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Original Article - Year2022 - Volume37 - Issue 3

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2022RBCP.559-pt

RESUMO

Introdução: A lipoenxertia consiste no processo de coleta de gordura de uma área doadora de gordura por meio de lipoaspiração seguida da realocação desse tecido em área receptora por meio de seringas e cânulas. É um processo seguro utilizado em cirurgias estéticas e reconstrutivas, de acordo com a literatura. O objetivo é avaliar as taxas de complicações dos procedimentos de lipoenxertia realizados em um hospital público universitário no período de 2015 a 2018, em comparação com dados previamente relatados na literatura.
Métodos: Estudo observacional retrospectivo desenvolvido em hospital universitário público de Campinas - SP a partir da revisão de prontuários de pacientes submetidos a lipoenxertia nesta instituição de 2015 a 2018.
Resultados: Em relação às complicações, a grande maioria correspondeu à reabsorção de gordura (62%). O hematoma correspondeu ao segundo mais comum (38% dos casos), seguido do edema (19%). Dor e discromia vieram em seguida, com 10% e 7% dos casos, respectivamente. Apenas um caso de infecção de ferida operatória foi descrito. Outras complicações menos frequentes foram hiperemia (5%), assimetrias (5%), descamação (2%), parestesia local (3%) e lesão cutânea (2%). Nenhuma outra complicação maior foi relatada, como embolia gordurosa ou complicações cirúrgicas graves como sangramento, sepse, anafilaxia, entre outras.
Conclusão: Os procedimentos de lipoaspiração para coleta de gordura e lipoenxertia mostraram-se seguros e com baixo índice de complicações na amostra estudada, concordando com dados da literatura.

Palavras-chave: Complicações pós-operatórias; Tecido adiposo; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos; Lipectomia; Procedimentos cirúrgicos eletivos

ABSTRACT

Introduction: Fat grafting consists of collecting fat from one fat donor area via liposuction, then reallocating this tissue into a receptor area through syringes and cannulas. According to the literature, it is a safe process used in aesthetic and reconstructive surgeries. The objective is to evaluate complication rates of fat grafting procedures performed in a public university hospital from 2015 to 2018 in comparison with data previously reported in the literature.
Methods: A retrospective observational study developed at a public university hospital in Campinas-SP based on the revision of medical records of patients who underwent the fat grafting procedure in this institution from 2015 to 2018.
Results: Regarding the complications, the vast majority corresponded to fat reabsorption (62%). Bruise corresponded to the second most common (38% of cases), followed by edema (19%). Pain and dyschromia followed next, with 10% and 7% of cases, respectively. Only one case of operative wound infection was described. Other less frequent complications included hyperemia (5%), asymmetries (5%), desquamation (2%), local paraesthesia (3%) and skin lesion (2%). No other larger complication was reported, such as fat embolism or severe surgical complications such as bleeding, sepsis, or anaphylaxis.
Conclusion: The procedures of liposuction for fat collection and fat grafting were proved to be safe, yielding low complication rates in the studied sample, which agrees with data reported in the literature.

Keywords: Postoperative complications; Adipose tissue; Reconstructive surgical procedures; Lipectomy; Elective surgical procedures


INTRODUÇÃO

A lipoenxertia é uma técnica cirúrgica descrita desde 1893 por Neuber1 que consiste primeiramente na coleta de gordura pelo processo de lipoaspiração de uma área doadora, seguido da realocação dessa gordura em uma área receptora com o uso de seringas e cânulas. Trata- se de uma técnica pouco invasiva, utilizada no mundo todo e que possui diversas aplicações na cirurgia plástica reparadora, estética, e também em outras especialidades cirúrgicas.

Apresenta-se como uma alternativa à utilização de materiais sintéticos, como ácido hialurônico para preenchimentos faciais2, no aumento moderado do volume mamário e glúteo3 com próteses de silicone, na correção de deformidades congênitas e adquiridas, cicatrizes4 e reconstruções pós-cirurgias oncológicas como mastectomias ou quadrantectomias5.

Além disso, possui um potencial de utilização em diversas outras áreas da medicina, como a oftalmologia, para reconstruções de defeitos periorbitários e preenchimento de cavidade oftálmica pós-enucleação6; proctologia, no tratamento de fístulas perianais recorrentes7; e na reumatologia, como um potencial imunomodulador local para doenças autoimunes8, entre muitas outras.

A lipoenxertia é uma técnica que se utiliza de um tecido autólogo, portanto, não imunogênico, que se utiliza de gordura passível de coleta através do processo de lipoaspiração. Ademais, possui um percentual pequeno de complicações, sendo a maior parte destas composta por reações locais, não acarretando risco de vida aos pacientes.

Tais complicações incluem reações locais e sistêmicas, tanto as relacionadas com o processo da lipoaspiração quanto ao processo da lipoenxertia em si. As complicações relacionadas à lipoaspiração costumam ser menores e menos frequentes que as observadas na lipoaspiração clássica utilizada para o aprimoramento do contorno corporal, uma vez que utiliza-se de menores volumes de gordura lipoaspirada9.

Dentre os efeitos adversos locais mais comuns, estão as irregularidades e assimetrias pós-procedimento, necrose de gordura e formação de cistos oleosos (maiores quantidades enxertadas), infecção local, hematomas, seromas, hiperpigmentação, edema prolongado, equimoses, reabsorção ou proliferação do tecido gorduroso, entre outras10. As complicações sistêmicas incluem as perfurações de vísceras ou vasos durante a lipoaspiração, embolia gordurosa e síndrome da embolia gordurosa11, além de eventos, que podem estar associados a qualquer procedimento cirúrgico, como reações de hipersensibilidade a medicações, infecções, tromboembolismos, etc2,3,12,13.

Alguns estudos consideraram em sua análise os fatores que diminuem tais riscos, principalmente em relação às assimetrias, irregularidades, reabsorção da gordura e liponecrose. Há evidências de que um processo de lipoaspiração delicado, associado à não

exposição da gordura ao ar ambiente (sistema fechado), além da tunelização prévia do local de enxertia seguida da aplicação lenta do enxerto, auxiliam no processo de aderência da gordura e diminuem os resultados negativos tanto clínicos quanto estéticos2,3. Além disso, a lipoenxertia realizada em áreas de fibrose, como cicatrizes e áreas expostas à radioterapia, pode diminuir a retenção de gordura graças à menor vascularização do tecido.

Por outro lado, a própria lipoenxertia parece ter efeito regenerativo em tecidos fibrosados e cicatriciais graças a seu efeito pró-angiogênico e possivelmente a diferenciação e proliferação de “stem cells” de adipócitos14,15. Há estudos que demonstram que características da área doadora não parecem influenciar as taxas de complicações e retenção de gordura da área receptora16. Outros, porém, defendem que a viabilidade da gordura é maior quando coletada de áreas diferentes conforme a idade do paciente17.

Apesar da ampla gama de artigos científicos publicados a respeito das técnicas de lipoenxertia em todo o mundo, os estudos realizados com o objetivo de avaliar a segurança, a eficácia e as complicações dessa técnica são em sua maioria muito heterogêneos e de baixo nível de evidência científica2.

OBJETIVO

Este estudo tem como objetivo avaliar as taxas de complicações dos procedimentos de lipoenxertia em hospital público universitário no período de 2015 a 2018 em comparação aos dados já existentes na literatura médica.

MÉTODOS

Este estudo consiste num estudo observacional retrospectivo baseado na revisão dos prontuários de todos os pacientes submetidos ao procedimento de lipoenxertia em hospital público universitário, em Campinas-SP, realizados pela equipe de cirurgia plástica no período de 2015 a 2018. O projeto teve a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa (Número do protocolo [CAAE]: 08897619.6.0000.5404, Campinas - SP, Brasil, 20 de Maio de 2019).

Foram excluídos da análise pacientes cujos prontuários não foram localizados ou com lacunas no registro médico dos procedimentos que impossibilitassem as análises propostas, assim como de pacientes que não finalizaram o tratamento e mantinham seguimento ambulatorial regular.

Na análise, foram registrados dados referentes a sexo, idade, objetivo do procedimento (para fins estéticos ou reparador como forma de correção de cicatrizes e deformidades pós-traumáticas, cirúrgicas etc.), área doadora, área receptora, quantidade de gordura enxertada, solução utilizada para anestesia e hemostasia, e complicações pós-operatórias de um período de até 1 ano de pós-operatório, assim como a satisfação do paciente em relação ao procedimento e necessidade de nova lipoenxertia.

RESULTADOS

Sessenta e sete pacientes foram submetidos a lipoenxertia no hospital no período estipulado. Foram coletados dados de 58 prontuários, de acordo com os critérios de inclusão e exclusão aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa, totalizando 145 procedimentos de lipoenxertia analisados. Destes, 87 procedimentos (60%) foram revisionais (secundários) realizados em 15 pacientes. Do total de pacientes analisados, 39 (67%) são mulheres e 19 (33%), homens. Dezesseis pacientes (28%) foram submetidos a procedimentos de lipoenxertia para fins estéticos, todos do sexo feminino. A média de idade dos pacientes no primeiro procedimento de lipoenxertia foi de 43 anos (45 anos para mulheres e 40 para homens).

Em relação ao local de lipoaspiração para coleta de gordura, em 76% (118) dos procedimentos o material foi coletado do abdome, sendo 71% do abdome inferior (110 procedimentos). A região dos flancos foi a segunda mais utilizada para a lipoaspiração com oito casos (5%), seguido da região das coxas (sete casos) e da região sacral (quatro casos). Em quatro casos analisados foi coletado material por lipoaspiração de mais de uma região. Outras regiões de coleta incluíram glúteos, dorso e região trocantérica, todos com um caso cada.

Já em relação ao local de enxertia, 82 dos procedimentos analisados foram realizados na região da face, correspondendo a 53% do total de procedimentos (a Figura 1 mostra exemplo de lipoenxertia em face utilizada para correção de deformidade pós-ressecção cirúrgica de malformação arteriovenosa na face).

Figura 1 - A: Paciente no pré-operatório (sequela pós-ressecção de malformação arteriovenosa); B: Pós-operatório de 30 dias de lipoenxertia em lábio inferior; C: Pós-operatório de 1 ano.

Cicatrizes e deformidades em membros inferiores ficaram em segundo lugar, totalizando um total de 30 procedimentos (19%) (a Figura 2 mostra um exemplo de depressão cicatricial em cicatriz pós-traumática de membro inferior tratada com lipoenxertia). Crânio e mama também corresponderam a grande parte dos sítios de enxertia, com 14% e 10% do total de procedimentos realizados, respectivamente. Outros locais de enxertia incluíram região de tronco (três casos) e genital (um caso).

Figura 2 - A: Paciente submetido a lipoenxertia em depressão cicatricial de cicatriz pós-traumática em membro inferior (pré-operatório); B: Pós-operatório imediato.

Em relação às complicações pós-operatórias, a grande maioria correspondeu à reabsorção de gordura (62% dos casos). Equimose correspondeu à segunda complicação mais frequente (38% dos casos), seguida de edema (19%). Dor e discromias vieram em seguida, com 10% e 7% dos casos, respectivamente. Foi descrito apenas um caso de infecção de ferida operatória evoluindo com ulceração após lipoenxertia em cicatriz de membro inferior direito consequente de uma sequela de osteomielite crônica.

Outras complicações menos frequentes incluíram hiperemia (5%), assimetrias (5%), descamação (2%), parestesia local (3%) e lesão da pele (2%) (Tabela 1). Reparo insuficiente foi descrito em 5% dos casos. Não foi descrito nenhum caso de complicação maior, como embolia gordurosa, ou complicações cirúrgicas graves, como sangramento, infecção com sepse, anafilaxia, entre outras. De acordo com o teste de Kruskall-Wallis, o tempo entre o procedimento e o aparecimento da complicação foi estatisticamente relevante (p=0,003) (Tabela 2).

Tabela 1 - Complicações de lipoenxertia.
Complicação Número de casos %
Descamação 1 2
Infecção 1 2
Lesão de pele 1 2
Retração 1 2
Ulceração 1 2
Parestesia 2 3
Assimetria 3 5
Eritema 3 5
Reparo insuficiente 3 5
Discromia 4 7
Dor prolongada 6 10
Edema 11 18
Equimose 23 38
Reabsorção 90 62
Tabela 1 - Complicações de lipoenxertia.
Tabela 2 - Complicações pós-operatórias em relação ao tempo pós-operatório (dias).
Complicação Média DP Mediana Total
Anestesia 75 64 75 2
Reabsorção 108 102 90 98
Dor prolongada 10 9 7 7
Edema 19 34 7 11
Equimose 6 2 7 22
Hipercromia 60 42 60 2
Eritema 34 37 34 2
Hipocromia 150 170 150 2
Reparo insuficiente 24 31 7 3
Outros 14 11 10 4

DP: desvio padrão. (p=0,003)

Tabela 2 - Complicações pós-operatórias em relação ao tempo pós-operatório (dias).

Os membros inferiores foram sítio de enxertia de maior quantidade de gordura, com média de 61ml. Tronco e mama também tiveram maiores quantidades médias de tecido enxertado, com 58ml e 51ml, respectivamente. Na região da face, a média em mililitro de gordura enxertada foi de 6ml, e, no crânio, de 5ml. Nas cirurgias estéticas, a média de gordura utilizada foi de 11ml, contra 25ml em média utilizados em cirurgias reparadoras (Figura 3). De acordo com o teste de Mann-Whitney, neste estudo, não houve diferença significativa entre a quantidade de gordura lipoenxertada e a taxa de complicação (p=0,072), porém, houve uma tendência a maior taxa de complicação em quantidades maiores de gordura lipoenxertada (Tabela 3).

Figura 3 - Quantidade de gordura enxertada em ml por região.

Tabela 3 - Taxa de complicação de acordo com quantidade de gordura lipoenxertada. (p=0.072).
Variável Complicação Média DP Q1 (25%) Q3 (75%)
Quantidade gordura (ml) de Não 24,94 61,41 2,3 13
Quantidade gordura (ml) de Sim 25,33 50,8 4 24

DP: desvio padrão

Tabela 3 - Taxa de complicação de acordo com quantidade de gordura lipoenxertada. (p=0.072).

A reabsorção de gordura foi relatada em consultas ambulatoriais no período pós- operatório em 80% dos casos de lipoenxertia de mama, sendo a macrorregião com maior queixa de reabsorção. A região do crânio teve 68% dos casos com relato de reabsorção em consultas, seguida pelos procedimentos em tronco (67%), em face (65%) e membros inferiores (63%). O único procedimento realizado em região genital não teve relato de reabsorção ou necessidade de reabordagem. Análise estatística não mostrou diferença significativa de reabsorção de gordura lipoenxertada em diferentes sítios (p=0,53) ou provenientes de gordura retirada de diferentes áreas doadoras (p=0,184), de acordo com o teste exato de Fischer.

DISCUSSÃO

Inicialmente, pode ser observado que a maior parte (67%) dos tratamentos realizados foi em pacientes do sexo feminino, sendo que aqueles com finalidade puramente estética foram todos em mulheres.

A idade média do primeiro procedimento, porém, foi menor em pacientes do sexo masculino. Podemos relacionar esse dado ao fato de que mais da metade dos homens submetidos a lipoenxertia realizaram o procedimento com a finalidade de correção de cicatrizes e deformidades pós-traumáticas (10 de 19 pacientes masculinos), ocorrendo, portanto, em pacientes mais jovens, faixa etária compatível com a maior incidência de trauma.

Os locais mais frequentemente utilizados para a coleta de gordura através da lipoaspiração foram o abdome inferior (71%) e flancos (5%), em concordância com o estudo de Geissler et al.17 a respeito da viabilidade da gordura, no qual abdome inferior e flancos foram as duas áreas cuja gordura coletada obteve menores taxas de reabsorção e maior viabilidade na região enxertada.

A reabsorção de gordura foi a queixa mais relatada em consultas médicas pós- operatórias nos procedimentos de lipoenxertia (62% dos casos). A quantidade reabsorvida, porém, não foi mensurada. Na literatura é descrita de forma recorrente a dificuldade de mensuração da reabsorção de gordura após o procedimento, assim como a falta de método validado para o mesmo fim.

A taxa de sobrevivência da gordura pode ser otimizada utilizando-se de técnicas consagradas seguindo alguns princípios pré-determinados, como a tunelização prévia da área enxertada, utilização de cânulas menos calibrosas (Figura 4 - Gordura retirada por lipoaspiração e sua injeção com cânulas de pequeno calibre), injeção de pequenas quantidades de gordura a fim de garantir a embebição das células, entre outros difundidos a partir da técnica Coleman18, atualmente mais utilizada na maioria dos serviços de cirurgia plástica.

Figura 4 - Tecido adiposo retirado com lipoaspiração separado em seringas de 1ml e técnica de lipoenxertia com cânulas de fino calibre em preenchimento facial.

Neste estudo, não houve diferença significativa entre a quantidade de gordura lipoenxertada e as taxas de complicação (p=0,072), no entanto, mostrou uma tendência a maiores taxas de complicação em maiores quantidades de gordura lipoenxertada, como evidenciado na maioria dos estudos da literatura. Um estudo com uma amostra maior de pacientes poderia mostrar relevância estatística nesta hipótese.

Porém, os fatores que podem alterar a sobrevivência da gordura a longo prazo, como a mudança do índice de massa corporal (IMC) e da composição corporal, ainda não são totalmente elucidados na literatura, assim como não há métodos validados para sua mensuração16.

Em 1987, a American Society of Plastic Surgeons publicou um relatório com críticas ao método de transplantação de gordura autóloga, com taxas de sobrevivência de gordura estimadas em 30% após 1 ano de procedimento, mostrando preocupação em relação à eficácia do método19. Ainda pouco se sabe sobre os mecanismos de sobrevivência da gordura e, até hoje, não há um método de mensuração unificado para mensurar a sua taxa de sobrevivência16.

Os dados do estudo foram, portanto, compatíveis com os dados da literatura, uma vez que houve reabsorção relatada em 62% dos casos analisados, porém não houve método de mensuração objetiva do seu volume. Além disso, houve diferença estatística significativa entre o tempo decorrido após o procedimento e a taxa de complicação (p=0,003).

Há grande probabilidade deste resultado ter sido diretamente afetado pela taxa de reabsorção, uma vez que a gordura tende a ser reabsorvida com o tempo17, e reabsorção foi a complicação mais frequente. A média de tempo entre o procedimento e o relato da complicação foi de 50 dias, e 108 dias para o relato de reabsorção, indicando um seguimento pós-operatório adequado em nosso estudo (12 meses).

Se considerarmos a reabsorção de gordura como parte do processo de refinamento, assim como a necessidade de mais de um procedimento para atingir o resultado final, as taxas de complicações tornam-se muito reduzidas. As queixas pós- operatórias totais caem de 150 para apenas 60 (queda de 60%).

Em relação às taxas das complicações propriamente ditas, foram encontradas apenas relatos de complicações menores como equimoses, dor, edema, discromias, assimetrias, subcorreção, entre outras. A complicação mais grave foi a infecção do sítio de enxertia com perda de tecido e ulceração, relatada em apenas um caso. Não houve casos de complicações maiores, como embolização, síndrome de embolia gordurosa, sangramentos ou morte.

Em revisão da literatura, foram encontradas baixas taxas de complicações pós-operatórias tanto em procedimentos de lipoenxertia quanto em procedimentos de lipoaspiração. No estudo de Furlani & Saboia20 com 151 pacientes submetidos a lipoenxertia para rejuvenescimento facial, apenas a subcorreção foi relatada, sem outras complicações. No artigo de revisão de Yu et al.16 foram descritos apenas 10 casos de complicações maiores em 10 anos de revisão, sendo as mais graves a embolização cerebral e de artéria oftálmica.

No estudo de Maione et al.9, com 1000 pacientes submetidos à lipoenxertia, foram relatados apenas dois hematomas de área doadora, 83 deformidades pós-lipoaspiração e quatro casos de infecção na área receptora, sem relatos de necrose ou complicações sistêmicas como tromboembolismo pulmonar ou parada cardiorrespiratória. Outro estudo, com foco em complicações de lipoaspiração apenas, analisou 25 anos de procedimento e 26.259 pacientes, com achados de seroma em 5% dos casos, irregularidades e fibrose em 2,3%, TVP e TEP com 0,03% de incidência cada e apenas 0,01% de mortalidade pós-TEP21.

Apesar da heterogeneidade, a literatura a respeito de complicações de lipoenxertia indica baixa incidência de efeitos adversos, sendo, em sua grande maioria, complicações menores que não acarretam risco de vida aos pacientes, do mesmo modo ao observado no presente trabalho.

O grau de satisfação com o procedimento foi alto, porém, na maioria dos casos (62%), foi necessário mais de um procedimento para que o paciente se considerasse satisfeito com o resultado. Isto também foi demonstrado no estudo de Denadai et al.22, no qual a retenção de gordura foi maior após procedimentos complementares.

Como não há nenhum método validado para quantificar a reabsorção de gordura ao longo do tempo, a satisfação do paciente e do cirurgião, assim como simetria, volume, agradabilidade estética, entre outros fatores qualitativos, são considerados na avaliação da necessidade de um procedimento de revisão. Diante disto, faz-se pertinente abrir discussão para a possibilidade de validação do processo de hipercorreção em casos selecionados, o que poderia reduzir o número de intervenções necessárias para atingir o resultado final esperado.

A reabsorção ainda é uma questão importante em relação ao método de lipoenxertia e há necessidade de estudos que auxiliem na quantificação das taxas de reabsorção, assim como no desenvolvimento de técnicas que otimizem a sobrevivência da gordura a médio e longo prazo. Em nosso estudo, análise estatística não mostrou diferença na reabsorção de gordura em diferentes sítios de lipoenxertia ou na gordura proveniente de diferentes áreas doadoras. A lipoaspiração realizada para a coleta de gordura associada a lipoenxertia mostrou-se uma técnica segura na amostra analisada, em acordo com os dados obtidos em literatura.

CONCLUSÃO

Os procedimentos de lipoaspiração para coleta de gordura e lipoenxertia mostraram-se seguros e com enorme potencial de utilização em cirurgia plástica, assim como em outras áreas da medicina. Considerando que trata-se de uma técnica com evidência de baixas complicações graves e grande potencial de aplicação, mais pesquisas em lipoenxertia devem ser incentivadas.

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JRA Análise e/ou interpretação dos dados, Coleta de Dados, Concepção e desenho do estudo, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Metodologia, Redação -Preparação do original, Validação

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Autor correspondente: Amanda Schroeder Universidade Estadual de Campinas, Cidade Universitária, Campinas, SP, Brazil CEP: 13083-872 E-mail: amandaschh@hotmail.com

Artigo submetido: 07/04/2021.
Artigo aceito: 07/04/2022.

Conflitos de interesse: não há.

Instituição: Universidade Estadual de Campinas, Hospital de Clínicas, Departamento de Cirurgia Plástica, Campinas, SP, Brasil.

 

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