brasil.
RESULTADOS: Foram analisados 13 pacientes, sendo 10 (76,9%) do sexo feminino e 3 (23,1%) do sexo masculino. A idade de início dos sintomas variou de 2 anos a 15 anos. A primeira consulta ocorreu, em média, aos 11,7 anos. A hemiface mais frequentemente afetada foi a esquerda. Sete (53,8%) pacientes foram submetidos a cirurgia.
CONCLUSÕES: A síndrome de Romberg é uma entidade rara, devastadora na aparência facial, que tem sido muito estudada. Apesar dos grandes avanços da medicina, a definição de sua etiologia e um tratamento direcionado a sua causa ainda são apenas um desejo.

Palavras-chave: Hemiatrofia facial. Face/cirurgia. Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos.

ABSTRACT

BACKGROUND: The Romberg's syndrome is a disease that was first described more than a century ago, and during this period had several names. It is characterized by a slow and progressive atrophy of the tissues of a hemiface, can affect all tissues and can also display neurological and ocular manifestations. The aim of this study is to report a series of patients with progressive hemifacial atrophy, addressing treatment options for each individual case.
METHODS: Was conducted a retrospective, descriptive and analytic study of the patients treated in our service, Plastic Surgery at the Hospital de Clinicas - Universidade Federal do Paraná, and the Centro de Atendimento Integral ao Fissurado Lábio Palatal (CAIF), at Curitiba, PR, Brazil.
RESULTS: Were analyzed 13 patients, 10 (76.9%) female and 3 (23.1%) male. The age of onset of symptoms ranged from 2 to 15 years. The first medical consultation with an specialist occurred at 11.7 years. The left hemiface was most commonly affected. Seven (53.8%) patients underwent surgery.
CONCLUSIONS: The Romberg's syndrome is a rare disorder, devastating to facial appearance, and it has been widely studied. Despite great advances in medicine, its etiology definition and the treatment directed to its cause is still only a wish.

Keywords: Facial hemiatrophy. Face/surgery. Reconstructive surgical procedures.


INTRODUÇÃO

A atrofia hemifacial progressiva foi primeiramente descrita, em 1825, por Parry, e posteriormente por Romberg, em 1846, recebendo diversas denominações, como síndrome de Parry-Romberg, prosopodismorfia e trofoneurose1.

É caracterizada por lenta e progressiva atrofia dos tecidos de uma hemiface, inicialmente partes moles, podendo acometer todos os tecidos, inclusive ósseo. Também podem ocorrer envolvimento cerebral, com presença de crises convulsivas2, malformações vasculares intracranianas3, alterações nos nervos cranianos, envolvimento dos sistemas nervoso periférico e autônomo4, além de envolvimento ocular, que ocorre em 10% a 15% dos casos5.

Os sintomas geralmente têm início entre a primeira e a segunda décadas de vida, progridem por alguns anos e depois se tornam estacionários6. Alguns autores advogam ocorrência mais comum no sexo feminino, na proporção de 3:2 homens7, enquanto outros consideram incidência igual entre os sexos8. A hemiface esquerda é a mais comumente afetada.

A etiologia da atrofia hemifacial progressiva permanece controversa, sendo sugeridas várias teorias, como aprisionamento angiogênico, trauma, infecção e neurite trigeminal, entre outras6,9.

O tratamento consiste, inicialmente, no controle dos sintomas neurológicos e oculares. Após a parada de progressão da atrofia, pode-se iniciar o tratamento estético. Para correção da assimetria de face podem ser empregadas múltiplas alternativas, entre elas os enxertos dérmicos, gordurosos e ósseos, assim como a rotação de retalhos e uso de produtos aloplásticos.

O objetivo deste estudo é relatar série de casos de pacientes com atrofia hemifacial progressiva atendidos pelo Serviço de Cirurgia Plástica no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e no Centro de Atendimento Integral ao Fissurado Lábio Palatal (CAIF), no período de 2000 a 2012, abordando as opções terapêuticas individualizadas para cada caso.


MÉTODO

Realizou-se um estudo retrospectivo, descritivo e analítico de pacientes atendidos nos ambulatórios de Cirurgia Plástica no Hospital de Clínicas da UFPR e no CAIF, em Curitiba, PR. Foram analisados os prontuários dos pacientes com síndrome de Romberg atendidos nesses hospitais no período de 2000 a 2012.

Os dados avaliados foram: idade de início dos sintomas, idade da primeira consulta, sexo, hemiface acometida, história familiar, outras doenças associadas, bem como número de procedimentos cirúrgicos realizados, incluindo idade do paciente no momento da cirurgia e tipo de cirurgia realizada.


RESULTADOS

Foram analisados 13 pacientes, sendo 10 (76,9%) do sexo feminino e 3 (23,1%) do sexo masculino.

A idade do início dos sintomas variou de 2 anos a 15 anos, com média de 6,3 anos. A primeira consulta ocorreu, em média, aos 11,7 anos, variando de 4 anos a 36 anos. O retardo para procura de assistência médica foi de 5,4 anos (Tabela 1).




A hemiface mais frequentemente afetada foi a esquerda, correspondendo a 61,5% do total. Nenhum paciente apresentou história familiar de hemiatrofia facial.

As doenças associadas foram: vitiligo (n = 2), estrabismo (n = 2), transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (n = 1) e hérnia inguinal (n = 1).

Nesta série, os pacientes apresentaram acometimento de várias regiões simultaneamente, com média de 3,6 regiões afetadas em cada caso, variando de 2 a 6. O local mais comumente afetado foi o lábio superior (n = 11), seguido por região jugal (n = 9), lábio inferior (n = 6), mandíbula (n = 5), nariz (n = 4), fronte (n = 4, incluídos 3 pacientes com deformidade en coup de sabre), maxila (n = 2), alopecia em couro cabeludo (n = 2), pálpebra inferior (n = 1), pescoço (n = 1), alopecia em sobrancelha (n = 1) e significativa atrofia cutânea localizada (n = 1). Em todos os casos de atrofia da região jugal, havia comprometimento do lábio superior, assim como em todos os casos de acometimento nasal o lábio superior também se encontrava acometido. Em 5 dos 6 pacientes com atrofia do lábio inferior, a mandíbula também se encontrava afetada.

Sete (53,8%) pacientes foram submetidos a cirurgia. Foram realizados 2,8 procedimentos por paciente que foram operados, variando de 2 a 4. As cirurgias realizadas foram: enxerto de cartilagem de asa nasal (n = 2), enxerto de fáscia temporal (n = 1), lipoenxertia (n = 16), cranioplastia (n = 2), ressecção parcelada de cicatriz (n = 1), e rinosseptoplastia (n = 1). Três pacientes foram submetidos a procedimentos associados.

O volume enxertado durante as lipoenxertias variou de 5 ml a 55 ml por procedimento, com média de 20 ml por sessão de lipoenxertia. Quatro (57,1%) pacientes apresentaram absorção significativa do enxerto gorduroso, sendo necessária a repetição do procedimento. Três pacientes apresentaram integração do enxerto de gordura, não havendo reabsorção significativa.

As Figuras 1 e 2 ilustram alguns casos da presente casuística.


Figura 1 - Em A, paciente antes do início do tratamento estético. Em B, paciente após 3 sessões de lipoenxertia, com tratamento estético em curso.


Figura 2 - Em A, paciente antes do início do tratamento estético. Em B, paciente após 4 sessões de lipoenxertia.



DISCUSSÃO

A síndrome de Romberg é uma doença rara e sua etiopatogenia permanece desconhecida. Apesar de múltiplas teorias tentarem explicá-la, nenhuma é universalmente aceita. Sua apresentação clínica é bastante variada, principalmente no início dos sintomas. A ectoscopia é o principal elemento para o diagnóstico dessa moléstia. A hemiatrofia facial, no presente estudo, acometeu predominantemente pacientes do sexo feminino, dado condizente com outros estudos7.

As manifestações iniciais variam de parestesias no território trigeminal a crises convulsivas e manchas hipo ou hipercrômicas. À medida que a doença progride, vão se tornando mais aparentes alterações de pele, tecido subcutâneo e, mais tardiamente, comprometimento de músculos, cartilagens e ossos. As manifestações progridem em ritmo lento e tendem a se tornar estacionárias após alguns anos de atividade6.

Os sintomas iniciais têm início na primeira ou segunda décadas de vida6, entre 2 anos e 15 anos nesta série. As alterações ósseas tendem a ser mais graves quanto mais precoce é seu início10.

O longo período entre o início dos sintomas e a procura do centro especializado pode ser decorrente do pouco conhecimento dessa síndrome pelos médicos em geral ou pela demora para se obter uma consulta especializada no sistema de saúde.

A abordagem terapêutica dessas crianças pode ser medicamentosa ou cirúrgica. O tratamento clínico da doença com imunossupressores (metotrexato) ou outras medicações, como cloroquina e calcipotriol, é discutido por vários autores; todavia, ainda não há evidências científicas para utilização desse tipo de medicação11.

O tratamento cirúrgico é postergado até a estabilização da moléstia. Os tecidos moles podem ser tratados mais precocemente, entretanto a correção das estruturas osteocartilaginosas deve aguardar o completo crescimento facial.

O tratamento cirúrgico do defeito facial pode ser realizado utilizando-se diferentes técnicas12-15. Defeitos estruturais podem receber materiais aloplásticos, como silicone e polietileno poroso, enquanto defeitos de tecidos moles podem ser reconstruídos com enxerto autólogo dermogorduroso, lipoenxertias seriadas, e transferência de tecido vascularizado (direto ou microcirúrgico).

Mordick et al.14 e Roddi et al.15 realizaram estudos comparando as duas técnicas principais: o enxerto de gordura e a transferência de tecido vascularizado. Esses trabalhos demonstraram que os lipoenxertos são simples, acessíveis, com baixo risco de complicações e bons resultados estéticos, especialmente para defeitos leves a moderados. Todavia, para as atrofias mais graves, a transferência de tecido vascularizado é mais eficaz, em decorrência do baixo suprimento vascular local. Podem-se utilizar retalhos de epiplon, musculares e fasciocutâneos, havendo grande divergência de indicações.

Foram utilizadas várias técnicas para melhora estética dos pacientes incluídos neste estudo. A indicação depende basicamente do grau e da localização do defeito, e deve ser individualizada. Na abordagem da região frontal, optou-se por implante de cimento cirúrgico em 2 casos e lipoenxertia associada em 1. Duas pacientes foram submetidas a enxertia de cartilagem conchal para asa nasal, tendo uma delas posteriormente recebido uma fáscia temporal para aumento do tecido de cobertura e apagamento das bordas do enxerto. Outros procedimentos foram ressecção parcelada de cicatriz e rinosseptoplastia. O método de preferência, pela facilidade de execução e baixa morbidade, independentemente do resultado obtido neste estudo, foi a lipoenxertia. Essa técnica permite aumento de partes moles e correções de outros procedimentos que porventura tenham sido insuficientes, podendo ser repetido. A lipoenxertia leva à melhora da textura do tecido atrofiado, seguida de vascularização local.

A técnica de lipoenxertia tem evoluído recentemente com as novas pesquisas sobre as células-tronco, que podem ser isoladas do material lipoaspirado em grande número e crescem facilmente sob condições habituais de cultura tecidual. Assim, existem excelentes perspectivas para sua utilização em cirurgia plástica para o tratamento de deformidades congênitas e adquiridas, com finalidade reparadora ou estética16.


CONCLUSÕES

A síndrome de Romberg é uma entidade rara, devastadora na aparência facial, que tem sido muito estudada em decorrência da potencial melhora terapêutica com o uso de células-tronco. Apesar dos grandes avanços da medicina em todos os campos, a definição da etiologia dessa síndrome e um tratamento direcionado a sua causa ainda são apenas um desejo. Enquanto não possuímos conhecimentos suficientes para tratar sua causa, aperfeiçoamos técnicas para o tratamento de suas consequências.


REFERÊNCIAS

1. Melega JM. Cirurgia plástica: fundamentos e arte. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2004.

2. Duro LAA, Lima JMB, Reis MM, Silva CV. Atrofia hemifacial progressiva (doença de Parry-Romberg): estudo de um caso. Arq Neuropsiquiatr. 1982;40(2):193-200.

3. Miedziak AI, Stefanyszyn M, Flanagan J, Eagle RC Jr. Parry-Romberg syndrome associated with intracranial vascular malformations. Arch Ophthalmol. 1998;116(9):1235-7.

4. Brito JCF, Holanda MMA, Holanda G, Silva JAG. Hemiatrofia facial progressiva (doença de Parry-Romberg): relato de dois casos associados a trigeminalgia e câimbras. Arq Neuropsiquiatr. 1997;55(3A):472-7.

5. Muchnick RS, Aston SJ, Rees TD. Ocular manifestations and treatment of hemifacial atrophy. Am J Ophthalmol. 1979;88(5):889-97.

6. Duymaz A, Karabekmez FE, Keskin M, Tosun Z. Parry-Romberg syndrome: facial atrophy and its relationship with other regions of the body. Ann Plast Surg. 2009;63(4):457-61.

7. Boer RM. Síndrome de Parry-Romberg. Rev Bras Neurol. 1990;26(1):71-2.

8. Creus L, Sanchez-Regaña M, Salleras M, Chaussade V, Umbert P. Parry-Romberg syndrome associated with homolateral segmental vitiligo. Ann Dermatol Venereol. 1994;121(10):710-1.

9. Abele DC, Bedingfield RB, Chandler FW, Given KS. Progressive facial hemiatrophy (Parry-Romberg syndrome) and borreliosis. J Am Acad Dermatol. 1990;22(3):531-3.

10. Spraker M. Sclerosing and atrophying conditions. In: Schachner LA, Hansen RC, eds. Pediatric dermatology. New York: Churchill Livingstone; 1988. p. 925-6.

11. Alencar JCG, Andrade SHC, Pessoa SGP, Dias IS. Lipoenxertia autóloga no tratamento da atrofia hemifacial progressiva (síndrome de Parry-Romberg): relato de caso e revisão da literatura. An Bras Dermatol. 2011;86(4 Supl 1):S85-8.

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13. Morais-Besteiro J, Aki FE, Mendes JA, Ferreira MC. Microsurgical transplants for facial depressions. Rev Hosp Clin Fac Med Sao Paulo. 1992;47(6):271-5.

14. Mordick TG 2nd, Larossa D, Whitaker L. Soft-tissue reconstruction of the face: a comparison of dermal-fat grafting and vascularized tissue transfer. Ann Plast Surg. 1992;29(5):390-6.

15. Roddi R, Riggio E, Gilbert PM, Hovius SE, Vaandrager JM, van der Meulen JC. Clinical evaluation of techniques used in the surgical treatment of progressive hemifacial atrophy. J Craniomaxillofac Surg. 1994;22(1):23-32.

16. Gomes RS. Perspectivas do uso de células-tronco em Cirurgia Plástica. Rev Bras Cir Plást. 2011;26(1):151-9.










1. Médica residente do Serviço de Cirurgia Plástica e Reparadora do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil
2. Especializando do Serviço de Cirurgia Plástica e Reparadora do Hospital de Clínicas da UFPR, Curitiba, PR, Brasil
3. Cirurgiã plástica do Serviço de Cirurgia Plástica e Reparadora do Hospital de Clínicas da UFPR, Curitiba, PR, Brasil
4. Cirurgião plástico, doutor e livre-docente, chefe do Serviço e professor associado I da Disciplina de Cirurgia Plástica da UFPR, cirurgião craniomaxilofacial do Centro de Atendimento Integral ao Fissurado Lábio Palatal, Curitiba, PR, Brasil

Correspondência para:
Renato da Silva Freitas
Rua General Carneiro, 180- 9º andar
Curitiba, PR, Brasil - CEP 80060-900
E-mail: dr.renato.freitas@gmail.com

Artigo submetido pelo SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBCP.
Artigo recebido: 30/1/2012
Artigo aceito: 16/5/2012

Trabalho realizado no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.

 

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