INTRODUÇÃO
O câncer de pele não melanoma é o mais comum no Brasil e no mundo. Para o Brasil,
estimam-se 165.580 casos novos de câncer de pele não melanoma para cada ano do
biênio 2018-20191.
Este tipo de câncer localiza-se com mais frequência na face, causando morbidade tanto
funcional quanto estética aos pacientes2. O
tratamento tem como objetivo a ressecção oncológica da lesão, preservando a função
e
causando a menor deformidade possível3.
Entretanto, os defeitos craniofaciais e do terço médio da face após extensas
ressecções tumorais têm consequências funcionais e estéticas substanciais4.
Apesar da existência de muitas técnicas para o reparo destes defeitos, a reconstrução
ideal depende da avaliação criteriosa de cada caso clínico e tem por finalidade
alcançar o melhor resultado, tanto funcional como estético, com mínima morbidade
na
área doadora e ao paciente5.
O retalho miocutâneo transverso do platisma, apesar de pouco relatado na literatura,
mostrou-se uma boa opção para a reconstrução de perdas do terço médio e inferior
da
face, como será demonstrado nos casos a seguir6.
OBJETIVO
Relatar dois casos em que foram utilizados o retalho miocutâneo transverso do
platisma, para reconstrução de grandes defeitos do terço médio e inferior da
face.
RELATO DE CASO
O caso 1 trata-se de uma paciente do sexo feminino, de 87 anos, que apresentou uma
lesão vegetante com cerca de 3 anos de evolução, medindo 9cm em seu maior diâmetro,
localizada em terço médio e superior da hemiface esquerda, com invasão da mucosa
bulbar ocular (Figura 1).
Figura 1 - Carcinoma espinocelular acometendo terços superior, médio e inferior
de hemiface esquerda.
Figura 1 - Carcinoma espinocelular acometendo terços superior, médio e inferior
de hemiface esquerda.
Foi realizada a excisão da lesão com margens oncológicas, sem a preservação do
periósteo e exanteração de órbita, com esvaziamento das cadeias linfonodais
cervicais ipsilaterais (Figura 2).
Figura 2 - Defeito após a ressecção oncológica do tumor em hemiface esquerda e
retalho miocutâneo transverso do platisma dissecado.
Figura 2 - Defeito após a ressecção oncológica do tumor em hemiface esquerda e
retalho miocutâneo transverso do platisma dissecado.
Para a cobertura do defeito do terço superior foi confeccionado o retalho médio
frontal, baseado nas artérias supraorbitária e supratroclear e para cobertura
do
terço médio foi confeccionado o retalho miocutâneo transverso do platisma,
ipsilaterais ao defeito (Figura 3).
Figura 3 - Pós-operatório imediato à esquerda; e à direita o resultado após 9
meses da ressecção da lesão tumoral, e reconstrução com retalhos
médio-frontal e miocutâneo transverso do platisma ipsilaterais.
Figura 3 - Pós-operatório imediato à esquerda; e à direita o resultado após 9
meses da ressecção da lesão tumoral, e reconstrução com retalhos
médio-frontal e miocutâneo transverso do platisma ipsilaterais.
O caso 2 refere-se a um paciente do sexo masculino, de 82 anos, com uma lesão
vegetante, medindo cerca de 12cm em seu maior diâmetro, localizado em terço médio
e
inferior da hemiface esquerda, com acometimento de orelha externa (Figura 4).
Figura 4 - Carcinoma espinocelular extenso em hemiface esquerda, com invasão de
orelha externa.
Figura 4 - Carcinoma espinocelular extenso em hemiface esquerda, com invasão de
orelha externa.
A excisão foi realizada com margens oncológicas, juntamente com amputação da orelha
externa, porém conseguiu-se preservar o periósteo temporal (Figura 5).
Figura 5 - À esquerda o defeito após a ressecção oncológica do tumor; e à
direita o pós-operatório imediato da reconstrução com enxerto de pele
total em regiões infraorbitária e temporal, e retalho miocutâneo
transverso do platisma em região inferior de hemiface.
Figura 5 - À esquerda o defeito após a ressecção oncológica do tumor; e à
direita o pós-operatório imediato da reconstrução com enxerto de pele
total em regiões infraorbitária e temporal, e retalho miocutâneo
transverso do platisma em região inferior de hemiface.
Para reconstrução, foi realizada, na região temporal, a enxertia de pele total
retirada da região abdominal, e para a cobertura do terço médio-inferior foi
utilizado o retalho miocutâneo transverso do platisma (Figura 6).
Figura 6 - Pós-operatório após 9 meses.
Figura 6 - Pós-operatório após 9 meses.
Técnica cirúrgica
Após ressecção da neoplasia com margens oncológicas, o retalho miocutâneo
transverso do platisma foi planejado para que sua base estivesse na extremidade
lateral do pescoço, na zona infra-parotídea e sobre a borda posterior do terço
médio do músculo esternocleidomastoideo, de onde emergem suas perfurantes.
A extensão do retalho em ambos os casos foi calculada de acordo com o defeito a
ser coberto e de modo a não ultrapassar 2cm da linha média cervical. O diâmetro
supero-inferior do retalho foi calculado através do pinçamento bidigital de
maneira que alcançasse o maior diâmetro de base possível, na medida em que o
defeito da área doadora pudesse ser fechado com síntese primária.
Os retalhos foram levantados da maneira acima descrita incluindo pele, tecido
celular subcutâneo, platisma e fáscia adipofascial profunda, com preservação
das
perfurantes e da veia jugular externa. As medidas dos retalhos foram
respectivamente: 5x11cm e 6x10cm. O esvaziamento cervical foi realizado logo
após. A áreas doadoras foram fechadas através de síntese primária e os retalhos
posicionados para cobertura dos defeitos.
RESULTADOS
Os tumores foram ressecados com margens livres e tiveram o estudo anatomopatológico
evidenciando carcinoma espinocelular invasivo moderadamente diferenciado em ambos
os
casos. Não houve complicações pós-operatórias, e os retalhos evoluíram com boa
perfusão, sem áreas de necrose. Foi observada diferença de coloração do retalho
em
relação a pele da face nos dois casos e ectrópio no segundo caso.
DISCUSSÃO
O músculo platisma é um músculo cuticular que ocupa grande parte do segmento
anterolateral do pescoço. Trata-se de um músculo achatado que tem um pedículo
arterial dominante proveniente da artéria submentoniana, além de irrigação arterial
acessória vinda do tronco tireocervical7.
Desde o seu primeiro uso relatado pelo cirurgião austríaco Robert Gersuny, no século
XIX e sua introdução na literatura em 1978, por Futrell et al., o
retalho miocutâneo do platisma ganhou notoriedade crescente8-14.
Através do plano pele-subcutâneo-platismal do segmento anterolateral do pescoço
observa-se a presença de ramos das artérias submentoniana, facial, tireoidiana
superior, cervical transversa e occipital. Portanto, com a observação de ramos
arteriais nas camadas adipofasciais mais profundas, que penetram no músculo platisma
e fornecem sangue para o plexo subdérmico, os retalhos de platisma devem ser
considerados fasciomiocutâneos, em vez de retalhos miocutâneos15.
Sua confecção se baseia em uma faixa miocutânea no sentido transversal, com pedículo
largo, podendo avançar até 1 - 3cm além da linha média6.
Os retalhos realizados neste estudo foram confeccionados utilizando como base a
região cervical lateral superior, com bons resultados. Entretanto um estudo recente
mostrou que um maior número de perfurantes platismais foi identificado na região
medial superior, seguido pela região média medial e região lateral superior em
indivíduos caucásicos, enquanto a maioria das perfurantes pôde ser identificada
na
região lateral superior em asiáticos, seguida pela medial média e região medial
superior16.
Devido a idade avançada dos pacientes, comorbidades associadas e a doença
consumptiva, optou-se pelas estratégias reconstrutivas mais rápidas.
O retalho miocutâneo transverso do platisma, foi escolhido para o auxílio na
reconstrução destes casos por se tratar de um retalho de fácil obtenção, rápida
execução e com baixa morbidade à área doadora14.
Observou-se também que é um retalho que facilita a linfadenectomia das cadeias
linfonodais cervicais.
CONCLUSÃO
O retalho miocutâneo transverso do platisma, mostrou-se uma boa opção para cobertura
de grandes defeitos em terço médio e inferior de face quando há preservação do
arcabouço ósseo. As vantagens observadas foram a facilidade de execução, a síntese
primária da área doadora e a facilitação para o esvaziamento cervical.
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Brasil.
5. Sociedade Brasileira de Dermatologia, SE,
Brasil.
6. Hospital Federal de Bonsucesso, Rio de Janeiro,
RJ, Brasil.
Endereço Autor: Hianga Fayssa Fernandes Siqueira,
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Jardins, Aracaju, SE, Brasil. CEP 49025-530. E-mail:
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