ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Original Article - Year2009 - Volume24 - Issue 2

ABSTRACT

Tangential excision is the debridement of necrotic tissue until viable tissue is reached. The second phase of surgical treatment is wound closure. The gold standard of wound coverage is autologus skin grafting. However, results can be disappointing in severe burns that involve the upper extremity and the neck. Fifty-eight free flaps for 46 patients with deep burns were reviewed retrospectively to determine indication, methods and outcomes.

Keywords: Burns. Microsurgery. Surgical flaps.

RESUMO

A grande maioria das queimaduras de terceiro grau é tratada com a excisão tangencial, seguida da enxertia de pele. No entanto, as deformidades secundárias são frequentes, principalmente nos membros superiores e na cabeça e pescoço. As contraturas causadas pelas queimaduras graves podem ser tratadas das formas mais diversas. Aquelas limitadas às pequenas áreas podem ser tratadas com zetaplastias, enxertos ou retalhos locais; mas quando a contratura é extensa é difícil atingir bons resultados com os métodos convencionais. Os autores descrevem a sistematização e a estratégia na reconstrução primária ou secundária em pacientes queimados com o emprego de 58 retalhos livres, em 44 pacientes.

Palavras-chave: Queimaduras. Microcirurgia. Retalhos cirúrgicos.


INTRODUÇÃO

A Organização Mundial de Saúde projeta que em 2020 o trauma ultrapassará as doenças infecciosas como a primeira causa de morte ao redor do mundo1. No Brasil, estima-se que 1.000.000 de brasileiros se queimem por ano. O grande queimado, com muita frequência, perde sua identidade física de forma radical e definitiva2.

As contraturas causadas pelas queimaduras graves podem ser tratadas das formas mais diversas. Aquelas limitadas às pequenas áreas podem ser tratadas com zetaplastias, enxertos ou retalhos locais, no entanto, quando a contratura é extensa é difícil de atingir bons resultados com os métodos convencionais. Os enxertos de pele, com muita frequência, evoluem para a recidiva da contratura, principalmente no membro superior e na cabeça e pescoço3. As técnicas microcirúrgicas transformaram o panorama da cirurgia reconstrutiva nos últimos 30 anos. Há uma unanimidade quanto às vantagens dos retalhos livres nas lesões de alta energia. Não encontramos trabalhos na literatura que referissem alguma desvantagem, senão as dificuldades técnicas de algumas reconstruções4.

Os princípios básicos não são substancialmente diferentes entre os pacientes portadores de trauma e os queimados, mas não devemos esquecer as alterações hemodinâmicas, locais e sistêmicas que o grande queimado possui. Apesar de Harii et al.5 terem publicado há mais de três décadas os primeiros retalhos livres em pacientes queimados, foi com o surgimento dos retalhos perfurantes que as indicações aumentaram de maneira significativa.

O objetivo deste trabalho é fazer uma análise crítica dos retalhos livres em pacientes queimados, discutir os fatores que influenciaram o índice de sucesso, assim como o planejamento do ponto de vista funcional e estético.


MÉTODO

Foram realizados 58 retalhos livres, em 44 pacientes, com idades entre 9 meses e 55 anos (média de 24 anos e 9 meses), todos portadores de queimaduras complexas no Serviço de Microcirurgia Reconstrutiva do Hospital Especializado de Ribeirão Preto e no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, no período de maio de 1999 a julho de 2008. Os agentes causais mais frequentes incluíram os líquidos aquecidos, os agentes químicos, o álcool, as superfícies aquecidas e a eletricidade. Trinta e dois pacientes eram do sexo masculino e doze do sexo feminino. A reconstrução primária (< 6 semanas) foi realizada em 24 pacientes e a secundária em 20 pacientes (> 6 semanas) - Tabela 1.




A extensão da área queimada foi calculada conforme o diagrama de Lund-Browder durante o atendimento inicial. A área queimada variou de 3% a 60% da superfície corporal. Os pacientes permaneceram hospitalizados por um período de 5 a 97 dias, com permanência média de 13,2 dias. As áreas reconstruídas com retalhos livres predominaram nos membros; no membro superior, foram realizados 35 retalhos, no inferior, 14, no tronco, 6, e na cabeça e pescoço, 3 casos (Figura 1).


Figura 1 - Distribuição dos retalhos livres nas diferentes áreas reconstruídas.



Trinta e quatro retalhos perfurantes foram realizados, doze antebraquiais, cinco laterais do braço, 3 retalhos de fáscia temporal, dois retalhos escapulares,1 retalho dorsal do pé e 1 retalho do grácil (Tabela 2). O tempo máximo empregado foi de 5 horas e o mínimo de 1 hora e 50 minutos, média de 3,8 horas.




RESULTADOS

A cobertura proporcionada pelos retalhos foi satisfatória em 94,8% dos casos, (Figuras 2 a 10). Tivemos a perda de 3 retalhos no início da curva de aprendizado, nos três casos por tromboses venosas não operados precocemente. Em 5 pacientes, ocorreram pequenas deiscências por debridamento insuficiente da área queimada, o que não comprometeu em absoluto o resultado final. A complicação mais frequente foram os seromas nas áreas doadoras dos retalhos perfurantes (seis pacientes), que foram drenados de maneira convencional.


Figura 2 - JMZ, sexo feminino, 17 anos., queimadura por líquidos aquecidos (40% da superfície corporal). A: aspecto inicial da lesão; B: planejamento de retalhos quiméricos; C: retalho preparado para anastomoses; D: resultado final após 18 meses.


Figura 3 - JMZ, sexo feminino, 17 anos, queimaduras por líquidos aquecidos (40% da superfície corporal). A: contraturas ao nível do cotovelo após enxerto de pele; B: resultado funcional após 20 meses; C: retalho perfurante ântero-lateral da coxa após 20 meses.


Figura 4 - MEGP, sexo feminino, 2 anos, contratura da palma da mão após enxertos de pele. A: aspecto inicial da lesão; B: após ressecção completa da contratura; C: retalho perfurante ântero-lateral da coxa; D: pós-operatório de 24 meses. Retalhos microcirúrgicos bilaterais.


Figura 5 - VRN, sexo masculino, 4 anos, contratura do dorso do pé após enxerto de pele. A: aspecto inicial da lesão; B: planejamento de retalho perfurante ântero-lateral da coxa; C: retalho preparado para anastomoses; D: resultado final após 30 dias.


Figura 6 - ACG, sexo feminino, 21 anos., sequela de queimadura por líquidos aquecidos. Flacidez abdominal após emagrecimento de 40 kg. A: sequela de queimadura de tronco e membros; B: retalho perfurante da artéria epigástrica inferior profunda (DIEP); C: pós-operatório de 2 semanas.


Figura 7 - CAB, sexo masculino., 38 anos, sequela de queimadura elétrica. A: intra-operatório de segundo retalho perfurante para reconstrução de pé e tornozelo; B: áreas doadoras de retalhos perfurantes ântero-laterais da coxa; C: resultado final de retalhos perfurantes bilaterais após 18 meses.


Figura 8 - PCNS, sexo masculino, 18 anos, queimadura elétrica grave com exposição de tendões, ossos e nervos. A: aspecto inicial da lesão, com extensa perda de tendões e nervos; B: pós-operatório imediato de retalhos perfurantes ântero-laterais da coxa bilaterais; C: resultado final após 18 meses.


Figura 9 - SB, sexo masculino, 55 anos, sequela de queimadura extensa (60% da superfície corporal). A: queimadura com comprometimento da via aérea; B: sequelas extensas em pescoço, tronco e membros; C: vinte e quatro meses após o quarto retalho livre.


Figura 10 - MLS, sexo masculino, 44 anos, quinto dia de queimadura elétrica. A: fixação das das metacarpofalangeanas a falange proximal em 90 graus; B: pós- operatório de 10 dias antes da retirada dos pontos; C: qualidade do resultado funcional.




DISCUSSÃO

A grande maioria dos pacientes queimados é tratada com a excisão tangencial da queimadura, seguida de enxertia de pele, cuja espessura pode variar de 8 a 12 milésimos de polegada, dependendo da área doadora, da área receptora, da idade, da localização e do tamanho da área queimada. No entanto, as deformidades secundárias são frequentes, principalmente nos membros superiores6,7. Nesta casuística, as deformidades mais frequentes foram:

  • Contraturas do dorso da mão associadas a hiperextensão das metacarpofalangeanas;
  • Contraturas da palma da mão;
  • Contraturas do polegar e do primeiro espaço interdigital8.


  • Estas sequelas nos estimularam a indicar os retalhos o mais precocemente, sempre que possível até a primeira semana9.

    Mais de 60% dos retalhos realizados foram para cobertura do membro superior e, nesse sentido, é fundamental o debridamento radical na fase aguda e a ressecção agressiva da contratura na fase crônica. Nas contraturas do dorso da mão, as capsulotomias, liberação das placas volares e dos ligamentos colaterais são mandatórias10,11. As articulações metacarpofalangeanas devem permanecer fixadas às falanges proximais em 90 graus com fios de kirschner, por 2 semanas. É iniciada a reabilitação o mais precoce possível12. A urgência da reabilitação é o fator primordial de hoje não termos mais indicado os retalhos clássicos (inguinal, abdominal, etc.).

    Não tivemos nenhum óbito e o índice de sucesso dos retalhos foi superior a 94%. Diferentemente de outros autores, não encontramos nenhuma diferença em relação ao fato de a queimadura ser elétrica ou não, os mesmos cuidados tomados nas lesões de alta energia dos membros devem ser considerados nas queimaduras. É fundamental que as anastomoses sejam realizadas o mais distal possível do local a ser reconstruído, nesse sentido, o longo pedículo do retalho ântero-lateral da coxa nos permitiu anastomoses seguras e eficientes13,14.

    No final dos anos 90, os retalhos mais empregados foram o retalho antebraquial e o lateral do braço, mas a preocupação com a área doadora nos levou a indicar de maneira sistemática os retalhos perfurantes, especificamente o retalho ântero-lateral da coxa, que é responsável hoje por 85% das indicações. As suas vantagens são inúmeras:

  • Possibilidade de trabalhar em equipes simultâneas;
  • Possibilidade de retalho composto ou quimérico;
  • Anestesia regional;
  • Fechamento primário da área doadora com um mínimo de sequela;
  • Pedículo longo e de bom calibre14.


  • O pedículo do retalho ântero-lateral da coxa pode ser de dois tipos: septo-cutâneo, quando percorre o septo entre os músculos vasto-lateral e o reto-femoral, e músculocutâneo, quando atravessa o músculo vasto lateral. Wei et al.14 referem que 87,1% dos pedículos em sua série de 672 retalhos realizados eram do tipo músculo-cutâneo e 12,9%, septo-cutâneo. Outros autores confirmam este achado da menor ocorrência dos pedículos perfurantes septo-cutâneos, embora com frequência diferentes: Kimata et al.15 relataram 37,8% em 74 casos; Xu et al.16 reportaram 40,8% em 42 cadáveres; Zhou et al.17 relataram 37,5% em 32 pacientes; e Pribaz et al.12, em 44 casos. Na presente série, foram encontrados pedículos septo-cutâneos em 37% dos pacientes, confirmando os achados de outros autores (Figura 11).


    Figura 11 - Porcentagem de perfurantes septo-cutâneas.



    Os retalhos perfurantes vêm ganhando cada vez mais interesse por parte dos cirurgiões, em função dos evidentes resultados superiores, do ponto de vista funcional e estético, na área receptora e da mínima morbidade da área doadora. A importância da área doadora vem crescendo a cada dia, não há fronteiras entre a função e a beleza.


    CONCLUSÕES

    Os resultados deste trabalho demonstram que, no tratamento das queimaduras, os retalhos livres são uma ferramenta importante do arsenal terapêutico do cirurgião plástico. A primeira opção de área doadora deve ser a região ântero-lateral da coxa, sempre que possível. Nas queimaduras dos membros e da cabeça e pescoço, as indicações dos retalhos devem ser precoces, pois reduzem o tempo de internação e o número de cirurgias, quando comparados aos tratamentos convencionais.


    REFERÊNCIAS

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    I. Mestre em Biomecânica, Reabilitação do Aparelho Locomotor da Universidade de São paulo em Ribeirão Preto; Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.
    II. Doutor pelo Departamento de Biomecânica, Reabilitação do Aparelho Locomotor da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto.
    III. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plastica.
    IV. Membro Titular da Sociedade Brasileira da Cirurgia da Mão.
    V. Graduando em Ciências Médicas da Universidade Federal de São Paulo.
    VI. Graduanda em Ciências Médicas da Universidade de Campinas.
    VII. Professor Associado do Departamento de Biomecânica, Reabilitação do Aparelho Locomotor da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto.

    Trabalho realizado no Serviço de Microcirurgia Reconstrutiva do Hospital Especializado de Ribeirão Preto e no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

    Trabalho recebeu Prêmio Raul Couto Sucena/TAB, 2008; Apresentado no 45º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica.

    Artigo recebido: 15/2/2009
    Artigo aceito: 21/5/2009

     

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