ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Special Article - Year2009 - Volume24 - Issue 2

ABSTRACT

The authors describe the historical evolution of the Pedro de Alcântara precocious coronation as Emperor of Brasil and the discussion about the need of the use of beard even he was so young. This debate included the influence of its hereditary prognathism and the necessity to show an older and respectable Emperor. The authors review the inheritance of D. Pedro II linking to the Habsburg family recognized as a carrier of the hereditary prognathism.

Keywords: Prognathism. Jaw abnormalities. History.

RESUMO

Os autores descrevem a evolução histórica que levou à precoce coroação do D. Pedro de Alcântara como Imperador do Brasil e a concomitante discussão sobre o uso precoce de barba em que se mesclava a influência do prognatismo hereditário do qual era portador e a necessidade naquele momento histórico de ter um aparência mais envelhecida para impor o respeito do seu cargo. Os autores fazem uma revisão dos antecedentes hereditários do D. Pedro II, ligando a família dos Habsburgos reconhecida portadora de prognatismo hereditário. Citam e discutem os casos mais reconhecidos desta afecção nos Habsburgos.

Palavras-chave: Prognatismo. Anormalidades maxilomandibulares. História.


INTRODUÇÃO

D. Pedro de Alcântara, o segundo Imperador do Brasil, nascido em 2 de dezembro de 1825, ascendia ao trono em 1840, aos 14 anos de idade, como consequência de um movimento político incruento, deflagrado por parlamentares, que precipitaram a sua coroação três anos antes da idade constitucional permitida. Isto foi de fato uma verdadeira ação revolucionária, que por duas vezes antes já havia sido tentada, sem sucesso, nos anos de 1835 e 18371,2.

Órfão de mãe, D. Maria Leopoldina, com um ano, e de pai, D. Pedro I, aos dez, o menino-imperador tinha crescido durante uma época de intensa turbulência política, que atingia o país com a ameaça de desagregação. Na Regência temeu-se a eclosão de soluções caudilhescas, à semelhança do que vinha ocorrendo nas vizinhas províncias espanholas da América do Sul.

Os políticos da época aperceberam-se da vital importância de se fortalecer o Império com o prestígio de uma cabeça coroada, o que poderia resultar na necessária coesão nacional. Uma corrente política denominada o "Clube da Maioridade" passou então a incutir, na opinião pública, a impressão de que se fazia mister um príncipe decidido, sério e bem compenetrado, como seria aquele jovem.

Após ser coroado, D. Pedro II foi perdendo a feição de menino e foi se transformando em um saudável jovem, auxiliado pela manutenção de barba, que era considerada viril e nobre, de acordo com a imaginação popular.

Poderia ser o novo visual do Imperador um simples ardil palaciano, já que a intenção era a de consolidar a instituição monárquica e como consequência a própria nação?

Como quer que seja, as barbas imperiais passaram a ser causa de constante debate, desde os primeiros tempos de sua juventude. Entretanto, não parece ter sido esta uma mera postura política ou até mesmo uma forma de se adaptar à rígida disciplina palaciana a que induziu o Imperador ao desejo "em querer por a barba", como relatavam os jornais da época. A barba, moldura indefectível da austera figura imperial, o acompanhou ininterruptamente até o túmulo, mesmo quando foi se tornando branca (Figura 1).


Figura 1 - D. Pedro II na abertura da Assembléia Geral, quadro de Pedro Américo de Figueiredo e Melo pintado em 1872.



Ao observar imagens de D. Pedro II ainda jovem, é possível notar algo mais objetivo e evidente como explicação para a sua barba, a necessidade de disfarçar um estigma de origem hereditária: o prognatismo (Figura 2).


Figura 2 - D. Pedro II aos 12 anos de idade, pintado por Feliz Émile Taunay, em 1837.



O prognatismo imperial já era bem conhecido em algumas das poderosas famílias reinantes da Europa aparentadas do monarca brasileiro e que já vinha sendo amplamente estudado clinicamente, assim como os seus aspectos genéticos, sociais, culturais e políticos. Por tais predicados, veio a ser rotulado na literatura médica da época como "O Queixo Habsburgo".


OS HABSBURGOS

A partir do século XIII, os Habsburgos, família nobre originária de um cantão suíço, transformar-se-ia no decorrer dos dois séculos seguintes na mais prestigiosa dinastia reinante na Europa. Esta dinastia incluiu duques e arquiduques da Áustria desde 1282; imperadores da Áustria, de 1804 a 1918; reis da Bohemia e Hungria, de 1526 a 1918; imperadores sacro-romanos, de 1438 a 1806; e reis da Espanha, de 1516 a 1700.

A posse de Carlos V no trono espanhol, como Imperador do Sacro Império Romano em 1518, indicou o auge da dinastia.

Esta estirpe viu-se projetar para além da história política do Velho Mundo, também pela História da Medicina e Odontologia, graças ao fardo genético familiar conhecido como "A Enfermidade dos Habsburgos", que era o prognatismo mandibular. As descrições do assim chamado "Habsburg Jaw"3 indicavam alterações, às vezes também presentes, em todo o rosto, como a gibosidade do nariz e o aumento de volume e saliência do lábio inferior, conhecidos como nariz e lábio Habsburgo.

Os portadores desta enfermidade podem ter dificuldade na mastigação e na deglutição, além de distúrbios da fala e certa inabilidade em fechar a boca. Anedota bastante esclarecedora, que ilustra bem esta situação, conta que Carlos V, na sua primeira viagem desde os Países Baixos para a Espanha, que passaria a ser o seu novo reino, ouviu um camponês desabusado gritar-lhe: "Majestade, feche a boca, que as moscas deste país são insolentes!". A mal-oclusão importante no grupo III, da classificação de Angle, obrigava-o a manter a boca meio-aberta, dando a impressão de uma pessoa menos esperta.

Estudos genéticos da família dos Habsburgos sugeriram que estas características faciais eram transmitidas por um gene simples dominante. Este fato explicaria o aparecimento persistente ao longo de várias gerações. Entretanto, estudos mais recentes em famílias com prognatismo demonstraram que a transmissão se dá por um gene de dominância de penetrância variável e não pode ser excluída a possibilidade de um sistema multifatorial na hereditariedade do tipo em que os pares de genes só se manifestam sob efeito de um gene adicional. Isto explica porque, mesmo na família dos Habsburgos, não há uma constância rígida na transmissão do prognatismo4.

A consanguinidade também contribuiu em muito para o surgimento do "queixo Habsburgo", assim como provavelmente de outras afecções que afetaram por séculos a régia família. Asma, gota, melancolia, epilepsia, graves psicoses, entre outras, tornaram muito difícil atribuir a uma só causa o avançado grau de degenerescência que se apossou dos Habsburgos no século XVI.

Na Espanha de Carlos V, a consanguinidade pôs fim a esta linhagem em 1700, apenas com mais quatro gerações. Foram estes os reis Felipe II, Felipe III, Felipe IV e o desafortunado Carlos II, portadores de exuberante prognatismo, mas que foram também vítimas de outras afecções congênitas.

Carlos V era neto dos reis que unificaram a Espanha, os primos Isabel e Fernando de Aragão, que geraram Joana, a Louca, mãe do Imperador Carlos V, que, além do prognatismo, ainda sofria de gota e era sujeito a crises de melancolia. Joana casou-se com Felipe I, filho de um Habsburgo austríaco Maximiliano II, por isto Carlos V tornou-se o primeiro Habsburgo espanhol.

Felipe II, filho de Carlos V, por puro interesse dinástico, casou-se sucessivamente com sobrinha, prima e tia. Felipe III, seu sucessor, só foi rei porque o seu irmão mais velho, D. Carlos, era louco e morreu antes do pai em circunstâncias obscuras. Como seu pai Felipe IV, era filho de primos consanguíneos.

O último herdeiro do nome, conhecido por Carlos, o Enfeitiçado, sofreu a carga concentrada dos piores traços genéticos destes casamentos em família. Era portador de atraso psicomotor, tão frágil que aos 6 anos de idade mal se mantinha em pé. Aos distúrbios mentais e físicos oriundos das ligações interfamiliares, juntava-se a sífilis congênita com a famosa tríade de Hutchinson, surdez do 8° nervo craniano, queratite e dentes fendidos. A hipospádia, outra condição clínica que ocasionalmente pode estar associada ao prognatismo, poderia ter sido a causa de sua impotência. Embora casado duas vezes, não conseguiu prover a Espanha de um herdeiro, indicando então como seu sucessor Felipe de Anjou, que se tornou o quinto rei desse nome. Neto de Luiz XIV, de França, casado com a meia-irmã do rei espanhol, Maria Tereza, Felipe V, o novo rei, leva então os Boubons ao trono espanhol.

Em 1977, Hodge5, comentando a história médica dos Habsbugos espanhóis, afirma que, se tivessem conhecido as leis da hereditariedade e as consequências dos entrelaçamentos consanguíneos deles resultantes, a História da Espanha poderia ter sido outra. E, como nota final de ironia, acrescenta: "Desde que vários Habsburgos casaram-se com Bourbouns, membros desta família tornaram-se herdeiros também do queixo Habsburgo".


D. PEDRO II E A HERANÇA DOS HABSBURGOS

Muito embora seja bastante ampla a bibliografia referente aos príncipes da casa real luso-brasileira, são escassas as notas de cunho clínico que registram a protrusão mandibular de caráter familiar, particularmente no segundo Imperador, em quem mais exuberante se evidenciou.

Em 1953, Fouquet6 publica "A consanguinidade de Dom Pedro II", primeiro trabalho a fixar as relações familiares de parentesco do monarca com as várias famílias reinantes européias.

Em 1979, Farina7 publica "Tempo de Vida, Doença e Morte na casa de Bragança", revendo algumas afecções, tais como a epilepsia, a tuberculose e as crises psicóticas, que afligiram personalidades da família monárquica.

Em 1988, Sergio J. Pena8 publica "O prognatismo mandibular dos Habsburgo na família imperial brasileira", tendo como fonte um livro editado, em 1905, de V. Galippe, intitulado "L'Herédité dês estigmates de degenerescences et lês families souverains". Esta obra indica que o provável primeiro caso da presença de prognatismo mandibular nos Habsburgo teria sido em Ernesto de Ferro (Ernest, der Eiserne - 1377), no século XIV. Este autor relata também a presença do prognatismo na família imperial brasileira. D. João VI, D. Pedro I, D. Leopoldina, além de D. Pedro II, apresentaram prognatismo mandibular discreto, sem qualquer repercussão clínica.

Pena, orientado pela publicação de Galippe, estabeleceu o heredograma mandibular desde Ernesto de Ferro até D. Pedro II.

O que se nota neste heredograma é que duas linhagens diferentes introduziram o gene do prognatismo na família imperial brasileira; uma por meio de Felipe, o Belo, e das casas reais da Espanha e Áustria. A outra linhagem vem por meio da casa real portuguesa, iniciando-se em Fernando de Aragão, que certamente era afetado.

Os casamentos consanguíneos, fato comum nas famílias imperiais européias, é demonstrado pela presença de D. Leopoldina fazendo parte de uma das linhagens de D. Pedro I também portadoras de prognatismo.

Com caráter autossômico dominante, o prognatismo mandibular manifesta-se em heterozigotos. D. Pedro II pode ter herdado o gene tanto do seu pai, D. Pedro I, quanto de sua mãe, D. Leopoldina, já que ambos eram afetados. É interessante notar que D. Pedro II escapou de um destino sombrio, pois se ambos os pais eram portadores, ele tinha 25% de chance de receber o gene em dose dupla (homozigose). Fato que certamente teria provocado maiores consequências.

Ao observar as gerações seguintes a D. Pedro II, nota-se que esta anomalia provavelmente continuou se manifestando em seus descendentes, como pode ser documentado em um retrato de seus netos Antonio, Pedro e Carlos, filhos da Princesa Isabel (Figura 3).


Figura 3 - Netos de D. Pedro II e filhos da Princesa Isabel. O último à esquerda era o mais novo, D. Antonio, falecido ainda jovem, notar o contorno da região mentoniana.



SOB AS BARBAS DO IMPERADOR

Avaliar a influência desta afecção na vida de D.Pedro II é difícil, já que a sua vida foi sempre contada por meio de episódios cheios de dramaticidade. Com escreveu Schwarcz9, "no seu caminho é difícil notar onde se inicia a fala mítica da memória, quando acaba o discurso político e ideológico, onde começa a história, onde fica a metáfora". Na sua trajetória de transformação rápida de órfão da nação em rei majestoso, a imagem que o acompanha é sempre a de velho. Foram poucos os retratos de Pedro de Alcântara durante a infância, e mesmo assim, foram selecionados os que poderiam ser mostrados. Da reduzida iconografia do começo da sua vida, afirmou Schwarcz9, "percebe-se como foi se moldando a imagem de um rei eternamente velho".

Muito embora seja bastante ampla a bibliografia referente aos príncipes da casa real luso-brasileira, são escassas as notas de cunho clínico que registram a protrusão mandibular de caráter familiar, particularmente no segundo Imperador, em quem mais exuberante se evidenciou.

Na publicação de Farina, em 1979, com o intuito de analisar gestos, atitudes e temperamentos principescos, o autor desenha a figura de D. Pedro I, traçando esta imagem: "O Imperador se bem que não fosse bonito era simpático e bem feito de corpo. Cabelos pretos e anelados cobriam-lhe a frente, os seus olhos eram pretos, brilhantes e muito móveis, o nariz aquilino, a boca regular e os dentes bem alvos. Os sinais de bexiga no rosto não eram repugnantes, as suíças espessas ocultavam-nos inteiramente".

Neste verdadeiro retrato-falado fica estampada a figura típica de português brigantino, de olhos pretos sem o estigma aparente do prognata, mas que se aproveita do subterfúgio das suíças para esconder os estragos da varíola. Não seria então de estranhar que seu herdeiro, filho de D. Leopoldina, em tudo um Habsburgo de olhos azuis e taciturnos, da mesma maneira escondesse o mento proeminente com a barba.

Os diversos retratos desenhados e as fotografias disponíveis de D. Pedro II mostram a evolução estética da barba e a sua relação com a face. Nas poucas gravuras de infância e juventude nota-se a progressão do prognatismo. Os retratos ao redor de 20 anos de idade demonstram uma barba ainda rala e situada em áreas de forma a não conseguir esconder o queixo alongado. Já as gravuras e as fotos com D. Pedro II já mais maduro mostram uma barba longa e espessa com o corte bem arredondado, o que resultou numa cara de aspecto mais redondo, escondendo completamente o seu queixo (Figuras 4 a 6).


Figura 4 - Detalhe de D. Pedro II aos 12 anos, nota-se já o prognatismo.


Figura 5 - D. Pedro II em retrato pintado em 1852.


Figura 6 - D. Pedro II em 1880, retrato de Rafael Bordalo Pinheiro.



Avaliar qual seria a consequência de uma possível correção cirúrgica desta anomalia realizada nos Habsburgos citados ou em D. Pedro II a luz dos conhecimentos atuais é muito controverso. Em 1968, Grabb et al.10 simularam uma correção no queixo de Carlos V (Figuras 7 e 8). Esta afecção era uma característica reconhecida de cunho familiar, portanto não teria uma representação anti-social. Os casos de repercussão clínica, como o do Rei Leopoldo I da Áustria ou Carlos II da Espanha, certamente poderiam ter sido favorecidos. Entretanto, a correção cirúrgica só foi desenvolvida com sucesso no início do século XX.


Figura 7 - Figura do artigo de Grabb et al.10 publicado em 1968 com a ilustração do provável resultado no aspecto da face de Carlos V da Espanha, se acaso fosse corrigido o prognatismo através de cirurgia. Foto de busto esculpido no ano de 1571.


Figura 8 - Ilustração do artigo de Grabb et al.10 demonstrando a quantidade provável de ressecção óssea que seria efetuada em Carlos V.



REFERÊNCIAS

1. Calmon P. História do Brasil. vol. 4. São Paulo: Companhia Editora Nacional; 1947.

2. Lyra H. História de Dom Pedro II. 3 vols. São Paulo: Companhia Editora Nacional; 1940.

3. Hart GD. The Habsburg jaw. Can Med Assoc J. 1971;104(7):601-3.

4. Wolff G, Wienker TF, Sander H. On the genetics of mandibular prognathism: analysis of large European noble families. J Med Genet. 1993;30(2):112-6.

5. Hodge GP. A medical history of the Spanish Habsburgs. As traced in portraits. JAMA. 1977;238(11):1169-74.

6. Fouquet C. A consanguinidade de Dom Pedro II. In: Anuário genealógico Latino. 1953;5:3-24.

7. Farina DC. Tempo de vida, doença e morte na casa de Bragança (ramo do Brasil). São Paulo: Hucitec-Edusp; 1979.

8. Pena SDJ, Penna MLF. O prognatismo mandibular dos Habsburgo na família imperial brasileira. Rev Bras Genét. 1988;11(4):1017-21.

9. Schwarcz LM. As barbas do Imperador D. Pedro II, um monarca nos trópicos. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras; 2002.

10. Grabb WC, Hodge GP, Dingman RO, Oneal RM. The Habsburg jaw. Plast Reconstr Surg. 1968;42(5):442-5.










I. Cirurgião plástico; Médico do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia de São Paulo.
II. Doutor em Medicina, Ortopedista.
III. Cirurgiã Buco-Maxilo-Facial do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.

Trabalho realizado no Instituto de Cardiologia Dante Pazzanese de São Paulo, São Paulo, SP.

Este artigo foi submetido pelo SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBCP.

Artigo recebido: 16/11/2008
Artigo aceito: 15/5/2009

 

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