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Influência do buflomedil e do sildenafil na sobrevivência de retalhos randomizados em ratos: estudo experimental
Influence of sildenafil and buflomedil on survival of randomized flaps in rats: an experimental study
Original Article -
Year2011 -
Volume26 -
Issue
3
Jason C. Abrantes Figueiredo1; Antonio Gustavo Zampar2; Cristina Destro3; Victor Eduardo A. Arias4; Rebeca Morro5; Adivânia de Souza Pinheiro6; José Marcos de Andrade Mélega7
RESUMO
Introdução: A insuficiência no aporte sanguíneo e a consequente disfunção gerada no fluxo da microcirculação são consideradas causas dominantes de sofrimento de um retalho cirúrgico.Várias drogas vasoativas têm sido testadas para o tratamento farmacológico da isquemia tecidual, porém com graus variáveis de sucesso. Este estudo teve como objetivo avaliar a influência do buflomedil e do sildenafil na viabilidade de retalhos cutâneos ao acaso, em ratos. Métodos: Foram confeccionados retalhos cutâneos no dorso de ratos, com dimensões de 10 x 3 cm e base caudal. Foram utilizados 30 ratos, divididos em três grupos de 10 ratos cada: um grupo que recebeu apenas o veículo da solução (grupo controle); um grupo que recebeu buflomedil (grupo buflomedil); e um terceiro grupo que recebeu sildenafil (grupo sildenafil). A via de administração foi a oral e a dose foi de 10 mg/kg/dia para cada droga, durante sete dias. Ao final desse período, os animais foram sacrificados, sendo realizada a determinação das áreas viáveis dos retalhos. Resultados: A média das áreas viáveis dos retalhos foi de 16,2 ± 3,56 cm2 para o grupo controle, de 17,69 ± 2,54 cm2 para o grupo buflomedil, e de 18,28 ± 3,74 cm2 para o grupo sildenafil. A análise dos dados pelo teste de Kruskal-Wallis não demonstrou significância estatística entre os três grupos. Conclusões: A utilização do buflomedil e do sildenafil demonstrou não diminuir a área de necrose de retalhos randomizados em ratos.
Palavras-chave:
Retalhos cirúrgicos. Piperazinas. Pirrolidinas. Necrose/prevenção & controle. Ratos.
ABSTRACT
Background: Microcirculation dysfunction, as a consequence of localized vascular insufficiency, is considered to be one of the dominant causes of surgical flap necrosis. Several vasoactive drugs have been tested for the pharmacological treatment of tissue ischemia, with varying degrees of success. This study aimed to assess the impact of buflomedil and sildenafil on the viability of random skin flaps in rats. Methods: Caudally pedicled skin flaps (10 x 3 cm) were created on the backs of rats. The animals were randomly assigned, in groups of 10, to three treatment groups: one group served as the vehicle control group, one group received buflomedil (10 mg/kg/d, orally), and a third group received the same dosage of sildenafil. Following seven days of dosing, the animals were sacrificed, and the viable flap area was determined. Results: The average viable flap area for each group was: 16.2 ± 3.56 cm2 (control group), 17.69 ± 2.54 cm2 (buflomedil group), and 18.28 ± 3.74 cm2 (sildenafil group). Data analysis by the Kruskal-Wallis test failed to show a statistically significant difference between the three groups. Conclusions: Neither buflomedil nor sildenafil showed a reduction in the necrotic area of random skin flaps in rats.
Keywords:
Surgical flaps. Piperazines. Pyrrolidines. Necrosis/prevention & control. Rats.
INTRODUÇÃO
A necrose ainda é uma das principais complicações dos retalhos cutâneos, a despeito de toda a evolução observada na cirurgia plástica. Sua ocorrência é capaz de modificar de forma devastadora um resultado previamente idealizado.
A insuficiência no aporte sanguíneo e a consequente disfunção gerada no fluxo da microcirculação são consideradas causas dominantes de sofrimento de um retalho1,2. Diferentes drogas vasoativas têm sido testadas, porém com graus variáveis de sucesso, de forma que, até o momento, não há uma droga definitivamente aceita como padrão de referência no tratamento farmacológico da isquemia tecidual3-5.
O buflomedil tem sido utilizado em situações clínicas de déficit circulatório periférico. Estudos indicam que essa droga diminui a resistência vascular periférica, com aumento da perfusão sanguínea da microcirculação6-8.
Os inibidores da fosfodiesterase (PDE) também vêm sendo estudados pelos seus efeitos vasodilatadores. As PDEs são um grupo de enzimas relacionadas com 11 subtipos, que agem clivando a molécula de c-AMP e/ou de c-GMP, inativando-a. O sildenafil é um inibidor da PDE tipo 5, que age especificamente nas moléculas de c-GMP, presentes de forma abundante nas células musculares lisas como as encontradas nas paredes dos vasos5,9.
O óxido nítrico, quando liberado das células endoteliais, difunde-se pelas células musculares lisas da microcirculação e se liga à enzima guanilato ciclase, ativando-a e, consequentemente, levando à formação de c-GMP10. Este, por sua vez, age sobre a proteína miosina, levando ao relaxamento dessa proteína e à dilatação do vaso. Dessa forma, compreende-se a ação do sildenafil inibindo a enzima que clivaria o c-GMP, aumentando a concentração deste, com consequente vasodilatação5,9.
Este trabalho teve como objetivo avaliar a influência do buflomedil e do sildenafil na viabilidade tecidual de retalhos cutâneos randomizados.
MÉTODO
Foram utilizados 30 ratos machos, adultos, da linhagem Wistar, pesando entre 250 g e 280 g. Os animais foram mantidos no biotério do Instituto de Cirurgia Plástica Santa Cruz (São Paulo, SP, Brasil), em local climatizado com água e ração ad libitum, cerca de uma semana antes de iniciar o procedimento, como medida de adaptação, seguindo as resoluções do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA).
A anestesia foi realizada com ketamina (100 mg/ml) e xilazina (20 mg/ml) na dose total de 0,2 ml por 100 mg de peso corpóreo, via intraperitoneal. Foi realizada tricotomia dos pelos do dorso com aparelho elétrico. Após antissepsia, foi confeccionado, com instrumental estéril, um retalho cutâneo no dorso com pedículo caudal com dimensões de 10 x 3 cm, considerando-se as cristas ilíacas como reparo anatômico para início do retalho (Figura 1). O retalho foi elevado abaixo do panículo carnoso e, em seguida, ressuturado ao leito de forma contínua com mononáilon 4-0. Foram realizadas marcações no retalho, a cada 2 cm, por meio de desenho e ponto de mononáilon 4-0, para facilitar a observação da área de necrose (Figuras 1 e 2).
Figura 1 - Retalho desenhado no dorso do rato com dimensões de 10 x 3 cm e com marcas transversas a cada 2 cm, para facilitar a observação da área de necrose.
Figura 2 - Delimitação entre a área de necrose e a área viável do retalho (pontos de reparo a cada 2 cm).
Os animais foram aleatoriamente divididos em três grupos, com 10 animais em cada grupo: grupo controle, ao qual foi administrado apenas o veículo da solução; grupo sildenafil, ao qual foi administrada uma solução contendo sildenafil; e grupo buflomedil, ao qual foi administrada uma solução contendo buflomedil.
As suspensões foram preparadas previamente em laboratório próprio e como veículo utilizou-se uma mistura de 1:1 de carboximetilcelulose 1% e xarope simples, preparada conforme a Farmacopeia Brasileira IV-4ª ed, de 1988. Foram preparados sete frascos de 300 ml, dos quais quatro foram utilizados no preparo das suspensões, descritas a seguir, e três foram reservados para o grupo controle.
A suspensão de sildenafil foi obtida a partir da trituração de 30 comprimidos de 50 mg de Viagra® em pó fino, o qual foi suspenso no veículo supracitado até formar uma pasta. Depois, foi transportada para uma proveta onde se completou o volume até 600 ml com a mistura de carboximetilcelulose 1% e xarope simples. Essa suspensão foi dividida em dois frascos plásticos opacos de 300 ml. A concentração final obtida foi de 2,5 mg/ml.
A suspensão de buflomedil resultou da mistura do pó fino de 5 comprimidos de 300 mg de Bufedil® ao veículo base de 1:1 de carboximetilcelulose 1% e xarope simples até a formação da pasta. Essa pasta foi transferida para uma proveta e completou-se o volume até 600 ml para a concentração de 2,5 mg/ml. Posteriormente, transferiu-se a suspensão para dois frascos plásticos opacos de 300 ml cada.
As soluções foram administradas por via oral, por meio de gavagem. A primeira dose foi administrada no pós-operatório imediato e as demais doses foram administradas uma vez por dia, durante 7 dias. Foi utilizada a dosagem de 10 mg/kg diariamente, tanto para o sildenafil como para o buflomedil, e para o grupo controle foi administrado volume equivalente apenas do veículo das soluções.
Após o procedimento cirúrgico, os animais foram mantidos em gaiolas individuais e os retalhos foram fotografados e observados por 7 dias. Ao final desse período, os ratos foram sacrificados.
A área viável do retalho foi desenhada e transposta para um papel cartolina (Figura 2), que, por sua vez, foi digitalizado e submetido a análise pelo Image Tool 2.0®, um programa de computador específico para cálculo de áreas.
Os retalhos foram fixados em formol a 10% e clivados, e um fragmento representativo da área viável foi processado histologicamente em gradiente de álcoois e xilol e incluído em parafina. Cortes histológicos de 4 µm foram corados por hematoxilina e eosina, as imagens foram digitalizadas e o diâmetro dos vasos foi calculado utilizando-se também o software Image Tool 2.0®.
Os resultados foram submetidos a análise estatística pelo teste de Kruskal-Wallis.
RESULTADOS
A média das áreas viáveis dos retalhos foi de 16,2 ± 3,56 cm2 para o grupo controle, de 17,69 ± 2,54 cm2 para o grupo buflomedil e de 18,28 ± 3,74 cm2 para o grupo sildenafil (Tabelas 1 e 2, Figura 3). A análise dos dados não demonstrou diferença estatisticamente significante entre os três grupos (H =1.6475; graus de liberdade = 2; P = 0,4388).
O diâmetro médio dos vasos no grupo buflomedil foi de 38,35 µm (mediana = 34,25; desvio padrão = 19,85; erro padrão = 6,28); no grupo controle, foi de 27,1 µm (mediana = 24,75; desvio padrão = 12,8; erro padrão = 4,08); e no grupo sildenafil, foi de 19,9 µm (mediana = 18,5; desvio padrão = 6,99; erro padrão = 2,21). A análise estatística, utilizando-se o método de Kruskal-Wallis, indicou diferença estatística em pelo menos um dos grupos estudados (P = 0,02), e o pós-teste pelo método de comparações múltiplas de Dunn revelou diferença significante entre os grupos buflomedil e sildenafil, não havendo diferença entre os grupos buflomedil e controle e entre os grupos controle e sildenafil (Figura 4).
Figura 4 - Distribuição dos resultados do cálculo do diâmetro dos microvasos presentes em cortes histológicos representativos da área viável dos retalhos dos animais distribuídos nos grupos buflomedil, controle e sildenafil. Kruskal-Wallis (P = 0,02), sendo os resultados dos grupos buflomedil e sildenafil estatisticamente diferentes (P < 0,05). Os resultados dos grupos buflomedil e sildenafil não diferiram dos resultados observados no grupo controle. B = buflomedil; C = controle; S = sildenafil.
DISCUSSÃO
Os dados demonstram que o efeito benéfico na microcirculação atribuído ao buflomedil não se correlacionou à melhora da isquemia tecidual. No entanto, alguns estudos apresentam resultados divergentes3,6,7,11.
Esses estudos apresentam efeitos benéficos em relação à isquemia tecidual com buflomedil na dose de 3 mg/kg, utilizando, contudo, as vias intraperitoneal6,7 ou intravenosa3,8. Como neste estudo foi utilizada a via oral, possíveis perdas de absorção da droga pelo trato gastrointestinal foram consideradas, optando-se por uma dose maior (10 mg/kg).
No homem, sabe-se que cerca de 30% da droga é absorvida pelo trato gastrointestinal, sendo recomendadas doses de 50 mg/dia a 200 mg/dia por via intravenosa; quando é utilizada a via oral, as doses devem ser aumentadas para 300 mg/dia a 600 mg/dia12.
Contudo, a ineficácia do buflomedil não foi inédita. Estudo realizado por Quirinia et al.4 indicou a falha dessa droga em aumentar a viabilidade de retalhos em ratos, mesmo com doses de 10 mg/kg e utilizando a via intraperitoneal. Outras aplicações dessa droga, como no tratamento da claudicação intermitente, têm sua eficácia atualmente questionada, em virtude dos resultados conflitantes existentes na literatura13.
O sildenafil, por outro lado, é uma droga cujos efeitos vasodilatadores poderiam potencialmente beneficiar retalhos randomizados. Embora o sildenafil ainda seja pouco avaliado para esse fim, dois estudos relativamente recentes indicaram algum grau de melhora da área de necrose em retalhos ao acaso confeccionados em ratos5,9. No entanto, no estudo de Hart et al.5 observa-se a ação da droga ao longo dos dias de pós-operatório e os resultados demonstram que a melhora da viabilidade tecidual verificada até o terceiro dia de pós-operatório não se manteve estatisticamente significante no quinto e no sétimo dias, em relação ao grupo controle. Embora com dosagens e vias de administração semelhantes a esses estudos, não foi evidenciada melhora significativa em relação à área de necrose dos retalhos comparativamente aos grupos buflomedil e controle.
CONCLUSÃO
A utilização do buflomedil e do sildenafil demonstrou não diminuir a área de necrose de retalhos randomizados em ratos.
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1. Doutor pela Universidade de São Paulo (USP), membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), médico assistente titular do Instituto de Cirurgia Plástica Santa Cruz, São Paulo, SP, Brasil.
2. Membro associado da SBCP, médico assistente fellow do Instituto de Cirurgia Plástica Santa Cruz, São Paulo, SP, Brasil.
3. Membro associado da SBCP, cirurgiã plástica, ex-residente do Instituto de Cirurgia Plástica Santa Cruz, São Paulo, SP, Brasil.
4. Doutor pela USP, médico patologista do Hospital Santa Cruz, São Paulo, SP, Brasil.
5. Farmacêutica do Hospital Santa Cruz, São Paulo, SP, Brasil.
6. Pós-graduada pela USP-Ribeirão Preto, médica residente do Instituto de Cirurgia Plástica Santa Cruz, São Paulo, SP, Brasil.
7. Membro titular da SBCP, regente do Serviço de Cirurgia Plástica do Instituto de Cirurgia Plástica Santa Cruz, São Paulo, SP, Brasil.
Correspondência para:
Adivânia de Souza Pinheiro
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E-mail: adivania@yahoo.com.br
Artigo submetido pelo SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBCP.
Artigo recebido: 5/4/2011
Artigo aceito: 18/8/2011
Trabalho realizado no Instituto de Cirurgia Plástica Santa Cruz, São Paulo, SP, Brasil.
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