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Glossectomia subtotal pela técnica de ressecção lingual em orifício de fechadura modificada como tratamento de macroglossia verdadeira
Subtotal glossectomy by modified keyhole lingual resection technique for the treatment of true macroglossia
Original Article -
Year2012 -
Volume27 -
Issue
1
Moacir Cymrot1; Francisco de Assis Alves Teixeira2*; Felipe de Castro Dantas Sales3; Francisco Júlio Muniz Neto3
RESUMO
Neste artigo é apresentado o caso de macroglossia verdadeira em criança de 6 anos de idade, tratada cirurgicamente, com excisão elíptica na linha média da língua e ressecção ampla na ponta da língua em arco gótico. O resultado pós-operatório foi considerado satisfatório, tanto sob o aspecto de volume da língua, que passou a se manter totalmente dentro da boca, como sob o aspecto estético, mantendo a capacidade de gustação normal.
Palavras-chave:
Macroglossia/congênito. Macroglossia/cirurgia, Glossectomia. Língua/cirurgia.
ABSTRACT
We describe a case of true macroglossia in a 6-year-old child that was surgically treated with a midline elliptical excision and anterior wedge resection along a Gothic-shaped arch. The postoperative result was considered satisfactory with regard to both the volume of the tongue, which now remains entirely within the mouth, and the aesthetic appearance; the ability to taste has been maintained.
Keywords:
Macroglossia/congenital. Macroglossia/surgery, Glossectomy. Tongue/surgery.
INTRODUÇÃO
A macroglossia é uma condição pediátrica pouco comum, causada por grande variedade de etiologias1,2. Pode ser classificada em verdadeira, quando há aumento da língua, e relativa, quando a cavidade oral não é grande o suficiente para abrigar a língua.
Essas condições podem ser congênitas ou adquiridas2. O diagnóstico é feito com base na presença de protrusão lingual em relação aos dentes, abertura labial e postura mantida de boca aberta3.
Myer et al.4 classificam a macroglossia em generalizada e localizada (Tabela 1), com base na extensão do acometimento lingual, podendo ser de causas congênita, inflamatória, traumática e neoplásica5-24.
A língua desempenha muitas funções, dentre elas deglutição, fonação, respiração, desenvolvimento normal do processo alveolar e da estrutura óssea da face.
Assim, a macroglossia causa distúrbios como dificuldade na fala, mastigação, deglutição e obstrução de vias aéreas. Além disso, a protrusão lingual predispõe a trauma lingual, ressecamento da mucosa oral e infecções repetitivas de vias aéreas superiores25.
A avaliação da macroglossia começa com história cuidadosa e exame físico, procurando identificar alguma síndrome não diagnosticada, alterações na respiração, deglutição, fonação e alterações da oclusão dentária.
A conduta terapêutica deve considerar seguimento com observação, correção de alguma condição sistêmica que esteja acarretando as alterações linguais, terapia orofacial e intervenção cirúrgica mais adequada para a alteração lingual, que permita preservação da vascularização e inervação da língua no pós-operatório.
A ressecção cirúrgica é considerada o tratamento mais adequado na faixa etária pediátrica, sendo a glossectomia subtotal em orifício de fechadura uma técnica efetiva nesses casos, permitindo o desenvolvimento normal do organismo, bem como prevenindo complicações dentoalveolares. Essa técnica foi originalmente descrita por Morgan et al.26, tendo como diferencial a redução do tamanho nos três planos do músculo.
O sucesso cirúrgico deve ser avaliado considerando-se desaparecimento de marcas dos dentes nas bordas da língua, posição adequada da língua dentro da cavidade oral, alterações respiratórias, deglutição, fonação, gustação, sensibilidade térmica, dolorosa, epicrítica e protopática, e mobilidade lingual.
Atualmente, prioriza-se o tratamento multidisciplinar, incluindo avaliação ortodôntica, cirúrgica e fonoaudiológica.
RELATO DO CASO
Paciente do sexo feminino, 6 anos de idade, apresentava ao exame físico aumento do comprimento e da largura da língua. A língua apresentava-se em repouso interpondo-se aos dentes, causando interferência na fonação e dificuldade na mastigação. A avaliação do perfil esquelético demonstrou ausência de qualquer alteração compatível com deformidade dentofacial. O diagnóstico foi de macroglossia verdadeira (Figura 1).
Figura 1 - Aspecto pré-operatório.
Sob anestesia geral, foi realizada a glossoplastia conforme a técnica da glossectomia subtotal em orifício de fechadura modificada, com larga ressecção em arco gótico da extremidade da língua (Figuras 2 e 3).
Figura 2 - Planejamento da glossoplastia.
Figura 3 - Glossotomia subtotal em buraco de fechadura, com larga ressecção em arco gótico da extremidade da língua.
A incisão foi realizada utilizando-se uma lâmina de bisturi, e com o eletrocautério foi completada a diérese e realizada a hemostasia. Foi removido, assim, o excesso de tecido muscular da língua (Figuras 4 e 5). Em seguida, foi realizada a rafia dos planos utilizando-se fios absorvíveis Vicryl® (Figura 6).
Figura 4 - Remoção do excesso de tecido lingual.
Figura 5 - Larga ressecção romboide do terço anterior da língua.
Figura 6 - Aproximação dos planos e sutura.
DISCUSSÃO
O tratamento cirúrgico de glossectomia subtotal é indicado, na maioria dos casos, quando há obstrução de via aérea, dificuldade da fala, disfagia e prejuízo estético.
Muitas técnicas cirúrgicas estão descritas para correção da macroglossia verdadeira, as quais podem ser subdivididas em glossectomias a partir da linha mediana e glossectomias periféricas27.
Em 1950, Edgerton28 descreveu uma técnica consistindo em uma excisão ao longo do centro da língua com preservação dos vasos, nervos e papilas gustativas, tendo como resultado o estreitamento da língua sem alteração de comprimento (Figura 7). Em 1965, Kole29 propôs incisão triangular na extremidade da língua, reduzindo o comprimento e a espessura do terço anterior da língua (Figura 8).
Figura 7 - Excisão elíptica no centro da língua, proposta por Edgerton28.
Figura 8 - Incisão triangular na extremidade da língua, proposta por Kole29.
A técnica cirúrgica apresentada neste artigo é uma variante da glossectomia em orifício de fechadura, originalmente descrita por Morgan et al.26, com excisão larga da extremidade distal da língua, proporcionando redução adicional do comprimento da língua.
A realização dessa técnica demonstrou bons resultados no caso apresentado (Figura 9), como em outros descritos na literatura27-30.
Figura 9 - Apresentação anatômica da língua no pós-operatório de 9 meses.
Nos casos de macroglossia por hipertrofia muscular idiopática, como o relatado neste artigo, existe a possibilidade de recorrência31,32, por isso a indicação cirúrgica deve ser individualizada, considerando-se os riscos e possíveis benefícios para o paciente.
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1. Doutor em Cirurgia Plástica, professor adjunto da Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil.
2. Especialista pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, assistente da Clínica de Cirurgia Crânio-Facial do Hospital Infantil Albert Sabin, Fortaleza, CE, Brasil.
3. Acadêmico de Medicina da Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil.
Moacir Cymrot
Rua Bonfim Sobrinho, 316 - ap. 901 - Fátima
Fortaleza, CE, Brasil - CEP 60040-500
E-mail: moacymrot@uol.com.br
Artigo submetido pelo SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBCP.
Artigo recebido: 22/2/2010
Artigo aceito: 6/4/2010
Trabalho realizado na Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil.
* In memoriam.
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