ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

Previous Article Next Article

Special Article - Year2005 - Volume20 - Issue 4

ABSTRACT

This article approaches the importance of the Informed Consent, considering the ethical and legal aspects involved in its adoption.

Keywords: Informed Consent. Patient rights. Ethics, medical. Duty to warn

RESUMO

Este artigo discute a importância do Consentimento Esclarecido, considerando os aspectos éticos e legais envolvidos na sua adoção.

Palavras-chave: Consentimento esclarecido. Direitos do paciente. Ética médica. Responsabilidade pela informação


INTRODUÇÃO

"Eu penso que há até o direito de se operar sempre, e até contra a vontade do doente. Penso e tenho o feito. Nestas conjunturas, a vontade do cirurgião deve prevalecer sobre a vontade do enfermo que , por ignorância não pode apreciar a vontade de sua recusa (...)".

Jean Luis Foure. A alma do cirurgião, 1929 1.

O texto acima se reflete ainda hoje na maneira de agir de muitos profissionais da Medicina que, aplicando cegamente os princípios Hipocráticos da Beneficência, buscam sempre o melhor para o paciente, mesmo agindo contra sua vontade.

Um caráter sobrenatural revestia o exercício da Medicina, fruto da pajelança e do curandeirismo, onde pajés, curandeiros e, posteriormente, os médicos, eram elevados a semideuses, por conhecerem ou, supostamente, dominarem os mistérios da cura.

Todavia, a evolução da Medicina e das leis que regulam as relações sociais está impondo mudanças nas relações entre médicos e seus pacientes.

Atualmente, verifica-se a busca pela efetividade dos direitos fundamentais individuais, dentre eles, a aplicação do princípio da autonomia, do qual decorre o direito de disposição do próprio corpo - autodeterminação, dentro dos limites legais.

Esta realidade é ratificada pelas disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor, Código Civil, Código Penal e no próprio Código de Ética Médica. Ademais, os Tribunais brasileiros estão pacificados no sentido de garantir e defender o princípio da autonomia, bem como o direito à informação.

"E, não podemos falar em direito à informação e direito à autonomia, sem a prévia informação ao paciente e seu consentimento, comprovados pela materialização do Consentimento Informado"2.


HISTÓRICO

O consentimento informado não retrata um debate recente. Remonta de 1767, na Inglaterra, uma das primeiras decisões condenando dois profissionais médicos pela realização de um determinado ato médico sem o consentimento do paciente.

"A expressão informed consent foi utilizada pela primeira vez numa decisão proferida por um Tribunal da Califórnia, em 1957"1.

"Todavia, a sentença que cuidou do direito de autodeterminação sobre o destino do próprio corpo por parte de um adulto consciente foi proferida pelo Juiz Benjamin Cardozo no caso Schloeendorff vs. Society of New York Hospital (1914)"3.

Essa decisão é considerada o embrião da doutrina do Consentimento Informado, ao configurar o paciente como um indivíduo livre e autônomo, a quem se reconhece a liberdade de tomar as suas próprias decisões.


MÉTODO

A literatura apresenta uma gama de termos sinônimos para o documento de informação e consentimento: "...Termo de Consentimento Esclarecido; Consentimento Pós-informação; Consentimento Livre e Esclarecido ou, até mesmo, Formulário de Autorização de Tratamento ou Termo de Aceitação de Tratamento Médico - Cirúrgico"3.

Ao nosso ver, o título dado ao documento não é fundamental para a sua validade; mas que ele cumpra o dever de informar e consentir. Todavia, a expressão adotada por grande parte da doutrina jurídica e pelos tribunais pátrios é "Termo de Consentimento Informado".

Consentimento Informado pode ser definido como sendo: "Uma decisão voluntária, verbal ou escrita, protagonizada por uma pessoa autônoma e capaz, tomada após um processo informativo para aceitação de um tratamento específico ou experimentação, consciente de seus riscos, benefícios e possíveis conseqüências (Joaquim Clotet )"4.

Importante frisar que o consentimento informado poderá se dar de forma oral ou escrita. Todavia, a validade deste instrumento como meio de prova, no caso de uma demanda judicial, depende da sua documentação, assim, para ter plena eficácia deverá ser feito por escrito, assinado pelo paciente que deve escrever pelo próprio punho: "li, entendi e estou de acordo".


O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor5, em 1990, a prestação de serviços médicos passou a ser entendida como uma relação de consumo e, por esta razão, o profissional médico passa a ser definido pelo conceito de prestador de serviços, sujeito às disposições contidas no referido código.

E o Código de Defesa do Consumidor, em seus artigos 6º, 31 e 39, traz expressamente o dever de informação pelo fornecedor:

Artigo 6º - São direitos básicos do consumidor:

Parágrafo III - Informação adequada e clara sobre diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem5.

Artigo 31 - A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores5.

Artigo 39 - É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços:

Parágrafo VI - Executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes5.

Como se vê, o Código de Defesa do Consumidor estatui várias determinações relativas ao fornecimento de informação completa e clara pelo fornecedor do serviço ou do bem e sobre a autorização expressa do consumidor para a execução de um serviço.


O NOVO CÓDIGO CIVIL

"Os direitos de personalidade são decorrências lógicas da proteção à pessoa, podendo ser natos ou adquiridos. A autonomia, disposição sobre o próprio corpo, deriva do direito nato à integridade física do indivíduo"3, e o Novo Código Civil6, em seus artigos 13 e 15, determina o princípio da autonomia e da disposição sobre o próprio corpo:

Artigo 13 - Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes6.

Artigo 15 - Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica6.

A Ementa abaixo traduz o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

"Responsabilidade civil. Médico. Consentimento informado. A despreocupação do facultativo em obter do paciente seu consentimento informado pode significar, nos casos mais graves, negligência no exercício profissional.

As exigências do princípio do consentimento informado devem ser atendidas com maior zelo na medida em que aumenta o risco, ou o dano. Recurso conhecido". (Quarta Turma REsp nº 436.827-SP. Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar)7.

O processo de informação, que deve se dar através do Consentimento Informado, sobre determinado procedimento médico a ser realizado em favor do paciente, é essencial para que o mesmo possa exercer plenamente seu direito de autonomia e disposição sobre o próprio corpo (autodeterminação) e, além disso, é a prova de que o profissional médico cumpriu com seu dever legal e ético.


O CÓDIGO PENAL

Em seu artigo 146, parágrafo 3º, o Código Penal Brasileiro8 só isenta do uso do Consentimento Informado os casos de iminente risco de vida.

Artigo 13 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda8.

Parágrafo 3º - Não se compreendem na disposição deste artigo: I - a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida8.

Observa-se, portanto, a gravidade da não utilização deste documento, e as conseqüências da sua inobservância, que ultrapassam o universo profissional, atingindo não só a sua reputação e o patrimônio, mas também a esfera pessoal e individual, através da possibilidade de uma imputação criminal.


O CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA

Na esfera ética, igualmente está disposto acerca do dever do profissional médico em informar seus pacientes sobre os benefícios, conseqüências e riscos inerentes à escolha de submeter-se ou não a determinada terapêutica, assim como, sobre o dever de informar-lhe acerca de alternativas ao procedimento sugerido.

Artigo 46 - Efetuar qualquer procedimento médico sem o esclarecimento e consentimento prévio do paciente ou de seu responsável legal, salvo iminente perigo de vida9.

Artigo 56 - Desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente perigo de vida9.

Artigo 59 - Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos de tratamento, salvo quando a comunicação direta ao mesmo possa provocar-lhe dano, devendo neste caso a comunicação ser feita ao seu responsável9.

O próprio Conselho Federal de Medicina tem várias resoluções no sentido de resguardar os direitos do paciente à informação e dos deveres do médico quanto a obter o consentimento prévio:

"Infração aos artigos 46 e 59 do CFM: efetuar procedimento médico sem esclarecimento e consentimento do paciente - deixar de informar ao paciente os riscos e objetivos do tratamento.

i - alterar procedimento anteriormente planejado, quando não caracteriza emergência médica, sem o devido esclarecimento do paciente ou responsável legal, constitui ilícito ético" 10.


DISCUSSÃO

Vale ressaltar que não basta apenas informar e obter o consentimento, é importante também documentar que foi realizado o dever de informar o paciente.

A informação clara, objetiva e em linguagem compreensível para o nível intelectual do receptor, é um dos pontos mais importantes da aceitação jurídica de um consentimento informado.

De nada vale um Consentimento Informado completo de informações, assinado pelo paciente ou seu responsável legal se é recheado de termos técnicos e incompreensíveis para aquele paciente.

Não é necessário que o termo de consentimento tenha por finalidade exaurir todas as conseqüências possíveis e prováveis, contemplando a freqüência, amplitude e extensão. Deverá esclarecer ao paciente que, se submetendo a determinado procedimento, estará buscando certos benefícios, mas que o alcance destes é limitado por riscos inerentes ao seu próprio organismo, alheios à vontade e à perícia do profissional. Este é o espírito do consentimento informado, é a quebra da imagem que o alcance dos fins pretendidos depende única e, exclusivamente, da conduta do profissional médico.

Logicamente, deverão constar as intercorrências com maior grau de probabilidade, todavia, a preocupação maior reside no fato de manter o espírito deste instrumento e também, e não menos importante, no fato de socializar os riscos com o paciente, colocar claramente que o alcance dos fins pretendidos depende igualmente da sua colaboração no sentido de seguir à risca as prescrições médicas.

Por não ser a Medicina uma ciência exata, por apresentar uma gama de situações e pacientes de níveis culturais variáveis, acreditamos que o Consentimento Informado final não deva ser um formulário padrão. Embora a lei permita o consentimento verbal, desaconselhamos sua utilização, principalmente naqueles casos em que haja procedimentos invasivos, mormente intervenções cirúrgicas.

Outro fator importante é o tempo que o paciente ou seu representante legal terá para ler, entender e consentir. Sempre que possível deverá haver uma antecedência que não torne o Consentimento Informado imperativo ou imposto, o que tornaria nulo este documento. Alguns falam em 24 horas11, outros, como nós, defendem a tese que este exercício deve ser fundamentado no bom senso e na boa fé, que devem nortear as relações em geral.

"A imposição, a insuficiência ou vícios de informação são fatores que podem levar à nulidade o Consentimento Informado, fazendo com que o Judiciário julgue a matéria como se inexistisse o documento"12.

A ignorância caracterizada pela ausência de conhecimento sobre os fatores que permeiam a decisão e os erros pela falsa noção sobre determinado fator, se comprovados, anulam o ato.


CONCLUSÕES

1. A obtenção do consentimento informado é dever do médico, na sua inobservância estará agindo com negligência, violando o direito de personalidade de seu paciente.

2. A informação deve ser clara e objetiva para validade do consentimento, pois na hipótese de submissão do paciente ao tratamento médico por insuficiência de esclarecimento dos dados, inválido será o consentimento informado.

3. O Consentimento Informado legitima a ação médica, embora não afaste a possibilidade de responsabilização por erro decorrente de culpa.

4. Embora a lei permita o consentimento verbal, desaconselhamos sua utilização, tendo em vista a fragilidade deste instrumento na forma oral. Sua eficácia enquanto meio de prova estará bastante prejudicada.

5. "Os quatro elementos necessários para que um consentimento informado seja considerado válido: Fornecimento de informação, Compreensão, Voluntariedade e Consentimento"13.


AGRADECIMENTO

Dr. José Wellington Cavalcante - meu pai, pela correção do português e Dr. Eduardo Fogaça Olivie - advogado, pela ajuda na compreensão dos termos jurídicos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Magalhães apud Rodrigues JV. O consentimento informado para o ato médico no ordenamento jurídico português: elementos para o estudo da manifestação de vontade do paciente.

2. Kfouri Neto M. Responsabilidade civil do médico. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais; 2001.

3. Silva CA. O consentimento informado e a responsabilidade civil do médico. Acessado em: 15/05/2005. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3809

4. O Consentimento Informado: uma questão do interesse de todos. Jornal Medicina do Conselho Federal. 2000; out/nov p.9.

5. Código de Defesa do Consumidor.

6. Código Civil Brasileiro.

7. Aguiar Jr RR. Responsabilidade civil do médico. Rev Jurídica. 1997;231:122-47.

8. Código Penal Brasileiro.

9. Código de Ética Médica.

10. rel. Moacir Soprani - proc.111/1997 - origem: CRM-DF. Acessado em: 04/11/2002. Disponível em: http://www.cfm.org.br

11. Gloger C. Responsabilidade civil médica e hospitalar: a importância da informação segundo os direitos brasileiro e alemão. Acessado em: 25/04/2004. Disponível em: www.ahmg.com.br

12. Matielo FZ. Responsabilidade civil do médico. Porto Alegre:Sagra-Luzzatto;1998.

13. English DC. Bioethics: a clinical guide for medical students. New York:Norton;1994.










Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Membro da Câmara Técnica de Cirurgia Plástica do CRM - SC.

Correspondência para:
Marco Antônio Cavalcanti
Rua Luiz de Freitas Melro, 6, Apto 701 - Centro
Blumenau, SC, Brasil
Tel.: 0xx47 326-9670
E-mail: cavalcanti@intervip.psi.br

Trabalho realizado na Clínica Saint Honoré - Rua Luiz de Freitas Melro, 6/701, Centro - Blumenau, SC

Artigo recebido: 02/09/2005
Artigo aprovado: 22/11/2005

 

Previous Article Back to Top Next Article

Indexers

Licença Creative Commons All scientific articles published at www.rbcp.org.br are licensed under a Creative Commons license