ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Original Article - Year2009 - Volume24 - Issue 4

ABSTRACT

Introduction: Fascial palsy is a syndrome with important esthetical and functional implications. The reanimation of the affected segment of the face can be obtained with several techniques. The transposition of local muscles, innervated by other cranial nerves, is frequently used. The anterior belly of the digastric muscle flap, innervated by the milohyoid nerve, a branch of the trigeminal nerve, is commonly used to treat the denervation of the inferior lip depressor muscle. A greater mobilization of this flap could allow its transposition to other fascial segments. Methods: We have studied the vascular and nervous pedicle of the anterior belly of the digastric muscle in 10 unfixed cadavers, to determine the rotation arch of the flap, keeping its nerve intact. We have also studied the diameters of the submentonian artery, responsible for the blood suply to the flap, in order to evaluate the possibility of microsurgical anastomosis to other vascular branches. Results: We have found a median arch of rotation of 3.71 cm from the inferior border of the mandibule. The median external diameter of the artery was 1.05 mm, allowing its revascularization with microsurgical technique. Conclusion: This mobilization of the anterior belly of the digastric muscle flap shows a potential for further use in the reanimation of fascial palsy.

Keywords: Facial paralysis/surgery. Neck muscles. Surgical flaps. Treatment outcome.

RESUMO

Introdução: A paralisia facial é uma síndrome com implicações estéticas e funcionais importantes. A reanimação do segmento facial afetado pode ser realizada por diversas técnicas. A transposição de músculos regionais inervados por outro nervo craniano não afetado é um dos métodos utilizados com frequência. O ventre anterior do músculo digástrico, inervado pelo nervo miloioideo, ramo do nervo trigêmio, é um retalho bastante usado para a reanimação da depressão do lábio inferior. Uma maior mobilidade deste retalho poderia permitir a transposição do músculo para outros segmentos da face, ampliando sua utilização na prática clínica. Método: Estudamos o pedículo vásculo-nervoso do ventre anterior do músculo digástrico em 10 cadáveres, a fim de determinar o arco de rotação do seu retalho mantendo intacto o seu nervo aferente, e estudamos os diâmetros da artéria submentoniana, responsável pelo seu suprimento sanguíneo, com o objetivo de determinar a viabilidade de eventual reanastomose microcirúrgica. Resultados: Encontramos um arco de rotação médio de 3,71 cm a partir da borda inferior da mandíbula. O diâmetro externo da artéria submentoniana mediu em média 1,05 mm, o que permitiria a anastomose microcirúrgica a outro tronco arterial da face, dando uma maior liberdade para a mobilização do retalho. Conclusão: O retalho assim mobilizado tem, portanto, potencial renovado para uso na reanimação da paralisia facial.

Palavras-chave: Paralisia facial/cirurgia. Músculos do pescoço. Retalhos cirúrgicos. Resultado de tratamento.


INTRODUÇÃO

A paralisia facial é uma síndrome que tem implicações estéticas e funcionais importantes1. Em um número pequeno de casos, a paralisia facial é congênita. Mais comumente ela resulta de lesão inadvertida ou intencional do sétimo nervo craniano (nervo facial), durante cirurgias para ressecção de tumores parotídeos ou intracranianos.

O tratamento da paralisia facial é complexo (Figura 1). A Disciplina de Cirurgia Plástica da FMUSP tem usado um algoritmo para a orientação do tratamento da paralisia facial há 10 anos1. Quando possível, a reparação do nervo lesado e/ou enxertia nervosa são indicadas. No entanto, em muitos casos, principalmente na chamada paralisia de longa duração, a reconstrução nervosa não é possível ou há atrofia muscular irreversível. Nessas situações, o cirurgião plástico deve procurar alternativas para a substituição dos elementos funcionais acometidos, que incluem transposição regional de músculos inervados por outro par craniano e a transferência microcirúrgica de retalhos musculares1,2. Métodos estáticos e outros procedimentos podem ser associados como tratamento complementar.


Figura 1 - Algoritmo para o tratamento cirúrgico da paralisia facial.



Como alternativas para reanimação regional da face, diferentes músculos têm sido utilizados. O músculo digástrico tem sido citado como um retalho interessante para a reanimação da depressão do lábio inferior3. Alguns autores propuseram a transferência do ventre anterior do músculo digástrico para reanimação do músculo depressor do lábio paralisado, decorrente da perda permanente do nervo marginal da mandíbula, e consideram o procedimento como o tratamento de escolha para esse tipo de lesão3-5.

O músculo digástrico é um músculo com dois ventres, separados por um tendão intermédio. Seus ventres têm origem embriológica distinta, sendo que o ventre anterior é inervado pelo nervo miloióideo, ramo do nervo mandibular. A artéria e a veia submentonianas, ramos da artéria e veia faciais, são responsáveis por sua vascularização6 (Figura 2).


Figura 2 - Anatomia do ventre anterior do músculo digástrico e seu pedículo vásculo-nervoso.



Aszmann et al.6, em 1998, estudaram a anatomia do ventre anterior do músculo digástrico em dez cadáveres e demonstraram um arco de rotação para o músculo estudado de 5 cm em média baseado em seu pedículo vásculo-nervoso. Com a transecção dos vasos, o retalho poderia ser transposto até a região da órbita. Nesse estudo, os diâmetros dos vasos submentonianos foram de 1,2 mm (artéria) e 2,5 mm (veia). Já Magden et al.7 encontraram um diâmetro médio de 1,7mm para a artéria submentoniana.

O músculo digástrico já foi objeto de estudo pela Disciplina de Cirurgia Plástica da FMUSP, que conta com um Centro Integrado para o tratamento da paralisia facial. Sua utilização foi novamente cogitada e um estudo anatômico foi então proposto.

Como objetivo desse trabalho, procuramos determinar a extensão do nervo miloióideo na população estudada e medir os diâmetros da artéria submentoniana, responsável pela irrigação do músculo em questão. Buscamos assim estabelecer o raio de rotação do retalho do ventre anterior do músculo digástrico, mantendo intacto apenas seu nervo motor.


MÉTODO

Dez cadáveres obtidos no Serviço de Verificação de Óbitos da Capital (SVOC-SP) foram submetidos à dissecção unilateral de seus músculos digástricos e seus pedículos vásculo-nervosos. A idade média foi de 49,6 anos (37 a 64 anos), sendo 8 cadáveres do sexo masculino e 2 do sexo feminino.

A dissecção se iniciou por uma incisão na margem inferior da mandíbula, com exposição das estruturas musculares localizadas abaixo do platisma. Após identificação do músculo digástrico, seu tendão intermédio foi seccionado, isolando desta maneira seu ventre anterior, que foi então dissecado até a identificação, em sua porção lateral, do pedículo vásculo-nervoso, constituído pela artéria e veia submentonianas, ramos da artéria e veia faciais, e pelo nervo miloióideo.

Uma vez isolado o pedículo vásculo-nervoso, o ventre anterior do músculo digástrico pôde ser desinserido da borda inferior da mandíbula com segurança. Em seguida, foram dissecadas a artéria e veia submentonianas até sua origem nos vasos faciais, e o nervo miloióideo isolado por trás da mandíbula, até onde pôde ser alcançado.

Os vasos submentonianos foram seccionados na sua origem, mantendo-se o retalho muscular preso unicamente pelo nervo miloióideo. Foi medida a extensão do nervo a partir da borda inferior da mandíbula, determinando-se o raio do arco de rotação do músculo transformado em retalho, com apenas o seu pedículo nervoso íntegro. As dimensões do músculo dissecado e o comprimento total do seu pedículo vascular foram medidos nesse momento.

Os segmentos proximais das artérias submentonianas foram levados ao laboratório. Após fixação em parafina, os espécimes foram submetidos a coloração pelo método de Verhoeff, que permite a coloração das fibras elásticas maduras, utilizadas como parâmetro para as mensurações. Com o auxílio de um microscópio ótico e software analisador de imagens, as lâminas foram analisadas por microscopia ótica para determinação dos seus perímetros interno e externo, permitindo a realização do cálculo de seus diâmetros.


RESULTADOS

O comprimento do nervo miloióideo, medido da borda inferior da mandíbula até sua inserção no ventre anterior do músculo digástrico, variou entre 2,76 e 5,2 cm, com média de 3,71 cm.

O pedículo vascular, medido da sua origem nos vasos faciais até a sua entrada no músculo, mediu em média 3,54 cm, variando entre 3,17 e 4,5 cm.

As artérias analisadas por microscopia ótica apresentaram perímetros médios interno e externo de 2,76 e 3,31 mm, respectivamente (Figura 3). A partir desses dados, pudemos determinar os diâmetros médios de 0,88 mm (interno) e 1,05 mm (externo).


Figura 3 - Artéria submentoniana submetida à coloração pelo método Verhoeff.



A Tabela 1 demonstra os resultados das dissecções realizadas nos 10 cadáveres. Foram incluídas na tabela as dimensões do músculo digástrico obtidas durante as dissecções.




DISCUSSÃO

O retalho inervado do ventre anterior do músculo digástrico é um potencial transplante muscular para aplicação clínica na paralisia facial. Sua dissecção é simples e sua anatomia constante e regular6.

As medidas do arco de rotação do retalho e do diâmetro da artéria submentoniana encontradas nesse estudo foram menores do que as encontradas por Aszmann et al.6, que encontraram um arco de rotação de 5 cm em média, mas esse valor foi obtido com a mensuração do nervo desde a sua origem (nervo alveolar inferior) junto ao canal mandibular, enquanto em nosso estudo utilizamos a margem inferior da mandíbula como ponto de referência.

Para essa transferência, o suprimento sanguíneo do retalho deve ser restabelecido por meio de anastomoses microcirúrgicas em outro tronco vascular da face. A determinação do diâmetro da artéria submentoniana tem por objetivo determinar a viabilidade do procedimento.

O diâmetro da artéria submentoniana encontrado foi de 1,05 mm, em média. Aszmann et al.6 determinaram um diâmetro médio de 1,2 mm e Magden et al.7, diâmetro médio de 1,7 mm. Acreditamos que o valor encontrado em nosso estudo seja mais fidedigno, uma vez que utilizamos técnica de aferição mais precisa. De qualquer modo, o diâmetro encontrado em nosso estudo não inviabiliza a revascularização do retalho em questão por técnica microcirúrgica. O comprimento médio de 3,54 cm do pedículo vascular estudado permite que o retalho tenha boa liberdade de posicionamento em relação a pedículos vasculares e anastomose sem tensão.

Com um arco de rotação de 3,71 cm a partir da borda inferior da mandíbula, esse retalho possui boa mobilidade. A ampliação da dissecção do nervo até sua origem junto ao canal mandibular, como realizada por Aszmann et al.6, tem o potencial de aumentar esse arco de rotação, permitindo alcance até a face média com facilidade.

As dimensões do ventre anterior do músculo digástrico (Tabela 1) mostram que o músculo tem volume adequado para transposição, e que sua espessura é pequena (sempre inferior a 7 mm), o que permitiria sua transferência sem deformação do sitio de posicionamento do retalho.

Acreditamos que o retalho do ventre anterior do músculo digástrico, uma técnica bastante utilizada para a reanimação do território do músculo depressor do lábio inferior paralisado tem potencial para uso clínico na reanimação de segmentos paralisados no terço médio da face. A manutenção de sua inervação original intacta tem por vantagem possibilitar uma reabilitação mais precoce, uma vez que não há necessidade de regeneração nervosa.


REFERÊNCIAS

1. Ferreira MC. Aesthetic considerations in facial reanimation. Clin Plast Surg. 2002;29(4):523-32.

2. Ferreira MC, Marques de Faria JC. Result of microvascular gracilis transplantation for facial paralysis-personal series. Clin Plast Surg. 2002;29(4):515-22.

3. Conley J, Baker DC, Selfe RW. Paralysis of the mandibular branch of the facial nerve. Plast Reconstr Surg. 1982;70(5):569-77.

4. Tulley P, Webb A, Chana JS, Tan ST, Hudson D, Grobbelaar AO, et al. Paralysis of the marginal mandibular branch of the facial nerve: treatment options. Br J Plast Surg. 2000;53(5):378-85.

5. Tan ST. Anterior belly of digastric muscle transfer: a useful technique in head and neck surgery. Head Neck. 2002;24(10):947-54.

6. Aszmann OC, Ebmer JM, Dellon AL. The anatomic basis for the innervated mylohyoid/digastric flap in facial reanimation. Plast Reconstr Surg. 1998;102(2):369-72.

7. Magden O, Edizer M, Tayfur V, Atabey A. Anatomic study of the vasculature of the submental artery flap. Plast Reconstr Surg. 2004;114(7):1719-23.










1. Médico Residente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).
2. Cirurgião Plástico; Pós-graduando da Disciplina de Cirurgia Plástica e Queimaduras do HC-FMUSP.
3. Professor Titular da Disciplina de Cirurgia Plástica e Queimaduras do HC-FMUSP.

Trabalho realizado no Laboratório de Microcirurgia e Cirurgia Plástica (LIM 04) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBCP.

Correspondência para:
Bernardo Nogueira Batista
Rua Angelina Maffei Vita, 280 - apto 31
São Paulo, SP, Brasil - CEP: 01455-070
E-mail: bernardonb@uol.com.br

Artigo recebido: 14/8/2009
Artigo aceito: 23/10/2009

 

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