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Letters to the Editor - Year2007 - Volume22 - Issue 4

Porto Alegre, 25 de setembro de 2007.

Ao Dr. Evaldo A. D´Assumpção
Editor da Revista da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica

Prezado senhor:
Ao ler o artigo de revisão "Materiais injetáveis para aumento de partes moles", publicado na Revista da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica1, verifiquei uma série de fatores que merecem maior discussão. Neste artigo, na parte que é discutido o polimetilmetacrilato, a autora cita que o metilmetacrilato (que é um monômero e não é o polimetilmetacrilato que fora citado no subtítulo, que é um polímero), em 25% dos casos, produz fibrossarcomas e que, em uma referência por ela citada de um trabalho de 1954, o mecanismo de carcinogênese até agora (1954) é desconhecido. Muita coisa mudou em medicina de 1954 para 2007, e causa estranheza a autora não ter buscado artigos mais atuais e que abordagem a carcinogênese do polimetilmetacrilato que era o que estava sendo discutido, já que o metilmetacrilato não é uma substância usada para aumento de partes moles em seres humanos. O metilmetacrilato (reitero diferente do polimetilmetacrilato) não é utilizado para finalidades médicas. Acredito que a autora se equivocou ao discutir matérias tão diferentes, pois ela introduziu no meio do texto deste parágrafo a palavra metilmetacrilato que pode passar para o leitor como polimetilmetacrilato, que é o assunto em pauta e mesmo o ano do trabalho citado passou inicialmente despercebido. Ora, fazendo uma metáfora comparar metilmetacrilato com polimetilmetacrilato seria semelhante a comparar água (H2O) com água oxigenada (H2O2), ambas têm uma grafia muito semelhante, porém efeitos no corpo humano completamente diferentes. Reações corporais ao metilmetacrilato e ao polimetilmetacrilato são completamente diferentes.

Ainda no mesmo artigo, no parágrafo seguinte, a autora afirma que o polimetilmetacrilato é absorvido e cita um trabalho próprio2 que nem sequer foi publicado em algum periódico indexado nas bases de dados SciELO, LILACS e MEDLINE e, pasme, tal achado é único na literatura mundial. Todos os artigos há mais de 6 décadas citam o polimetilmetacrilato como um material inabsorvível pelo corpo humano, bem como capítulos de livro classificam o polimetilmetacrilato como inabsorvível3-5, somente um estudo próprio da autora e não publicado fala que tal substância seria absorvida pelo corpo humano.

O estudo a qual a autora se refere trata-se de uma "dissertação apresentada no curso de Pós-graduação em Ciências da Saúde como requisito parcial para obtenção do título de Mestre", que não fora publicada em nenhum periódico de circulação nacional ou internacional. Nesta dissertação, foram estudados 4 grupos de camundongos, com aplicação de 4 diferentes implantes, onde foram observados os mesmos tipos de alterações histológicas nos 4 diferentes grupos com substâncias diferentes, sem terem sido comparadas com nenhum grupo controle. Neste estudo, não foi encontrada, sequer uma microesfera de polimetilmetacrilato "in loco" em nenhum outro órgão examinado, afora o local onde foi implantado2.

Em um estudo semelhante em camundongos, Lemperle et al.6 demonstram que a única forma destas microesferas de polimetilmetacrilato não permanecerem em seu sítio de implantação é justamente a inadvertida aplicação endovenosa, coisa que se o estudo conduzido pela autora tivesse sido publicado outros pesquisadores da área poderiam enviar cartas ao periódico mostrando o erro de metodologia. Diversos estudos demonstram taxas de complicações muito baixas com o uso de polimetilmetacrilato com fins cosméticos. Não encontramos na literatura médica indexada qualquer artigo que mencionasse que o polimetilmetacrilato ocasionasse câncer ou fosse absorvido pelo organismo.

Almir Moojen Nácul


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Rosa SC, Macedo JLS. Materiais injetáveis para aumento de partes moles. Rev Soc Bras Cir Plast. 2007;22(2):116-21.

2. Rosa SC. Estudo experimental da reação tissular frente a substâncias remodeladoras cutâneas utilizadas em cirurgia plástica estética reparadora. [Tese de mestrado]. Brasília:Universidade de Brasília, Faculdade de Ciências da Saúde;2001.129p.

3. Mousa WF, Kobayashi M, Shinzato S, Kamimura M, Neo M, Yoshihara S, et al. Biological and mechanical properties of PMMA-based bioactive bone cements. Biomaterials. 2000;21(21):2137-46.

4. Shinzato S, Nakamura T, Kawanabe K, Kokubo T. PMMA-based bioactive cement: effect of CaF2 on osteoconductivity and histological change with time. J Biomed Mater Res B Appl Biomater. 2003;65(2):262-71.

5.Nahas FX, Barbosa MVJ, Ferreira LM. Biomateriais injetáveis. In: Nácul AM. Bioplastia: a plástica interativa. São Paulo:Editora Santos;2007.p.15-22.

6. Lemperle G, Morhenn VB, Pestonjamasp V, Gallo RL. Migration studies and histology of injectable microspheres of different sizes in mice. Plast Reconstr Surg. 2004;113(5):1380-90.

7. Nacul AM. Contour of the lower third of the face using an intramusculary injectable implant. Aesthetic Plast Surg. 2005;29(4):222-9.

8. Lemperle G, Hazan-Gaúthier N, Lemperle M. PMMA microspheres (Artecoll) for skin and soft-tissue augmentation. Part II: Clinical investigations. Plast Reconstr Surg. 1995;96(3):627-34.

9. Lemperle G, Gauthier-Hazan N, Lemperle M. PMMA-Microspheres (Artecoll) for long-lasting correction of wrinkles: refinements and statistical results. Aesthetic Plast Surg. 1998;22(5):356-65.

10. Cohen SR, Berner CF, Busso M, Gleason MC, Hamilton D, Holmes RE, et al. ArteFill: a long-lasting injectable wrinkle filler material: summary of the U.S. Food and Drug Administration trials and a progress report on 4- to 5-year outcomes. Plast Reconstr Surg. 2006;118(3 Suppl):64S-76S.






Belo Horizonte, 1º de outubro de 2007

Dra. Simone Corrêa Rosa
Brasília, DF

Prezada Dra. Simone,
Recebo hoje, como Editor da Revista da SBCP, a carta do Dr. Almir Nácul, a propósito do seu trabalho com o Dr. Jefferson, publicado na edição de abril/junho de nossa revista, como Artigo de Revisão.

Dentro da política de respeito à opinião dos membros da SBCP, a carta do Dr. Nácul será publicada na seção Carta ao Editor. Contudo, conforme já comuniquei a ele, a senhora tem o direito de resposta, a qual será publicada na mesma edição e, em seguida, à carta dele.

Também, conforme afirmei ao Dr. Nácul, a revista não aceita discussões, portanto não haverá tréplica. Tomando conhecimento do teor da carta original, solicito-lhe que, caso seja do seu interesse, de maneira objetiva e sucinta, dê a sua posição com relação às afirmações ali expressas, com finalidade essencialmente científica de esclarecer aos nossos leitores as diferenças de opinião. Estou certo de que isso será feito para o engrandecimento de nossa especialidade.

Como já estamos no último trimestre do ano, solicito-lhe, também, que sua resposta me seja enviada até o dia 15 de outubro próximo.

Agradecendo sua atenção, apresento-lhe cordiais saudações.

Evaldo A. D´Assumpção
Editor da Revista da SBCP






Brasília, 8 de Outubro de 2007

Caro Dr. Evaldo D´Assumpção,

Agradecemos a carta do Dr. Nácul enviada ao Editor dessa Revista, pois vemos como uma oportunidade para um debate científico sobre o uso do pometilmetacrilato e suas reações adversas.

É notória e amplamente publicadas na literatura as reações adversas decorrentes do uso do polimetilmetacrilato em humanos1-4. Por tal motivo, realizamos um estudo experimental no laboratório do Departamento de Patologia da Universidade de Brasília. Os pesquisadores envolvidos nesse estudo não apresentam qualquer vínculo com fábricas de materiais de preenchimento, sendo o interesse estritamente científico no desenvolvimento desse trabalho.

Há relatos de Laskin e cols.5 (1954), que realizaram estudo experimental com implante subcutâneo de discos arredondados de metilmetacrilato em camundongos, e obtiveram em seus resultados a formação de fibrosarcomas em uma incidência de 25%, tendo o primeiro tumor surgido 257 dias após o implante. Há relato, também, de Carpaneda6 (1992), que realizou estudo em camundongos com implante em partes moles de silicone de superfície lisa e obteve desenvolvimento de sarcomas em uma freqüência de 28,5%. No nosso estudo, não foi evidenciada a formação de tumor maligno em nenhum camundongo estudado após a injeção de silicone, polimetilmetacrilato ou ácido hialurônico, embora o período de observação tenha sido de apenas 26 semanas7.

O metilmetacrilato é muito usado em neurocirurgia, cirurgia torácica e odontologia8-11, contrariando a afirmação do Dr. Nácul.

A evidência clínica do deslocamento e disseminação do polimetilmetacrilato (Metacrill®) para áreas distantes do local da injeção foi documentada e verificada por muitos cirurgiões plásticos brasileiros, através de apresentações em congressos, mesmo nas mãos de cirurgiões muito experientes com uso desse produto, contrariando a hipótese que pudesse ser decorrente de erro de técnica de aplicação. Já foram demonstrados, inclusive, casos trágicos, exigindo operações reconstrutoras complexas de segmentos da face. Entretanto, faltava a comprovação experimental do motivo da disseminação de tal produto nacional. O motivo verificado histologicamente, através do nosso estudo, foi decorrente dos diferentes tamanhos de esferas que compõem esse produto nacional e algumas dessas esferas (as menores de 15 mm) serem fagocitadas pelos histiócitos teciduais e transportadas para outros locais do corpo, gerando células xantomizadas e repletas do produto de preenchimento, à semelhança do observado em doenças de depósito (Figura 1). Portanto, o polimetilmetacrilato (Metacrill®) produzido no país possui esferas que variam de 1 a 80 mm, diferente do polimetilmetacrilato produzido nos Estados Unidos, que só apresenta microesferas com tamanho acima de 40 mm (Artecoll®), ou seja, não podem ser fagocitadas. Portanto, nos Estados Unidos, só podem ser injetadas microesferas de polimetilmetacrilato de tamanho maior ou igual a 40 mm, diferente do Brasil onde microesferas de qualquer tamanho podem ser injetadas na face ou outros locais do corpo, sendo passíveis de serem fagocitadas e transportadas para outras regiões do corpo, colocando em risco as pessoas que fazem uso desse produto.


Figura 1 - Corte histológico do fígado mostrando células de Küpffer repletas do produto de preenchimento, quatro semanas após a inoculação do polimetilmetacrilato na orelha direita de camundongo (H.E. 400x).



Fato igual já foi descrito há mais de 40 anos com o uso de outra substância de preenchimento, o dimetilpolisiloxano (o silicone líquido)12. Outras substâncias de preenchimento também mostraram em estudos mais recentes que também podem migrar13,14.

O modelo experimental com a utilização de camundongos permite a realização da pesquisa com um maior número de animais, facilitando a documentação de vários tipos de reações adversas que a droga possa apresentar. Além disso, é um modelo consagrado utilizado na pesquisa de outras doenças tegumentares no laboratório do Departamento de Patologia da Universidade de Brasília. Nenhum grupo de pesquisa sério, durante a realização de estudo experimental, cometeria um erro básico de não ter um grupo controle para comparação de seus dados. O nosso estudo teve grupo controle, contrariando a afirmação do Dr. Nácul.

Os dados da pesquisa foram totalmente traduzidos para o inglês e foram encaminhados em forma de artigo científico para as principais revistas médicas sobre esse tema no mundo para serem analisados pelos revisores e editores. Estamos na expectativa para que esses dados sejam logo publicados, levando ao engrandecimento da pesquisa nacional.

Quando o Dr. Nácul usa palavras do tipo "pasme" na sua carta, certamente o mesmo está se referindo ao espanto que lhe causa ao ver um grupo de cirurgiões plásticos e patologistas realizarem pesquisa no Brasil de alto nível, mesmo com todas as dificuldades, ocupações (clínica privada, atendimento em hospital público, família e ensino) e falta de apoio que lidamos no dia-a-dia.

O que nos causa também espanto, como grupo de estudo sobre o assunto, é verificar como a pesquisa médica realizada em uma das principais instituições de ensino superior e pesquisa do país ainda gera desconfiança de alguns brasileiros, principalmente quando se falam em achados ou descobertas inéditas. Os nossos achados certamente não foram relatados por outros pesquisadores estrangeiros porque se trata de estudo sobre um produto nacional (Metacrill®) e não liberado para o uso nos Estados Unidos e na Europa. O polimetilmetacrilato produzido no Brasil (Metacrill®) é totalmente diferente do produzido nos Estados Unidos (Artecoll®, Artefill®). Portanto, somente pesquisadores brasileiros preocupados com o uso indiscriminado do polimetilmetacrilato no nosso país poderiam chegar a tais descobertas.

A superioridade do polimetilmetacrilato produzido no exterior para uso no preenchimento de rugas e sulcos faciais (Artecoll®, Artefill®) frente ao polimetilmetacrilato produzido no Brasil (Metacrill®) deve-se ao trabalho minucioso de purificação da droga desenvolvido por Lemperle15. Trata-se de um pesquisador radicado nos Estados Unidos que, por muitos anos, trabalha no aperfeiçoamento do polimetilmetacrilato para uso no preenchimento cutâneo. Entretanto, o produto nacional não apresenta toda essa sofisticação, pureza e segurança para uso em humanos, principalmente em grandes quantidades.

O debate científico é importante e imprescindível, pois só assim a ciência consegue evoluir. As evidências histológicas dos achados apontados acima foram claramente descritas e a metodologia do estudo é facilmente reproduzível. Esperamos que outros grupos de pesquisa no Brasil ou no exterior realizem mais estudos sobre o assunto para que, de forma IMPARCIAL e sem interesses econômicos, procurem de forma científica esclarecer a verdadeira realidade dos fatos.

Agradecemos mais uma vez o espaço concedido pela revista da SBCP para discussão desse tema tão atual e que desperta o interesse de muitos cirurgiões plásticos do nosso país.

Simone Rosa, TSBCP, M.Sc.
Jefferson Macedo, TSBCP, Ph.D.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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2. Rosa SC, Macedo JLS. Reações adversas a substâncias de preenchimento subcutâneo. Rev Soc Bras Cir Plást. 2005;20:248-52.

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5. Laskin DM, Robinson IB, Weinmann JP. Experimental production of sarcomas by methyl methacrylate implants. Proc Soc Exper Biol Med.1954;87:329-32.

6. Carpaneda CA. Reação tecidual ao implante de silicone e o desenvolvimento de sarcomas [Dissertação de Mestrado]. Brasília: Universidade de Brasília, Faculdade de Ciências da Saúde;1992. 112p.

7. Rosa SC. Estudo experimental da reação tissular frente a substâncias remodeladoras cutâneas utilizadas em cirurgia plástica estética e reparadora [Dissertação de Mestrado]. Universidade de Brasília, Faculdade de Ciências da Saúde;2001. 129p.

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12. Rees TD, Platt J, Ballantyme DL. An investigation of cutaneous response to dimethylpolysiloxane (silicone liquid) in animals and humans: a preliminary report. Plast Reconstr Surg. 1965;35:131-9.

13. Tomazic-Jezic VJ, Merrit K, Umbreit TH. Significance of type and the size of biomaterial particules on phagocytosis and tissue distribution. J Biomed Mater Res. 2001;55:523-7.

14. Morhenn VB, Lemperle G, Gallo RL. Phagocytosis of different particulate dermal filler substances by human macrophages and skin cells. Dermatol Surg. 2002;28:484-9.

15. Lemperle G, Morhenn VB, Pestonjamasp V, Gallo RL. Migration studies and histology of injectable microsphesferes of diferent sizes inmice. Plast Reconstr Surg. 2004;113:1380-90.

 

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