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Reviw Article - Year2013 - Volume28 - Issue 1

RESUMO

O desenvolvimento de modelos tridimensionais digitais da face foi uma das formas de contornar as limitações dos métodos tradicionais de avaliação de tecidos moles. Para tanto, o método com maior aplicabilidade clínica atualmente é a estereofotogrametria digital. Esta revisão sistemática objetiva abordar o uso dessa técnica em anormalidades craniofaciais, com foco em sua aplicação prática. Foram realizadas buscas sobre o tema nas bases de dados Medline, Cochrane Library, LILACS e SciELO. A partir de critérios de inclusão preestabelecidos, 19 artigos foram selecionados. Extraíram-se dados sobre: sistemas utilizados, ano de publicação, doenças abordadas, pontos de referência usados para cada doença, vantagens e desvantagens da estereofotogrametria por sistema utilizado e qualidade dos artigos. O sistema 3dMD® foi o equipamento empregado em 11 artigos. O ano de publicação mais frequente foi 2010, com 6 trabalhos. Doze estudos abordaram fissuras labiopalatinas e 17 trabalhos utilizaram pontos de referência antropométricos. O caráter não-invasivo, a rápida aquisição de imagens e a acurácia foram as vantagens referidas em 70% dos artigos que aplicaram o sistema 3dMD®. A desvantagem desse mesmo equipamento apontada com maior frequência foi o alto custo. Doze artigos possuíam bom nível de evidência científica. A estereofotogrametria digital é uma tecnologia capaz de aperfeiçoar o modo de avaliação dos tratamentos e quantificação das deformidades craniofaciais. Entretanto, há necessidade de realização de mais estudos com acompanhamento a longo prazo e associação de maior variedade de sistemas.

Palavras-chave: Fotogrametria. Anormalidades craniofaciais. Imagem tridimensional. Fotografia. Revisão.

ABSTRACT

Three-dimensional digital models of the face were developed to circumvent the limitations of the traditional assessment of soft tissue. Currently, a method reported to have a high clinical applicability is digital stereophotogrammetry. This systematic review aims to address the use of this technique in evaluating craniofacial abnormalities, with a focus on its practical application. The subject was searched in the Medline, Cochrane Library, LILACS, and SciELO databases. From preestablished inclusion criteria, 19 articles were selected. The data extracted were as follows: systems used, year of publication, diseases addressed, reference points used for each disease, advantages and disadvantages of the stereophotogrammetry system used, and quality of articles. The 3dMD® system was used in 11 articles. The most common publication year was 2010, with 6 studies. Twelve studies addressed cleft lip and palate, and 17 studies used anthropometric landmarks. Noninvasiveness, fast image acquisition, and accuracy were the advantages mentioned in 70% of the articles that used the 3dMD® system. The most frequently mentioned disadvantage of such equipment was the high cost. Twelve items had good level of scientific evidence. Digital stereophotogrammetry is a technology aimed to improve the evaluation of treatments and quantification of craniofacial deformities. However, there is a need for more studies with long-term monitoring and on the association of a wider variety of systems.

Keywords: Photogrammetry. Craniofacial abnormalities. Imaging, three-dimensional. Photography. Review.


INTRODUÇÃO

O sucesso das cirurgias craniomaxilofaciais depende não só dos aspectos técnicos da operação, mas também da formulação de um planejamento cirúrgico extenso. Tradicionalmente, esse planejamento é composto por 5 etapas: coleta de dados, diagnóstico e quantificação da condição, estabelecimento de um plano cirúrgico preliminar, simulação cirúrgica, estabelecimento do plano cirúrgico final e transferência deste para o paciente durante o procedimento de fato1.

Para realizar todas essas etapas e avaliar os resultados das cirurgias, comumente o profissional pode fazer uso de métodos como exame físico, radiografias (cefalometria e ortopantomografia), fotografias médicas bidimensionais, goteiras, antropometria clínica, modelos dentários e traçados preditivos a partir da cefalometria radiográfica. Entretanto, usando essas abordagens, a visualização tridimensional do processo fica restrita à imaginação de cada uma das pessoas envolvidas, gerando problemas de comunicação. Além disso, como a cefalometria e as fotografias tradicionais fornecem visões bidimensionais, a abordagem dos pacientes com deformidades assimétricas (34% das deformidades dentofaciais1) se mostra grosseira. Outros obstáculos são a transferência do planejamento para a sala cirúrgica em indivíduos sem anormalidades dentárias e o uso de diferentes posicionamentos do paciente nos métodos auxiliares citados, diminuindo a qualidade da predição1-3.

Uma das formas encontradas para melhorar o processo descrito foi o desenvolvimento de modelos tridimensionais digitais da morfologia facial2. Vários sistemas com diferentes abordagens foram criados para gerar uma imagem tridimensional de superfície, sendo a estereofotogrametria digital o método com maior aplicação clínica registrada4,5. Essa técnica consiste na aquisição de uma imagem tridimensional a partir de um ou mais pares de estereofotografias, sendo o sufixo "fotogrametria" relacionado à possibilidade de se realizarem medidas na foto tridimensional6 e, caso a tomografia computadorizada do paciente seja associada, utilizando a estrutura óssea subjacente4.

A análise dos modelos tridimensionais da estereofotogrametria pode ser feita por meio de mensurações linear, volumétrica, angular ou de área e/ou comparação de padrões de pontos de referência ou de faces inteiras. Quanto mais pontos relevantes forem abordados em um modelo, melhor será a qualidade dos resultados do estudo em questão7,8.

Esta revisão sistemática objetiva abordar o uso da estereofotogrametria nas deformidades craniofaciais, com foco em sua aplicação prática.


MÉTODO

Foi realizada busca por artigos e possíveis revisões sistemáticas sobre o emprego de estereofotogrametria nas deformidades craniofaciais, no dia 17/12/2011, nas bases de dados: Medline, Cochrane Library, LILACS e SciELO. No Medline, a procura foi feita pelos descritores "photo-grammetry" e "craniofacial abnormalitiesS" (Search details: "Photogrammetry"[MeSH] AND "Craniofacial AbnormaUtíes"[MeSH]). Na Cochrane Library, a busca foi feita pelo uso do MeSH term "photogrammetry". Para a busca na LILACS e na SciELO, utilizou-se a palavra "photogrammetry" na busca simples.

A partir dos resumos dos artigos encontrados, selecionaram-se manualmente os que atendiam aos seguintes critérios de inclusão: emprego de estereofotogrametria digital na cirurgia craniomaxilofacial e/ou na ortodontia; idioma inglês, espanhol ou português; ensaio clínico; versão completa on-line, disponível no portal de periódicos CAPES (www.periodicos.capes.gov.br) ou de acesso livre.

Na base de dados Medline, inicialmente foram recuperados 70 artigos. Após seleção pelos critérios descritos, foram identificados 17 artigos para análise posterior. A Cochrane Library forneceu 68 ensaios clínicos e 1 nota técnica (classificada como economic evaluation), que, após exclusão, resultaram em 3 artigos, dos quais 1 já estava entre os 17 recuperados na pesquisa realizada no Medline. Não foram encontrados artigos que atendessem aos critérios preestabelecidos nas bases LILACS e SciELO, que apresentaram 60 e 26 resultados iniciais, respectivamente. Não foi encontrada nenhuma revisão sistemática sobre estereofotogrametria digital.

Nos 19 artigos selecionados, levantaram-se dados sobre: sistemas utilizados, ano de publicação, doenças abordadas, pontos de referência usados para cada doença, vantagens e desvantagens da estereofotogrametria por sistema utilizado e qualidade dos artigos, com o objetivo de entender os avanços, a aplicabilidade e as limitações do uso dessa tecnologia em anormalidades craniofaciais.


RESULTADOS

Sistemas Utilizados


Nos 19 artigos selecionados foram utilizados os seguintes sistemas:
  • sistema 3dMD®[I] - empregado em 11 artigos (3 artigos: 3dMD Cranial®[II]; 5 artigos: 3dMD Face®[III]; 2 artigos: 3dMD DSP 400®[IV]; 1 artigo: 3dMD® não especificado)3,7-16;
  • sistema C3D®[V] - empregado em 3 artigos17-19;
  • 2 câmeras semimétricas (Rollei 6006 Réseau®[VI]) - empregadas em 3 artigos20-22;
  • 2 câmeras fotográficas profissionais (Nikon FM2® [VII]) - empregadas em 2 artigos23,24;
  • Genex FaceCam 250®[VIII] - empregado em 1 artigo, que, adicionalmente, utilizou o sistema 3dMD®13.
  • O sistema C3D® não está disponível comercialmente e provém da Universidade de Glasgow (Reino Unido)25.

    Ano de Publicação

    Os artigos selecionados foram publicados entre os anos de 1994 e 2011:
  • 2010 - publicação de 6 artigos3,7,8,10-12;
  • 2009 - publicação de 2 artigos13,14;
  • 2007 - publicação de 2 artigos15,17;
  • 2006 - publicação de 1 artigo16;
  • 2004 - publicação de 1 artigo18;
  • 2003 - publicação de 1 artigo19;
  • 1997 - publicação de 1 artigo23;
  • 1996 - publicação de 1 artigo24;
  • 1995 - publicação de 1 artigo20;
  • 1994 - publicação de 2 artigos21,22.
  • A Figura 1 apresenta a distribuição dos artigos segundo o ano de publicação.


    Figura 1 - Distribuição dos artigos segundo o ano de publicação.



    Doenças Abordadas

    A Figura 2 apresenta a distribuição das doenças pela frequência em que foram abordadas, como segue:


    Figura 2 - Distribuição das doenças segundo a frequência em que foram abordadas.


  • fissura labiopalatina - abordada por 12 artigos3,9,12,13,15-22;
  • deformidade craniana não-sinostótica - abordada por 3 artigos7,8,10;
  • extração de terceiro molar inferior - abordada por 2 artigos23,24;
  • síndrome da deleção do 22q11.2 - abordada por 1 artigo14;
  • oclusão classe III - abordada por 1 artigo, que se refere, adicionalmente, à fissura labiopalatina12;
  • inespecífica - 1 artigo não aborda uma doença específica11.
  • Pontos de Referência Usados por Doença

    Foram identificados os pontos de referência empregados em cada um dos artigos e de acordo com a doença abordada. Quando houve correspondência, utilizaram-se as nomenclaturas propostas por Farkas & Munro26 ou Kolar & Salter27, para identificação dos pontos de referência de cada artigo. Alguns dos artigos fizeram uso de pontos de referência não-antropométricos/construídos, sem ligação com alguma estrutura anatômica específica7,9,12,15,23,24.

    As Tabelas 1 e 2 listam, respectivamente, os pontos de referência das duas condições abordadas com maior frequência, as deformidades cranianas não-sinostóticas e as fissuras labiopalatinas. Os pontos presentes bilateralmente na face foram analisados como uma única entidade, visto que todos os estudos que os usaram analisaram seus dois correspondentes (direito e esquerdo); quando estes forem citados, os artigos foram assinalados com asterisco.






    Os estudos que abordaram extração de terceiro molar inferior utilizaram somente pontos não-antropométricos em suas análises23,24.

    Vantagens e Desvantagens Apontadas pelos Autores

    As vantagens e desvantagens da estereofotogrametria e dos métodos de imagem tridimensional apontados pelos autores foram analisadas de acordo com o sistema utilizado.

    As Tabelas 3 e 4 listam, respectivamente, as vantagens e as desvantagens referidas nos artigos que utilizaram o sistema 3dMD®.






    O estudo que fez uso do sistema Genex FaceCam 250®13 será considerado juntamente com os que utilizaram o 3dMD®, já que utilizou ambos os sistemas e os considerou equivalentes. Uma análise porcentual foi feita para as vantagens do 3dMD®.

    Qualidade dos Artigos

    Para avaliar a qualidade, os artigos foram categorizados por: desenho do estudo, presença de grupo controle, tamanho da amostra, composição dos grupos de análise, avaliação da confiança intra e interoperador, e tempo de acompanhamento.

    Desenho dos Estudos

    Quanto ao desenho de estudo, foram obtidos os seguintes resultados:
  • ensaios clínicos - 10 artigos3,7,9,10,15,17-19,23,24;
  • estudos observacionais - 5 artigos13,16,20-22;
  • notas técnicas - 2 artigos11,12;
  • estudos de acurácia diagnóstica - 2 artigos8,14.
  • Grupo Controle

    Sete artigos não tinham grupo controle3,8-11,17,24, enquanto 12 artigos referiram a presença deste7,12-16,18-23.

    Tamanho das Amostras

    Nos estudos que apresentavam grupo controle, o tamanho das amostras foi estabelecido pelo número total de pacientes analisados, subtraindo-se os pertencentes ao grupo controles. Os estudos apresentaram amostra variando entre 10 e 181 indivíduos (Figura 3).


    Figura 3 - Distribuição das referências dos 19 artigos selecionados segundo o tamanho da amostra.



    Composição dos Grupos de Análise

    Ao extrair dados sobre a composição dos grupos formados em cada estudo, verificou-se heterogeneidade em 2 artigos:
  • "Facial surface changes after cleft alveolar bone grafting"9 - não foram discriminados quais resultados eram pertencentes aos grupos com fissura labiopalatina unilateral e com fissura labiopalatina bilateral;
  • "3D stereophotogrammetric assessment of pre- and postoperative volumetric changes in the cleft lip and palate nose"3 - não foram discriminados quais resultados eram pertencentes aos grupos com fissura labiopalatina unilateral e com fissura labial unilateral.
  • Avaliação da Confiança Intraoperador e Interoperador

    A presença ou não da avaliação da confiança intra e interoperador foi analisada (Figura 4). Quatro artigos3,8,14,18 verificaram os dois tipos de confiança, enquanto 119,10,13,15,17,19-24 não verificaram nenhum dos dois.


    Figura 4 - Distribuição dos 19 artigos selecionados de acordo com a presença ou não da análise de confiança inter e intraoperador.



    Tempo de Acompanhamento por Tipo de Tratamento

    Foram extraídos dados sobre o tempo de acompanhamento nos artigos que envolveram estereofotogrametria após alguma intervenção terapêutica (Figura 5). Os estudos que envolveram cirurgia serão apresentados como menor período de tempo entre o procedimento e as fotos tridimensionais que o avaliaram. Quando a abordagem do paciente foi não-cirúrgica, foram incluídos dados sobre a duração do tratamento. Os artigos foram, adicionalmente, separados pelo tipo de abordagem terapêutica.


    Figura 5 - Tempo de acompanhamento do paciente em cada uma das intervenções terapêuticas abordadas.



    DISCUSSÃO

    Atualmente, estereofotogrametria é o sistema de imagem tridimensional mais promissor para diagnósticos acurados e avaliações da face28. Portanto, para compreender os avanços, aplicabilidade e limitações do uso dessa tecnologia, foi realizada revisão sistemática sobre sua aplicação em anormalidades craniofaciais.

    Revisões sistemáticas estão entre os desenhos de estudo com maior nível de evidência, sendo baseadas em uma busca compreensiva e exaustiva por estudos primários focados em um assunto específico29. Em nossa busca, utilizamos as bases de dados: Medline, Cochrane Library, LILACS e SciELO, selecionadas por sua relevância entre as que possuíam livre acesso. A busca foi feita por meio dos MeSH terms ou palavras que mais condiziam com o tema estereofotogrametria em anormalidades craniofaciais. As palavras usadas foram "photogrammetry" e "craniofacial abnormalitiess", empregando-se somente a primeira quando os resultados das pesquisas eram insuficientes ou inexistentes. Após exclusão por critérios preestabelecidos, foram selecionados 19 trabalhos científicos.

    Ao se abordarem os sistemas utilizados nos 19 artigos inclusos, observou-se que em torno de 57,9% dos estudos utilizaram o sistema 3dMD®, com os outros 4 sistemas significando, individualmente, frações menores e de magnitude similar. Provavelmente, esse achado justifica-se pelo fato de o sistema 3dMD® ter sido pioneiro no mercado (lançado em 20056), entre os sistemas de captação da morfologia tridimensional da face, a juntar estereofotogrametria com projeção de um padrão randômico de luz estruturada. São várias as vantagens atribuídas a esse sistema, destacando-se acurácia3,7,9,10,12,14,16, reprodutibilidade3,11, rapidez na aquisição de imagens3,8,10-14 e possibilidade de captação da textura facial11,12. Ao se analisarem as vantagens listadas nos outros sistemas, verifica-se que a maioria já está inclusa na lista do 3dMD®.

    Quanto ao ano de publicação, verificou-se que, a partir de 1994, os estudos estavam sendo produzidos em pequena quantidade, até que surgiu um pico em 2010. Esse pico foi gerado por 6 artigos, todos utilizando o sistema 3dMD®. Além disso, os 3 estudos que empregaram o sistema de captação de imagens tridimensionais cranianas (3dMD Cranial®) estão inclusos entre estes 7 artigos7,8,10. Esse aumento no número de trabalhos publicados pode ser atribuído à eficiência da divulgação do sistema e de suas vantagens em relação às tecnologias convencionais4,5,11. Além disso, por se tratar de um sistema de portabilidade restrita3 e de alto custo3,11, é compreensível que haja um atraso desde seu lançamento até sua aplicação na rotina médica, em decorrência de certos fatores que demandam tempo, como validação da tecnologia, captação de fundos, importação e familiarização com seu uso.

    Com relação às doenças abordadas, pôde-se constatar que 63,2% dos artigos estudaram fissuras labiopalatinas, sendo as deformidades cranianas não-sinostóticas a segunda condição mais frequente (15,8%). Apesar de ambas as situações necessitarem de abordagem tridimensional para adequado tratamento8,7,10,20-22, as deformidades cranianas não-sinostóticas costumam ser resolvidas com reposicionamento ativo da criança, com o uso de capacetes ortóticos reservado aos casos mais graves. A possibilidade de resolução cirúrgica das deformidades cranianas não-sinostóticas é muito pequena7,30, apresentando como única indicação a melhora estética do paciente31. Por outro lado, os pacientes fissurados sempre devem ser submetidos a cirurgia, que objetiva melhora estética e funcional do paciente, sendo assunto de debate o manejo dessa condição32. Assim, o maior enfoque da comunidade científica nas fissuras deve-se, possivelmente, à dificuldade de tratá-las de maneira satisfatória e de avaliar os resultados finais obtidos.

    Na análise das 5 condições abordadas nos 19 trabalhos científicos, foi unânime o uso de pontos de referência faciais. Com exceção dos 2 estudos sobre inchaço pós-extração de terceiro molar inferior23,24, todos os outros artigos utilizaram de alguma maneira pontos de referência antropométricos. Dentre esses pontos de referência antropométricos, os que tiveram maior aplicação foram os mais difundidos e facilmente localizados: endocanthion, exocanthion, pronasale, subnasale, alare, cheilion, crista philtri, nasion e opisthocranion. Nas fissuras, os pontos de referência mais usados estão localizados no terço médio facial e porção superior do terço inferior da face. Por sua vez, a análise das deformidades cranianas não-sinostóticas avaliou pontos-chave cranianos e faciais, como euryon, opisthocranion, inion, nasion, tragion, vertex, cheilion, alare, entre outros, que buscam trazer informações morfológicas gerais da cabeça. No estudo sobre deleção do 22q11.214, a análise facial buscou quantificar a "facies" típica da síndrome, abordando os 3 terços faciais e as orelhas com pontos de referência já consagrados. Com relação à lista feita para avaliar um paciente com oclusão classe III12, há pontos antropométricos dos terços médio e inferior da face que abrangem tanto essa como as outras condições que o artigo estuda.

    A maior dificuldade na extração de dados sobre os pontos de referência utilizados em cada artigo foi a heterogeneidade de nomes utilizados para se referir a um mesmo parâmetro facial. Enquanto alguns artigos14,18 aplicaram, em sua maior parte, as nomenclaturas propostas por Farkas & Munro26 ou Kolar & Salter27, outros estudos7 se referiram aos pontos por meio de uma descrição de sua localização. Um esforço para o uso de uma mesma nomenclatura é essencial para evitar interpretações equivocadas dos trabalhos e facilitar a utilização das informações em outros artigos.

    Ao acessar a qualidade dos artigos selecionados, verificou-se que 63,2% dos estudos apresentavam desenho do tipo ensaio clínico ou estudo de acurácia diagnóstica, considerados trabalhos de bom nível de evidência científica pelo Oxford Centre for Evidence-based Medicine33. Seguindo esses critérios, 26,3% dos estudos remanescentes apresentaram nível de evidência baixo, por serem estudos observacionais, e 16,7% foram considerados sem evidência, já que estavam no formato de notas técnicas.

    Adicionalmente, verificou-se que 63,2% dos artigos utilizaram grupos controle; entretanto, a maioria deles era formada por indivíduos saudáveis, visando ter um padrão para comparação dos resultados finais. Apenas 2 artigos utilizaram grupos controle que apresentavam a condição médica do grupo a que eles foram comparados, tendo um deles prescrito placebo23 para os controles e o outro, um tratamento considerado tradicional7.

    O tamanho da amostra variou nos estudos entre 10 e 181 indivíduos. Possivelmente, essa diferença se deve à presença de serviços que já dispõem da tecnologia há certo tempo e de outros que estão iniciando suas pesquisas com o equipamento. Um fato a favor dessa hipótese é que os 2 estudos com maiores amostras (18110 e 1008 pacientes) têm origem comum, a Universidade de Giessen (Giessen, Alemanha).

    De forma positiva, somente 2 estudos utilizaram duas condições distintas para constituir um mesmo grupo de análise3,9. Provavelmente, essas ocorrências justificam-se mais pela falta de sujeitos para compor a pesquisa que pela ausência de conhecimento por parte dos autores da distinção entre as condições.

    Como a maioria dos estudos fez uso de mensurações e identificações digitais de pontos de referência, a avaliação da confiança tanto intra como interoperador se faz necessária para uma validação substancial do trabalho. Entretanto, não se encontraram dados sobre a confiança interoperador em 79% dos artigos. Uma possível explicação para esses resultados poderia ser a dificuldade de se encontrarem pessoas familiarizadas com o sistema e disponíveis para realizar as mensurações.

    Na última análise desta revisão sistemática, obtiveram-se dados sobre o tempo de acompanhamento dos pacientes nos estudos que envolviam alguma abordagem terapêutica (68,4%). Uma grande fonte de erros que pode ser sondada nessa extração de dados é o tempo que se esperou para fotografar o paciente no pós-operatório (10 dos 13 artigos com alguma abordagem terapêutica envolviam cirurgia), pois, se a foto for tirada muito precocemente, o paciente pode ainda não apresentar seu aspecto final. Com relação esse aspecto, a maior discrepância pôde ser observada nas cirurgias que envolviam o nariz, as quais apresentaram como valores: 9 semanas19, 1 mês15, 3 meses3 e 6 meses17. Assim, como o resultado final de uma rinoplastia pode levar de 6 meses a 2 anos para aparecer34, o artigo que chegou a esperar o maior tempo para fotografar esperou somente até o limite inferior da faixa de segurança.

    A estereofotogrametria digital é uma das formas de se contornar as limitações da tradicional análise bidimensional dos tecidos moles da face. Portanto, há necessidade de que trabalhos científicos de qualidade validem seu uso nas diversas condições que compõem o espectro das anormalidades craniofaciais.


    CONCLUSÕES

    A estereofotogrametria digital é uma tecnologia não-invasiva, acurada e de fácil manipulação durante avaliação dos tratamentos e quantificação das deformidades craniofaciais. Atualmente, o sistema mais aplicado e com maior número de vantagens citadas é o 3dMD®. Entretanto, há necessidade de mais estudos com acompanhamento a longo prazo e associação de maior variedade de sistemas.


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    32. WHO Human Genetics Programme. Global strategies to reduce the health-care burden of craniofacial anomalies: report of WHO meetings on international collaborative research on craniofacial anomalies. Geneva: World Health Organization; 2002.

    33. Oxford Centre for Evidence-based Medicine. Level of evidence. Disponível em: http://www.cebm.net/index.aspx?o=1025 Acesso em: 11/1/2012.

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    1. Acadêmico da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), São Paulo, SP, Brasil
    2. Mestre em Cirurgia Plástica pela FMUSP, médico assistente do Serviço de Cirurgia Craniomaxilofacial da Divisão de Cirurgia Plástica e Queimaduras do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), São Paulo, SP, Brasil
    3. Acadêmica da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
    4. Livre-docente em Cirurgia Plástica pela FMUSP, professor associado do HC-FMUSP, chefe do Serviço de Cirurgia Craniomaxilofacial da Divisão de Cirurgia Plástica e Queimaduras do HC-FMUSP, São Paulo, SP, Brasil

    Correspondência para:
    Nivaldo Alonso
    Rua Afonso Brás, 473 - cj. 65 - Vila Nova Conceição
    São Paulo, SP, Brasil - CEP 04511-000
    E-mail: nivalonso@gmail.com

    Artigo submetido pelo SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBCP.
    Artigo recebido: 24/1/2012
    Artigo aceito: 19/6/2012

    Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Craniomaxilofacial da Divisão de Cirurgia Plástica e Queimaduras do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), São Paulo, SP, Brasil.

    [I] 3dMD® (3dMD, Atlanta, Estados Unidos): empresa responsável pela produção de sistemas de estereofotogrametria digital e softwares associados.
    [II] 3dMD Cranial® (3dMD, Atlanta, Estados Unidos): sistema de estereofotogrametria digital para captação de imagens craniofaciais.
    [III] 3dMD Face® (3dMD, Atlanta, Estados Unidos): sistema de estereofotogrametria digital para captação de imagens faciais.
    [IV] 3dMD DSP 400® (3dMD, Atlanta, Estados Unidos): sistema de estereofotogrametria digital para captação de imagens faciais.
    [V] C3D® (Glasgow University Dental School, Glasgow, Reino Unido): sistema de estereofotogrametria digital.
    [VI] Rollei 6006 Réseau® (Rollei Fototechnic GmbH, Braunschweig, Alemanha): câmera semimétrica.
    [VII] Nikon FM2® (Nikon Corporation, Tóquio, Japão): câmera fotográfica profissional.
    [VIII] Genex FaceCam 250® (Genex Technologies Inc., Kensington, Estados Unidos): sistema de estereofotogrametria digital.

     

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