ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175
Evaluation of the inferior epigastric artery perforator flap perfusion in breast reconstruction
Avaliação da Perfusão do Retalho de Perfurante da Artéria Epigástrica Inferior Microcirúrgico Aplicado em Reconstrução Mamária
Original Article -
Year2006 -
Volume21 -
Issue
4
Marcelo Sacramento CunhaI, Alexandre Mendonça MunhozII, Gustavo SturtzIII, Eduardo MontagIV, Marcus Castro FerreiraV
ABSTRACT
Introduction: DIEP flap has become popular recently. Advantages include the primary pedicle (deep inferior epigastric vessels) and preservation of the donor site. Changes in the cutaneous blood flow of the DIEP flap for breast reconstruction were studied. Method: Twelve patients were submitted to breast reconstruction with 14 DIEP flaps, between March and December 2002. The cutaneous blood flow was measured with a laser Doppler flowmeter in the four zones of the flap and during four moments (pre-operatory, after incision, pre-transference and post-transference). The tissue perfusion units were expressed in percentage of the reference value (preoperatory) and analyzed by Friedman test. Results: The hemodynamic pattern observed was an increased cutaneous perfusion after incision, without statistical difference. A statistically significant reduction of cutaneous perfusion was observed at the pretransference moment. At the post-transference moment, the blood flow returned to the baseline level, in zones I and III, and stayed in lower level, in zones II and IV. Discussion: The hemodynamic pattern observed is similar to pedicled and microsurgical TRAM flaps, after incision. After flap dissection, the blood flow decreased just like pedicled TRAM flaps. Zones I and III had the best blood flow values.
Keywords:
Mammaplasty. Surgical flaps. Blood flow velocity, physiology
RESUMO
Introdução: O retalho de perfurante da artéria epigástrica inferior ("DIEP") tem se tornado popular, nos últimos anos, por utilizar o sistema epigástrico profundo como pedículo e preservar a musculatura abdominal, evitando seqüelas na área doadora. Objetivo: O objetivo do presente estudo foi avaliar as variações de fluxo sanguíneo cutâneo medido por meio do laser doppler no retalho DIEP, durante o período transoperatório de reconstruções mamárias. Método: Doze pacientes foram submetidas à reconstrução mamária com 14 retalhos DIEP. Por meio do laser doppler, foram medidas as perfusões cutâneas nas quatro zonas do retalho, nos momentos pré-operatório, incisado, pré-transferência e pós-transferência. Os valores em unidade de perfusão tecidual ("TPU") foram transformados em porcentagens do valor de referência (pré-operatório) e foram analisados por meio do teste de Friedman. Resultados: O padrão do comportamento hemodinâmico encontrado foi aumento dos valores da perfusão cutânea no momento incisado, sem diferença estatística. Estes valores sofreram uma redução estatisticamente significante para níveis abaixo dos valores de referência, no momento pré-transferência e se mantiveram, no momento pós-transferência, nas zonas II e IV. Nas zonas I e III, os valores pós-transferência não foram diferentes dos valores de referência. Discussão: O padrão hemodinâmico obtido é semelhante ao do retalho transverso do músculo reto abdominal ("TRAM") pediculado e microcirúrgico, no momento incisado. Após a dissecção do retalho, a perfusão é reduzida abaixo dos valores de referência, semelhante ao TRAM pediculado. As zonas I e III foram melhores perfundidas do que as zonas II e IV.
Palavras-chave:
Mamoplastia. Retalhos cirúrgicos. Velocidade do fluxo sanguíneo, fisiologia
INTRODUÇÃO
O tratamento do câncer da mama apresentou grande evolução, nos últimos 20 anos, decorrente do avanço técnico, do desenvolvimento de novas terapias e do enfoque multidisciplinar. Estes fatores propiciaram maior índice de cura e melhor qualidade de vida às pacientes submetidas à cirurgia radical1.
Entre as principais opções técnicas de reconstrução mamária, o retalho transverso do músculo reto abdominal ("TRAM") apresenta como vantagem a versatilidade, com possibilidade de cobertura de diversos defeitos cutâneos2,3. Seja na forma de retalho pediculado ou microcirúrgico, há a necessidade de sacrifício de todo ou segmentos do músculo reto abdominal, que, dependendo da atividade física da paciente e da quantidade de músculo retirado, pode ocasionar déficit funcional e uma maior incidência de abaulamentos e herniações4,5.
Com a introdução do conceito de retalhos de vasos perfurantes, no final da década de 80, e a aplicação do retalho de perfurante da artéria epigástrica profunda inferior ("DIEP") na reconstrução mamária, surgiu uma nova possibilidade terapêutica para as pacientes candidatas à mastectomia6,7. A vascularização do retalho "DIEP" baseia-se na artéria epigástrica profunda inferior ("EPI") por meio da dissecção dos ramos perfurantes em seu trajeto intramuscular, possibilitando a preservação de toda a musculatura abdominal8,9.
O número ideal de perfurantes por retalho ainda não foi determinado e a extensão viável do retalho, durante o ato operatório, permanece questionável e fadada a exame clínico no intra-operatório. As possíveis complicações, como necrose de pele ou gordura, devido à possível irrigação reduzida do retalho "DIEP", motivaram o estudo hemodinâmico do fluxo sangüíneo cutâneo deste retalho. Estudos semelhantes foram realizados para os retalhos "TRAM" pediculado e microcirúrgico, porém ainda não há relatos de estudo semelhante para o retalho "DIEP". O objetivo do presente estudo foi avaliar as variações de fluxo sangüíneo cutâneo medido por meio do laser doppler no retalho DIEP, durante o período peri-operatório de reconstruções mamárias.
MÉTODO
Doze pacientes foram submetidas à reconstrução mamária com 14 retalhos "DIEP". Foram incluídas no estudo pacientes hígidas, portadoras de doença neoplásica da mama. A idade das pacientes variou de 26 a 67 anos e índice de massa corpórea de 24,4 a 30,4. Os vasos receptores foram os mamários internos, perfurantes do 2º espaço intercostal, tóracodorsais e subescapulares. As anastomoses venosas foram realizadas nas veias mamárias internas, veia perfurante do 2º espaço intercostal, na veia tóraco-dorsal e na veia subescapular.
Os retalhos foram divididos em quatro zonas de extensões horizontais iguais. As zonas foram definidas de I a IV, da seguinte forma: zona I contém os vasos perfurantes, zona II imediatamente medial à zona I, zona III lateral à zona I e zona IV lateral à zona II. Nas reconstruções bilaterais, os retalhos possuíam apenas as zonas I e III. O ponto médio nos eixos horizontal e vertical destas zonas foi determinado e tatuado com azul de metileno ao redor, em quatro pontos distantes 1 cm entre si. As medidas foram feitas com o laser doppler nos pontos médios das zonas. O probe foi mantido sobre o ponto médio, sem pressão e apoiado pelo medidor a uma distância de 15cm da extremidade (Figura 1). As medidas foram feitas em quatro momentos: pré-operatório, incisado, pré-transferência e pós-transferência.
Figura 1 - O retalho foi dividido em 4 zonas com extensões horizontais iguais. Posicionamento do laser doppler.
Foram obtidas as médias aritméticas dos valores da unidade de perfusão tecidual. Os valores mensurados em cada momento foram expressos em porcentagens do valor de referência (pré-operatório eram 100%) de cada zona, como descrito por Tuominen et al.10,11, em 1992 e 1993. Os dados foram analisados empregando-se o teste não paramétrico de Friedman e o valor de significância estatística adotado foi 0,05.
RESULTADOS
Na zona I, observou-se aumento do fluxo sanguíneo cutâneo, no momento incisado, estatisticamente não significante em relação ao momento pré-operatório. No momento pré-transferência, observou-se queda do fluxo, estatisticamente significante em relação ao momento incisado (p< 0,05) e, no momento pós-transferência, ocorreu discreto aumento da perfusão, estatisticamente não significante em relação aos outros momentos (Tabela 1).
Na zona II, observou-se aumento do fluxo sanguíneo cutâneo, no momento incisado, estatisticamente não significante em relação ao momento pré-operatório. No momento pré-transferência, observou-se queda do fluxo, estatisticamente significante em relação ao momento incisado e préoperatório (p< 0,05). No momento pós-transferência, a perfusão não diferiu estatisticamente do momento pré-transferência (Tabela 2).
Na zona III, observou-se aumento do fluxo sanguíneo cutâneo, no momento incisado, estatisticamente não significante em relação ao momento pré-operatório. No momento pré-transferência, observou-se queda no fluxo estatisticamente significante em relação ao momento incisado (p< 0,05). No momento pós-transferência, a perfusão não diferiu estatisticamente do momento pré-transferência (Tabela 3).
Na zona IV, observou-se aumento do fluxo sanguíneo cutâneo, no momento incisado, estatisticamente não significante em relação ao momento pré-operatório. No momento pré-transferência, observou-se queda no fluxo estatisticamente significante em relação ao momento incisado e pré-operatório (p< 0,05). No momento pós-transferência, a perfusão não diferiu estatisticamente do momento pré-transferência (Tabela 4).
DISCUSSÃO
Hallock12, em 1992, utilizou o laser doppler para estudar a perfusão do retalho "TRAM" monopediculado e observou que a perfusão sanguínea era maior na região acima do músculo reto abdominal, seguida da região lateral. Este achado contrastava com a classificação mais utilizada das zonas do retalho "TRAM" e reforçava a classificação proposta por Dinner et al.13, definindo como zona II a região lateral à zona I e, como zona III, a região medial à zona I.
Tuominen et al.10,11 estudaram o fluxo sanguíneo transoperatório do retalho "TRAM" e "TRAM" microcirúrgico.
Não se conhece o comportamento hemodinâmico do retalho DIEP, bem como das diferentes zonas. No presente estudo, os valores da perfusão cutânea não diferiram entre as zonas em cada momento estudado. Este fato sugere que o comportamento hemodinâmico nas quatro zonas é semelhante ao longo dos momentos estudados, o que também foi demonstrado por Tuominen et al.10,11 para retalhos "TRAM" pediculados e "TRAM" microcirúrgicos. O padrão do comportamento hemodinâmico encontrado foi um aumento dos fluxos sanguíneos cutâneos após a incisão do retalho até a aponeurose. Estes valores sofrem redução para níveis abaixo dos níveis basais no momento prétransferência e se mantêm no momento pós-transferência, com pequeno aumento, nas zonas I e III, e pequena redução, nas zonas II e IV.
O aumento do fluxo sanguíneo após a incisão das bordas do retalho também foi mostrado por Tuominen et al.10,11 para retalhos "TRAM" pediculados e "TRAM" microcirúrgicos, sendo atribuído à abertura de "choke vessels" da artéria epigástrica superior. No presente trabalho, a dissecção completa do retalho (momento pré-transferência) levou à redução do fluxo sanguíneo a valores inferiores aos basais, em todas as zonas. Tuominen et al.10,11 também observaram redução da perfusão neste momento para retalhos "TRAM" pediculados e "TRAM" microcirúrgicos, porém apenas as regiões contralaterais mostravam valores inferiores aos basais. Este resultado sugere uma menor perfusão do retalho de perfurante em relação aos retalhos pediculados ou microcirúrgicos.
No momento pós-transferência, os valores do fluxo sanguíneo cutâneo se mantiveram em níveis inferiores aos basais, semelhante aos dados encontrados por Tuominen et al.10 para retalhos "TRAM" pediculados. No entanto, diferem dos dados encontrados para retalhos "TRAM" microcirúrgicos, que mostraram valores de perfusão superiores aos basais, no período pós-operatório. Os resultados sugerem que a perfusão após a transferência do retalho "DIEP" é semelhante ao "TRAM" pediculado.
Ao analisar os resultados por zona, observamos que as zonas I e III e as zonas II e IV se comportam de forma semelhantes. Nas zonas I e III, no momento pós-transferência, os valores sofreram discreto aumento, sugerindo um retorno aos níveis basais pré-operatórios. Nas zonas II e IV, no momento pós-transferência, os valores sofreram discreta redução, sugerindo piora da perfusão em relação aos níveis basais pré-operatórios. Estes resultados sugerem menor perfusão das zonas II e IV e confirmam os dados de Hallock12, que reforçavam a classificação proposta por Dinner et al.13, definindo como zona II a região lateral à zona I e zona III, a região medial à zona I.
CONCLUSÕES
1. Nas zonas II e IV, os valores do fluxo sanguíneo, no momento pós-transferência, foram menores, sugerindo valores inferiores aos níveis basais pré-operatórios e menor perfusão destas áreas.
2. Nas zonas I e III, os valores do fluxo sanguíneo, no momento pós-transferência, foram maiores, sugerindo um retorno aos níveis basais pré-operatórios, constituindo-se nas zonas mais bem perfundidas.
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I. Prof. Dr. da Disciplina de Cirurgia Plástica da FAMEB - UFBA, Membro Titular da SBCP.
II. Titular da SBCP, Assistente doutor do HC da FMUSP.
III. Especialista da SBCP.
IV. Titular da SBCP.
V. Prof. Titular da Disciplina de Cirurgia Plástica da FMUSP.
Correspondência para:
Marcelo Sacramento Cunha
Rua João das Botas, 89 / Apto. 601 - Canela
Salvador - BA - CEP: 40110-160
Tel: 0xx71 9977-7785
E-mail: cunha.ms@pop.com.br
Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, SP.
Artigo recebido: 30/09/2006
Artigo aprovado: 14/11/2006
* Trabalho premiado - Prêmio Georges Arié 2006.
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