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Articles - Year2019 - Volume34 - (Suppl.3)

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2019RBCP0187

RESUMO

Introdução: A gangrena de Fournier é uma doença infecciosa de início insidioso, rapidamente progressiva e agressiva. Existem várias técnicas possíveis, como enxertos cutâneos, retalhos miofasciocutâneos e fasciocutâneos, além do fechamento primário da lesão, se viável. O retalho fasciocutâneo superomedial da coxa é uma opção muito utilizada, devido ao fato de apresentar bons resultados estéticos e funcionais, além de simples execução.
Relato de caso: Paciente masculino, 62 anos, encaminhado após desbridamento por gangrena de Fournier. Foi realizado cirurgia para reconstrução de períneo, sendo usado retalho superomedial de coxa bilateral.
Discussão: O retalho fasciocutâneo superomedial da coxa foi descrito por Hirshowitz, et al., como sendo um retalho provavelmente arterial, localizado na curvatura medial da coxa. Possui boa espessura, facilidade de rotação, excelente aspecto estético e complicações como necrose são muito raras, devido à rica vascularização que o torna muito seguro, inclusive em pacientes diabéticos e portadores de vasculopatias.

Palavras-chave: Gangrena de Fournier; Retalhos cirúrgicos; Extremidade inferior; Reconstrução; Cirurgia plástica


INTRODUÇÃO

A síndrome ou gangrena de Fournier, também chamada de fasceíte necrosante do períneo, é uma doença infecciosa de início insidioso, rapidamente progressiva e agressiva1,2. Essa afecção se caracteriza por uma evolução fulminante para sepse e é considerada potencialmente fatal, levando a grandes perdas teciduais e apresentando altos níveis de morbimortalidade3,4. Consiste em uma infecção polimicrobiana e apresenta uma causa identificável em 70 a 90% dos casos, sendo frequentemente associada às infecções dermatológicas, anorretais ou urológicas, bem como decorrente de trauma1,5. As áreas mais acometidas são a pele da região escrotal e perineal, sendo, portanto, uma doença mais frequente no sexo masculino. Nesse âmbito, existem várias técnicas possíveis, como enxertos cutâneos, retalhos miofasciocutâneos e fasciocutâneos, além do fechamento primário da lesão, se viável4. O retalho fasciocutâneo superomedial da coxa é uma opção muito utilizada, devido ao fato de apresentar bons resultados estéticos e funcionais, além de simples execução6,7.

OBJETIVO

Demonstrar o uso do retalho fasciocutâneo superomedial de coxa para reconstrução do períneo após gangrena de Fournier.

MÉTODO

Paciente masculino, 62 anos, vem encaminhado para o serviço de cirurgia plástica após desbridamento por gangrena de Fournier. O paciente apresentava hérnia inguinal assintomática há muitos anos, no entanto, após um trauma sofrido em testículo direito, realizou cirurgia para ressecção de escroto, que progrediu com edema importante, infecção e necessidade de desbridamento cirúrgico. Após o procedimento, foi encaminhado para a cirurgia plástica do Hospital São Lucas da PUCRS, em bom estado geral; apresentando exposição testicular, bem como de região perineal à direita exposta e com área cruenta (Figura 1 e 2). Foi realizada drenagem de secreção, antibioticoterapia para descolonização, e cirurgia para reconstrução de períneo, sendo usado retalho superomedial de coxa bilateral (Figura 3 e 4).

Figura 1 - Pré-operatório: lesão com exposição testicular.

Figura 2 - Pré-operatório: marcação do retalho.

Figura 3 - Trans-operatório: confecção do retalho bilateral.

Figura 4 - Pós-operatório imediato: cobertura total da lesão.

RESULTADOS

O procedimento não apresentou intercorrências. O paciente evoluiu com bom estado geral, lúcido, orientado, hidratado e com sinais vitais estáveis. No terceiro dia de pós-operatório foi retirada a drenagem aspirativa fechada. A cobertura cutânea apresentou boa cicatrização, com excelente funcionalidade e aspecto estético dentro do esperado. Não houve complicações no pós-operatório.

DISCUSSÃO

A síndrome de Fournier, descrita inicialmente em 1883, é uma doença infecciosa polimicrobiana, com acometimento preferencial dos genitais, períneo e região perineal, podendo se alastrar para a raiz da coxa e abdome inferior4. A partir da instalação do processo infeccioso, ocorre uma evolução rápida e progressiva para necrose das estruturas, a qual se estende até o plano fascial, gerando a desvitalização dos tecidos e podendo levar a óbito quando não tratada de maneira precoce2,5. A doença é caracterizada histologicamente por uma endarterite obliterante, acompanhada de isquemia e trombose dos vasos subcutâneos, o que resulta em necrose da pele e tecido celular subcutâneo adjacente, mesmo antes da evidência de bolhas, eritema e crepitação2,3. Existem fatores predisponentes para a fasceíte necrosante, como diabetes mellitus - mais comumente associado -, trauma local, extravasamento de urina, intervenção perirretal ou perianal, extensão de infecção periuretral, abscesso anorretal, infecção geniturinária, alcoolismo, imunossupressão, portadores de HIV, doença renal ou hepática2. A enfermidade é mais prevalente em homens, em uma proporção de 10:1, com predileção por pacientes entre a terceira e sexta década de vida e com comorbidades predisponentes2,3. É importante considerar que o foco inicial da doença geralmente decorre de um trauma ou de uma infecção na região perianal ou urinária, sendo a etiologia identificada em 70 a 90% dos casos1,5. A apresentação clínica do paciente com síndrome de Fournier é variável, sendo os sinais e sintomas mais comuns: dor, hiperemia, edema de região perineal, crepitação, drenagem de secreção serosa, febre, calafrios, podendo evoluir para choque3. Devido à evolução rápida e agressiva, e ao grande potencial da infecção originar sepse, é necessário o tratamento com antibioticoterapia endovenosa de largo espectro, a fim de atingir germes gram positivos, negativos e anaeróbios, bem como o controle hidroeletrolítico2,8. Além disso, o tratamento cirúrgico é essencial e consiste em drenagem e desbridamentos que visam atingir a margem de tecido sadio e, dessa forma, controlar o processo infeccioso, podendo repetir o procedimento, caso necessário1,3. A necessidade de extenso desbridamento traz como desvantagens perdas teciduais importantes, além da exposição de áreas cruentas extensas, com eventual exposição da musculatura dos testículos, os quais ficam desprotegidos e suspensos2,7. Dessa forma, faz-se necessária a participação do cirurgião plástico que, por meio de diferentes técnicas, realiza a reconstrução escrotal, buscando manter as características fisiológicas e estéticas1. Essa reconstrução cirúrgica deve ser iniciada quando a área cruenta não apresentar sinais de infecção8. Deve-se sempre considerar três aspectos: a cicatrização da ferida, a manutenção da função e a recuperação estética8. Dentre as técnicas de reconstrução descritas, temos a utilização de pele remanescente do escroto, de retalhos fasciocutâneos da coxa (face anterior ou face medial) ou de retalhos miocutâneos de músculo gracilis. Quando se faz necessário o uso de retalhos de vizinhança, o retalho superomedial da coxa é uma boa alternativa, devido ao fato de apresentar aspecto semelhante ao tecido original7. O procedimento ideal visa a realização em tempo cirúrgico único, com espessura de pele e subcutâneo adequadas, resistente à tração e movimentos, com sequelas mínimas para a área doadora e que mantenha as características originais do órgão1. Para obter isso, diversas técnicas foram descritas e a escolha depende das características inerentes à lesão e das preferências do cirurgião. O retalho fasciocutâneo superomedial da coxa foi descrito por Hirshowitz, et al., como sendo um retalho provavelmente arterial, localizado na curvatura medial da coxa. Ele possui uma rica vascularização, sendo o suprimento arterial proveniente de ramos da artéria pudenda externa, ramo anterior da artéria obturatória e ramos da artéria circunflexa femoral medial1,2. É um retalho idealizado obliquamente e com base sobre o músculo abdutor longo da coxa, que é transposto uni ou bilateralmente visando confeccionar a neobolsa escrotal para cobertura testicular3. O retalho superomedial possui boa espessura, facilidade de rotação, excelente aspecto estético e complicações como necrose são muito raras, devido à rica vascularização que o torna muito seguro, inclusive em pacientes diabéticos e portadores de vasculopatias. Esse tipo de retalho apresenta boa aplicabilidade e excelentes resultados estéticos, sendo uma boa alternativa em lesões mais extensas, quando não há quantidade suficiente de pele para realizar cobertura total dos testículos2,3. Uma das principais vantagens é o fato de a região superomedial da coxa possuir tecido semelhante ao do escroto, com a presença de pelos e preservação da sensibilidade local6,7. Além disso, permite uma simples execução em único tempo cirúrgico, confiabilidade vascular e não deixa sequela em área doadora1,2. Como desvantagens, a literatura demonstra limitação do diâmetro transverso e elasticidade da pele na região doadora, bem como a escassez de pele na região em pacientes jovens2,7. Após o procedimento, os pacientes devem ter restrição dos movimentos por uma semana e a antibioticoterapia deve ser mantida por dez dias6.

CONCLUSÃO

A síndrome de Fournier apresenta um grande potencial fatal, sendo, portanto, necessário o seu tratamento precoce e adequado. A fim de realizar a reconstrução, as seguintes características devem ser consideradas: cirurgia em tempo único, sensibilidade mantida, mínima morbidade em área doadora, simplicidade na execução e confiabilidade no retalho2. Dessa forma, o retalho superomedial da coxa constitui uma excelente opção para a reconstrução escrotal, proporcionando melhora estética e funcional para o paciente1,2.

REFERÊNCIAS

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8. Dornelas MT, Correa M de PD, Barra FML, et al. Síndrome de Fournier: 10 anos de avaliação. Rev Bras Cir Plást. 2012 Dec;27(4):600-604. DOI: 10.1590/s1983-51752012000400022 DOI: https://doi.org/10.1590/S1983-51752012000400022











1. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Partenon, Porto Alegre, Brasil.
2. Universidade Luterana do Brasil, São José, Canoas, RS, Brasil.

Endereço Autor: Paulo Eduardo Macedo Caruso, Av. Ipiranga, 6690, Jardim Botânico, Porto Alegre, RS, Brasil. CEP: 90619-900. E-mail: pauloemcaruso@gmail.com

 

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