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Editorial - Year2012 - Volume27 - Issue 4

Vou completar 75 anos de idade e 50 anos como médico cirurgião plástico, bioeticista, professor e escritor. Há três anos aposentado, não me distanciei das sociedades científicas e da fascinante arte de ler, tendo mais tempo para refletir sobre situações que sempre chamaram a minha atenção, que reforçam antiga constatação de que há uma proposital ignorância, para não dizer aversão, pela produção cultural e científica das pessoas que nos são próximas e que vivem e trabalham quase ao nosso lado.

Isso é revelado pela assustadora escassez de autores nacionais nas referências bibliográficas, tanto nos trabalhos científicos apresentados em congressos, como naqueles publicados em periódicos especializados. Exceção se faz aos que pertencem à mesma escola ou grupo de quem produziu o trabalho. Um etnocentrismo quase nauseante, quando se observa a mediocridade de certas publicações citadas que nada contribuem para o texto agora traduzido e público.

Geralmente o chefe de um serviço sempre tem seus trabalhos citados na bibliografia, sem que, numa análise acurada, se descubra alguma importância dos seus textos na construção ou no desenvolvimento de uma pesquisa. Apenas uma bajulação ao chefe ou, o que é pior, uma imposição sua, para ampliar o seu currículo. Definitivamente não vou tocar na ferida aberta das coautorias oportunistas.

Em eventos, a formação do corpo docente segue princípios semelhantes. Pesquisadores e autores estrangeiros são convidados a peso de ouro, para apresentar seus trabalhos, muitas vezes paupérrimos ou repetitivos, em detrimento de profissionais nacionais com contribuições bem mais significativas. Exceção se faz aos compatriotas que pertencem a serviços integrados, numa troca de favores. Nos próximos eventos realizados por esses, aqueles serão sempre convidados de escol.

No setor cultural não é muito diferente. Talvez por serem mais focalizados pela mídia internacional, autores de livros sem qualquer excepcionalidade ganham espaço na nacional, nas grandes editoras e nos balcões mais visíveis das livrarias, enquanto autores nacionais, por vezes até premiados pela qualidade de seus textos, mofam nas prateleiras dos fundos e são ignorados pela imprensa nacional. Exceções existem, porém quase sempre decorrentes de outras titulações que não a qualidade do produto.

Explicações são muitas, contudo uma nos parece evidente: a inveja, que leva ao medo da concorrência. Muitas vezes, quem detém o poder decisório para indicar esse ou aquele expositor ou autor para divulgar e/ou publicar esse ou aquele trabalho receia ter sua imagem arranhada pela qualidade do seu vizinho.

Não vamos cair no poço ignóbil das generalizações, tampouco no bairrismo ridículo. Obviamente são inúmeros os autores, pesquisadores e professores de outras cidades, estados e países com extraordinário conhecimento e experiência. Contudo, tanto esses como os medíocres, sendo de lugares distantes, têm o glamur do idioma ou até mesmo da exoticidade e, sobretudo, a distância que dá segurança aos inseguros.

Admitir que uma pessoa do nosso meio se destaque, alguém que teve oportunidades semelhantes às nossas, que mora ao nosso lado, para alguns é admitir a própria mediocridade. Pior ainda se for um concorrente profissional. Por isso costumamos ser mais solidários nos fracassos dos que são próximos de nós, do que nos alegrarmos, apoiarmos e colaborarmos em seus sucessos.

Para superar a inveja, é preciso reconhecer que a temos. Para derrubá-la, há que se fortalecer a autoestima, que aponta legitimamente nossos próprios valores e limitações. Tarefa nada fácil, por isso tão grande desafio.

Evaldo Alves D'Assumpção










Cirurgião plástico, membro emérito da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, ex-editor da Revista Brasileira de Cirurgia Plástica, Belo Horizonte, MG, Brasil.

 

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