ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175
Abdominoplastia vertical para tratamento do excesso de pele abdominal após perdas ponderais maciças
Vertical abdominoplasty for treatment of excess abdominal skin after massive weight loss
Original Article -
Year2012 -
Volume27 -
Issue
3
Paulo Tuma Jr.1; Bernardo Pinheiro de Senna Nogueira Batista2; Lincoln Saito Milan3; Gladst one Eustáquio de Lima Faria3 Dimas André Milcheski1; Marcus Castro Ferreira4
RESUMO
INTRODUÇÃO: As cirurgias bariátricas são cada vez mais frequentes no tratamento dos pacientes portadores de obesidade mórbida. A grande perda ponderal decorrente desses procedimentos causa excesso de pele e de tecido subcutâneo em todo o corpo, especialmente na região abdominal. O objetivo deste trabalho é apresentar a técnica de abdominoplastia vertical como alternativa para a ressecção do excesso de pele nesses pacientes.
MÉTODO: Foram avaliados, retrospectivamente, os prontuários de 40 pacientes submetidos ao procedimento entre 2004 e 2009. O grau de satisfação dos pacientes foi avaliado através de escala subjetiva, com notas variando de 0 a 10.
RESULTADOS: Vinte e cinco por cento dos pacientes apresentaram pequenas complicações, sendo 3 seromas, 3 pequenas deiscências e 5 cicatrizes hipertróficas, todas tratadas ambulatorialmente. Dois terços dos pacientes relataram alto grau de satisfação, considerando seus resultados bons (notas 7 ou 8) ou ótimos (notas 9 ou 10).
CONCLUSÕES: A técnica de abdominoplastia vertical aparece como uma nova opção para o tratamento do excesso de pele abdominal em pacientes ex-obesos.
Palavras-chave:
Obesidade. Cirurgia bariátrica. Perda de peso. Abdome/cirurgia.
ABSTRACT
BACKGROUND: Bariatric surgeries are becoming increasingly common in the treatment of morbidly obese patients. The enormous weight loss resulting from these procedures causes excessive skin and subcutaneous tissue throughout the body, especially in the abdominal region. The objective of this study was to present the technique of vertical abdominoplasty as an alternative for resection of excess skin in ex-obese patients.
METHODS: We retrospectively evaluated the records of 40 patients who underwent vertical abdominoplasty between 2004 and 2009. The degree of patient satisfaction was assessed through a subjective scale, with scores ranging from 0 to 10.
RESULTS: Twenty-five percent of the patients had minor complications (3 seromas, 3 minor dehiscences, and 5 hypertrophic scars), which were all treated on an outpatient basis. Sixty-seven percent of the patients reported high satisfaction and considered their results as good (grades 7 or 8) or excellent (grades 9 or 10).
CONCLUSIONS: The vertical abdominoplasty technique appears to be a new option for the treatment of excess abdominal skin in ex-obese patients.
Keywords:
Obesity. Bariatric surgery. Weight loss. Abdomen/surgery.
INTRODUÇÃO
A obesidade é hoje uma pandemia, com riscos importantes à saúde de grande parte da população mundial. As cirurgias bariátricas foram introduzidas como alternativa de tratamento para os obesos mórbidos, e são cada vez mais utilizadas. Pacientes submetidos a essas cirurgias apresentam perda ponderal significativa e naturalmente evoluem com excesso de pele por todo o corpo. Essa população tem procurado cada vez mais os cirurgiões plásticos para melhora de seu contorno corporal, e o conhecimento das alternativas cirúrgicas para o tratamento desses pacientes é muito importante1.
Abdominoplastias, mastoplastias, braquioplastias e dermolipectomias na coxa são os procedimentos mais procurados em nosso meio2. O tratamento do excesso de pele e subcutâneo na região abdominal pode ser realizado por meio de incisões transversas baixas (abdominoplastia clássica), combinação de incisões transversa e vertical (abdominoplastia em âncora) ou, mais raramente, com incisão no sulco mamário (abdominoplastia reversa)3-6.
Desde 2004, alguns pacientes vêm sendo tratados em nosso serviço após perda ponderal maciça com ressecção do excesso de tecidos da região abdominal através de incisão vertical exclusiva. Apesar de existirem relatos na literatura do uso dessas incisões para abdominoplastia estética7 e para correções de hérnias gigantes de paredes abdominais ou ressecções de tumores8, não encontramos relato do uso dessa técnica no tratamento de pacientes pós-cirurgias bariátricas.
O objetivo deste trabalho é apresentar essa técnica alternativa sem incisão horizontal para a ressecção do excesso de pele abdominal após cirurgia bariátrica e apresentar os resultados obtidos em 40 pacientes.
MÉTODO
Foi realizado estudo retrospectivo dos prontuários médicos de 40 pacientes com antecedente de cirurgia bariátrica, submetidos a abdominoplastia vertical, no período entre 2004 e 2009, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Foram estudadas as variáveis idade, tempo decorrido entre a cirurgia bariátrica e a abdominoplastia, índice de massa corporal (IMC) pré e pós-cirurgia bariátrica, utilização de drenos, tempo de internação e complicações pós-operatórias.
Os pacientes foram contatados e questionados sobre a dor no pós-operatório e a satisfação estética com o resultado pós-operatório, ambas avaliadas com escala numérica (0 a 10), sendo notas de 0 a 4 consideradas resultado pobre, 5 e 6, regular, 7 e 8, bom, e 9 e 10, excelente.
Descrição da Técnica
A marcação da incisão vertical foi realizada por meio da preensão manual do excesso de pele abdominal no sentido vertical (Figura 1), com o paciente em decúbito dorsal.
Figura 1 - Preensão manual do excesso de pele abdominal para marcação da incisão vertical.
Para realizar a compensação do excesso de pele no sentido crânio-caudal, a marcação final teve formato em gota, com a base larga englobando todo o excesso de pele na região do hipogástrio, em contraste ao formato clássico em fuso (Figura 2).
Figura 2 - Marcação pré-operatória.
Com os pacientes sob anestesia geral, a ressecção do bloco de pele seguiu a marcação pré-operatória, sem descolamentos adicionais. O plano pré-aponeurótico foi o limite profundo da ressecção. A cicatriz umbilical foi separada da peça antes de sua ressecção, e mantida junto à aponeurose abdominal (Figura 3). Foi realizada, então, em todos os pacientes, a plicatura da aponeurose abdominal em 2 planos com fio inabsorvível (Figura 4). Com isso, além de corrigir a diástase dos músculos retos abdominais, regra nesses pacientes, foi possível a redução da tensão sobre a sutura dos planos mais superficiais. Na posição mais caudal da cicatriz, é normal observarmos algum engruvinhamento dos tecidos. Em casos graves, realiza-se a compensação com pequeno componente horizontal.
Figura 3 - Peça cirúrgica.
Figura 4 - Após ressecção e plicatura.
O fechamento foi realizado em 3 planos, com fios absorvíveis. A cicatriz umbilical foi reposicionada em posição anatômica, determinada pela projeção de sua posição profunda nos retalhos de pele. O uso de drenos foi avaliado caso a caso, a critério do cirurgião.
Todos os pacientes foram orientados a usar malha compressiva na região abdominal desde o pós-operatório imediato até 2 meses após o tratamento cirúrgico.
RESULTADOS
A média de idade no momento da abdominoplastia foi de 43,6 anos, variando de 18 anos a 58 anos. A maioria dos pacientes era do sexo feminino (34 mulheres e 6 homens). Em média, o procedimento foi realizado 2,8 anos após a gastroplastia, variando de 1 ano a 5 anos.
Todos os pacientes apresentaram perda ponderal significativa após a cirurgia bariátrica, com perda média de 39% do peso inicial (25% a 48%). O IMC médio no momento da abdominoplastia foi de 27,4 kg/m2 (22 kg/m2 a 32 kg/m2).
O tempo médio de internação foi de 2,72 dias, variando de 1 dia a 4 dias, não sendo observadas complicações graves, como tromboses, desordens sistêmicas ou óbitos.
Em 57,5% dos pacientes foram utilizados drenos no pós-operatório. Complicações menores foram observadas em 10 (25%) pacientes, e incluíram 3 casos de seromas, 3 casos de pequenas deiscências e 5 casos de cicatrizes hipertróficas. Os 3 seromas observados ocorreram em pacientes que tiveram seus sítios cirúrgicos drenados. Os pacientes com pequenas deiscências foram tratados ambulatorialmente com curativos simples até a cicatrização por segunda intenção de suas lesões. Três desses pacientes foram submetidos a pequenas revisões das cicatrizes, com anestesia local.
As Figuras 5 e 6 apresentam os resultados obtidos em 2 pacientes desta casuística.
Figura 5 - Em A, aspecto pré-operatório, vista frontal. Em B, aspecto pós-operatório de abdominoplastia vertical de 6 meses, vista frontal.
Figura 6 - Em A e B, aspecto pré-operatório, respectivamente, em vista frontal e de perfil. Em C e D, aspecto pós-operatório de abdominoplastia vertical de 6 meses, respectivamente, em vista frontal e de perfil.
A pontuação média na escala analógica de dor foi de 5 pontos, com grande variação entre os pacientes. O grau de satisfação médio foi de 7,75 pontos, com 66% dos pacientes apresentando avaliação boa ou excelente do resultado (nota acima de 7).
DISCUSSÃO
Tradicionalmente, as abdominoplastias são realizadas com incisões transversais baixas, com o objetivo de esconder as cicatrizes sob as roupas íntimas e trajes de banho, com melhor aceitação estética pelos pacientes. Após grandes perdas ponderais, principalmente nos pacientes submetidos a cirurgia bariátrica, há grande excesso de pele em todo o corpo, em especial na região abdominal, acompanhado por grande flacidez cutânea. Esse excesso de tecido é visível tanto no sentido crânio-caudal como no látero-lateral, inviabilizando sua compensação em uma cicatriz horizontal única. Desse modo, as incisões em âncora ou em flor-de-lis, com incisões vertical e horizontal associadas, se tornaram extremamente populares para as abdominoplastias nesses pacientes. No entanto, essas incisões estão sujeitas a complicações, principalmente na região da confluência dessas cicatrizes, área conhecida como "T".
A técnica apresentada neste trabalho tem como resultante uma cicatriz vertical única, que, apesar de ser esteticamente menos aceitável, por ser mais visível quando comparada à cicatriz transversa, permitiu nesta série a compensação do excesso cutâneo da região abdominal após grandes perdas de peso. Apesar de, atualmente, a maioria das cirurgias bariátricas ser realizada por via laparoscópica, boa parte dos pacientes já possuía cicatriz vertical na porção superior do abdome, decorrente da cirurgia bariátrica realizada por via aberta.
Em uma paciente desta série, a abordagem permitiu a ressecção completa de material protético infectado e cronicamente exposto (Figura 7). Quando comparada à abdominoplastia em âncora, a ressecção do excesso cutâneo pôde ser realizada sem a necessidade de um componente horizontal associado, com menor risco de complicações.
Figura 7 - Em A e B, aspecto pré-operatório, respectivamente, em vista frontal e de perfil. Em C e D, aspecto pós-operatório de abdominoplastia vertical de 6 meses, respectivamente, em vista frontal e de perfil. Essa paciente apresentou exposição crônica de tela usada para correção de hérnia incisional. A tela foi retirada e a hérnia, corrigida por meio de plicatura da parede abdominal.
Por outro lado, a cicatriz resultante é de difícil dissimulação em trajes menores e, em decorrência da grande compensação do excesso de tecido em sentido perpendicular às linhas de força da pele do abdome, tende a formar cicatrizes um pouco alargadas e sinuosas.
As complicações encontradas nesta série foram todas menores e de tratamento ambulatorial. Os seromas observados em alguns casos sugerem que o uso de drenos nesses pacientes não foi eficaz na sua prevenção. De fato, como não há descolamento adicional e o subcutâneo nas bordas da ferida operatória é fechado em múltiplos planos, o espaço morto decorrente do procedimento é reduzido e pequenas coleções que se formem em regiões localizadas da ferida operatória formarão cistos localizados, dificilmente drenados se o dreno estiver posicionado em outro plano.
É bastante conhecida a dificuldade de se avaliar o resultado de cirurgias plásticas em que o componente estético é o principal objetivo procurado pelos pacientes. Embora neste trabalho não tenhamos tido a oportunidade de realizar análise dos resultados segundo critérios com maior grau de evidência, como o uso de escala padronizada de avaliação dos resultados feita por observadores independentes9, solicitamos aos pacientes que respondessem se estavam ou não satisfeitos, atribuindo notas de 0 a 10 (dado subjetivo). O grau de satisfação encontrado foi alto, com dois terços dos pacientes considerando seus resultados bons ou excelentes, segundo critério subjetivo de avaliação. Apesar da baixa força de evidência do método de avaliação, consideramos que os dados apresentados revelam que, mesmo com uma cicatriz vertical visível no abdome, esses pacientes ficaram satisfeitos com o resultado obtido. De modo geral, percebemos que os pacientes com grandes perdas ponderais buscam melhora do contorno corporal e alívio das complicações decorrentes da grande sobra de pele, como assaduras e parasitoses cutâneas. A técnica proposta permitiu que alcançássemos esses objetivos.
A comparação objetiva desta técnica com as demais disponíveis para o tratamento desses pacientes nos trará informações adicionais sobre sua validade e indicações. Esses trabalhos estão em andamento.
CONCLUSÕES
A abdominoplastia vertical é uma nova alternativa para o tratamento do excesso de pele e tecido celular subcutâneo após perda ponderal maciça em pacientes previamente submetidos a cirurgia bariátrica. Apesar de a cicatriz resultante ser mais visível que aquela observada na abdominoplastia clássica, bons resultados, com baixo risco de complicações, foram observados nesta série de 40 pacientes. O grau de satisfação demonstrado pelos pacientes coloca a técnica de abdominoplastia vertical como uma opção interessante para o tratamento estético do abdome dos ex-obesos.
REFERÊNCIAS
1. van der Beek ES, Te Riele W, Specken TF, Boerma D, van Ramshorst B. The impact of reconstructive procedures following bariatric surgery on patient well-being and quality of life. Obes Surg. 2010;20(1):36-41.
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9. Salles AG, Ferreira MC, Remigio AFN, Gemperli R. Evaluation of aesthetic abdominal surgery using a new clinical scale. Aesthetic Plast Surg. 2012;36(1):49-53.
1. Cirurgião plástico, médico assistente da Divisão de Cirurgia Plástica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), São Paulo, SP, Brasil.
2. Cirurgião plástico, médico preceptor da Divisão de Cirurgia Plástica do HC-FMUSP, São Paulo, SP, Brasil.
3. Médico residente da Divisão de Cirurgia Plástica do HC-FMUSP, São Paulo, SP, Brasil.
4. Professor titular da Divisão de Cirurgia Plástica do HC-FMUSP, São Paulo, SP, Brasil.
Correspondência para:
Bernardo Nogueira Batista
Rua Joaquim Floriano, 466 - cj. 1.708 - Itaim Bibi
São Paulo, SP, Brasil - CEP 04534-002
E-mail: bernardonb@uol.com.br
Artigo submetido pelo SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBCP.
Artigo recebido: 7/7/2011
Artigo aceito: 7/8/2012
Trabalho realizado na Divisão de Cirurgia Plástica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
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