ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Case Reports - Year2006 - Volume21 - Issue 4

ABSTRACT

The authors present a case of extensive loss of soft tissues in a leg, with tibial and fibular fractures, in an 18 year-old patient, consequence of a traumatic accident. The few possibilities of surgical reconstruction, and in spite of the fibular fracture, the fibular tibialization was done, treating the bone defect. Muscular flaps and total skin graft were done for total coverage.

Keywords: Fractures, ununited, surgery. Fibula, injuries. Fibula, surgery. Surgical flaps. Limb salvage, methods

RESUMO

Os autores apresentam um caso de extensa perda de partes moles de perna, com fraturas de tíbia e fíbula, em um paciente de 18 anos, conseqüência de um acidente traumático. Diante das poucas possibilidades de reconstrução cirúrgica, e apesar da fratura fibular, foram realizadas a tibialização da fíbula, tratando o defeito ósseo encurtando a perna, e retalhos musculares com enxertia de pele total em malha para sua cobertura, evoluindo satisfatoriamente.

Palavras-chave: Fraturas não consolidadas, cirurgia. Fíbula, lesões. Fíbula, cirurgia. Retalhos cirúrgicos. Salvamento de membro, métodos


INTRODUÇÃO

As perdas de partes moles e ósseas em perna constituem-se em um constante desafio ao cirurgião plástico. Poucas são as opções cirúrgicas e mais escassas quanto maior for o dano tecidual.

Nesse contexto, a tibialização da fíbula pode ser empregada para restaurar a tíbia afetada, pois é o principal osso da perna. Descrita inicialmente por Hahn (1884) e Huntington (1905), a técnica apresentou muitas complicações, chegando a ser até abandonada. Com o advento de técnicas modernas de fixação e transposição óssea, voltou a figurar como opção de reconstrução da tíbia em situações extremas, como a apresentada no presente relato1,2.


RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, de 18 anos de idade, com história de acidente motociclístico há aproximadamente 40 dias, com fratura exposta de tíbia e fíbula e esmagamento da perna direita. Estas lesões foram inicialmente tratadas em outro hospital, com redução e fixação da fratura, evoluindo com extensa necrose de partes moles e exposição óssea em uma área cruenta de 2/3 anteriores da perna (Figuras 1A e 1B). Havia, no exame admissional, intenso processo infeccioso da área, expondo em torno de 20 cm de tíbia desvitalizada. Foi desbridado e ressecado o segmento ósseo inviável e iniciada antibioticoterapia específica, resultando em um gap ósseo de 11 cm (Figura 1C). No intuito de planejar possíveis retalhos, foram realizados radiografia da perna, apontando fraturas de tíbia e fíbula, e arteriografia do membro, indicando oclusão das artérias tibiais anterior e posterior, estando pérvia apenas a fibular. Mesmo diante da fratura segmentar da fíbula ipsilateral, localizada há 3 cm do foco da fratura tibial, o que poderia inviabilizar o procedimento cirúrgico, realizou-se a tibialização da fíbula, transferindo, póstero-anteriormente e ínfero-superiormente, cerca de 13 cm ósseos, junto da musculatura adjacente, com um pequeno encurtamento da perna (Figura 1D). A fíbula foi instalada intramedularmente na tíbia e reforçada com placas metálicas para fixação, além de fixadores externos (Figura 2A). Foi necessário, para a sua cobertura anterior, um retalho de músculo gastrocnêmio lateral (Figura 2B). Houve perda parcial da ponta do retalho muscular, optando-se por tratamento conservador, com boa evolução e granulação sobre os retalhos. Realizada enxertia de pele parcial em malha para cobertura, no 25° pós-operatório, havendo integração satisfatória (Figuras 2C e 2D). Com seis meses de pós-operatório, o membro está encurtado, porém preservado, recebendo carga normal, com paciente já deambulando (Figura 3).


Figura 1 - A: Admissão: curativo de carvão ativado com extensa necrose de partes moles e exposição óssea em uma área cruenta de 2/3 anteriores da perna. B: Após retirada do curativo, evidencia-se necrose de cerca de 20 cm na tíbia. C: Pré-operatório: Gap ósseo de 11 cm. D: Intra-operatório: retalho ósteo-muscular de tíbia obtido.


Figura 2 - A: Fíbula foi instalada intramedularmente na tíbia e reforçada com placas metálicas para fixação. B: Aspecto pós-operatório imediato: retalho de músculo gastrocnêmio lateral cobriu a exposição óssea. C: Necrose parcial da extremidade do retalho muscular tratada conservadoramente. D: Estado final do retalho já com granulação.


Figura 3 - A: Pós-enxertia de pele. B: 6º mês de pós-operatório: Perna preservada com pequeno encurtamento do membro. C: Paciente em posição ortostática, com carga total no membro.



DISCUSSÃO

Perdas ósseas e sepse são os resultados de traumas de alta energia que afetam tíbia, fíbula e tecidos moles. A reconstrução neste caso requer técnicas de microcirurgia, com retalhos à distância, considerados de difícil execução. A medialização da fíbula ipsilateral ou a tibialização da fíbula podem ser feitas por um cirurgião plástico geral, com instalações de infraestrutura mais acessíveis. Indicar o procedimento pode ser certamente uma alternativa aceitável à amputação, quando houver vascularização adequada e uma sensibilidade do pé intacta; preservando um membro encurtado e, até mesmo, provendo melhor função para muitos pacientes. Uma transferência fibular recebe nutrição baseada na árvore vascular peroneal e anexos musculares extensos3.

A fíbula ipsilateral preservada, porém, é o pré-requisito essencial2,4. No presente caso, nos deparamos com a fratura fibular, tendo como solução a transferência não apenas medial do segmento ósseo fraturado, mas também um movimento no sentido cranial deste, associado a um encurtamento da perna.

Quando uma fíbula é transferida, uma vez que as junções tibiofibulares se consolidaram, ocorre hipertrofia progressiva, entre 4 e 6 meses. Dentro de 2 a 3 anos, a largura pode ser tão grande quanto a tíbia. Em circunstâncias ideais, as junções tibiofibulares cicatrizariam semelhante a fraturas de ossos vascularizados, no entanto, a fixação intramedular, como relatado, biomecanicamente é mais satisfatória5.

Acreditou-se na possibilidade de utilização da artéria fibular como nutridora do osso transferido, porque a tibial posterior, apesar de ocluída na origem, promovia o enchimento do segmento inferior à lesão, inclusive do arco plantar. Ressalte-se que essa artéria fibular foi transferida com o retalho, sem secção da mesma abaixo do segmento doado, no sentido de colaborar na nutrição da extremidade inferior da perna.

O procedimento, apesar das cicatrizes extensas na perna e limitação de movimentação do joelho e tornozelo, além do grau de encurtamento, teve resultado substancialmente melhor do que a amputação, que condena o paciente ao uso de uma prótese para o resto da vida. Assim, a tibialização ipslateral deve figurar no arsenal reparador do cirurgião plástico6 e, contrariando o que era postulado, a fíbula fraturada poderá ser usada, desde que alcance a falha óssea a ser preenchida, mesmo que um encurtamento seja necessário.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Kassab M, Samaha C, Saillant G. Ipsilateral fibular transposition in tibial nonunion using Huntington procedure: a 12-year follow-up study. Injury. 2003;34(10):770-5.

2. Moyikoua A, Pena-Pitra B. Tibialization of the fibula for a large bone loss. A case report. Acta Orthop Belg. 2000;66(2):205-7.

3. Tuli SM. TibiaIization of the fibula: a viable option to salvage limbs with extensive scarring and gap nonunions of the tibia. Clin Orthop Relat Res. 2005;(431):80-4.

4. Drumond SN, Santos FA, Coelho PC, Souza JM. Conduta nas pseudo-artroses infectadas da tíbia. Rev Bras Ortop. 1981;16(2):41-6.

5. Afiram E, Liebergall MI, Mosheiff R. 'Tibialization' of the fibula in the treatment of severe tibial bone loss. Foot Ankle Surg. 2002;8(3):191-5.

6. Shapiro MS, Endrizzi DP, Cannon RM, Dick HM. Treatment of tibial defects and nonunions using ipsilateral vascularized fibular transposition. Clin Orthop Relat Res. 1993;(296):207-12.










I. Médicos Assistentes e Membro Associado da SBCP do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, SP.
II. Médico Assistente do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, SP.
III. Professor Doutor em Cirurgia Plástica pela UNIFESP, Membro Titular da SBCP e chefe do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, SP.

Correspondência para:
Antonio Roberto Bozola. Clínica Imagem de Cirurgia Plástica
Av. José Munia, 7075
São José do Rio Preto - SP - CEP: 15085-350
Telefax: 0xx17 3227-9200
E-mail: bozola@bozola.com.br

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, SP.

Artigo recebido: 17/08/2006
Artigo aprovado: 05/12/2006

 

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