ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175
Use of adipofascial reverse flap in skin loss of distal third of leg and hindfoot
Utilização do Retalho Adipofascial Reverso nas Perdas de Substância Cutânea do Terço Distal da Perna e Pé
Original Article -
Year2005 -
Volume20 -
Issue
3
Jefferson Braga-SilvaI, Pedro Djacir Escobar MartinsII, Javier A RománIII, Daniel GehlenIV
ABSTRACT
Background: Reconstructive lower limb surgery may represent a great challenge to the surgeon, mainly when the injury is located in the distal third of the leg and hindfoot. Among options available for skin coverage, the reverse adipofascial flap with distal pedicle and constant vascular pattern may be performed in different sizes and reach even the more distal areas. Method: From April 1995 to May 2002, fifteen adipofascial flaps were used to coverage skin defects located in the distal third of the leg and hindfoot. Results: One case of partial flap necrosis was observed, while in all the others cases good skin coverage was achieved, which allowed return to weight bearing after 6 weeks. The reconstruction was immediate in eight patients, while in the others it was performed after a week. Conclusions: A reverse adipofascial flap is a reliably option with satisfactory results for skin coverage for the treatment of most distal dorsal leg and hindfood defects.
Keywords:
Leg, surgery. Calcaneus. Leg injuries. Surgical flaps
RESUMO
Introdução: A cirurgia reconstrutiva do membro inferior pode representar um grande desafio para o cirurgião, principalmente quando a lesão atinge as regiões aquiliana e do calcâneo. Dentre as opções existentes de reconstrução, o retalho adipofascial com pedículo distal apresenta vascularização constante, dimensão variável e pode atingir até mesmo as regiões mais distais. Método: No período de abril de 1995 a maio de 2002, realizaramse quinze retalhos adipofasciais para a cobertura cutânea do terço distal da perna e pé. Resultados: Em um caso observou-se necrose parcial, os demais pacientes obtiveram cobertura adequada que permitiu a deambulação em até seis semanas. A reconstrução imediata foi realizada em oito pacientes, sendo os demais submetidos à cirurgia cerca de uma semana após o trauma. Conclusão: O retalho adipofascial reverso é uma opção confiável e com resultados satisfatórios no tratamento dos defeitos mais distais da perna e região do calcâneo.
Palavras-chave:
Perna, cirurgia. Calcâneo. Traumatismo da perna. Retalhos cirúrgicos
INTRODUÇÃO
A cobertura cutânea do terço distal da perna, em especial da região aquiliana e do calcâneo, representa um problema terapêutico ao cirurgião. Adequada proteção às estruturas profundas com mínima seqüela na zona doadora1-6 e vascularização constante são alguns dos fatores que se tem buscado na cobertura ideal. A quantidade de tecido transferido deve permitir o apoio plantar para a deambulação. Os principais fatores limitantes são as dimensões e a profundidade da lesão e presença de osteomielite 6. A simples enxertia de pele é utilizada quando não há exposição óssea, nervosa, tendinosa ou vascular. Entretanto, em muitos casos os retalhos constituem a melhor solução e comumente são utilizados retalhos fasciocutâneos, musculares e músculo-cutâneos, pediculados ou microcirúrgicos. O objetivo dos autores com o presente trabalho é demonstrar a utilização do Retalho Adipofascial Reverso (RAR), que é nutrido pelos ramos perfurantes cutâneos das artérias fibular e tibial posterior, como uma opção segura para a cobertura cutânea do terço distal do membro inferior e pé 2,7.
Técnica cirúrgica
O conhecimento da anatomia do sistema vascular é fundamental para a realização de retalhos nos membros inferiores.
No RAR, não são utilizados ramos cutâneos nem aqueles que acompanham o trajeto nervoso, de forma que não há perda da sensibilidade na superfície cutânea 8. Não obstante, o suprimento sangüíneo fascial e subcutâneo, que é constante, é responsável pela vascularização abundante do retalho. Todo o subcutâneo é adicionado ao retalho a fim de assegurar viabilidade, com exceção de uma delgada camada que é deixada sob a derme, com o objetivo de evitar a lesão do plexo subdérmico, que irriga os retalhos cutâneos confeccionados na área doadora2.
A vascularização do RAR depende de dois plexos vasculares, um profundo a nível da fáscia muscular, e outro superficial, que aparece no próprio tecido subcutâneo a partir das artérias tibial posterior e fibular 7,8. A irrigação a partir da fáscia muscular é feita a partir de artérias de pequeno calibre originadas de ramos diretos e indiretos identificados superficialmente à fáscia profunda. O plano superficial de irrigação é mais importante do que o profundo, e não há conexão entre os dois planos. Na rede subcutânea existe uma rica rede vascular onde ramos diretos e indiretos são igualmente importantes5. Todas as artérias que aparecem na região têm trajeto longitudinal, oferecendo muitas anastomoses transversas de forma que se percebem vasos diretos oriundos de artérias de longo curso7,9,10 (Figuras 1 a 6).
Figura 1 - Perda de substância ao nível da região aquiliana.
Figura 2 - Desepidermização da pele.
Figura 3 - Secção proximal e lateralmente do RAR.
Figura 4 - Rotação do retalho em 180 graus e fechamento da zona doadora.
Figura 5 - Cobertura da perda de substância.
Figura 6 - Resultado.
A área a ser recoberta é inicialmente estimada e esta medida é transposta para a região posterior da perna. O retalho é desenhado no relevo da região da panturrilha. O ponto pivô do pedículo fica a uma distância de quatro dedos do maléolo medial. A incisão cutânea tem a forma de uma letra "H", tendo como limite superior 3 a 5 cm abaixo da fossa poplítea e 6-8 cm acima do maléolo medial. Entre estes limites, a incisão cutânea atravessa a panturrilha, originando dois retalhos cutâneos que mais tarde são utilizados para o fechamento da área doadora. É preservada pequena quantidade de tecido adiposo conectado à derme destes retalhos cutâneos, a fim de não lesar o plexo subdérmico5. Os retalhos cutâneos são, então, elevados e rebatidos de forma a expor a superfície gordurosa do retalho adipofascial. Nas margens laterais do tecido gorduroso - transição tecido adiposo e derme dos dois retalhos desepitelizados - outra incisão se aprofunda na gordura, até atingir a fáscia muscular. O retalho é, então, erguido de seus limites lateral e medial juntamente com a fáscia muscular, ficando preso apenas pela sua extremidade superior próxima à região da fossa poplítea. Pequenas artérias que aparecem junto da fáscia quando esta é seccionada deverão ser ligadas e divididas, a fim de promover a liberação do retalho. Com o retalho solto nas laterais, o próximo passo é incisá-lo no seu ponto superior. O retalho inteiro pode, então, ser rebatido e transposto à região receptora. Com a articulação do tornozelo em 90O, o retalho é fixado sem tensão. Uma vez na zona receptora, o RAR e seu pedículo são recobertos com enxerto de pele parcial (Figuras 7 a 10).
Figura 7 - Perda de substância ao nível do calcâneo.
Figura 8 - Desepidermização da pele, secção proximal e lateralmente do RAR.
Figura 9 - Cobertura da perda de substância.
Figura 10 - Resultado.
MÉTODO
Durante o período de abril de 1995 a maio de 2002, realizaram-se por um dos autores (JBS) 15 retalhos adipofasciais para a cobertura do terço distal da perna. Doze pacientes eram do sexo masculino e três do sexo feminino. A idade variou de dezoito a sessenta e cinco anos (média 43 anos). O critério de inclusão foi a presença de traumatismo com exposição óssea ou tendinosa. Foram excluídos pacientes com traumatismo na região doadora do retalho.
RESULTADOS
O tamanho do retalho variou de acordo com o do defeito. Em doze pacientes, ele foi demarcado como quase toda a extensão da região posterior da perna.
Em oito pacientes, a reconstrução foi realizada imediatamente após o trauma, enquanto que nos outros sete, a cirurgia foi realizada até uma semana após. Não se observou necrose em catorze dos quinze retalhos adipofasciais executados. Em um paciente, a porção distal do retalho sofreu perda de aproximadamente 2 cm. Em outros dois pacientes, a zona doadora - retalhos cutâneos utilizados para o fechamento direto - apresentou pequena área de epidermólise junto à linha de sutura, o que se resolveu sem necessidade de reintervenção cirúrgica.
Em relação às áreas enxertadas, observou-se integração do enxerto de pele na superfície fascial do RAR. Não se observou a formação de seroma no pós-operatório.
A cobertura cutânea obtida permitiu a deambulação apoiando toda a região plantar, a partir de seis semanas do pós-operatório.
DISCUSSÃO
O terço distal do membro inferior e a região do calcâneo são freqüentemente expostos a traumatismos e, quando há necessidade de cobertura cutânea, percebe-se como é difícil a reconstrução desta região11.
O emprego de enxertos cutâneos freqüentemente não é suficiente devido à proximidade da pele ao osso e da pobre circulação local 11.
Manchot foi o primeiro a descrever, em 1899, os territórios cutâneos vasculares. Em 1892, Quénu e Lejars já haviam descrito a rede vascular que acompanha os nervos superficiais, reestudados por Salmon, em 1936. Potén demonstrou, em 1983, que retalhos da perna podem atingir dimensões maiores com a inclusão da fáscia muscular. Donski e Fogdestam1 descreveram, em 1983, o retalho fasciocutâneo de pedículo distal baseado na artéria peroneira6,12.
Gumener et al.2 descreveram o retalho adipofascial com base distal associado com enxerto de pele, sendo esse procedimento motivado pelas dificuldades encontradas com a utilização dos retalhos fasciocutâneos na cobertura do terço inferior do membro inferior. Gumener et al.2 propuseram o refinamento do retalho adipofascial, enfatizando a facilidade de dissecção e a segurança em relação ao suprimento vascular, que pode ser classificado como tipo A na classificação de Cormack and Lamberty2,13.
Retalhos microcirúrgicos proporcionam excelente cobertura em apenas um ato cirúrgico. Os retalhos inguinal, grande dorsal, serrátil e tensor da fáscia lata comumente são usados para cobertura dessa região9. Entretanto, defeitos no contorno corporal associados a cicatrizes em áreas muito visíveis são problemas relatados11.
Retalhos em ilha como os da artéria peroneira, tibial posterior e tibial anterior podem ser transferidos para o terço distal da perna, mas a necessidade de sacrificar um eixo vascular se constitui em uma grande desvantagem. Os retalhos tipo pernacruzada também foram utilizados mas, em pacientes adultos, o risco de trombose venosa profunda é muito alto devido à imobilização no pós-operatório.
Os retalhos neurocutâneos apresentam a vantagem de um pedículo vascular confiável, respeitando o trajeto dos nervos safeno, fibular superficial e sural e podem cobrir pequenas áreas no terço distal da perna. A maior desvantagem da confecção dos mesmos é a conseqüente perda da sensibilidade cutânea na área doadora, sem trazê-la de volta à região receptora.
Os retalhos adipofasciais podem ser confeccionados em grandes dimensões, facilmente alcançando regiões mais distais do membro inferior. A inclusão do subcutâneo aumenta a espessura do retalho e, ao mesmo tempo, assegura sua circulação2,3,8. De forma esquemática, as principais vantagens dos retalhos adipofasciais estão resumidas na Tabela 1.
Quanto às desvantagens, alguns autores consideram que a possibilidade da cobertura ser executada em dois tempos cirúrgicos, ou seja, a enxertia de pele num segundo tempo para assegurar a viabilidade do retalho adipofascial e a formação de tecido de granulação para a aposição do enxerto se constitui em problema para a técnica 2. Na presente série de casos, todos pacientes foram tratados num único tempo cirúrgico. Outra desvantagem reside no fato de que em pacientes com fraturas no membro inferior associadas à contusão de partes moles na região posterior da perna, a confecção do retalho pode estar comprometida. Por este motivo, Bocci descreve o emprego rotineiro do Doppler nestes pacientes a fim de obter comprovação por ultra-sonografia de pelo menos dois vasos perfurantes na área do pedículo8.
CONCLUSÃO
Ossos e tendões expostos após o traumatismo são muito suscetíveis à infecção. A reparação da região aquiliana e do calcâneo é muito difícil, visto que retalhos locais não alcançam a região facilmente e retalhos microcirúrgicos apresentam índices de sucesso muito variáveis. Na presente série de casos, utilizou-se o Retalho Adipofascial Reverso como uma opção confiável e com resultados satisfatórios para os defeitos mais distais da perna e região do calcâneo.
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I. Professor da Faculdade de Medicina da PUC-RS e Responsável pela Cirurgia da Mão e Microcirurgia Reconstrutiva do Hospital São Lucas da PUC-RS.
II. Professor da Faculdade de Medicina da PUC-RS e Regente do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital São Lucas da PUC-RS.
III. Estagiário da Unidade de Cirurgia da Mão e Microcirurgia Reconstrutiva do Hospital São Lucas da PUC-RS.
IV. Acadêmico da Faculdade de Medicina da PUC-RS.
Correspondência para:
Jefferson Braga-Silva
Av. Ipiranga, 6690, conj. 216, Centro Clínico - PUC-RS
Porto Alegre, RS, Brasil - CEP: 90610-000
Tel/ Fax: 0xx51 3315- 6277 / 33 20- 5040
E-mail: jeffmao@terra.com.br
Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Plástica - Unidade de Cirurgia da Mão e Microcirurgia Reconstrutiva do Hospital São Lucas da PUC-RS. Porto Alegre - RS.
Artigo recebido: 04/07/2005
Artigo aprovado: 09/09/2005
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