ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175
Cantopexia e reforço tarsal com retalho de periosteo
Canthopexy and tarsal reinforcement using a periosteal flap
Original Article -
Year2013 -
Volume28 -
Issue
1
Vera Lucia Noccm Cardim1; Khaled Bazzi2; Alessandra dos Santos Silva3; Mariana Gomes e Silva2; Fernanda Martins dos Santos2; Rolf Lucas Salomons3; Adriano de Lima e Silva3; Rodrigo de Faria Valle Dornelles4
RESUMO
INTRODUÇÃO: A pouca resistência dos tecidos palpebrais quando submetidos ao poder retrátil dos planos cicatriciais predispõe a resultados cirúrgicos indesejáveis. Dentre as técnicas mais resolutivas destacam-se as que utilizam retalhos de periósteo. O presente artigo tem por objetivo apresentar uma técnica de cantopexia e reconstituição tarsoligamentar com retalho de periósteo, a fim de obter um reforço consistente e definitivo do tarso e sua continuidade tecidual à face interna da parede lateral da órbita.
MÉTODO: No período de julho de 2009 a dezembro de 2012, foram operados pacientes candidatos à realização de cantopexia com rotação de retalho do arcus marginalis sobre o tarso inferior. Foram avaliados os resultados estéticos e funcionais, bem como a presença de complicações.
RESULTADOS: Foram realizadas 84 cantopexias e reforço tarsal com retalho de periósteo, em 49 pacientes. Não foram observadas complicações, como hematoma, infecção ou necrose. Remissão total dos sinais pré-operatórios foi verificada em 45 (91,8%) pacientes e 4 (8,2%) apresentaram remissão parcial em pelo menos um dos lados, relacionada à prévia paresia orbicular.
CONCLUSÕES: A cantopexia com reforço tarsal com retalho de periósteo proporciona boa reconstituição tarsoligamentar, com posicionamento adequado do canto externo e bom contato da pálpebra com o bulbo ocular.
Palavras-chave:
Blefaroplastia. Ectrópio/cirurgia. Pálpebras/cirurgia. Periósteo/cirurgia.
ABSTRACT
INTRODUCTION: The low resistance of the palpebral tissues to the retractable forces of postoperative scarring can predispose patients to undesirable surgical outcomes. Among the more effective techniques for solving this issue are the periosteal flaps. This report aims to present a technique for canthopexy and tarsal reconstitution using a periosteal flap to obtain a consistent and definitive reinforcement of the tarsal ligament and its continuity to the inner face of the sidewall of the orbit.
METHODS: From July 2009 to December 2012, 49 patients underwent canthopexy with flap rotation of the arcus marginalis of the inferior tarsus. The functional and aesthetic results were evaluated together with the presence of complications.
RESULTS: Eighty-four cantopexies and tarsal reinforcements using a periosteal flap were performed in 49 patients. No complications such as hematoma, infection, or necrosis were observed. Complete remission of the preoperative signals was observed in 45 (91.8%) patients, while the other 4 (8.2%) showed partial remission on at least one of the sides related to prior ocularis paralysis.
CONCLUSIONS: Canthopexy reinforced by a tarsal periosteal flap provides good tarsal ligament reconstitution with appropriate positioning of the outer corner and good contact of the eyelid with the ocular globe.
Keywords:
Blepharoplasty. Ectropion/surgery. Eyelids/surgery. Periosteum/surgery.
INTRODUÇÃO
A cantopexia lateral é um procedimento bastante utilizado para tratamento e prevenção de várias desordens da pálpebra inferior, em cirurgias estéticas e reparadoras1.
Existem diversas técnicas para posicionar e tensionar o canto externo palpebral, desde pontos simples de fixação até os retalhos de tarso e periósteo. Em todas essas técnicas, o ligamento cantal lateral é suspenso ou reinserido na altura do tubérculo de Whitnall, na face interna do rebordo orbital.
Bick2 e Tenzel3 contribuíram para a popularização da cantopexia lateral e, atualmente, muitos cirurgiões a realizam de rotina durante a blefaroplastia inferior ou elevação transpalpebral do terço médio4-8.
Este artigo tem por objetivo apresentar uma técnica de reconstituição tarsoligamentar com retalho de periósteo, a fim de obter um reforço consistente e definitivo do tarso e sua continuidade tecidual à face interna da parede lateral da órbita (Figura 1).
Figura 1 - Ilustração da técnica cirúrgica. Em A, demarcação do retalho de periósteo na face lateral interna da órbita. Em B, retalho posicionado. Em C, demarcação de retalhos de periósteo medial e lateral. Em D, retalhos posicionados (técnica de suspensão palpebral "em varal").
MÉTODO
No período de julho de 2009 a dezembro de 2012, todos os pacientes candidatos à realização de cantopexia foram operados pela técnica descrita a seguir e incluídos neste trabalho.
Os critérios utilizados para indicação da cantopexia foram: pacientes candidatos à elevação transpalpebral do terço médio da face com frouxidão tarsoligamentar (snap test positivo), lagoftalmo, distopia cantal, ectrópio e perdas de substância da pálpebra inferior.
Os pacientes foram agrupados, conforme as indicações para a cirurgia, em casos primários ou secundários, e avaliados quanto aos resultados estético e funcional (remissão dos sinais e sintomas), bem como à presença de complicações.
O acompanhamento pós-operatório foi realizado com retornos ambulatoriais na 1ª semana, mensal até o 3º mês e semestral até o 2º ano. O registro fotográfico foi realizado no pré-operatório e aos 3 meses e 6 meses após a cirurgia.
Técnica Cirúrgica
O procedimento foi realizado sob anestesia local, quando isolado, e com sedação ou anestesia geral, de acordo com as cirurgias associadas e a opção do paciente.
A pele da pálpebra superior foi incisada no sulco palpebral, separando-se o músculo orbicular no sentido de suas fibras. A margem orbital foi exposta em sua porção súpero-lateral e, em seguida, o periósteo foi incisado com bisturi, percorrendo a crista óssea lateralmente ao nervo supraorbital até a margem lateral da órbita, acima da inserção do ligamento cantal externo. Esse ponto corresponde à referência de inserção ligamentar que se pretende reforçar. O periósteo, ou, mais propriamente, o arcus marginalis, foi descolado da face interna do rebordo orbital e uma segunda incisão, paralela à primeira, realizada com tesoura de íris ou bisturi, delimitando-se um retalho de 5 mm a 6 mm de largura. As duas incisões foram unidas em sua extremidade medial e o retalho permaneceu pediculado na margem lateral interna da órbita, logo acima da inserção do ligamento cantal lateral (Figura 2).
Figura 2 - Em A, incisão da borda longitudinal distal do retalho de periósteo na margem orbital. Em B, incisão da borda proximal do retalho na face interna da órbita (arcus marginalis), após o descolamento subperiostal. Em C, preservação do pedículo lateral em região do tubérculo de Whitnall. Em D, exposição do tarso da pálpebra inferior.
A incisão da pálpebra inferior foi realizada o mais próximo possível da margem ciliar, descolando-se o músculo orbicular sobre o tarso. Um túnel foi feito por divulsão com tesoura, passando por trás da pele e do orbicular na ponte entre as 2 incisões de pele e terminando à frente da extremidade lateral do tarso inferior. Por esse túnel, o retalho foi passado e distendido sobre o tarso; um ponto com fio de náilon 6-0 foi dado, ligando sua base à extremidade lateral do tarso. Esse foi o ponto que definiu a relação do canto externo palpebral com a margem orbital e a tensão que se desejava dar à margem tarsal. Outros 2 pontos fixaram o retalho medialmente sobre o tarso, apenas para assegurar o bom contato entre eles (Figura 3).
Figura 3 - Em A, confecção de túnel entre o músculo orbicular e o ligamento cantal lateral. Em B, transposição do retalho para a pálpebra inferior. Em C, fixação do retalho no tarso. Em D, retalho posicionado.
Nos casos em que a cantopexia foi realizada como procedimento isolado, nesse momento foram suturadas as incisões cutâneas. Por outro lado, se a cantopexia estivesse integrada a outros procedimentos, esses foram realizados em sequência (Figura 4).
Figura 4 - Paciente com distopia cantal e lagoftalmo submetida a cantopexia com retalho do arcus marginalis e enxerto de pele. Em A, C e E, aspecto pré-operatório. Em B, D e F, aspecto pós-operatório de 3 meses.
Nos pacientes que apresentavam grande frouxidão tarsoligamentar durante o snap test, o encurtamento da margem palpebral foi realizado de maneira associada com a técnica de Kuhnt-Szymanowski (Figura 5).
Figura 5 - Paciente com grave ectrópio senil submetido a cantopexia lateral com retalho periosteal e redução da margem palpebral pela técnica de Kuhnt-Szymanowski. Em A e C, aspecto pré-operatório. Em B e D, aspecto pós-operatório de 6 meses.
Nos pacientes com indicação também de cantopexia medial, outro retalho de periósteo foi confeccionado no sentido vertical, com base acima do ligamento cantal medial e sobre a face anterior da glabela (Figura 1 C e D). O túnel para a transposição do retalho passou entre o músculo orbicular e o ligamento cantal medial, preservando os ductos lacrimais. A fusão das extremidades dos retalhos medial e lateral no centro da pálpebra tinha por finalidade o reforço tarsal em toda sua extensão (suspensão palpebral "em varal") (Figura 6).
Figura 6 - Paciente com buftalmo pós-traumático e insuficiência da oclusão palpebral esquerda submetido a cantopexia lateral e medial com retalhos de periósteo. Em A, aspecto pré-operatório. Em B, aspecto pós-operatório de 3 meses.
RESULTADOS
Foram realizadas 84 cantopexias e reforço tarsal com retalho de periósteo em 49 pacientes. A idade dos pacientes variou de 7 anos a 89 anos.
As indicações da operação foram: profilática (frouxidão tarsoligamentar) em 19 pacientes, perda de substância palpebral inferior em 10, ectrópio em 7, lagoftalmo em 7 e distopia cantal em 6.
Dezessete (34,7%) pacientes eram casos secundários. O encurtamento palpebral horizontal foi realizado de maneira associada em 6 (12,2%) pacientes. Em 4 (8,2%) pacientes com grande insuficiência de selamento palpebral, foi realizada também cantopexia medial com retalho de periósteo (técnica de suspensão "em varal").
Não houve complicações como hematoma, infecção ou necrose. Quemose foi apresentada por 71,4% dos pacientes, no pós-operatório imediato. O edema persistiu por 2 semanas a 3 semanas, sendo mais duradouro nos pacientes de faixa etária mais alta e em tabagistas.
Remissão total dos sinais pré-operatórios foi verificada em 45 (91,8%) pacientes e 4 (8,2%) apresentaram remissão parcial em pelo menos um dos lados, relacionada à prévia paresia orbicular.
DISCUSSÃO
A pálpebra é constituída por estruturas delgadas e complacentes. A capacidade contrátil do tecido cicatricial, que usualmente se forma após uma abordagem cirúrgica nessa região, pode ultrapassar a resistência dos tecidos palpebrais, causando retrações e lagoftalmo9. Em razão disso, torna-se necessário buscar melhor sustentação palpebral, tanto nos casos de distopia como nos de frouxidão tarsoligamentar.
As técnicas de sutura simples do ligamento cantal ao periósteo apresentam certa dificuldade, pelo pequeno espaço nessa região e pela pouca possibilidade de ajuste da tensão tarsal após a sutura. Além disso, essas técnicas são suscetíveis a deiscência precoce ou tardia, por serem extremamente dependentes da resistência dos tecidos tarsais ao cisalhamento pelo fio de sutura1. Por essa razão, alguns autores advogam a confecção de retalhos periosteais locais, a fim de facilitar tecnicamente a cantopexia e prevenir deiscências10-13.
O periósteo da face externa da órbita é a estrutura comumente utilizada na reconstrução do ligamento cantal lateral e também medial14. Lemke et al.12, em 1999, e Game & Morlet1, em 2007, descreveram retalhos curtos de periósteo sobrepondo o tarsal strip, para reconstruir um novo ligamento cantal lateral e prevenir deiscências.
À semelhança dessas técnicas, o retalho proposto neste artigo proporciona algumas vantagens em relação à cantopexia convencional com sutura. Entre essas vantagens estão a continuidade tecidual do tarso ao rebordo orbital, o maior controle do estiramento e a correção da frouxidão tarsoligamentar, não apenas pela tração lateral, mas também pela incorporação de tecido periosteal ao tarso. O papel da sutura que liga o retalho ao tarso é unir os tecidos para a cicatrização, ao invés de manter a tensão a longo prazo. Ademais, o vetor do retalho orientado superiormente e mantido fixo na região do tubérculo de Whitnall simula melhor a anatomia do ligamento cantal lateral, diferentemente de outros retalhos periosteais descritos por alguns autores1,11,13.
A região do periósteo utilizada para a confecção do retalho corresponde ao arcus marginalis. Essa estrutura é uma zona de fusão do periósteo, septo orbital e periórbita, formando um ligamento resistente e inelástico. Sua posição anatômica permite a confecção de um retalho com base na parede interna da órbita. Isso faz com que o retalho, após fixado ao tarso inferior, aproxime o canto externo palpebral ao bulbo ocular, restituindo o contato entre as conjuntivas escleral e tarsal. Além disso, a septectomia resultante de sua confecção proporciona a liberação das bolsas súpero-laterais de gordura, o que diminui o aspecto encovado próprio da órbita senil (Figura 7).
Figura 7 - Paciente com exposição escleral e encovamento orbital submetida a cantopexia lateral pela técnica proposta e elevação transpalpebral do terço médio. Em A e C, aspecto pré-operatório. Em B e D, aspecto pós-operatório de 6 meses.
A técnica exposta, por proporcionar uma ancoragem resistente do tarso à margem orbital, apresenta especial importância nos casos secundários ou quando é necessária a reinserção do ligamento cantal lateral (sequelas de trauma e correção de fissura antimongólica). Igualmente, representa uma alternativa mais simples que outras técnicas descritas de reinserção do ligamento cantal, que necessitam de um orifício ósseo para passagem da sutura, além de ser menos sujeita a deiscência, por diminuir a vulnerabilidade da sutura em decorrência da incorporação de tecido ao tarso e distribuição das forças de tensão7,15.
CONCLUSÕES
A cantopexia com reforço tarsal com retalho de periósteo proporciona boa reconstituição tarsoligamentar, com posicionamento adequado do canto externo e bom contato da pálpebra com o bulbo ocular.
REFERÊNCIAS
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1. Cirurgiã plástica, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) e da Associação Brasileira de Cirurgia Crânio-Maxilo-Facial (ABC-CMF), doutora em Cirurgia Geral pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP), pós-doutora pela FCMSCSP, responsável pelo Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Cirurgia Craniofacial da Beneficência Portuguesa de São Paulo e pelo Núcleo de Plástica Avançada (NPA), São Paulo, SP, Brasil
2. Cirurgião plástico, membro associado da SBCP, pós-graduado em Cirurgia Craniofacial pela Beneficência Portuguesa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
3. Cirurgião plástico, membro titular da SBCP e da ABCCMF, médico assistente do NPA, São Paulo, SP, Brasil
4. Cirurgião plástico, membro titular da SBCP e da ABCCMF, mestre em Cirurgia Plástica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, médico assistente do NPA, São Paulo, SP, Brasil
Correspondência para:
Vera Lucia Nocchi Cardim
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E-mail: vera@npa.med.br
Artigo submetido pelo SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBCP.
Artigo recebido: 6/1/2013
Artigo aceito: 27/2/2013
Trabalho realizado no Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
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