ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175
Retalho Sural de Fluxo Reverso em Ilha
Reverse flow sural artery flap
Original Article -
Year2007 -
Volume22 -
Issue
4
LÚCIO FLÁVIO MANETA MARTINS BELÉMI, JOSÉ CESÁRIO DA SILVA ALMADA LIMAII, FELIPE PACHECO MARTINS FERREIRAIII, EDUARDO DE MELO FERREIRAIV, FREDERICO VIEIRA PENNAV, MARCELO BORGO ALVESV
RESUMO
Introdução: O retalho sural de fluxo reverso é um importante retalho fasciocutâneo, que pode ser usado para a reconstrução de perda de substância do terço distal da perna, calcâneo e região plantar proximal. É um retalho versátil, com amplo arco de rotação, que varia de 90º-180º e apresenta padrão axial baseado no fluxo arterial reverso da artéria sural superficial ramo da artéria fibular e drenagem venosa principal por tributárias surais da veia safena parva. Método: Foram operados 22 pacientes, com idade variando de 12 a 71 anos, sendo 19 casos devido a acidente automobilístico. Resultados: Cinco (22%) retalhos apresentaram necroses parciais e um (4,1%) apresentou necrose total. Enxertia em área doadora foi realizada em 18 (82%) casos.
Palavras-chave:
Traumatismos da perna, cirurgia. Retalhos cirúrgicos. Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos. Nervo sural, cirurgia
ABSTRACT
Introduction: The reverse flow sural artery flap is an important skin flap that can be used for reconstruction of tissue defects of the distal third of the leg, heel and proximal plantar region. It is a versatile flap with a wide arc of rotation that varies from 90º-180º and has an axial pattern based on reverse flow of superficial sural artery and main venous drainage by the short saphenous vein. Method: Twenty-two patients were operated with ages ranging from 12 to 71 years and 19 cases due to motorcycle accident. Results: Five (22%) flaps had parcial necrosis and one (4.1%) showed total loss. Split thickness skin on donor site was done in 18 (82%) cases.
Keywords:
Leg injuries, surgery. Surgical flaps. Reconstructive surgical procedures. Sural nerve, surgery
INTRODUÇÃO
As perdas de substâncias no terço distal da perna, calcâneo e região plantar proximal são de difícil tratamento e as alternativas de cobertura destes defeitos são limitadas e suscetíveis a complicações.
Fachinelli et al.1, em 1981, estudaram a anatomia da artéria sural superficial por injeção de contraste, com o objetivo de se fazer o enxerto vascularizado do nervo sural.
Ponten, em 1981, descreveu o uso de retalhos fasciocutâneos em membros inferiores2. Donski e Fogdestam3, em 1983, descreveram um retalho fasciocutâneo de pedículo distal baseado em perfurantes da artéria fibular.
Lin et al.4, em 1984, apresentaram seus estudos sobre o fluxo venoso reverso através das veias que acompanham a artéria radial, acreditando que a simpatectomia realizada na liberação do retalho gerava uma incompetência valvular destas veias, propiciando a drenagem reversa. Ferreira et al.5, em 1987, apresentaram um retalho fasciocutâneo lateral ou medial, de pedículo distal, baseado nas perfurantes septocutâneas inframaleolares. Masquelet et al.6, em 1988, descreveram o retalho supramaleolar lateral. Monteiro et al.7, em 1991, relataram sua experiência com o uso do retalho fasciocutâneo da artéria calcânea lateral para tratamento de feridas em calcâneo, conforme descrição inicial de Grabb e Argenta, de 1981. Gumener et al.8, em 1991, descreveram o retalho fasciocutâneo de fluxo reverso, sem ilha de pele, para cobertura de ferida em terço inferior da perna.
Masquelet et al.9, em 1992, desenvolveram o uso do retalho neurocutâneo sural em ilha para a reparação de partes moles em perda de substância no terço distal da perna.
Hasegawa et al.10, em 1994, propuseram uma nova terminologia para o retalho descrito por Masquelet e colaboradores. Oberlin et al.11, em 1995, descreveram o uso de retalhos neurocutâneos de base distal em 14 casos. Ferreira et al.12, em 1986, realizaram estudo anatômico da vascularização arterial da fáscia posterior da perna, que revelou a presença de três pedículos distais: um entre os músculos peroneal e sóleo, emergindo 10 a 15cm acima do maléolo lateral, e outros dois, menores, que emergem 5cm acima do maléolo lateral.
Nakajima et al.13, em 1999, descreveram estudo anatômico do nervo sural e veia safena parva e, em 2004, elucidaram, através de venografia em cadáver, que a drenagem venosa do retalho se faz por veias surais acessórias da veia safena parva que, por sua vez, mantinha suas válvulas pérvias. Costa PR, em sua tese de Doutorado, apresentada em 2004 na Universidade Federal de Minas Gerais, confirma esta teoria através do estudo com dupplex scan realizado no pré e pós-operatório da confecção do retalho.
Touam et al.14, em 2001, demonstraram a superioridade do retalho sural reverso quando comparado ao retalho supramaleolar lateral, ambos fasciocutâneos.
Raveendran et al.15, em 2004, apresentaram a experiência de 40 casos, nos quais realizaram o retalho sural reverso no tratamento de feridas dos membros inferiores. Almeida et al.16, em 2002, apresentaram 71 casos do retalho sural.
O objetivo deste trabalho é apresentar nossa experiência e sistemática com o retalho sural de fluxo reverso nas reparações do terço inferior da perna e calcâneo.
MÉTODO
Foram realizados 22 retalhos surais de fluxo reverso, no período de junho de 2001 a maio de 2007. As idades variavam de 12 a 71 anos, 19 pacientes eram do sexo masculino e 3 do feminino (Tabela 1).
As dimensões dos retalhos eram baseadas no tamanho das áreas a serem cobertas e variavam de 4 x 7 cm até 9 x 12 cm.
O trauma por acidente automobilístico com motocicleta foi responsável pelas lesões dos membros inferiores em 19 (86%) casos.
Em todos os casos, a veia safena parva, o nervo sural e a artéria sural superficial fizeram parte do pedículo.
O bloqueio raquionestésico foi utilizado em 19 casos, peridural, em um, e anestesia geral balanceada, em dois. Marcamos uma linha horizontal 5 cm acima do maléolo lateral, sendo esta o limite inferior do descolamento do pedículo, por ser esta área rica em ramos surais da artéria fibular, responsáveis pela irrigação do retalho12. Definimos o ponto de divergência dos ventres dos músculos gastrocnêmicos, sendo este o ponto central da ilha de pele. O trajeto do pedículo vai deste ponto central até a borda lateral do tendão de Aquiles (o que pode ser confirmado com o uso de dupplex scan ou o garroteamento proximal e a visualização da veia safena parva) - Figura 1. Incisamos a pele, tecido subcutâneo e fáscia profunda, evidenciando-se as fibras musculares dos músculos gastrocnêmicos, superiormente, e porção tendinosa do tríceps sural, inferiormente (Figuras 2 a 4). A confecção do pedículo é em plano subdérmico, superficialmente e acima do tendão do músculo tríceps sural, com preservação do paratendão, profundamente (Figuras 5 a 7). Apresenta, em média, 3 cm de largura e sempre contém o nervo sural, veia safena parva e artéria sural superficial. Este pedículo possui o comprimento suficiente para que, após a sua rotação, a ilha de pele cubra a ferida. Dissecamos um túnel no plano subcutâneo, entre a base do pedículo e a ferida a ser coberta, e transpomos o retalho sob o túnel (Figura 8).
Figura 1 - Marcação do retalho.
Figura 2 - Dissecção do retalho no plano subfascial. Visualização nervo sural.
Figura 3 - Dissecção do retalho no plano subfascial. Visualização nervo sural.
Figura 4 - Dissecção do retalho no plano subfascial. Visualização nervo sural.
Figura 5 - Dissecção do pedículo do retalho no plano subdérmico.
Figura 6 - Dissecção do pedículo do retalho no plano subdérmico.
Figura 7 - Dissecção do pedículo do retalho no plano subdérmico.
Figura 8 - Retalho já dissecado e tracionado para cobrir a ferida.
Quando os tecidos da área do túnel, pele e tecido subcutâneo são de má qualidade e possuem pouca elasticidade, preferimos seccionar a pele, comunicando, em todos os planos, a base do pedículo e a ferida. Nos primeiros casos, este pedículo exposto era coberto com enxerto de pele parcial. Nos casos mais recentes, temos mantido uma faixa de pele sobre o pedículo, de aproximadamente 1cm em todo seu eixo longitudinal, que não compromete o fechamento primário da área doadora do pedículo e, ao mesmo tempo, cobre o pedículo transposto através da sutura com as bordas da pele do túnel seccionada. A área doadora da ilha de pele pode ser fechada com sutura primária ou enxerto de pele parcial (Figura 9).
Figura 9 - Enxerto de pele parcial sobre área doadora do retalho.
O tempo médio de cirurgia variou de 1 a 2 horas, dependendo da presença ou não de fixadores externos.
As áreas cobertas pelo retalho, a maioria associada a fraturas expostas, foram maléolo lateral e medial, calcâneo e região anterior do tornozelo (Figuras 10 a 14).
Figura 10 - A. Pré-operatório: ferida em região de maléolo lateral; B. Pós-operatório: retalho cobrindo a ferida.
Figura 11 - A. Pré-operatório: ferida em região de calcâneo; B. Pós-operatório precoce: retalho cobrindo a ferida; C. Pós-operatório tardio: retalho cobrindo a ferida.
Figura 12 - A. Pré-operatório: ferida em 1/3 da perna, face medial com exposição; B. Pós-operatório: retalho cobrindo a ferida.
Figura 13 - A. Pré-operatório: ferida em 1/3 da perna, face medial com exposição óssea; B. Pós-operatório: retalho cobrindo a ferida.
Figura 14 - A. Pré-operatório de lesões em face posterior do 1/3 distal da perna com exposição do tendão de Aquiles; B. Pós-operatório: retalho cobrindo a ferida.
RESULTADOS
O acompanhamento pós-operatório foi, em média, de 6 a 18 meses.
Epidermólises e necroses parciais ocorreram em cinco (22%) casos. Acometeram área inferior a 30% do retalho.
Nestas pacientes, realizamos reabordagem cirúrgica para debridamentos, suturas complementares e/ou enxertos, em média, entre o 10º e 14º dia de pós-operatório, sem comprometimento do resultado final.
Necrose total ocorreu em um (4,1%) caso.
Congestão venosa ocorreu, principalmente, quando o pedículo passou por túnel de pele, devido à provável compressão secundária à elasticidade reduzida da pele no terço inferior da perna.
DISCUSSÃO
A perda de substância no terço inferior da perna, principalmente quando devido a acidentes automobilísticos com esmagamentos e fraturas expostas, é de difícil tratamento. Normalmente, os tecidos adjacentes à perda tecidual estão macerados e com perfusão reduzida.
Retalhos musculares satisfatórios estão restritos aos dois terços proximais da perna. Retalhos em "cross leg" requerem imobilização prolongada e, em muitos casos, são inviáveis devido ao uso de fixadores externos.
Retalhos microcirúrgicos demandam uma equipe especializada e tempo cirúrgico prolongado. O retalho supramaleolar lateral apresenta taxas de complicações mais elevadas e maior tempo cirúrgico. O retalho fasciocutâneo descrito por Gumener, normalmente, necessita enxertia cutânea complementar.
O retalho sural de fluxo reverso em ilha é de fácil execução, confiável e de pós-operatório simples. Apresenta amplo arco de rotação (até 180º), sem grande volume pedicular. Cuidados especiais devem ser tomados na dissecção subdérmica do pedículo para minimizar a seqüela estética final.
Congestão venosa acentuada, geralmente, está associada a túneis estreitos com compressão pedicular, o que tem sido evitado com a secção de todos os planos teciduais do túnel e enxertia de pele parcial sobre o pedículo ou, como mais recentemente, pela manutenção de faixa de pele sobre o pedículo. Os índices de necrose parcial (22%) e total (4,1%) são compatíveis com os da literatura, 21% e 4,2%, respectivamente16. Não há sacrifício de artérias principais do membro inferior e a hipoestesia da porção lateral do pé, geralmente, é bem tolerável.
CONCLUSÃO
O retalho sural de fluxo reverso em ilha é confiável, de fácil execução e com um arco de rotação que, geralmente, possibilita a cobertura de lesões diversas no terço distal da perna, tornozelo e região plantar proximal, sem sacrifício de artérias importantes ou mobilização de estruturas que possam trazer déficits funcionais. O índice de complicações é relativamente baixo e as seqüelas estéticas são aceitáveis.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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I. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia Plástica do Hospital Universitário São José (HUSJ). Membro do corpo clínico da Clínica Notre Dame - Centro Mineiro de Cirurgia Plástica.
II. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Regente do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Universitário São José (HUSJ). Membro do corpo clínico da Clínica Notre Dame - Centro Mineiro de Cirurgia Plástica.
III. Membro Associado da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Médico Residente do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Universitário São José (HUSJ). Membro do corpo clínico da Clínica Notre Dame - Centro Mineiro de Cirurgia Plástica.
IV. Médico Residente do Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Universitário São José (HUSJ).
V. Membro Especialista da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.
Correspondência para:
Felipe Pacheco Martins Ferreira
Rua da Mata, 85, apto 503 - Bairro Vila da Serra
Nova Lima - MG - Brasil - CEP: 34000-000
Tel: 0xx31 3264-9281/8727-5557.
E-mail: felipe.pacheco@yahoo.com.br
Trabalho realizado no Hospital Universitário São José (FCMMG), Hospital Galba Veloso (FHEMIG) e Clínica Notre Dame - Centro Mineiro de Cirurgia Plástica, Belo Horizonte, MG. Apresentado no 42o Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica - Belo Horizonte, MG, novembro de 2005; no 1o Congresso do DESC - São Paulo, SP, fevereiro de 2007 e na XXVII Jornada Paulista de Cirurgia Plástica - São Paulo, SP, maio de 2007.
Artigo recebido: 03/07/2007
Artigo aprovado: 01/10/2007
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